APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024748-85.2015.4.03.6100
RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR
APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES
APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS
Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS - SP273843-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024748-85.2015.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS - SP273843-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) contra sentença que julgou procedente o pedido vertido na inicial e condenou o ente público federal a pagar, a título de indenização por danos materiais, o valor equivalente a R$ 34.001,28, no bojo da presente ação de ressarcimento, proposta pelo Bradesco Auto/Re Companhia de Seguros S.A. em face daquela autarquia federal, objetivando a condenação da parte ré ao pagamento indenizatório, da referida importância. Narra a inicial que a autora firmou contrato de seguro, na modalidade RCFV Auto Responsabilidade Civil Facultativa de Proprietário de Veículo Automotor de Via Terrestre, representado pela apólice nº 487814, com o segurado João Campos Bringel Neto ME., por meio do qual se obrigou, mediante o pagamento do prêmio, a garantir o veículo da marca FORD, modelo CARGO 815E, ano/modelo 2010/2011, placa NVC-9600, contra os riscos, dentre outros, de acidentes de trânsito. Relata que, em 14/01/2013, o veículo assegurado, conduzido pelo Sr. José Glicério Ferreira de Santana, trafegava, dentro dos padrões exigidos em lei, pela Rodovia Federal BR-110, sentido Salvador-Cipó, quando, na altura do KM 237, no Município de Alenaína/BA, foi surpreendido por um cavalo, que atravessava a pista, ocasião em que o condutor não logrou êxito em desviá-lo, vindo a colidir contra o animal, à frente de seu veículo (um caminhão). Sustenta que o veículo assegurado sofreu danos materiais (parcialmente), cujos prejuízos foram custeados pela autora, na qualidade de seguradora, no montante de R$ 34.001,28, em 30/05/2013 (conforme tela de pagamento e termo de quitação anexos – docs. 11 e 12), a qual se sub-rogou nos direitos e ações que competiam ao segurado, à luz do art. 786 do CC e Enunciado nº 188 da Súmula do STF. Alega que restou infrutíferas as diversas tentativas de acordo extrajudicial com a parte ré, motivo pelo qual, a autora propôs a presente ação. Disserta sobre a responsabilidade civil do DNIT pelos danos materiais provocados no veículo assegurado, em virtude do sinistro relatado, a ser analisada pela via de regresso. Regularmente processado o feito, sobreveio sentença que julgou procedente o pedido, nos termos do art. 487, I do CPC/15, para condenar o DNIT a pagar, a título de indenização por danos materiais, a importância de R$ 34.001,28, acrescida de correção monetária e juros, desde o evento danoso, utilizando-se os índices previstos na Resolução nº 267/2013 do CJF c/c art. 1º-F da Lei nº 9.494/99, excluídos os índices da poupança, à luz do RE 870.947. Ainda, o réu foi condenado a pagar honorários sucumbenciais, no percentual de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, I do CPC. Irresignado, apela o DNIT, pautado nos seguintes fundamentos: a) preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam do apelante, sob os seguintes argumentos: a) a responsabilidade civil do animal pela guarda e vigilância deste e pelos prejuízos causados a coisas, plantações ou pessoas pertence ao seu dono (culpa in vigilando), na forma do art. 936 do CC; b) compete, exclusivamente, à Polícia Rodoviária Federal a responsabilidade civil pelo policiamento ostensivo das rodovias federais, em virtude do exercício do poder de polícia; b) no mérito, o recorrente pugna pela reforma da sentença, ao argumento de que: b.1) é inaplicável o código consumerista à presente demanda, na medida em que o uso da rodovia é gratuito, ou seja, não se enquadra no conceito de serviço remunerado, previsto no art. 3º, §2º do CDC, ou qualquer relação de consumo; b.2) a presente demanda se encaixa na hipótese de responsabilidade civil subjetiva do Estado (por “falta do serviço”) e não na modalidade objetiva, prevista no art. 37, §6º da CF, sendo necessário a demonstração, por parte da autora, de dolo ou culpa da Administração, além do dano e nexo causal, entre a conduta imputada e o dano perpetrado; c) ausência de demonstração do nexo causal e culpa exclusiva ou concorrente do condutor (entre a vítima do evento lesivo e o proprietário do animal), em decorrência da falta dos cuidados objetivos, caracterizados pela imprudência ou imperícia (excesso de velocidade), e da ausência de comprovação de que a velocidade era adequada para o tráfego na rodovia; d) o sinistro foi gerado por fato inteiramente alheio à linha de conduta atribuída ao DNIT. Pleiteia a reforma da sentença para que seja julgada improcedente a ação, com a inversão do ônus de sucumbência. Com contrarrazões da parte autora (ID 279401881), os autos subiram a esta E. Corte. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0024748-85.2015.4.03.6100 RELATOR: Gab. 07 - DES. FED. NERY JÚNIOR APELANTE: DNIT-DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAEST DE TRANSPORTES APELADO: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS VAN CLEEF DE ALMEIDA SANTOS - SP273843-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cinge-se a controvérsia em se aferir se restou (ou não) configurado o desvio do nexo causal, por culpa exclusiva ou concorrente entre a vítima e o dono do animal, suficiente para afastar a responsabilidade civil do DNIT, pelo acidente ocorrido na BR-110, sentido Salvador-Cipó, na altura do KM 237, no Município de Alenaina/BA, ao tempo dos fatos, acidente que envolveu o veículo assegurado pela parte autora e um animal na pista de rolamento. Passo ao exame da matéria preliminar, levantada pelo recorrente, qual seja: a ilegitimidade passiva da autarquia ré. I. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DO DNIT: Preliminarmente, a autarquia federal alega que não é parte legítima para figurar no polo passivo desta demanda, atribuindo a responsabilidade civil à Polícia Rodoviária Federal, pela segurança das rodovias e, ao dono do animal, pela guarda e vigilância deste e pelos prejuízos decorrentes do acidente (culpa in vigilando), na forma do art. 936 do CC. Consigne-se, inicialmente, que o acidente narrado na inicial ocorreu em 14/01/2013, data posterior à entrada em vigor da Lei nº 10.233, de 05 de junho de 2011, que criou, dentre outros órgãos, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), pessoa jurídica de direito público, submetido a regime autárquico, vinculado ao Ministério dos Transportes, detentor de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Enquanto órgão gestor e executor da infraestrutura de transportes terrestres e aquaviários em território nacional, o DNIT é responsável pela administração das rodovias federais, que compreende a operação, manutenção, restauração, adequação de capacidade e ampliação mediante construção de novas vias e terminais, nos termos do art. 2º de seu Regimento Interno. Consoante dispõe o art. 82, IV da Lei nº 10.233/01, com redação dada pela Lei nº 11.518/2007, vigente ao tempo dos fatos: “Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação: (...) IV - administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias fluviais e lacustres, excetuadas as outorgadas às companhias docas; (...)” Assim sendo, o recorrente é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de indenização por acidente de trânsito ocorrido em via federal, ainda que objeto de concessão, em razão do dever de fiscalização permanente do serviço público previsto em lei. Nesse sentido, destaco a jurisprudência pacífica desta Corte Regional e do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CPC DE 1973. ACIDENTE DE VEÍCULO EM RODOVIA. LEGITIMIDADE PASSIVA PARA A CAUSA DO DNIT. ILEGITIMIDADE DA UNIÃO, DNER E POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DO AUTOR IMPROVIDA. - O DNIT é responsável, nos termos da Lei n.º 10.233/01, pela gerência da operação das rodovias federais, sendo ele parte passiva legítima para responder às ações judiciais de responsabilidade civil por acidentes de trânsito nelas ocorridos baseadas em falha na prestação desse serviço público - O referido diploma legal veio a extinguir o DNER - A legitimidade da União para representar em juízo o DNER, em face de sua extinção, restringiu-se apenas às ações em curso durante o processo da inventariança, o qual foi encerrado em 2003, com a edição do Decreto nº 4.803, quando, então, o DNIT passou a exercer completamente as suas atribuições - No caso concreto, o acidente ocorreu em 06 de fevereiro de 2010, tendo a ação sido intentada em 17 de dezembro de 2010, datas em que o DNIT já era responsável pelas rodovias federais, pelo que correta a r. sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito, por ilegitimidade passiva da União. Precedentes desta Corte - Quanto à Polícia Rodoviária Federal, cumpre destacar que nenhuma conduta foi atribuída pela inicial a esta, cabendo manter também a ilegitimidade para a causa reconhecida pela r. sentença - Apelação improvida. (TRF-3 - Ap: 00252466020104036100 SP, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, Data de Julgamento: 16/05/2019, QUARTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/05/2019) “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. ANIMAL EM RODOVIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DNIT. PRECEDENTES. 