Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001184-19.2016.4.03.6108

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: CARLOS AMARILDO QUADRADO, DEVANIL ANTONIO QUADRADO

Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON LEME DE OLIVEIRA - SP149141-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001184-19.2016.4.03.6108

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: CARLOS AMARILDO QUADRADO, DEVANIL ANTONIO QUADRADO

Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON LEME DE OLIVEIRA - SP149141-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Embargos de Declaração opostos por CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO (Id 278797650), em face do v. Acórdão prolatado por esta E. Décima Primeira Turma em 10 de agosto de 2023 (Id 278421960), que, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento para diminuir a pena privativa de liberdade para 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, para cada um dos réus, a ser cumprida em regime inicial ABERTO, bem como para afastar a pena de limitação de fim de semana, substituindo-a, todavia, por prestação pecuniária, no valor de 10 (dez) salários-mínimos, para cada um dos réus, destinada a entidade pública ou assistencial a ser designada pelo Juízo da Execução, mantendo no mais a r. sentença recorrida.

 

Em razões recursais os Embargantes aduziram, em síntese e para fins de prequestionamento, que o v. acórdão recorrido padeceria dos seguintes vícios: a) violação ao artigo 41 do Código de Processo Penal, pois a denúncia não teria descrito a conduta praticada pelos réus, tendo havido presunção de culpa; b) violação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, pois o decreto condenatório teria sido embasado exclusivamente nos elementos colhidos na fase policial.

 

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões nas quais pugnou pela rejeição dos Embargos de Declaração opostos pela defesa (Id 279994481).

 

É o relatório.

 

Em mesa.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001184-19.2016.4.03.6108

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: CARLOS AMARILDO QUADRADO, DEVANIL ANTONIO QUADRADO

Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON LEME DE OLIVEIRA - SP149141-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Embargos de Declaração opostos por CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO em face do v. Acórdão prolatado por esta E. Décima Primeira Turma, cuja ementa é a seguinte:

 

PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/1990. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE DENÚNCIA E SENTENÇA NÃO VERIFICADA. AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REDUZIDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RAZÃO DA FRAÇÃO DECORRENTE DA CONTINUIDADE DELITIVA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. AFASTAMENTO DA PENA DE RESTRIÇÃO DE FIM DE SEMANA E APLICAÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.

1. Princípio da correlação: o princípio da congruência (ou da correlação entre a acusação e a sentença) representa uma garantia fundamental do acusado, impedindo sua condenação por fatos que não tenham sido descritos na peça acusatória e permitindo que o réu, ao refutar os fatos que lhe foram imputados, exerça plenamente o contraditório e a ampla defesa. No caso em apreço, a peça acusatória descreveu com clareza e precisão as condutas imputadas aos corréus e a sentença proferida pelo r. Juízo a quo guardou perfeita correlação com o contido na denúncia, não havendo que se falar em imputação objetiva, tampouco em nulidade a ser sanada. Outrossim, não restou comprovado o efetivo prejuízo aos acusados (art. 563 do CPP).

2. Materialidade: a materialidade não foi contestada e restou comprovada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais relativa aos PAF 15889.000005/2010-41 (ano-calendário 2005) e 10825.720253/2011-14 (ano-calendário 2006), e os documentos que a acompanham, em especial o Termo de início de Fiscalização, os Autos de Infração e o Termo de Verificação e Constatação Fiscal, bem como pela Relação de Conhecimentos de Transporte Rodoviário de Carga – CTRC e pela Relação de créditos/depósitos bancários sem origem comprovada, cujo crédito tributário apurado foi de R$ 4.437.135,90 (quatro milhões, quatrocentos e trinta e sete mil, cento e trinta e cinco reais e noventa centavos), tendo sido definitivamente constituído, restando perfectibilizados os requisitos da Súmula n. 24 do STF.

3. Autoria: É certo que o art. 155 do Código de Processo Penal desautoriza que os elementos colhidos no inquérito policial sejam os únicos a influir no juízo de valoração probatória. Todavia, tratando-se de prova que não pode ser repetida em juízo, a sua utilização como suporte probatório está autorizado pelo artigo 155, parte final, do Código de Processo Penal (O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas). No caso dos autos, a natureza dos fatos sob apuração encontra grande suporte probatório no campo documental, representado em especial por dois acurados e minuciosos procedimentos fiscalizatórios realizados pela Receita Federal (PAFs n. 15889.000005/2010-41 e n. 10825.720253/2011-14), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, dos quais os réus participaram ativamente, e que foram integralmente ratificados em Juízo pelo auditor-fiscal. Ao contrário do alegado pela defesa, a prova carreada aos autos revelou que os corréus atuavam diretamente na gestão empresarial, ainda que tenham sido auxiliados por outras pessoas (ou mesmo por sua genitora, já falecida), não havendo que se falar, portanto, em responsabilidade objetiva.

