APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000597-36.2021.4.03.6107
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: AAX PRODUCAO E COMERCIO DE SEMENTES LTDA
Advogado do(a) APELANTE: ELIAS MUBARAK JUNIOR - SP120415-A
APELADO: VIDA - VIGILANCIA PARA DESENVOLVIMENTO AGROPECUARIO LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A
Advogado do(a) APELADO: PAULO SERGIO ALEXANDRE DE PAES JUNIOR - SP368325-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000597-36.2021.4.03.6107 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: AAX PRODUCAO E COMERCIO DE SEMENTES LTDA Advogado do(a) APELANTE: ELIAS MUBARAK JUNIOR - SP120415-A APELADO: VIDA - VIGILANCIA PARA DESENVOLVIMENTO AGROPECUARIO LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA em face de sentença proferida pela 2ª Vara Federal de Araçatuba/SP que, em sede de ação declaratória de inexistência de débito, cumulada com cancelamento de protesto, proposta por SEED BREED COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS - EIRELI, assim decidiu: “Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e resolvo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil/2015, para declarar a inexigibilidade de todas as duplicatas lastreadas nas Notas Fiscais n. 15.063, n. 15.108 e n. 15.122 (vide fls. 20/22) e para cancelar, definitivamente, os apontamentos negativos, tanto no Serasa quanto no 1º e no 2º Cartório de Penápolis/SP, com origem no débito discutido nos autos. Ratifico e mantenho a tutela provisória concedida alhures. Condeno a corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) ao pagamento, para o autor, a título de danos morais, do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) com atualização monetária e juros de mora, nos termos do que dispõe o Manual de Cálculos da Justiça Federal. Condeno, ainda, a ré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, de modo a possibilitar sua eventual majoração, nos termos do § 11 do mesmo dispositivo, e observado, ainda, seu § 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago. O pagamento, contudo, fica condicionado aos termos do § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil, pois concedo a ela os benefícios da Justiça Gratuita em virtude de se tratar de pessoa jurídica atualmente em recuperação judicial. ANOTE-SE. Custas processuais na forma da lei. Sentença não sujeita a reexame necessário e registrada automaticamente pelo Sistema PJe. (...)” Alega a apelante, em suma, que “Quando da distribuição do pedido de Recuperação Judicial, o Administrador Judicial, por obrigação que lhe impõe o art. 22, I, “a”, da Lei 11.101/05, enviou correspondência à CEF comunicando-lhe a natureza, o valor e a classificação do seu crédito na recuperação judicial. Tendo em vista que o crédito objeto desta ação foi listado na recuperação judicial em nome da CEF, e esta foi devidamente comunicada pelo Administrador Judicial, conclui-se que o banco teve ciência inequívoca do desfazimento do negócio jurídico, não podendo, portanto, a ora apelante ser responsabilizada pelo alegado dano moral sofrido pelo apelado”. No que toca aos danos morais, entende que “(...) pequenos aborrecimentos são comuns no cotidiano e nas relações negociais, razão pela qual não ensejam, por si só, reparação de danos de ordem moral. No presente caso, alegou o apelado ter sido lesado pelo protesto dos títulos objeto da ação, originados de operação de compra de sementes que posteriormente não foi concretizada. Ocorre que, como já dito acima e reconhecido pelo próprio apelado, o protesto foi efetivado pelo banco, não podendo a ora apelante ser responsabilizada pelo mesmo, ainda mais quando restou comprovado que o banco tem conhecimento inequívoco de que o referido crédito está arrolado em seu nome na recuperação judicial da apelante”. Em caráter subsidiário, pugna pela redução do valor da indenização. Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal Regional Federal. É o relatório. Passo a decidir.
