Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000443-30.2021.4.03.6103

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: DMCARD PROCESSAMENTO DE DADOS E CENTRAL DE ATENDIMENTO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA FERNANDES DE ALVARENGA - MG198132-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000443-30.2021.4.03.6103

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: DMCARD PROCESSAMENTO DE DADOS E CENTRAL DE ATENDIMENTO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA FERNANDES DE ALVARENGA - MG198132-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 jgb

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Apelação interposta por DMCARD PROCESSAMENTO DE DADOS E CENTRAL DE ATENDIMENTO LTDA. contra sentença que extinguiu o feito, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, c.c. artigo 8º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.507/97, à vista da falta de interesse processual em razão da ausência de demonstração da recusa administrativa. Sem condenação ao pagamento de custas e de honorários advocatícios (Id. 251672371).

Sustenta a apelante que o julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal em regime de repercussão geral (Tema 582) assegurou a todos os contribuintes o pleno acesso às informações sobre si contidas nos bancos de dados mantidos e utilizados pelos fiscos federal, estaduais e municipais, bem como pelos entes da administração indireta, em consonância com as garantias constitucionais. Assevera que não conseguiu fazer o requerimento da documentação pessoalmente nas agências da Receita Federal do Brasil em razão da pandemia e que se valeu do peticionamento eletrônico, viabilizado de acordo com a determinação da Lei nº 12.527/2011, mas que recebeu negativa administrativa fundada na ausência de certeza quanto à identidade do solicitante, de forma que preenche os requisitos para o manejo do remédio constitucional. Afirma, ainda, que a prestação de informações a respeito de débitos e créditos tributários registrados no Sistema de Conta Corrente da Secretaria da Receita Federal (SINCOR/SIEF) não está disponível no Portal e-CAC (dossiê digital), de forma que o entendimento de que a documentação estaria disponível via Chat (E-Cac) não corresponde à realidade. Por fim, pleiteia o reconhecimento dos documentos assinados digitalmente e que não constituam óbice à identificação do requerente, razões pelas quais a sentença deve ser reformada.

O Ministério Público Federal opina no sentido do desprovimento do apelo (Id. 251952654).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000443-30.2021.4.03.6103

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

APELANTE: DMCARD PROCESSAMENTO DE DADOS E CENTRAL DE ATENDIMENTO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA FERNANDES DE ALVARENGA - MG198132-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 jgb

 

 

 

 

V O T O

 

 

Habeas data impetrado por DMCARD PROCESSAMENTO DE DADOS E CENTRAL DE ATENDIMENTO LTDA. com o objetivo de obter informações de pagamento de tributos e contribuições federais, bem como de créditos por pagamentos eventualmente feitos a maior ou indevidamente que constem nos sistemas Conta Corrente de Pessoa Jurídica – SINCOR, Sistema Conta-Corrente de Pessoa Jurídica- CONTACORPJ, Sistema SIEF-COBRANÇA, SAPLI e Extratos Previdenciários, sem prejuízo do acesso às informações em qualquer outro sistema informatizado de apoio à arrecadação federal utilizado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a fim de que sejam indicados eventuais créditos, se existentes, relativamente aos cinco anos anteriores à impetração.

O pedido de concessão de tutela de evidência foi indeferido ao fundamento de que a recusa administrativa foi devidamente justificada pela incerteza quanto à identidade do solicitante. Concedido, na mesma oportunidade, prazo de quinze dias para comprovação do: “interesse processual, na forma do artigo 8º, parágrafo único, da Lei n.º 9.507/97, instruindo o pedido com a solicitação administrativa, sem irregularidades, perante a Receita Federal do Brasil em São José dos Campos, conforme o canal de atendimento disponibilizado”. (Id. 251672355). Apresentados os esclarecimentos requeridos (Id. 251672357 e 251672361), não foram acolhidos pelo juízo (Id. 251672362) e foi prolatada a sentença de extinção do feito, sem resolução do mérito (Id. 251672371), objeto da apelação que ora se examina.