4. Elemento Subjetivo. Nos crimes contra a ordem tributária basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo que se comprovar intenção na conduta. Neste feito, o dolo exsurge das circunstâncias de, na qualidade de empresários de considerável porte, sobretudo em razão dos elevados valores movimentados pela Transportadora Cardevan, não ser crível que desconhecessem a obrigação legal de informar as rendas efetivamente auferidas e sobre elas recolher os respectivos tributos, conduta omissiva que revela a atuação dolosa dos corréus ante a sonegação de valores tão expressivos. De outra senda, no cenário descrito pela defesa, em que os acusados teriam delegado integralmente a terceiros a elaboração da contabilidade e dela não se ocupavam, extrai-se, no mínimo, o dolo eventual, na medida em que se descuidaram da conferência do pagamento dos tributos, obrigação inerente ao cargo por eles ocupado.

5. Dosimetria. A pretensão defensiva de redução da reprimenda corporal para o patamar mínimo legal não pode ser acolhida, tendo em vista que o r. Juízo a quo agiu com acerto ao fixar a pena-base no mínimo legal, não tendo sopesado agravantes ou atenuantes na segunda fase e aumentando-a na terceira fase em razão do alto valor sonegado e seu impacto na coletividade (art. 12, inc. I, Lei n. 8.137/1990). De acordo com o entendimento desta Turma julgadora referida exasperação deveria se dar em metade, todavia, em razão do recurso exclusivo da defesa, deve ser mantido conforme definido em primeiro grau (um terço).

6. Continuidade delitiva. A r. sentença deve ser modificada quanto à fração de aumento decorrente da continuidade (um quinto), pois a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da exasperação da pena, conforme o número de infrações, como se segue: A propósito do patamar de exasperação da pena pelo reconhecimento de crime continuado, esta Corte Superior de Justiça compreende que se aplica a fração de aumento de 1/6 (um sexto) pela prática de 2 infrações; 1/5 (um quinto) para 3 infrações; 1/4 (um quarto) para 4 infrações; 1/3 (um terço) para 5 infrações; ½ (metade) para 6 infrações e 2/3 (dois terços) para 7 ou mais infrações (STJ; REsp 1848553/MG; Rel. Min. Laurita Vaz; 6ª Turma; j. 02.03.2021; DJe 11.03.2021), entendimento que vem sendo adotado por esta Turma julgadora, nos termos do precedente TRF3; ACR 00041266820094036108; Rel. Des. Fed. José Lunardelli; Décima Primeira Turma; j. 25.03.2021. Assim, verificada a continuidade delitiva em dois anos consecutivos (2005 e 2006), deve ser aplicada a fração de 1/6 (um sexto), resultando a pena definitiva, PARA CADA UM DOS RÉUS, de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial ABERTO.

7. Multa: a pena de multa restou fixada no mínimo legal, sem a incidência das exasperações aplicadas na terceira fase e em razão do crime continuado. Deve ser mantida tal como fixada em primeiro grau (10 dias-multa, cada qual calculado em um salário mínimo vigente em dezembro de 2006), à míngua de recurso da acusação.

8. Substituição da pena privativa de liberdade: A pena corporal foi substituída, para cada um dos réus, por duas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação de serviços à comunidade e restrição de fim de semana. O pedido defensivo de reiterada/exclusão desta última pena alternativa esbarra no disposto no § 2º do artigo 44 do Estatuto Repressivo (Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos). Todavia, nos termos preconizados pelo MPF em seu Parecer, deve-se proceder à sua alteração por prestação pecuniária, que melhor atenderia a substituição da pena corporal em crimes tributários, ante a sonegação ao Fisco de expressivos valores. Assim, em razão dos critérios legais e pertinentes ao caso em concreto, a prestação pecuniária deve ser fixada em 10 (dez) salários-mínimos, para cada um dos réus, destinada a entidade pública ou assistencial a ser designada pelo Juízo da Execução.