Advogado do(a) APELADO: PAULO SERGIO ALEXANDRE DE PAES JUNIOR - SP368325-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000597-36.2021.4.03.6107 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: AAX PRODUCAO E COMERCIO DE SEMENTES LTDA Advogado do(a) APELANTE: ELIAS MUBARAK JUNIOR - SP120415-A APELADO: VIDA - VIGILANCIA PARA DESENVOLVIMENTO AGROPECUARIO LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) APELADO: LUCIANA OUTEIRO PINTO ALZANI - SP190704-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, lembro que a duplicata é título de crédito que surge de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviços, na forma do disposto nos arts. 2º, caput, e 20 da Lei nº 5.474/1968 (Lei das Duplicatas), respectivamente: Art . 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. (...) Art. 20. Poderão emitir, na forma prevista nesta Lei, fatura e duplicata: I - as empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis que se dediquem à prestação de serviços; e II - o Transportador Autônomo de Cargas (TAC), de que trata o inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007. § 1º A fatura deverá discriminar a natureza dos serviços prestados. § 2º A soma a pagar em dinheiro corresponderá ao preço dos serviços prestados. § 3º Aplicam-se à fatura e à duplicata ou triplicata de prestação de serviços, com as adaptações cabíveis, as disposições referentes à fatura e à duplicata ou triplicata de venda mercantil, constituindo documento hábil, para transcrição do instrumento de protesto, qualquer documento que comprove a efetiva prestação, dos serviços e o vínculo contratual que a autorizou. São requisitos formais de validade que devem estar presentes na duplicata, aqueles elencados no art. 2º, § 1º, da Lei nº 5.474/1968, "in verbis": (...) § 1º A duplicata conterá: I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente. A duplicata é título de crédito classificado como causal, na medida em que estritamente vinculado ao contrato de compra e venda mercantil ou ao contrato de prestação de serviços, de sorte que, sem um destes contratos, o título é inexistente. É de se ressaltar, porém, que a duplicata, embora título causal, também sofre a influência do princípio da autonomia, que rege os títulos de crédito em geral, de modo que, por força do aceite, a duplicata desvincula-se do negócio jurídico que lhe deu origem, especialmente quando posta em circulação por meio do endosso. A preexistência de contrato de compra e venda mercantil ou do contrato de prestação de serviços, portanto, fundamenta apenas e tão somente a emissão da duplicata, mas não a sua circulação. Nesse sentido, entendimento do C. STJ: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLICATAS. REQUISITOS. ART. 2º, § 1º, DA LEI 5.474/68. ASSINATURA DO EMITENTE. AUSÊNCIA. IRREGULARIDADE SANÁVEL. LITERALIDADE INDIRETA. TÍTULO CAUSAL. NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. VINCULAÇÃO. CIRCULAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DADOS CONSTANTES NO PRÓPRIO TÍTULO. ACEITE COM FIRMA RECONHECIDA. (...) 5- A duplicata é título de crédito causal no momento da emissão e adquire abstração e autonomia, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente, com o aceite e a circulação. (...) (REsp n. 1.948.200/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021.) Por outro lado, a duplicata é título de crédito intimamente vinculado à fatura, assim considerada a nota do vendedor descrevendo a mercadoria adquirida, discriminando a sua qualidade e quantidade e fixando-lhe o preço. A fatura constitui, portanto, prova do contrato de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços. Nos termos da legislação de regência (Lei nº 5.474/1968), em se tratando de venda a prazo não inferior a trinta dias, contado da entrega ou do despacho da mercadoria, é obrigatória a extração da fatura. Confira-se: Art. 1º Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador. (...) Já no caso de contrato de prestação de serviços, a extração da fatura é facultativa, salvo se emitida duplicata. Confira-se o que estabelece a Lei das Duplicatas: Art. 20. Poderão emitir, na forma prevista nesta Lei, fatura e duplicata: I - as empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis que se dediquem à prestação de serviços; e II - o Transportador Autônomo de Cargas (TAC), de que trata o inciso I do caput do art. 2º da Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007. E é justamente no ato da emissão da fatura que dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação com efeito cambial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador. Além disso, uma só duplicata não pode corresponder a mais de uma fatura (art. 2º, caput e § 3º, da Lei nº 5.474/1968). Conforme já consignado acima, a duplicata constitui-se em um título de crédito de natureza causal, isto é, com emissão subordinada à existência de compra e venda mercantil ou à prestação de serviços. Somente após o aceite do título pelo sacado é que ela passa a se revestir da certeza e da liquidez, tornando abstrata e autônoma a obrigação cambial. Antes do aceite, portanto, não há falar-se em efeitos cambiários, nem, tampouco, em abstração. Ocorre, no entanto, que o art. 15, II, da Lei nº 5.474/1968, admite a cobrança judicial da duplicata ou da triplicata não aceita, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) haja sido protestada; b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e do recebimento da mercadoria, permitida a sua comprovação por meio eletrônico; c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos arts. 7º e 8º da mesma Lei. Portanto, a duplicata sem aceite enseja ação executiva, desde que acompanhada da nota de entrega da mercadoria, instrumento este que supre a falta de aceite, emprestando liquidez, certeza e exigibilidade à duplicata. Assim, a duplicata não aceita, mas acompanhada de comprovante da entrega da mercadoria e devidamente protestada, é título executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, I, do CPC. Tem-se aqui, na verdade, o denominado aceite presumido, quando o sacado recebe as mercadorias, assina um comprovante de recebimento, mas não assina diretamente no título de crédito nem o devolve. Consoante