
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008441-66.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE CARLOS BARBOSA CONCEICAO
Advogado do(a) APELADO: BIANCA MARTINS CONCEICAO - SP463206-A
OUTROS PARTICIPANTES:
   APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008441-66.2022.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: JOSE CARLOS BARBOSA CONCEICAO Advogado do(a) APELADO: BIANCA MARTINS CONCEICAO - SP463206-A      R E L A T Ó R I O   Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade da atividade desempenhada nos períodos de 3/1/2012 a 2/2/2012, 31/1/2019 a 10/3/2019 e 20/10/1994 a 8/9/1995, bem como determinar a concessão da aposentadoria especial, desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER). Fixados os consectários. Decisão não submetida ao reexame necessário. Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual aduz, preliminarmente, a incidência do reexame necessário. No mérito, impugna o enquadramento dos períodos especiais e requer a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, insurge-se contra os critérios de fixação dos consectários. Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte. É o relatório.            
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008441-66.2022.4.03.6183 RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: JOSE CARLOS BARBOSA CONCEICAO Advogado do(a) APELADO: BIANCA MARTINS CONCEICAO - SP463206-A       V O T O   O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido. Inicialmente, não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça. Adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas na peça recursal. Da atividade especial Consoante assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a caracterização e a comprovação do tempo de atividade exercida sob condições especiais é disciplinada pela lei em vigor à época da prestação laboral. Ademais, as regras para possível conversão entre tempos de serviço especial e comum é determinada pela legislação vigente na data do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício, independentemente da época de efetivo exercício da atividade. Nesse sentido, destaco teses fixadas pelo STJ em precedentes vinculantes: Tema Repetitivo 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991. Tema Repetitivo 546: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço. Efetivamente, até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 remanesceu na legislação previdenciária a possibilidade de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, consoante fatores de conversão indicados no artigo 70 do Decreto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003. Entretanto, desde a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019) está vedada a conversão de tempo especial em comum, consoante regra inserta em seu artigo 25, § 2º: “Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.” De fato, a vedação refere-se tão-somente à conversão de tempo e não há impedimento ao reconhecimento de atividade exercida sob condições especiais depois da vigência da EC n. 103/2019, sobretudo por remanescer a possibilidade de obtenção de aposentadoria especial nos termos do seu artigo 19, § 1º, I. Assim, retomando a questão acerca da caracterização e da comprovação da atividade exercida em condições especiais, tem-se a seguinte evolução normativa: a) para o período até 28/4/1995, quando vigente a Lei n. 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho se houver o enquadramento da categoria profissional nos Decretos n. 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/1979 (Anexo II), ou na legislação especial, ou se demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor, casos em que sempre se exigiu a aferição mediante perícia técnica); b) para o período de 29/4/1995 (data de extinção do enquadramento por categoria profissional) até 5/3/1997 (quando vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/1995 no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991), faz-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-padrão preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico, salvo ruído e calor; c) desde 6/3/1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios) pela Medida Provisória n. 1.523/1996 (convertida na Lei n. 9.528/1997): passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos pela apresentação de formulário-padrão, fundado em laudo técnico, ou mediante perícia técnica; d) após 1º/1/2004, conforme estabelecido na Instrução Normativa INSS/DC n. 99/2003, artigo 148, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, passou a ser indispensável para a análise da atividade especial requerida. Esse documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) e, desde que regularmente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais legalmente habilitados (engenheiro ou médico de segurança do trabalho), responsáveis pelos registros ambientais, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo. A propósito, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se no decorrer do tempo. Do Equipamento de Proteção Individual - EPI Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI). Desde então, com amparo na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, fixou as seguintes teses sobre a questão: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente. Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. Da fonte de custeio Questões afetas ao recolhimento de contribuições específicas para o custeio da aposentadoria especial, não devem, em tese, influir no reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais pelo segurado empregado, à vista dos princípios da solidariedade e da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicáveis neste enfoque. Pelos mesmos motivos, não cabe cogitar de violação à regra inscrita no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988). A propósito, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso do benefício em debate, não se submetem ao comando dessa norma, cuja regra dirige-se à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente. Nesse sentido: ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30.10.1997; RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03.03.1998; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20.11.2007. Do caso concreto De plano, extrai-se do resumo de documentos e dos anexos das perícias médicas o enquadramento administrativo somente dos interstícios de 10/5/1995 a 31/5/2001 (“Real e Benemérita Associação Portuguesa de Beneficência”), 1º/8/2012 a 30/4/2020 e 1º/7/2020 a 23/7/2021 (“Sociedade Benef. Israelitabras Hospital Albert Einstein”), conforme processo administrativo de id. 280575989. Cumpre salientar que o intervalo específico de 31/1/2019 a 10/3/2019 (período em gozo de auxílio-doença previdenciário) foi computado como tempo de serviço comum (Id. 280575989, p. 67) e o período de 3/4/2000 a 31/7/2012 (na “Sociedade Benef. Israelitabras Hospital Albert Einstein”), ao contrário do indicado pela parte autora na petição inicial, não foi enquadrado pela perícia médica federal. Diante da ausência de impugnação da parte autora em face da sentença e do julgamento nos limites do pedido formulado na exordial, remanesce a controvérsia apenas em relação aos períodos de 3/1/2012 a 2/2/2012, 31/1/2019 a 10/3/2019 e 20/10/1994 a 8/9/1995, objeto do recurso do INSS. Examinados os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, do interstício de 20/10/1994 a 28/4/1995, pois consta da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e informação no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) o exercício da atividade de auxiliar de enfermagem em ambiente hospitalar, situação que permite o reconhecimento de sua natureza especial pelo enquadramento profissional, nos termos dos códigos 1.3.2 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e códigos 1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979. Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas no interregno debatido. Contudo, não prospera o pedido de reconhecimento da atividade especial do período posterior de 29/4/1995 a 8/9/1995, pois inexistem elementos de convicção aptos à comprovação da especialidade por exposição habitual e permanente a agentes nocivos, nos moldes dos decretos regulamentares. Nesse aspecto, o requerente não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a peça inicial, qual seja: carrear prova documental como formulários padrão, laudo técnico individualizado e PPP - documentos aptos a individualizar a situação fática e comprovar a especificidade ensejadora do reconhecimento de possível agressividade, durante o período apontado, o que inviabiliza, portanto, o enquadramento pretendido. Quanto ao enquadramento dos períodos em gozo de auxílio-doença previdenciário de 3/1/2012 a 2/2/2012 e 31/1/2019 a 10/3/2019, registro que a controvérsia encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ: “o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019). No caso dos autos, contudo, a parte autora não esteve sujeita a atividades especiais no período imediatamente anterior ou mesmo posterior ao recebimento do citado benefício por incapacidade no lapso de 3/1/2012 a 2/2/2012 (NB 31/549.505.806-9), apenas no período de 31/1/2019 a 10/3/2019 (NB 31/626.599.215-9). Assim, por não se tratar de segurado que exercia atividades em condições especiais ao tempo do deferimento do auxílio-doença previdenciário (NB 31/549.505.806-9), é inviável o enquadramento como tempo de serviço especial de 3/1/2012 a 2/2/2012, mantido o enquadramento, somente, do intervalo de recebimento do benefício NB 31/626.599.215-9, de 31/1/2019 a 10/3/2019. Em síntese, prospera o pleito de enquadramento referente aos períodos de 20/10/1994 a 8/9/1995 e 31/1/2019 a 10/3/2019, a serem acrescidos aos interstícios reconhecidos administrativamente (10/5/1995 a 31/5/2001, 1º/8/2012 a 30/4/2020 e 1º/7/2020 a 23/7/2021). Nessas circunstâncias, a parte autora não conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, não faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991. Em virtude de sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n. 13.105/2015), os honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, serão distribuídos entre os litigantes (art. 86 do CPC) na proporção de 30% (trinta por cento) em desfavor do INSS e 70% (setenta por cento) em desfavor da parte autora, ficando, porém, em relação a esta, suspensa a exigibilidade, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC). No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) delimitar o enquadramento da especialidade aos períodos de 20/10/1994 a 28/4/1995 e 31/1/2019 a 10/3/2019, a serem acrescidos aos interstícios reconhecidos administrativamente; (ii) julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria especial; e (iii) fixar a sucumbência recíproca. É o voto.                     
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL AUXILIAR DE ENFERMAGEM. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Conjunto probatório suficiente para o reconhecimento parcial da especialidade controvertida (auxiliar de enfermagem em ambiente hospitalar - enquadramento profissional, nos termos dos códigos 1.3.2 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e códigos 1.3.4 e 2.1.3 do anexo do Decreto n. 83.080/1979).
- A controvérsia a respeito do cômputo de período em gozo de auxílio-doença como tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ.
- Requisitos não preenchidos para a concessão da aposentadoria especial.
- Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, sendo vedada a compensação pela novel legislação, deverá ser observada a proporcionalidade, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do CPC.
- Rejeitada a matéria preliminar.
- Apelação do INSS parcialmente provida.