9. Apelação dos réus provida em parte.

 

As hipóteses de cabimento do recurso de Embargos de Declaração estão elencadas no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, a existência de ambiguidade, de obscuridade, de contradição ou de omissão. Nesse contexto, de regra, não se admite a oposição de embargos declaratórios com o objetivo de modificar o julgado, exceto em decorrência do saneamento de algum dos vícios anteriormente mencionados, não servindo, portanto, o expediente para alterar o que foi decidido pelo órgão judicial em razão de simples inconformismo acerca de como o tema foi apreciado (o que doutrina e jurisprudência nominam como efeito infringente dos aclaratórios). Nesse sentido é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO. INOCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. MERA IRRESIGNAÇÃO DO EMBARGANTE. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. INVIABILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração são cabíveis quando houver ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal. 2. Não se prestam, portanto, para revisão do julgado no caso de mero inconformismo da parte. (...) 4. Impende registrar que o julgador não é obrigado a manifestar-se sobre todas as teses expostas no recurso, ainda que para fins de prequestionamento, desde que demonstre os fundamentos e os motivos que justificaram suas razões de decidir. Assim, tendo a matéria recebido o devido e suficiente tratamento jurídico, não cabe a esta Corte construir teses com base em dispositivos da Carta Magna a pedido da parte, mesmo que a finalidade seja prequestionar a matéria. 5. Não há, assim, que se falar em omissão, contradição e obscuridade no acórdão embargado. 6. embargos de declaração rejeitados (EDcl no AgRg no HC 401.360/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 24/11/2017) - destaque nosso.

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXPEDIÇÃO DE GUIA DE RECOLHIMENTO. PRISÃO DO RÉU. NECESSIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRINGENTES. I - Os embargos de declaração são cabíveis somente nas hipóteses do art. 619 do Código de Processo Penal, isto é, nos casos de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão no acórdão embargado. São inadmissíveis, portanto, quando, a pretexto da necessidade de esclarecimento, aprimoramento ou complemento da decisão embargada, objetivam, em essência, o rejulgamento do caso. (...) (EDcl no AgRg no HC 400.294/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 30/10/2017) - destaque nosso.

 

 

Ademais, cumpre salientar que o Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual - em outras palavras, a concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. A propósito, o C. Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de assentar:

 

Esta Egrégia Corte não responde a questionário e não é obrigada a examinar todas as normas legais citadas e todos os argumentos utilizados pelas partes e sim somente aqueles que julgar pertinentes para lastrear sua decisão (EDRESP nº 92.0027261, 1ª Turma, rel. Min. Garcia Vieira, DJ 22.03.93, p. 4515) - destaque nosso.

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AFRONTA AO ART. 619 DO CPP. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 386, IV E V, DO CPP. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. De acordo com o entendimento jurisprudencial remansoso neste Superior Tribunal de Justiça, os julgadores não estão obrigados a responder todas as questões e teses deduzidas em juízo, sendo suficiente que exponham os fundamentos que embasam a decisão. Incidência do enunciado 83 da Súmula deste STJ. (...) (AgRg no AREsp 462735/MG 2014/0013029-6, T6 - SEXTA TURMA, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Julgamento: 18.11.2014, DJe: 04.12.2014) - destaque nosso.

 

 

Ressalte-se, outrossim, que, mesmo tendo os aclaratórios finalidade de prequestionar a matéria decidida objetivando a apresentação de recursos excepcionais, imperioso que haja no julgado recorrido qualquer um dos vícios constantes do art. 619 anteriormente mencionado - sobre o tema, vide os julgados que seguem:

 

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. PREQUETIONAMENTO PARA FINS DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INVIABILIDADE. (...) 3. Os embargos declaratórios opostos com o objetivo de prequestionamento, para fins de interposição de recurso extraordinário, não podem ser acolhidos se ausente omissão, contradição ou obscuridade no julgado embargado. (...) (STJ, EDcl na APn .675/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2012, DJe 01/02/2013) - destaque nosso.

 

EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÕES. AUSÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. INVIABILIDADE. (...) II - Esta c. Corte já tem entendimento pacífico de que os embargos declaratórios, mesmo para fins de prequestionamento, só serão admissíveis se a decisão embargada ostentar algum dos vícios que ensejariam o seu manejo (omissão, obscuridade ou contradição). Embargos declaratórios rejeitados. (STJ, EDcl no AgRg no REsp 723962/DF, Relator Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, v. u., DJ 02.10.2006, p. 300) - destaque nosso.

 

 

Dentro desse contexto, analisando o v. acórdão guerreado, observa-se que não existem os apontados vícios, conforme se analisará a seguir.