o disposto no art. 13 da Lei nº 5.474/1968, a duplicata pode ser protestada por falta de aceite, de devolução ou de pagamento. O fato de não ter sido exercida a faculdade de protestar o título, por falta de aceite ou de devolução, contudo, não elide a possibilidade de protesto por falta de pagamento. O protesto, que será tirado na praça de pagamento constante do título, é imprescindível para que o portador tenha direito de regresso contra os endossantes e respectivos avalistas. Intervêm, em princípio, na duplicata, o vendedor e o comprador, ou a empresa prestadora de serviços e aquele que se utiliza desses serviços. O primeiro, isto é, o vendedor, há de ser sempre um empresário mercantil (individual ou coletivo). Só estes (o vendedor/empresário mercantil e a empresa prestadora de serviços) podem emitir duplicatas, sendo nulo o título emitido por quem não se revestir dessas condições. O comprador ou aquele que se utiliza dos serviços prestados é quem aceita a duplicata, obrigando-se pelo seu resgate, por ocasião do vencimento. Por outro lado, eventualmente, poderão intervir na duplicata também o endossante e o avalista, já que a duplicata também pode circular por via de endosso e ser garantida por meio do aval. O endosso, por sua vez, é o meio pelo qual se transfere a propriedade de um título, podendo constituir-se também em simples mandato. Dessa distinção decorre a tradicional classificação do endosso em duas espécies distintas: a) endosso próprio ou translativo da propriedade, podendo ser em branco (omite o nome do endossatário, limitando-se o endossante a firmar a sua assinatura no verso do título) ou em preto (menciona expressamente o nome do endossatário); b) endosso impróprio, também chamado endosso-mandato ou endosso-procuração, que transfere ao mandatário o exercício e a conservação dos direitos que decorrem do título, mas não a titularidade do crédito nele representado. O chamado endosso-mandato, na verdade, constitui cláusula pela qual o endossante constitui o endossatário seu mandatário, especificamente para a prática dos atos necessários ao recebimento dos valores representados no título, e para isso transfere-lhe todos os direitos cambiais derivados do título. É o endosso a que faz menção o art. 18 da Lei Uniforme de Genebra (LUG) relativamente à nota promissória e à letra de câmbio: Art. 18. Quando o endosso contém a menção "valor a cobrar" (valeur en recouvrement), "para cobrança" (pour encaissement), "por procuração" (par procuration), ou qualquer outra menção que implique um simples mandato, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra, mas só pode endossá-la na qualidade de procurador. No mesmo sentido, o disposto no art. 917 do CC, com a seguinte redação: Art. 917. A cláusula constitutiva de mandato, lançada no endosso, confere ao endossatário o exercício dos direitos inerentes ao título, salvo restrição expressamente estatuída. § 1º O endossatário de endosso-mandato só pode endossar novamente o título na qualidade de procurador, com os mesmos poderes que recebeu. § 2º Com a morte ou a superveniente incapacidade do endossante, não perde eficácia o endosso-mandato. § 3º Pode o devedor opor ao endossatário de endosso-mandato somente as exceções que tiver contra o endossante. O que se conclui, da sistemática própria do endosso-mandato, é que o endossatário não age em nome próprio, mas sim em nome do endossante. É exatamente por isso que o sacado-devedor somente poderá opor as exceções pessoais que tiver contra o endossante-sacador, nunca aquelas que, eventualmente, possa ter contra o endossatário (princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, que rege o direito cambiário). Isso é assim, na medida em que, não agindo o endossatário-mandatário em nome próprio nos atos de cobrança da cártula, a responsabilidade perante terceiros não decorre de sua condição de endossatário, mas sim da sua condição jurídica de mandatário do credor ou da prática de ato culposo próprio. Em outras palavras, a responsabilidade do endossatário-mandatário não resulta das regras de direito cambial, mas sim do direito civil, sobretudo daquelas atinentes ao mandato, destacando-se, apenas a título de exemplo, os arts. 662 (conduta "ultra vires" do mandatário) e 667 do CC. Assim sendo, pacificou-se a jurisprudência do C. STJ no sentido de que "Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula" (Temas Repetitivos nºs 463 e 464). Registro, por oportuno, que esse já era o entendimento do C. STJ, mesmo antes da edição dos Temas Repetitivos nºs 463 e 464, tal como se percebe pela Súmula nº 476 daquela mesma C. Corte, que assim estabelece: O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário. Sob outro prisma, na praxe mercantil é comum o chamado “desconto de duplicata”, assim considerado como o adiantamento de capital feito por uma instituição financeira, com base em uma duplicata, de modo que a empresa mercantil ou de prestação de serviços recebe antecipadamente os recursos de uma venda ou prestação de serviços pagas a prazo. A duplicata é utilizada como uma garantia para que a instituição financeira libere o crédito, antecipando o fluxo de caixa da empresa endossante. Outrossim, a instituição financeira realiza a cobrança da duplicata junto ao sacado/adquirente da mercadoria ou do serviço, cuidando-se, portanto, de hipótese de endosso-mandato, já definido e explicitado acima. É de se observar que a própria CEF, em sua contestação, traz a seguinte definição do "desconto de duplicata", com base no Manual Normativo CO421: DESCONTO DE TÍTULOS – Operação de crédito com amortização única, taxa préfixada, encargos antecipados no ato da entrada do borderô, destinada a antecipar o fluxo financeiro de empresas clientes da CAIXA; No caso dos autos, registro que a sentença ora apelada assim se pronunciou acerca do mérito da causa: “(...) o autor realizou as compras das sementes da ré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA nos dias 08/05/2019 (NF n. 15.063, fl. 20, id 46116721), 20/05/2019 (NF n. 15.108, fl. 21, id 46116723) e 23/05/2019 (NF n. 15.122, fl. 22, id 46116724), e desfez o negócio em 27/05/2019, alegando que as sementes adquiridas estavam com muita sujeira e impurezas (cf. simples