Inicialmente, consoante já destacou o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n.º 673.707 (Tema 582), submetido à sistemática da repercussão geral, fixou a seguinte tese: 'O habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais', razão pela qual o habeas data é o remédio constitucional adequado para os fins buscados nestes autos.

Sobre o habeas data a Constituição Federal dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

 

A Lei nº 9.507/1997, por sua vez, regulamenta o direito de acesso a informações e trata do rito processual do habeas data:

Art. 7º Conceder-se-á habeas data:

I - para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

II - para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

III - para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

 

Adiante, a referida aponta as provas indispensáveis à instrução da exordial, as quais, se ausentes, ensejam o seu indeferimento:

Art. 8º. A petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda.

Parágrafo único. A petição inicial deverá ser instruída com prova:

I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão;

II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão; ou

III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere o § 2º do art. 4º ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão.

(...)

Art. 10. A inicial será desde logo indeferida, quando não for o caso de habeas data, ou se lhe faltar algum dos requisitos previstos nesta Lei.

 

Ausente, portanto, motivo para o indeferimento da inicial, como alega a apelante, uma vez que carreada aos autos a prova do pedido administrativo, efetuado em 15.01.2021 (ID 251672351, p.01) e da resposta negativa em 22.01.2021 (ID 251672351, p.02), de modo a preencher o requisito do inciso I do parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.507/1997.

Note-se, ainda, que as explicações contidas no inteiro teor da negativa administrativa (Id. 251672353) não alteram a conclusão desta relatoria, porquanto a legislação de regência não exige a recusa injustificada, mas somente a negativa de atendimento ao pedido de informações, bem como à vista da alegação de que o sistema E-CAC não fornece as informações solicitadas pelo impetrante, constata-se presente o interesse processual e a violação ao seu direito líquido e certo de obtenção dos dados a seu respeito. Sobre o tema, confira-se: 

EMENTA CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. APELAÇÃO. SISTEMAS DE INFORMAÇÕES FISCAIS. OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES FISCAIS CONSTANTES DOS SISTEMAS DA RECEITA FEDERAL. BANCO DE DADOS DE ÓRGÃO PÚBLICO. PRECEDENTE DO STF EM REPECUSSÃO GERAL. RE Nº 673707. ORDEM CONCEDIDA. RECURSO IMPROVIDO.

1. Apelação interposta pela FAZENDA NACIONAL contra sentença que julgou procedente o pedido inicial concedendo a ordem de habeas data pleiteada, a fim de que a autoridade impetrada forneça ao contribuinte os registros mantidos nos sistemas fiscais da Receita Federal acerca de pagamentos de tributos e contribuições federais realizados pela impetrante, em razão da negativa administrativa.

2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, apreciando o tema 582 da repercussão geral ( RE 673707 RG, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 17/6/2015 e no aguardo de publicação do Acórdão), deu provimento ao recurso extraordinário, assentando a tese de que o habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais.

3. Impõe-se, diante do julgamento com repercussão geral pelo STF, o reconhecimento quanto a possibilidade de impetração do "habeas data" de forma a esclarecer ao contribuinte os valores por ele pagos a título de tributos ou outro tipo de pagamento constante dos registros da Receita Federal ou qualquer órgão fazendário das entidades estatais.

4. O fato de as informações solicitadas pela impetrante não serem por ela desconhecidas, uma vez que é a responsável pela inserção dos dados nos sistemas da Receita, não pode ser um obstáculo ao acesso do relatório fiscal de suas obrigações para com o Fisco.