 

DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

 

Os Embargantes sustentam que teria ocorrido violação ao artigo 41 do Código de Processo Penal, pois a denúncia não teria descrito a conduta praticada pelos réus, tendo havido presunção de culpa.

 

Sem razão os recorrentes.

 

Conforme se extrai do v. acórdão recorrido, o tema foi esmiuçado, destacando-se trechos da denúncia acerca das condutas imputadas aos corréus e das atuações que revelaram o envolvimento deles na gestão empresarial, não havendo que se falar em imputação objetiva, tampouco em ofensa ao princípio da congruência (Id 277980417):

 

“(...) DA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA OU DA ADSTRIÇÃO

Em sede de Apelação a defesa dos réus alegou ofensa ao princípio da correlação entre acusação e sentença, argumentando que a peça acusatória cingiu-se unicamente à afirmação de serem os réus os representantes legais da empresa, de maneira que o r. decisum recorrido teria extrapolado esse limite ao condená-los.

O princípio da congruência ou da adstrição é previsto no art. 492 do CPC, in verbis:

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Trata-se de princípio relacionado à necessidade de o juiz decidir a lide (seja ela de natureza penal ou civil) nos limites do pedido, não podendo julgar de forma extra, ultra ou citra petita.

É certo que, no bojo de um processo penal, o princípio da congruência (ou da correlação entre a acusação e a sentença) representa uma garantia fundamental do acusado, impedindo sua condenação por fatos que não tenham sido descritos na peça acusatória e permitindo que o réu, ao refutar os fatos que lhe foram imputados, exerça plenamente o contraditório e a ampla defesa.

No caso em apreço, em detida análise à peça acusatória, não se verifica a alegada imputação objetiva aos réus, merecendo destaque os trechos a seguir (Id 152260902):

“(...) Ressurte dos autos que, durante os anos de 2005 a 2006, a empresa autuada, por meio de seus representantes legais, ora denunciadosomitiu Receita Bruta Total (faturamento) decorrente de receitas não escrituradas (apuradas em conhecimento de Transporte Rodoviário de Cargas); omitiu receitas decorrentes de depósitos bancários não escriturados (apuradas em extratos bancários) e sem origem comprovada; e recolheu insuficientemente alíquotas decorrentes de aplicações progressivas em razão do real faturamento apurado, consoante fls. 01/354 dos Volumes 01 e 02 do Apenso I.

(...) Além disso, foi constatado que a empresa TRANSPORTADORA CARDEVAN LTDA, por meio de seus representantes supra qualificados, apresentou Livro Caixa que não refletia a realidade de seu faturamento e de sua movimentação financeira (fls. 64/84), tampouco esclareceu e comprovou totalmente a origem dos valores creditados ou depositados em suas contas correntes mediante documentação hábil e idônea (...)” (g.n.).

Além disso, nos crimes tributários, embora as condutas dos réus nem sempre sejam amplamente especificadas na denúncia, deve-se constar da narrativa, o liame entre as alegadas ações e a autoria, a permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório, ou seja, cabe na denúncia demonstrar o nexo causal entre as funções dos denunciados (administradores da empresa) e a suposta supressão de tributos, sendo que durante a persecução criminal haverá a análise da plausibilidade da imputação por meio da verificação cabal acerca da ocorrência, ou não, do fato típico e antijurídico em relação à pessoa imputada.

Nesse sentido há consolidado entendimento jurisprudencial:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DELITOS SOCIETÁRIOS. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE. RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE INFRAÇÃO PENAL EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. 1. O devido processo legal constitucionalmente garantido deve ser iniciado com a formulação de uma acusação que permita ao denunciado o exercício do seu direito de defesa, para que eventual cerceamento não macule a prestação jurisdicional reclamada.

2. Nos crimes societários, embora não possa ser de todo genérica, a denúncia é válida quando demonstra um liame entre o agir dos sócios ou administradores e a suposta prática delituosa, apesar de não individualizar pormenorizadamente as atuações de cada um deles, o que estabelece a plausibilidade da imputação e possibilita o exercício da ampla defesa, cumprindo o contido no artigo 41 do Código Penal. Precedentes.

3. No caso, o recorrente não foi denunciado simplesmente por ser sócio da empresa em questão, mas porque, na qualidade de Diretor-Presidente da empresa BOTUCATU TEXTIL S.A. MASSA FALIDA, responsável pelos recolhimentos pelos recolhimentos tributários da aludida pessoa jurídica, deixou de repassar à Previdência Social contribuições previdenciárias, narrativa atende de forma satisfatória os requisitos legais exigidos para que se garanta ao réu o exercício da ampla defesa e do contraditório.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no RHC 81.346/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 18/02/2019) (grifei).