1. Na ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/1973, a violação de lei deve ser direta e evidente, descabendo a utilização desse instrumento para mera rediscussão da causa ou questionamento de interpretação legal possível. 2. No caso, o acórdão recorrido registrou que, nos termos da jurisprudência estabelecida naquela Corte, deve o DNIT responder pelo dano material advindo do acidente provocado por animal na pista. Por outro lado, da legislação invocada pela parte - arts. 80, 81 e 82 da Lei n. 10.233/2001, 20 da Lei n. 9.503/1997, 936 do Código Civil e 37 da Constituição Federal/1988 -, não é possível extrair, ictu oculi, a irresponsabilidade do recorrente pelo evento danoso. 3. Segundo o posicionamento desta Corte Superior, a União e o DNIT possuem legitimidade para figurar no polo passivo da ação reparatória proposta com fundamento na ocorrência de acidente automobilístico em rodovia federal. 4. Recurso especial a que se nega provimento, com majoração dos honorários advocatícios, na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015.” (STJ - REsp: 1625384 PE 2016/0224572-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 02/02/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/02/2017) Por certo, o fato de a legislação civil atribuir ao dono ou detentor do animal o dever de ressarcir o dano causado, nos termos do art. 936 do CC/02, não elide a legitimidade da autarquia federal para figurar no polo passivo desta demanda, notadamente quando sequer foi identificado o dono ou detentor do animal. Nada obsta que, uma vez identificado o proprietário/detentor do animal, o DNIT mova a respectiva ação de regresso para fins de ressarcimento. Desse modo, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva do réu. Passo ao exame do mérito. III. DO MÉRITO: III.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA AUTARQUIA RÉ: Inicialmente, no que tange à responsabilidade civil estatal, o ordenamento jurídico pátrio adotou a modalidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo, a qual prescinde da comprovação da culpa do agente ou da má prestação do serviço, sendo suficiente a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta perpetrada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, à luz do art. 37, §6º da Constituição Federal. Vejamos: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” No mesmo sentido, o Código Civil estabelece que a responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público, por atos de seus agentes, que causem danos a terceiros, se afigura objetiva (independe de culpa), ressalvado o direito de regresso contra os causadores dos danos. Confiram-se: “Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.” “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186 e 187 ), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Nos casos de omissão da Administração Pública, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, com repercussão geral reconhecida, estabeleceu que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no art. 37, § 6º da Constituição Federal, ou seja, a configuração do nexo causal impõe o dever de indenizar, independente da prova da culpa administrativa. A propósito, colho o seguinte precedente jurisprudencial (grifei): “DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESSUPOSTOS. ACIDENTE EM RODOVIA FEDERAL. VEÍCULO DE PASSEIO QUE INVADIU A PISTA CONTRÁRIA E COLIDIU COM CAMINHÃO. PÉSSIMAS CONDIÇÕES DA RODOVIA. BURACO QUE PROVOCOU A SAÍDA DE VEÍCULO PARA A PISTA CONTRÁRIA, VINDO A COLIDIR DE FRENTE COM CAMINHÃO. CULPA EXCLUSIVA DO DNIT ATESTADA POR PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE DA AUTARQUIA. FALHA DO SERVIÇO PÚBLICO. DANOS MATERIAIS. DANOS EMERGENTES E LUCROS CESSANTES. FORMA DE CÁLCULO. TERMO INICIAL DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR DOS DANOS MORAIS CONSTANTE DA PETIÇÃO INICIAL. SUGESTÃO DA PARTE AO JUÍZO. 1. A atual Constituição Federal, seguindo a linha de sua antecessora, estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que de regra os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são: a) ação ou omissão humana; b) dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro. 2. Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva). Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, estabelecendo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". 3. O DNIT responde objetivamente pelos danos advindos de acidentes causados pelas más condições de rodovia federal ou de insuficiência de sinalização durante as obras de ampliação, visto que a situação configura omissão por parte da administração pública. 