instrumentos particulares de desfazimento de negócio jurídico por “desacordo comercial” juntados às fls. 23, 24 e 25 (id 46116729). Em conversa mantida por “e-mail”, a ré AXX PRODUÇÃO informou à parte autora que comunicou a CEF das devoluções das sementes e que ela (AXX PRODUÇÃO) já havia lançado as importâncias das duplicadas decorrentes das Notas Fiscais 15.063, 15.108 e 15.122 em seu plano de recuperação judicial como crédito do banco CEF (TJSP n. 1006987-21.2019.8.26.0438). Vale frisar que o desconto de duplicatas é operação legal, a qual está regulada no Manual Normativo CO421, conforme bem asseverado pela CEF em sua contestação. Note-se que o procedimento de desconto de duplicatas, também chamado de desconto de títulos, consiste no adiantamento de recebíveis de uma empresa por uma instituição financeira. Logo, a partir do momento em que a ré AAX apresentou as notas fiscais e as duplicatas referentes a futuros créditos que teria para receber, realizou um negócio jurídico com a CEF. Alega a parte autora que, a despeito do desfazimento do negócio celebrado entre ela e a cedente dos títulos de crédito (AXX PRODUÇÃO), o fato é que a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL lançou alguns deles no REFIN do SERASA e protestou outros diante do inadimplemento (fls. 26/29, ids 46116730 a 46116737). Alega, também, que a CEF não a comunicou da existência das duplicatas e que não tem qualquer vínculo com o negócio jurídico celebrado entre as rés, pois não deu a sua anuência. Verifico que não existe prova nos autos de que a corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA avisou a CEF do desfazimento do negócio com a parte autora. Logo, a corré CEF, sem essa informação, e verificando o inadimplemento das duplicatas do negócio jurídico, agindo conforme as normas vigentes, procedeu à cobrança delas, conforme documentos acostados ao processo. Como bem asseverou a CEF em sua contestação, “havendo distrato com a empresa cedente, caberia a esta a responsabilidade de liquidar o título com a CAIXA, o que afasta diametralmente qualquer responsabilidade da Caixa para com a Autora”. A corré afirmou que está prevista a quitação desse débito no plano de recuperação judicial como crédito do banco (TJSP n. 1006987-21.2019.8.26.0438). Logo, a primeira conclusão a que se chega é à de que realmente, após o distrato entre Autor e corré AAX PRODUÇÃO, a dívida relacionada às notas fiscais deixou de existir. Mas, como a requerida AAX PRODUÇÃO tinha realizado o “desconto de duplicatas” com a CEF, deveria ter comunicado essa instituição financeira do ocorrido, para que esta não cobrasse do autor a dívida não paga por aquela (AAX), referente às duplicatas em questão. Em suma, no que se refere à dívida, a partir do momento em que houve o distrato entre autor e corré AAX PRODUÇÃO, ela passou a inexistir, haja vista que o negócio jurídico celebrado foi desfeito, razão pela qual declaro a inexigibilidade de todas as duplicatas lastreadas pelas notas fiscais n. 15.063, n. 15.108 e n. 15.122 (vide fls. 20/22) e decreto o cancelamento em definitivo dos apontamentos negativos junto ao Serasa, referentes ao débito discutido nos autos. Por outro lado, pelo fato de ter ocorrido uma transação comercial entre o autor e a corré AAX PRODUÇÃO, e tendo esta realizado os descontos das duplicatas junto à corré CEF, não há como se atribuir a esta última qualquer responsabilidade pelos fatos narrados na inicial, haja vista que ela agiu conforme as normas vigentes por ocasião do inadimplemento das duplicatas. Em suma, não vislumbro nexo de causalidade entre a negativação do nome do autor e a CEF. Assim, para esse Juízo, o que faltou no presente caso foi a comunicação do desfazimento do negócio jurídico à CEF, incumbência essa que cabia exclusivamente à corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA, que assim não o fez. E tal desídia causou danos morais à parte autora, a qual foi surpreendida pela negativação de seu nome. Tal ônus deve ser suportado exclusivamente pelo seu causador: a corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA – EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. A negativação do nome do autor, mesmo quando o negócio jurídico já tinha sido desfeito, não pode ser encarado como mero aborrecimento cotidiano. Quanto ao valor da reparação pelos danos morais, considero que o valor pleiteado na inicial – quarenta mil reais – é demasiado para compensar os danos experimentados pela parte autora; assim, considero razoável, no caso concreto, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), cuja importância deverá ser suportada integralmente pela corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL). (...)” À luz das considerações acima, tenho que não se pode falar em responsabilização da CEF pelos danos causados à parte autora. De fato, por força da operação de desconto das duplicatas, realizada entre a sacadora dos títulos, a empresa AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA (endossante-mandante) e a CEF (endossatária-mandatária), esta última ficou responsável pela cobrança das duplicatas junto à empresa sacada SEED BREED COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS - EIRELI. A existência da modalidade de endosso-mandato, frise-se, é comprovada pelos documentos de IDs 196356289 e 196356290. Contudo, tem-se que o negócio jurídico originário, que deu causa à emissão das faturas e das respectivas duplicatas, qual seja, a compra e venda das sementes, veio a ser desfeito, sob o argumento de que estas estavam com muita sujeira e impurezas, tornando-as imprestáveis para sua finalidade. Ocorre que a CEF deve ser considerada terceiro de boa-fé nessa situação, pois não há prova alguma nos autos de que tenha sido avisada pela corré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA acerca do desfazimento do negócio com a parte autora. De fato, muito embora a apelante alegue que enviou correspondência à CEF, comunicando-lhe a natureza, o valor e a classificação do seu crédito na recuperação judicial, de modo que teria ciência do desfazimento do negócio, o certo é que, compulsando os autos, não se encontra prova alguma dessa notificação/correspondência. Na realidade, encontra-se apenas a menção