 

'HABEAS CORPUS' - PROCESSUAL PENAL - APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA REJEITADA - DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS PENALMENTE RELEVANTES ATRIBUÍDOS - CRIMES SOCIETÁRIOS - DENÚNCIA GENÉRICA - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES DESTA TURMA E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES - ORDEM DENEGADA.

1. Basta o exame da inicial acusatória para se concluir que o Ministério Público Federal descreveu com precisão os fatos atribuídos aos pacientes, propiciando-lhes conhecerem os termos da acusação e exercitar regularmente a sua defesa.

2. Não é da natureza da denúncia a exaustiva e minudente exposição do fato criminoso, nem tampouco a narrativa entrecortada por citações de doutrina e jurisprudência. A peça inicial deve ser marcada pela concisão, cabendo-lhe traçar os estritos e necessários contornos do fato criminoso, vez que se destina a convencer o magistrado sobre a necessidade do início da "persecutio criminis in judicio" para a completa elucidação dos fatos narrados.

3. A denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal atende a todos os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, desempenhando, deste modo, as funções que dela se espera: descrever os fatos com todas as circunstâncias e imputar-lhes aos acusados, tornando possível a estes exercer seu direito à ampla defesa. A denúncia aclarou que a empresa, por meio dos pacientes, que eram seus representantes legais, deixou de promover, no tempo devido, o recolhimento das contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados segurados. Ademais, esclareceu a exordial acusatória a condição dos pacientes como responsáveis pela gestão do estabelecimento, de sorte a vincular o resultado delitivo com o exercício da administração a eles atribuído, defluindo nítida a relação de causalidade entre o evento delituoso e as condutas imputáveis aos ora pacientes, não se vislumbrando a alegada responsabilidade penal objetiva.

4. Em se tratando de crimes societários, cuja autoria é considerada coletiva, o início da ação penal pelo recebimento de denúncia, que não descreve com minúcias a conduta de cada acusado na empreitada criminosa, tem sido admitida. Justifica-se tal conclusão por ser extremamente dificultoso delimitar, de forma precisa, a participação de cada denunciado nesses crimes, haja vista a complexidade das questões relativas à tomada de decisão no interior das empresas. Raciocínio diverso tornaria sobremaneira penosa a função do órgão acusador, incumbido da instauração da persecução penal.

5. As cópias de alterações do contrato social da empresa revelam que os pacientes eram sócios e detinham poderes de gerência do estabelecimento de ensino: o paciente MARCO ANTONIO administrou o estabelecimento a partir de abril de 2004 a junho de 2006; enquanto os pacientes ANTONIO APARECIDO e ENRICO BRENA DOS SANTOS geriram a empresa no interregno de 11 de outubro de 2003 a 31 de março de 2004. A prova documental pré-constituída contradiz as assertivas dos pacientes colhidas na fase extrajudicial, no sentido de que apenas e tão-somente MARCO ANTONIO era o responsável pela condução dos negócios e, portanto, com poderes para decidir pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias em questão.

6. Diante deste contexto específico, não sendo possível desde logo delimitar com precisão a responsabilidade de cada sócio, era cabível ofertar denúncia sem a descrição minuciosa da participação de cada um deles, cuja conduta será apurada ao longo da instrução criminal, não se entrevendo prejuízo ou comprometimento à defesa dos pacientes. Essa posição foi recentemente adotada pelo C. Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 92921/BA, cuja relatoria coube ao Ministro Ricardo Lewandowski, constando do decisum que: '(...) Em crimes societários, a denúncia deve pormenorizar a ação dos denunciados no quanto possível. Não impede a ampla defesa, entretanto, quando se evidencia o vínculo dos denunciados com a ação da empresa denunciada. (...)'. A questão da responsabilidade penal dos pacientes pelos fatos mencionados na inicial acusatória deverá ser esclarecida na via própria, que é a ação penal.

7.Ordem denegada.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, HC - HABEAS CORPUS - 31468 - 0009164-86.2008.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 03/11/2008, DJF3 DATA:21/11/2008) (grifei).

Portanto, diferentemente do que se alegou, a exordial descreveu com clareza e precisão as condutas imputadas a CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO, ao passo que a sentença proferida pelo r. Juízo a quo os condenou pela prática das condutas omissivas e comissivas descritas na inicial, com suporte nas provas produzidas em sede administrativa e judicial (cujo detalhamento será feito por ocasião da análise do mérito), não se afastando, portanto, do que foi narrado na peça acusatória.