4. Há falha no serviço público quando a falta de reparos na rodovia caracterizada por buraco de grandes dimensões provoca a saída de motorista para a pista contrária e a colisão frontal com veículo que trafega em sentido contrário. [...] (TRF4, AC 5008024-67.2016.4.04.7001, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 1º-2-2019). Assim, o valor apontado na petição inicial a esse título pode configurar mera sugestão da parte ao juízo.” (TRF-4 - AC: 50017698220154047016 PR 5001769-82.2015.4.04.7016, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 22/10/2019, TERCEIRA TURMA) Por certo, esta tendência de mudança no cenário jurisprudencial não representa a incorporação da teoria do risco integral (vedada pelo ordenamento jurídico pátrio), na medida em que há situações que rompem o nexo de causalidade e podem afastar a responsabilidade civil do Poder Público. São as chamadas causas excludentes da responsabilidade civil estatal, quais sejam: o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros. Nesse contexto, embora seja prescindível a prova da culpa (para a responsabilidade civil objetiva), a doutrina ensina que, no caso de conduta omissiva estatal, é necessário distinguir se a omissão constitui, ou não, o fato gerador da sua responsabilidade, pois somente quando a Administração Pública se omite, perante um dever legal, é que será responsabilizada civilmente e obrigada a reparar. No ponto, esclarece a doutrina que a culpa se origina do descumprimento do dever legal atribuído ao Poder Público de impedir a consumação do dano, consoante lições de José dos Santos Carvalho Filho (in FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Editora Lumen juris, 2011. p. 517): “Quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir seu dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A consequência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal atribuído ao poder público de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas”. Nessa linha, colho os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello (in MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 2004. p.895): "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumprir dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constitua em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva”. No presente caso, é possível vislumbrar a configuração da responsabilidade civil do DNIT por omissão. Vejamos. O acidente automobilístico, envolvendo um animal na pista de rolamento, é fato incontroverso, eis que afirmado pela parte autora na exordial e confirmado pela autarquia demandada, na contestação, além de restar materializado no boletim de ocorrência (ID 279401674). A dinâmica dos fatos revela uma modalidade de acidente frequente nas estradas Brasil afora, envolvendo casos de omissão do Poder Público na gerência da operação das rodovias federais. Na hipótese em comento, o Boletim de Ocorrência atestou os vestígios de materialidade colhidos no local dos fatos, a autoria da colisão e as circunstâncias do evento lesivo. Ainda, registrou a presença do animal na pista (um cavalo), no momento em que o veículo assegurado pelo autor trafegava na rodovia BR-110, na altura do KM 237, no Município de Alenaina/BA, no período noturno, às 22h15min, em 14/01/2013. Além disso, a parte autora apresentou a apólice do seguro nº 487814-0001-486111689, em nome de João Campos Bringel Neto ME, referente ao veículo FORD, modelo CARGO 815E, ano/modelo 2010/2011, de placa NVC-9600, chassi 9BFVCE1N6BBB71548, firmado em 27/04/2012, com vigência de 25/04/2012 a 25/04/2013 (ID 279401674, fls. 78/82). Ainda, foram juntados o comprovante de pagamento (nota fiscal e retificação), a tela de pagamento das despesas com as avarias e o termo de quitação (ID 279401674, fls. 147/148, fl. 152 e fl. 154). Por sua vez, a parte ré juntou um Ofício da Superintendência Regional do DNIT no Estado da Bahia e o contrato de empreitada da Rodovia BR-110/BA (fl. 224, ID 279401674). Com efeito, as provas amealhadas aos autos pelo autor, em cotejo analítico com aquelas juntadas pelo réu, dão conta que o motivo ensejador do acidente narrado na inicial decorreu, exclusivamente, da travessia de um cavalo na pista de rolamento. Ao que se constata dos autos, o aludido animal atravessou a rodovia, no trecho correspondente ao local do sinistro, no momento em que o condutor do veículo assegurado trafegava nesta localidade, ocasião em que sobreveio a colisão. Não há provas da colocação de defensas ou sinalização que alertassem o usuário sobre a presença de animais na pista. Tampouco há provas que demonstrem o alegado excesso de