à CEF na relação geral de credores da empresa AAX, no processo de sua recuperação judicial, como sendo credora de um valor de R$ 1.883.499,91, mas sem qualquer referência à origem desse crédito, de sorte que não se pode vinculá-lo às duplicatas que são objeto desta ação (ID 196356332). Vale lembrar, neste ponto, que o ônus da prova quanto à existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor pertence ao réu (art. 373, II, do CPC), sendo que a empresa ora apelante não se desincumbiu desse ônus, pois não trouxe aos autos qualquer prova no sentido de que tenha, realmente, notificado a CEF quanto ao desfazimento da compra e venda que originou as duplicatas. Não se vislumbra, portanto, ilegalidade na conduta da CEF, que protestou alguns títulos e incluiu outros no SERASA com vistas à sua cobrança, pois essa instituição financeira agiu estritamente de acordo com a legislação que rege a matéria, em especial a Lei das Duplicatas e em conformidade com os princípios que regem o direito cambiário, não podendo ser responsabilizada por eventuais danos morais causados à parte autora. O que se percebe do exame das provas, em verdade, é que a CEF não excedeu os poderes que lhe foram outorgados por força do mandato (ou seja, não praticou conduta "ultra vires"), não agiu de modo negligente e não foi avisada sobre o desfazimento do negócio que embasava as duplicatas endossadas, de sorte que não tinha ciência do vício que pesava sobre os títulos de crédito. Nesse sentido, julgados do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO. DUPLICATA RECEBIDA POR ENDOSSO-MANDATO. ENDOSSATÁRIO. NECESSIDADE DE CULPA. DEVER DE INDENIZAR NÃO RECONHECIDO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DUPLICATA RECEBIDA POR ENDOSSO-MANDATO. PROTESTO. RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182/STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROTESTO DE DUPLICATA. ENDOSSO-MANDATO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CONDUTA NEGLIGENTE. INEXISTÊNCIA. TEORIA DA CAUSA MADURA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. Fica afastada, dessa forma, a alegada responsabilidade da CEF pelos danos sofridos pela parte autora. Prosseguindo no exame da apelação interposta, mais especificamente quanto à responsabilidade da apelante pelos danos morais tenho que também deve ser mantida a sentença no que toca à condenação da empresa AAX PRODUCAO E COMERCIO DE SEMENTES LTDA ao pagamento de indenização por danos morais à autora SEED BREED COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS - EIRELI. Desde logo, é necessário situar o problema posto nos autos no contexto de responsabilidade civil por danos, para o que se faz necessário lembrar que os bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas (Súmula 227 do E.STJ), assim como de universalidades e entes despersonalizados, abrangem itens de diversas naturezas e conteúdos, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em materiais e morais. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, a proteção a esses bens e direitos tem atributos de garantia fundamental, de tal modo que o titular da prerrogativa indevidamente violada tem a faculdade de exigir o dever fundamental de reparação apropriada em face do responsável, sendo certa a possibilidade de cumulação da reparação da lesão material com o dano moral. O objeto do dano material correspondente à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito. Ao mesmo tempo em que os sujeitos de direito são dotados de liberdade de escolha, todos devem responder por seus atos ou omissões quando violarem limites determinados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidades de diversas espécies (dentre elas as criminais). Para o que importa a este feito, a atribuição da responsabilidade civil pode ser imputada a todo aquele que causar lesão, por fato ou ato praticado (in committendo), por omissão (in ommittendo), por pessoa que o representante (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo). É pela correta delimitação jurídica da responsabilidade civil que se torna possível estabelecer os parâmetros para avaliação do caso sub judice, motivo pelo qual é necessário também consignar que, quanto ao fato gerador, há a responsabilidade contratual (relacionada a negócio jurídico não cumprido, no todo ou em parte, nos termos do art. 389 e seguintes do Código Civil) e responsabilidade extracontratual ou aquiliana (casos de violação à lei e a primados de Direito, independentemente de negócio jurídico, conforme art. 186 e seguintes, também do Código Civil); acerca do fundamento, há a responsabilidade subjetiva (baseada em culpa) e a responsabilidade objetiva (baseada no risco, não exigindo culpa); e, considerando o agente, há a responsabilidade direta ou simples (se oriunda de ato da própria pessoa imputada) e responsabilidade indireta ou complexa (resultante de ato ou fato de terceiro, animal ou coisa inanimada vinculada ao imputado). Friso que a culpa ou o dolo podem aparecer como causa da lesão, mas não são imprescindíveis para atribuição de responsabilidade civil (embora tenham utilidade no caso de fixação de reparação). Nessa linha, não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida). Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência (vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso), o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes; já a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para conferir a responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. Por sua vez, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa do causador da lesão (excluída apenas se o prejuízo for exclusivamente gerado por ato ou omissão do lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade do causador do dano, observando também o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). A responsabilidade objetiva gera o dever de indenizar por parte daquele que interagiu (direta ou indiretamente) com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, e se baseia na injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao titular do bem ou direito prejudicado; por não depender de dolo ou culpa, a responsabilidade civil decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos. Nesse contexto, consta dos autos que as sementes adquiridas pela parte autora não foram consideradas aptas para o fim a que se destinavam (comercialização), pois estavam poluídas em aproximadamente 80% com granulados e pedras. Diante de tal circunstância, a parte postulante desfez o negócio com a responsável pela venda das sementes, a apelante AAX PRODUÇÕES E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA. Em face desse acontecimento, ou seja, do distrato relativo ao negócio jurídico que deu causa à emissão das duplicatas, a dívida originária deixou de existir. Por conta disso, caberia ao sacador, na qualidade de cedente dos títulos à CEF, a responsabilidade pela liquidação destes junto à instituição financeira cessionária, a fim de evitar que fossem cobrados em face do sacado (a empresa SEED BREED COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS AGRÍCOLAS – EIRELI). Tal comportamento, frise-se, seria exigível da empresa AAX, tendo em conta a incidência do princípio da boa-fé objetiva, a ser observada em todas as fases do contrato, inclusive naquela pós-contratual (art. 422 do CC) e da qual decorrem os deveres anexos de proteção, informação, cooperação, lealdade e confiança. Entretanto, o que se percebe, do exame das provas existentes nos autos, é que a ora apelante omitiu-se quanto a esses deveres anexos da boa-fé objetiva e, a despeito do desfazimento do negócio jurídico subjacente, não liquidou os títulos junto à CEF. Por conta disso, a parte autora foi surpreendida, após alguns dias, com a negativação do seu nome junto ao REFIN do SERASA e com os protestos cambiários por parte da CEF, a cessionária dos títulos. É importante ter presente, aqui, que houve nítida violação às obrigações decorrentes do contrato firmado entre SEED BREED e AAX, notadamente daquelas decorrentes da boa-fé, o que gera a responsabilidade civil contratual e o consequente dever de reparação dos danos causados à outra parte (art. 389 do CC). Cumpre lembrar, ainda, que a pessoa jurídica também pode sofrer dano moral, nos termos do disposto no art. 52 do CC, segundo o qual “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. Nesse mesmo diapasão, a orientação jurisprudencial decorrente da Súmula nº 227 do C. STJ. Outrossim, cuidando-se de protesto indevido de títulos de crédito e da inscrição, igualmente indevida, do nome da parte autora em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura de forma presumida, ou seja, “in re ipsa”, mesmo em se tratando de pessoa jurídica. Confiram-se acórdãos do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL IN RE IPSA . AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Cuidando-se de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastro de inadimplentes, conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo, o dano moral , ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica, se configura in re ipsa , prescindindo, portanto, de prova. Precedentes desta Corte. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1328587/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 22/05/2019) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA AFRONTA AOS ARTIGOS 403 DO CC E 373, INCISO I, DO CPC DE 2015. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 282/STF. PROTESTO INDEVIDO. OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 7/STJ. DANOS MORAIS. CABIMENTO. SÚMULA N. 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. As matérias referentes aos artigos 403 do CC e 373, inciso I, do CPC de 2015 não foram objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmula n. 282/STF). 2. A convicção a que chegou o acórdão acerca da ocorrência de danos morais decorrentes de protesto indevido decorreu da análise do conjunto fático-probatório e o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte, obstando a admissibilidade do especial à luz do enunciado 7 da Súmula desta Corte. 3. Ademais, o entendimento desta Corte é no sentido de que, não sendo legítima a inscrição do nome da pessoa em órgãos de proteção ao crédito, presume-se o dano: "Nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica" (REsp n. 1.059.663/MS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJe 17/12/2008). Incidência da Súmula 83 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 2.036.813/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 19/8/2022.) São descabidas, assim, as alegações da apelante, no sentido de que se estaria diante de pequeno aborrecimento ou de que não haveria prova do prejuízo à honra objetiva da pessoa jurídica lesada, pois, repita-se, o dano moral, in casu, é presumido. Por fim, esclareço que a indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado. Nesses termos e diante das circunstâncias que nortearam o caso, fixo a indenização devida pela empresa AAX PRODUCAO E COMERCIO DE SEMENTES LTDA a título de danos morais no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), eis que tal importância não proporcionará enriquecimento indevido e exagerado da parte autora e, ainda, é capaz de impor punição à parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente. Ressalto que o montante supra se revela adequado, tendo em vista os critérios de capacidade econômica do ofensor e do ofendido, gravidade do ato ilícito praticado e das suas repercussões, e no duplo aspecto, punitivo para o causador do dano e compensatório para a vítima, sem ensejar enriquecimento ilícito. Nessa linha, a orientação do C. STJ em casos semelhantes: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A revisão pelo STJ da indenização arbitrada a título de danos morais exige que o valor tenha sido irrisório ou exorbitante, fora dos padrões de razoabilidade. Salvo essas hipóteses, incide a Súmula n. 7 do STJ, impedindo o conhecimento do recurso especial. 2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 2.105.199/SC, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 14/11/2022, DJe de 17/11/2022.) NOTAS Indenização por dano moral: R$ 10.000,00 (dez mil reais). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA. 1. Cuidando-se de pessoa jurídica, ainda que em regime de liquidação extrajudicial ou em recuperação judicial, a concessão da gratuidade de justiça somente é admissível em condições excepcionais, se comprovada a impossibilidade de arcar com as custas do processo e os honorários advocatícios, o que não foi demonstrado nos autos, conforme consignou o órgão julgador. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. A revisão das conclusões a que chegou o Tribunal de origem, especialmente acerca da ausência de comprovação dos requisitos para a concessão da justiça gratuita , encontra óbice na Súmula 7/STJ. 3. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que nos casos de protesto indevido ou inscrição irregular em cadastro de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, mesmo que o ato tenha prejudicado pessoa jurídica. Precedentes. 4. A indenização por danos morais fixada em quantum sintonizado aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não enseja a possibilidade de interposição do recurso especial, dada a necessidade de exame de elementos de ordem fática, cabendo sua revisão apenas em casos de manifesta excessividade ou irrisoriedade do valor arbitrado, o que não se evidencia no presente caso. Incidência da Súmula 7 do STJ. 5. A incidência do referido óbice impede o conhecimento do recurso lastreado na alínea "c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, ante a inexistência de similitude fática. Precedentes. 6. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp n. 1.875.896/SP, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 29/11/2021, DJe de 1/12/2021.) NOTAS Indenização por dano moral: R$ 10.000,00 (dez mil reais). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. PROTESTO. DANO MORAL. ALEGADA OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015. NÃO OCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ATACADO. SÚMULA Nº 283 DO STF. AINDA QUE SUPERADO O ÓBICE. SÚMULA Nº 7/STJ. DANO. VALOR. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. (AgInt no AREsp n. 1.652.962/MG, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 24/5/2021.) NOTAS Indenização por dano moral: R$ 10.000,00 (dez mil reais). Por outro lado, tenho que não pode prevalecer o valor da indenização estabelecido na sentença apelada (R$ 20.000,00), porquanto excessivo, tendo em vista a orientação jurisprudencial do C. STJ em casos análogos, o que importaria em enriquecimento sem causa da empresa autora. Esse montante indenizatório deverá ser atualizado e acrescido nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal (Resolução nº 134/2010, do CJF). Pelas razões expostas, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, apenas para reduzir o valor da indenização por danos morais, na forma da fundamentação acima. Fica mantida a condenação da ré AAX PRODUÇÃO E COMÉRCIO DE SEMENTES LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) ao pagamento de honorários advocatícios, tal como fixados na sentença, tendo em vista a sucumbência mínima da autora (art. 86, parágrafo único, do CPC). É como voto.
Advogado do(a) APELADO: PAULO SERGIO ALEXANDRE DE PAES JUNIOR - SP368325-A
1. O entendimento do Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência do STJ no sentido de que "o endossatário de título de crédito por endosso-mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de mandatário" (Súmula n. 476/STJ). Incidência da espécie a Súmula n. 83/STJ.
2. Rever a conclusão que chegou o Tribunal de origem acerca da conduta culposa da instituição financeira, demandaria o reexame de circunstâncias fáticos-probatórias, procedimento inviável em sede de recurso especial, em razão do óbice da Súmula n. 7 do STJ.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp n. 2.075.621/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 9/9/2022.)
1. "Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula" (REsp n. 1.063.474/RS, SEGUNDA SEÇÃO, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 17/11/2011).
2. É inviável o agravo previsto no art. 1.021 do CPC/2015 que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada (Súmula n. 182/STJ).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 998.496/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 29/11/2019.)
1. Em regra, a instituição financeira que recebe título de crédito por endosso-mandato não é responsável pelos efeitos de eventual protesto indevido, exceto se exceder os poderes do mandato, agir de modo negligente ou, caso alertada sobre falha do título, levá-lo a protesto (REsp 1.063.474/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 17.7.2011).
2. No caso concreto, o Tribunal a quo concluiu que a instituição financeira não incorreu em ato culposo, visto que não se pode dizer que o protesto foi indevido, ficando demonstrado, com as provas carreadas aos autos, que a CEF agiu com a diligência necessária à comprovação da regularidade no endosso.
3. Não há violação ao direito de defesa da parte quando a Corte de origem, entendendo ser desnecessária a produção de novas provas e considerando estar a causa pronta para julgamento, julga imediatamente o pedido na apelação, em respeito ao princípio da celeridade processual. Inteligência do art. 515, § 3º, c/c o art. 330, ambos do CPC/1973).
4. Modificar as conclusões a que chegou a Corte de origem, de que inexistiu conduta negligente da CEF e de que a causa estaria madura para julgamento, de modo a acolher a tese da parte recorrente, demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ.
5.Agravo interno a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp n. 592.728/RJ, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 28/6/2016, DJe de 3/8/2016.)
E M E N T A
APELAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. TÍTULO DE CRÉDITO. DUPLICATA. ENDOSSO-MANDATO. DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ENDOSSATÁRIO. VALOR DA REPAÇÃO.
- A duplicata pode ser definida como o título de crédito que surge de uma compra e venda mercantil ou de uma prestação de serviços, na forma do disposto nos arts. 2º, caput, e 20 da Lei nº 5.474/1968 (Lei das Duplicatas). Trata-se de título de crédito classificado como causal, na medida em que estritamente vinculado ao contrato de compra e venda mercantil ou ao contrato de prestação de serviços, de sorte que, sem um destes contratos, o título é inexistente.