Assim, considerando que a conduta que ensejou a condenação dos increpados guardou perfeita correlação com a imputação contida na denúncia, não se há de falar em imputação objetiva, tampouco em nulidade a ser sanada.

Sem prejuízo do exposto, importante ressaltar que o Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Ressalte-se que a jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional, acolhe a dicção do preceito transcrito, fazendo coro à disposição do legislador no sentido de que qualquer nulidade somente será decretada caso efetivamente haja a comprovação do prejuízo daquele que a requer - a propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. TESTEMUNHA INQUIRIDA MEDIANTE CARTA PRECATÓRIA. DEFENSORIA PÚBLICA ESTRUTURADA NO JUÍZO DEPRECADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. TESTEMUNHA QUE DESCONHECIA OS FATOS OBJETO DE APURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A LEGITIMAR A PROCLAMAÇÃO DE NULIDADES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. Inobservâncias processuais não contaminam a higidez processual na hipótese em que inocorrente prejuízo às partes. Aplicação, em matéria de nulidades, do art. 563 do CPP, que traduz o princípio reitor em que se consagra que, sem prejuízo, não se proclamam nulidades. (...) (STF, HC 130549 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016) (grifei).

 

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL JULGADO PROCEDENTE. VIOLAÇÃO DA SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DO ACUSADO PRESO À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. EXPEDIÇÃO DE REQUISIÇÃO PELO JUÍZO PROCESSANTE. CONCORDÂNCIA DA DEFESA NA REALIZAÇÃO DO ATO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZOINTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (...) 3. Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Precedentes. (...) (STF, HC 119372, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01-02-2016 PUBLIC 02-02-2016) (grifei).

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUALPAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO DE PROVA ILÍCITA MOTIVADA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. IMPROPRIEDADE NA VIA DO WRIT. CONDENAÇÃO BASEADA NA PALAVRA DA VÍTIMA E EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS NOS AUTOS. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal reclama efetiva demonstração de prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, o que não se verifica na espécie. (...) (STJ, AgRg no HC 327.638/PA, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 21/09/2017) (grifei).

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 157, §2º, I, II, V, CP. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM DA REINCIDÊNCIA. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 157, §2º, III DO CP. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (...) Ressalte-se que no âmbito do processo penal, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief, consagrado pelo legislador no artigo 563 do Código de Processo Penal, não será declarada a nulidade quando não resultar prejuízo comprovado para a parte que a alega. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 71202 - 0006486-72.2015.4.03.6105, Rel. DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2017) (grifei).

 Diante de tais argumentos, deve ser rechaçada a alegação de ofensa ao princípio da correlação ou congruência entre a denúncia e a sentença (...)”.

 

 

Como se vê, o inconformismo recursal reside no não acolhimento das teses que levariam à absolvição, não havendo vícios a serem sanados.

 

Outrossim, conforme apontado pelo Ministério Público Federal em contrarrazões aos presentes Embargos (Id 2799994481), tendo o acórdão embargado enfrentado a tese defensiva quanto à deficiência da inicial acusatória, dispensa-se a menção expressa do dispositivo legal suscitado pela defesa de CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTÔNIO QUADRADO, motivo pelo qual não há que se falar em vício de omissão.

 

 

DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

 

Na sequência, os Embargantes alegam violação ao artigo 155 do Código de Processo Penal, pois o decreto condenatório teria sido embasado exclusivamente nos elementos colhidos na fase policial.

 

O trecho do v. acórdão que analisou o mérito, a seguir transcrito, rechaça por completo referida alegação (Id 277980417):

 

“(...) DA MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO

(...)

A insurgência recursal repousa na autoria, sustentando a defesa que a prova oral produzida em juízo teria revelado que a genitora dos réus seria a responsável pela parte contábil, de maneira que eles teriam sido condenados pelo simples fato de constarem no contrato social como sócios e proprietários da empresa autuada.

O argumento não merece acolhida.

No que tange à parte documental, observa-se Informação do auditor-fiscal no sentido de que em sua visita à empresa TRANSPORTADORA CARDEVAN LTDA., a fim de dar-lhe ciência do início da ação fiscal, foi-lhe informado pela funcionária Keli Dayane Quadrado que CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO eram os administradores da empresa fiscalizada (Id 152260823 – fl. 17).