velocidade, que fundamentem a excludente de responsabilidade civil da ré, qual seja, a culpa exclusiva da vítima, tampouco, de terceiro, na medida em que as responsabilidades do dono do animal ou da Polícia Rodoviária Federal não elidem a da própria autarquia ré, pela fiscalização e gerência de operação nas rodovias, cabendo-lhe zelar pela segurança dos usuários, à luz do art. 82, IV da Lei nº 10.233/01. Reforça o arcabouço probatório, a prova testemunhal arrolada pela parte autora, o Sr. João Campos Bringel Neto, vendedor do caminhão ao Sr. José Glicério Ferreira de Santana, então condutor do veículo assegurado, ao tempo dos fatos. Em juízo, a testemunha confirmou a venda do aludido veículo, pouco tempo antes do acidente, e que ficou sabendo tanto do evento lesivo - posto que o condutor lhe pediu para acionar o seguro -, provocado pela presença do animal, quanto do pagamento da indenização pelas avarias por conta da seguradora, tendo em vista o seu conhecimento sobre os serviços de reparo no caminhão (ID 279401844). Além disso, o DNIT apresenta alegações genéricas imputando a responsabilidade civil exclusiva ou concorrente da vítima ou do dono do animal, sem apresentar provas incontestes que refutem as informações do boletim de ocorrência. Por certo, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, nos termos do art. 156 do CPC/15; contudo, o ônus da prova quanto aos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor recai sobre o réu. E este não se desincumbiu de seu ônus de comprovar que a conduta da vítima ou de terceiro foi decisiva ou contribuiu para a ocorrência do resultado danoso. Nesse contexto, evidencia-se a responsabilidade civil da apelante, pela sinalização, conservação e manutenção das rodovias federais, bem como pela gerência de operação destas vias (segurança operacional), diante a configuração do nexo de causalidade entre a omissão da Administração Pública, perante um dever legal, e a ocorrência do evento danoso. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes: “AÇÃO INDENIZATÓRIA. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. BURACOS NA PISTA. RODOVIA FEDERAL. RESPONSABILIDADE DO DNIT. DANOS MATERIAIS. APELAÇÃO PROVIDA. 1. O autor pleiteia a condenação do DNIT ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de acidente de trânsito em rodovia federal. 2. Encontra-se consolidada a jurisprudência no sentido de que a reparação civil fundada em danos decorrentes de acidente de trânsito em rodovia exige demonstração de conduta estatal, por ação ou omissão, e relação de causalidade com o dano apurado, sendo desnecessária a comprovação de culpa do Poder Público. 3. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT é o órgão responsável pela administração das rodovias federais, possuindo o dever jurídico de garantir a segurança e trafegabilidade das respectivas vias. 4. Deixar de fiscalizar corretamente rodovias federais destinadas a intenso, pesado e rápido tráfego de veículos, sem dúvida alguma revela uma relação objetiva de causa e efeito, demonstrando falta de cuidado e de zelo com o patrimônio público e com o direito dos usuários. 5. Se de um lado não há dúvidas de que os buracos na rodovia contribuíram para o acidente, de outro, a parte ré não logrou êxito em demonstrar a existência de culpa exclusiva ou concorrente do condutor, pois a mera alegação de que o autor não comprovou a velocidade do veículo no momento do acidente não afasta a responsabilidade estatal. 6. Apelação provida”. (TRF-3 - Ap: 00100743620054036106 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 21/11/2018, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/11/2018) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE CONSERVAÇÃO DE RODOVIA FEDERAL. BURACOS NA PISTA. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA C. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 2. O Tribunal a quo consignou que, "diante das provas robustas de que o causador do acidente foram os buracos de grandes proporções encontrados na pista de rolamento, que se encontrava em condição ruim, aliado a falta de sinalização da existência do buraco ou sobre o perigo na pista, deve o DNIT ressarcir os danos materiais suportados pelo autor/apelado" e afastou a incomprovada a alegação de culpa exclusiva ou concorrente da vítima. 