5. Apelação improvida. SBCN

(grifo nosso)

(TRF-5 - Ap: 08015592520174058103, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT, Data de Julgamento: 02/06/2020, 4ª TURMA)

 

Ressalte-se que restou demonstrada a regularidade da representação processual, pois, além da procuração que acompanhou o pleito inicial e que continha assinatura digitalizada (ID 251672350), foi acostada nova procuração assinada manualmente pelo representante legal (Id. 251672361), condizente com aquela aposta no contrato social da empresa (Id. 251672348, p. 6).

Assim, faz jus a empresa impetrante ao processamento da ação para que seja aferido o eventual direito ao acesso às suas informações fiscais, conforme dispõe o artigo 37 da Carta Magna, de forma que a sentença apelada deve ser reformada. Não é possível, todavia, passar ao julgamento do feito nos moldes do artigo 1013, §3º, inciso I, do CPC, na medida em que não houve a notificação da autoridade requerida para prestar informações, como preceitua o artigo 9º da Lei nº 9.507/1997.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para reformar a sentença e determinar o retorno à origem para regular prosseguimento do feito.

É como voto.



E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. INFORMAÇÕES FISCAIS. POSSIBILIDADE. RE 673707 - TEMA 582 DO STF. PETIÇÃO INICIAL LIMINARMENTE INDEFERIDA. PROVA DA RECUSA. ART. 8º, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO I, DA LEI 9.507/97. INTERESSE DEMONSTRADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. RETORNO À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO.

Habeas data impetrado com o objetivo de obter informações de pagamento de tributos e contribuições federais, bem como de créditos por pagamentos eventualmente feitos a maior ou indevidamente que constem nos sistemas Conta Corrente de Pessoa Jurídica – SINCOR, Sistema Conta-Corrente de Pessoa Jurídica- CONTACORPJ, Sistema SIEF-COBRANÇA, SAPLI e Extratos Previdenciários, sem prejuízo do acesso às informações em qualquer outro sistema informatizado de apoio à arrecadação federal utilizado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, a fim de que sejam indicados eventuais créditos, se existentes, relativamente aos cinco anos anteriores à impetração.

- Cabível, em tese, o remédio constitucional, porquanto se presta a assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, bem como para a retificação de dados, consoante o artigo 5º, inciso LXXII, da CF. Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE n.º 673.707 (Tema 582), submetido à sistemática da repercussão geral, fixou a seguinte tese: 'O habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais'.

- A Lei nº 9.507/1997, que regulamenta o direito de acesso a informações e trata do rito processual do habeas data, dispõe que a petição inicial deverá ser instruída com a prova da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão (artigo 8º, parágrafo único, inciso I).

- Ausente motivo para o indeferimento da inicial, uma vez que carreada aos autos a prova do pedido administrativo, efetuado em 15.01.2021, e da resposta negativa em 22.01.2021, de modo a preencher o requisito do inciso I do parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.507/1997. Note-se que as explicações contidas no inteiro teor da negativa administrativa não alteram a conclusão, porquanto a legislação de regência não exige a recusa injustificada, mas somente a negativa de atendimento ao pedido de informações, bem como à vista da alegação de que o sistema e-CAC não fornece as informações solicitadas pelo impetrante, constata-se presente o interesse processual e a violação ao seu direito líquido e certo de obtenção dos dados a seu respeito.

- Demonstrada a regularidade da representação processual, pois, além da procuração que acompanhou o pleito inicial e que continha assinatura digitalizada, foi acostada nova procuração assinada manualmente pelo representante legal, condizente com aquela aposta no contrato social da empresa.

Não é possível passar ao julgamento do feito nos moldes do artigo 1013, §3º, inciso I, do CPC, na medida em que não houve a notificação da autoridade requerida para prestar informações, como preceitua o artigo 9º da Lei nº 9.507/1997.

- Apelação parcialmente provida para para reformar a sentença e determinar o retorno à origem para regular prosseguimento do feito.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação para reformar a sentença e determinar o retorno à origem para regular prosseguimento do feito, nos termos do voto do Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. WILSON ZAUHY (em férias) , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.