Na fase policial o acusado CARLOS AMARILDO QUADRADO confirmou essa informação, esclarecendo o que segue: “eu sou sócio da transportadora Cardevan Ltda. Eu e meu irmão Devanil somos os administradores, isto é, tanto eu quanto ele tomamos as decisões administrativas. A empresa não possui outro sócio, sendo que o quadro da empresa é composto apenas eu e meu irmão Devanil Antônio Quadrado. Eu não sei como está no contrato social, mas acho que é os dois sócios. Eu não acompanhei a fiscalização objeto da representação. Eu não me recordo sobre omissão de receita no ano de 2005. Nega as informações da representação. Nós entramos com um advogado para recorrer da infração e caso fosse devido pedir o parcelamento do imposto” (Id 152260901 – fl. 21).

As declarações de DEVANIL ANTONIO QUADRADO foram no mesmo sentido: “eu sou sócio junto com meu irmão Carlos da Transportadora Cardevan Ltda; ambos somos responsáveis pela administração da empresa; hoje a empresa não está em atividade, porém ainda está aberta; eu ficava mais na área da oficina e essas coisas fiscais e tributárias deixava tudo com o contador. Eu estava presente quando foi realizada a fiscalização e foi entregue todos os documentos solicitados pelo fiscal através do contador da empresa. Eu não sei sobre omissão de receita em 2005, essas coisas de papel era tudo com o contador Freitas. Entramos com advogado para ver recursos da multa e pagamento parcelado se houvesse. Eu não sei se toda a dívida foi paga, sei que paguei algumas guias” (Id 152260901 – fl. 22).

Em juízo o auditor fiscal da Receita Federal Toni Edivaldo Coquemala Lagustera, testemunha da acusação, confirmou ter realizado a fiscalização na empresa dos réus e ratificou integralmente o procedimento fiscal. Informou que a fiscalização começou em decorrência da verificação de elevada movimentação em contas bancárias, cerca de oito a dez vezes superior à receita declarada pela pessoa jurídica ao Fisco. Esclareceu que durante a fiscalização a contribuinte apresentou os “conhecimentos de transportes”, uma espécie de nota fiscal para empresas que trabalham nesse ramo, e por meio deles constatou-se que uma parte da receita não fora declarada ao Fisco. Na realidade foram efetuados três lançamentos: um deles relacionado à elevada movimentação bancária, sem origem comprovada, outro decorrente dos conhecimentos de transporte que não foram lançados na declaração anual e por fim, o relativo à aplicação de alíquota que não correspondia ao regime tributário em que a empresa estava enquadrada, resultando em recolhimentos tributários a menor. O procedimento foi iniciado por um colega seu, já falecido. Os livros da pessoa jurídica foram apresentados pela contribuinte na Receita Federal e os dados escriturados também apontavam receitas inferiores às efetivamente apuradas nas movimentações bancárias e por meio dos conhecimentos de transportes. Todas as alegações apresentadas pela empresa foram analisadas, mas eles não apresentaram comprovação acerca da receita considerada para tributação. Melhor esclarecendo, informou que na primeira fase foi apurado o excesso de receita em 2005 e, em razão disso, houve exclusão da empresa do regime SIMPLES, enquadrando-a no regime de arbitramento. Na segunda fase, relativa a 2006, verificou-se que os livros contáveis possuíam diversas irregularidades e os recolhimentos tributários efetuados foram inferiores às alíquotas relativas ao novo regime. Não se recorda de ter tido contato com os proprietários. Acredita que falou com o Arlindo Mendonça, pessoa que atendeu a fiscalização, apresentou os livros e se identificou como representante da empresa naquela ocasião (mídia Id 268067588).

Arlindo Mendonça, testemunha da acusação, esclareceu que é administrador de empresa e conheceu o réu CARLOS AMARILDO QUADRADO porque efetuou um trabalho de recuperação de ICMS para a Transportada Cardevan. Acreditou que ele era sócio, porém, manteve contato com uma senhora chamada Leonor, a quem lhe aparentou ser a matriarca da empresa, a pessoa que tinha voz ativa. Respondeu que provavelmente se encontrou com o réu DEVANIL ANTONIO QUADRADO em algum momento, mas não se recordou disso. Nada soube dizer sobre a fiscalização que deu origem à presente ação penal, pois seu envolvimento foi apenas levar até a Receita Federal alguns documentos solicitados pelo fiscal, sem tê-los examinados. Pouco tempo depois afastou-se dessa empresa, que ficava em Macatuba, pois residia em São Paulo (mídia Id 268067601).