3. Para afastar a conclusão adotada pela Corte local é imprescindível novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em Recurso Especial pelo óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo Regimental não provido.” (STJ - AgRg no AREsp: 522239 SC 2014/0125815-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 11/11/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/12/2014) Isto posto, uma vez constatado o preenchimento dos requisitos ensejadores da responsabilidade civil estatal, por omissão (conduta, dano e nexo causal), na espécie, a manutenção da condenação imposta na origem é medida que se impõe. Por fim, os documentos acostados à inicial – notadamente, o comprovante de pagamento (nota fiscal e retificação), a tela de pagamento das despesas com as avarias e o termo de quitação (ID 279401674, fls. 147/148, fl. 152 e fl. 154) - são aptos a demonstrar a integralidade do pagamento feito pela recorrida, a título de indenização pelos danos causados ao veículo assegurado. Tendo em vista a sucumbência da apelante em segunda instância, majoro os honorários advocatícios em seu detrimento, em um ponto percentual, a incidir sobre o percentual fixado na sentença, à luz do art. 85, §11 do CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta pelo DNIT. É COMO VOTO.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DNIT. ART. 82, IV da LEI nº 10.233/01. RESPONSABILIDADE CIVIL DA AUTARQUIA RÉ. OMISSÃO. ACIDENTE DE VEÍCULO EM RODOVIA FEDERAL. PRESENÇA DE ANIMAL NA PISTA. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL MANTIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
01. Cinge-se a controvérsia em se aferir se restou (ou não) configurado o desvio do nexo causal, por culpa exclusiva ou concorrente entre a vítima e o dono do animal, suficiente para afastar a responsabilidade civil do DNIT, pelo acidente ocorrido na BR-110, sentido Salvador-Cipó, na altura do KM 237, no Município de Alenaina/BA, ao tempo dos fatos, acidente que envolveu o veículo assegurado pela parte autora e um animal na pista de rolamento.
02. O DNIT é parte legítima para figurar no polo passivo de ação de indenização por acidente de trânsito ocorrido em via federal, ainda que objeto de concessão, em razão do dever de fiscalização permanente do serviço público e gerência operacional das rodovias federais, à luz do art. 82, IV da Lei nº 10.233/01 e do art. 2º de seu Regimento Interno. Preliminar afastada.
03. No que tange à responsabilidade civil estatal, o ordenamento jurídico pátrio adotou a modalidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo, a qual prescinde da comprovação da culpa do agente ou da má prestação do serviço, sendo suficiente a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta perpetrada pelo agente e o dano sofrido pela vítima, à luz do art. 37, §6º da Constituição Federal.
04. Inclusive, nos casos de omissão do Poder Público, a jurisprudência da Suprema Corte, por ocasião do julgamento do RE 841.526/RS, com repercussão geral reconhecida, estabeleceu que a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no art. 37, §6º da Constituição Federal, ou seja, a configuração do nexo causal impõe o dever de indenizar, independente da prova da culpa administrativa.
05. Por certo, esta tendência de mudança no cenário jurisprudencial não representa a incorporação da teoria do risco integral (vedada pelo ordenamento jurídico pátrio), na medida em que há situações que rompem o nexo de causalidade e podem afastar a responsabilidade civil do Poder Público. Tratam-se das causas excludentes de responsabilidade civil, quais sejam: o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.
06. Consoante a melhor doutrina, no caso de conduta omissiva estatal, é necessário distinguir se a omissão constitui, ou não, o fato gerador da sua responsabilidade, pois somente quando a Administração Pública se omite, perante um dever legal, é que será responsabilizada civilmente e obrigada a reparar.
07. Na espécie, as provas amealhadas aos autos, em cotejo analítico, revelam que os danos experimentados pela autora foram provocados pelo acidente automobilístico, narrado na inicial, e este, por sua vez, foi causado, exclusivamente, pela presença de um animal na pista de rolamento, agravado pela ausência de sinalização ou a colocação de defensas no local do sinistro.
08. Em suma, o DNIT apresenta alegações genéricas imputando a responsabilidade civil exclusiva ou concorrente da vítima ou do dono do animal, sem apresentar provas incontestes que refutem as informações do boletim de ocorrência.
09. Nesse contexto, evidencia-se a responsabilidade civil da apelante, pela sinalização, conservação e manutenção das rodovias federais, bem como pela gerência de operação destas vias (segurança operacional), diante a configuração do nexo de causalidade entre a omissão da Administração Pública, perante um dever legal, e a ocorrência do evento danoso.
10. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados em um ponto percentual, sobre o percentual fixado na origem, à luz do art. 85, §11 do CPC.
11. Apelação improvida.