- A duplicata, embora título causal, também sofre a influência do princípio da autonomia, que rege os títulos de crédito em geral, de modo que, por força do aceite, a duplicata desvincula-se do negócio jurídico que lhe deu origem, especialmente quando posta em circulação por meio do endosso. A preexistência de contrato de compra e venda mercantil ou do contrato de prestação de serviços, portanto, fundamenta apenas e tão somente a emissão da duplicata.
- O endosso, por sua vez, é o meio pelo qual se transfere a propriedade de um título, podendo constituir-se também em simples mandato. Dessa distinção decorre a tradicional classificação do endosso em duas espécies distintas: a) endosso próprio ou translativo da propriedade e b) endosso impróprio, também chamado endosso-mandato ou endosso-procuração, que transfere ao mandatário o exercício e a conservação dos direitos que decorrem do título, mas não a titularidade do crédito nele representado.
- O que se conclui, da sistemática própria do endosso-mandato, é que o endossatário não age em nome próprio, mas sim em nome do endossante. É exatamente por isso que o sacado-devedor somente poderá opor as exceções pessoais que tiver contra o endossante-sacador, nunca aquelas que, eventualmente, possa ter contra o endossatário.
- Pacificou-se a jurisprudência do C. STJ no sentido de que "Só responde por danos materiais e morais o endossatário que recebe título de crédito por endosso-mandato e o leva a protesto se extrapola os poderes de mandatário ou em razão de ato culposo próprio, como no caso de apontamento depois da ciência acerca do pagamento anterior ou da falta de higidez da cártula" (Temas Repetitivos nºs 463 e 464). Registro, por oportuno, que esse já era o entendimento do C. STJ, mesmo antes da edição dos Temas Repetitivos nºs 463 e 464, tal como se percebe pela Súmula nº 476 daquela mesma C. Corte.
- Na praxe mercantil é comum o chamado “desconto de duplicata”, assim considerado como o adiantamento de capital feito por uma instituição financeira, com base em uma duplicata, de modo que a empresa mercantil ou de prestação de serviços recebe antecipadamente os recursos de uma venda ou prestação de serviços pagas a prazo. A duplicata é utilizada como uma garantia para que a instituição financeira libere o crédito, antecipando o fluxo de caixa da empresa endossante.
- O caso dos autos versa sobre endosso-mandato, sendo que a CEF deve ser considerada terceiro de boa-fé em relação ao negócio jurídico originário, na medida em que não há prova alguma nos autos de que tenha sido avisada acerca do desfazimento do negócio envolvendo a parte autora e a corré.
- O ônus da prova quanto à existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor pertence ao réu (art. 373, II, do CPC), sendo que a empresa ora apelante não se desincumbiu desse ônus, pois não trouxe aos autos qualquer prova no sentido de que tenha, realmente, notificado a CEF quanto ao desfazimento da compra e venda que originou as duplicatas.
- Não se vislumbra, portanto, ilegalidade na conduta da CEF, que protestou alguns títulos e incluiu outros no SERASA com vistas à sua cobrança, pois essa instituição financeira agiu estritamente de acordo com a legislação que rege a matéria, em especial a Lei das Duplicatas e em conformidade com os princípios que regem o direito cambiário, não podendo ser responsabilizada por eventuais danos morais causados à parte autora.
- A CEF não excedeu os poderes que lhe foram outorgados por força do mandato (ou seja, não praticou conduta "ultra vires"), não agiu de modo negligente e não foi avisada sobre o desfazimento do negócio que embasava as duplicatas endossadas, de sorte que não tinha ciência do vício que pesava sobre os títulos de crédito.
- Por conta do desfazimento do negócio jurídico originário, caberia ao sacador, na qualidade de cedente dos títulos à CEF, a responsabilidade pela liquidação destes junto à instituição financeira cessionária, a fim de evitar que fossem cobrados em face do sacado.
- Tal comportamento seria exigível tendo em conta a incidência do princípio da boa-fé objetiva, a ser observada em todas as fases do contrato, inclusive naquela pós-contratual (art. 422 do CC) e da qual decorrem os deveres anexos de proteção, informação, cooperação, lealdade e confiança.
- A ora apelante omitiu-se quanto a esses deveres anexos da boa-fé objetiva e, a despeito do desfazimento do negócio jurídico subjacente, não liquidou os títulos junto à CEF. Por conta disso, a parte autora foi surpreendida, após alguns dias, com a negativação do seu nome junto ao REFIN do SERASA e com os protestos cambiários por parte da CEF, a cessionária dos títulos.
- Cuidando-se de protesto indevido de títulos de crédito e da inscrição, igualmente indevida, do nome da parte autora em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura de forma presumida, ou seja, “in re ipsa”, mesmo em se tratando de pessoa jurídica.
- Indenização devida pela empresa ré a título de danos morais fixada no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), eis que tal importância não proporcionará enriquecimento indevido e exagerado da parte autora e, ainda, é capaz de impor punição à parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente.
- Apelação parcialmente provida.