Márcio Pereira de Freitas, testigo da defesa, informou que ‘trabalha como contador da empresa Cardevan, até a presente data. Recorda-se que, nos anos de 2005/2006, a empresa recebeu a visita de um fiscal em seu estabelecimento. Na ocasião, a empresa contratou outro profissional para que mantivesse contato com tal fiscal. Essa pessoa, chamada Arlindo, já prestava serviços de recuperação de créditos pela empresa e lhe foram passadas várias informações. A partir daí, foi esse profissional que manteve contato direto com o fiscal. Então, o depoente nada mais soube sobre a fiscalização realizada. Há em aberto um débito muito alto de imposto, somente por isso a empresa não foi encerrada. Nada sabe sobre os fatos narrados na denúncia. Não sabe se houve a alegada sonegação fiscal. Todos os créditos recebidos pela empresa foram informados à Receita Federal, nas declarações de renda formuladas pelo depoente.’ Às reperguntas da defesa respondeu que: ‘Leonor Quadrado era quem cuidava da parte tributária e fiscal da empresa. Era ela quem encaminhava os documentos fiscais ao escritório do depoente. Ela não fazia parte do quadro societário, mas tinha poderes administrativos de fato’ (Id 152260902 – fl. 141).

Yara Sandra Correia Leão, testemunha arrolada pela defesa, informou que trabalhou no escritório da empresa Cardevan no período de 2003 a 2009. Fazia os conhecimentos de transporte e os repassava para a senhora Leonor, genitora dos réus e responsável pela parte financeira, a quem competia o envio da documentação para um escritório de contabilidade. Os réus CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO passavam frequentemente no escritório, porém cuidavam mais da parte dos transportes e ficavam na oficina. Não soube dizer se a senhora Leonor tinha formação contábil, mas no escritório a administração competia a ela, em especial a movimentação bancária, extratos e depósitos (mídia Id 268067630).

Milton Vieira Gonçalves, testigo da defesa, respondeu que conheceu a transportadora Cardevan de ouvir falar. Possui escritório de contabilidade e há bastante tempo foi procurado pela senhora Leonor, que se apresentou como administradora da empresa e precisava que alguns problemas contábeis fossem solucionados. Não chegou a efetuar o trabalho e nada soube dizer acerca dos presentes fatos. (mídia Id 268068254).

Em seu interrogatório judicial o réu CARLOS AMARILDO QUADRADO confirmou ser sócio da Transportadora Cardevan juntamente com seu irmão DEVANIL ANTONIO QUADRADO. Todavia, tentou esquivar-se de sua responsabilidade pela gestão da empresa alegando que foi chamado na Delegacia de Bauru e lá esclareceu que não atuava na parte administrativa, pois ficava na oficina juntamente com seu irmão, o corréu. Informou que era sua mãe Leonor Leme Quadrado quem administrava a Transportadora e trabalhava na parte de escrituração. Esclareceu que foi sua mãe quem abriu a empresa e a registrou em nome dos réus. Respondeu que já ouviu falar de Arlindo Mendonça, parece que ele foi fazer uma auditoria na empresa, porém não participou disso (mídia Id 268068264).

O interrogatório de DEVANIL ANTONIO QUADRADO foi no mesmo sentido, alegando não saber se houve ou não sonegação de tributos. Respondeu que ficava mais na parte da oficina e era sua genitora Leonor quem cuidava da área contábil (mídia Id 268068266).

Em sede de contrarrazões o Ministério Público Federal fez acurada análise da prova oral e destacou que ‘apesar da insistência da defesa, das testemunhas e dos réus em deslocar a responsabilidade para Leonor, curioso notar que, na delegacia de polícia, os denunciados assumiram que eram os administradores da empresa. Isso se deu em razão de Leonor ainda estar viva (faleceu alguns dias após os depoimentos, conforme documento anexo); assim, já em juízo, uma vez falecida, todo o problema da responsabilidade pela empresa foi solucionado com a imputação da omissão das receitas a Leonor. O grande problema dessa tática, como já registrado alhures, reside no fato de estar amparada em depoimentos de testemunhas que, de uma forma ou de outra, mantinham vínculos com a transportadora, e não em documentos’ (Id 152260903 – fl. 118).

Ainda em contrarrazões recursais, a acusação rechaça a tese defensiva de que os réus não teriam conhecimento dos fatos ou participação efetiva na gestão empresarial sob os seguintes argumentos (Id 152260903 – fls. 116/117):

‘(...) A propósito, o esforço da defesa não prospera: apesar de Arlindo ter dito que não conhecia muito bem Devanil, mais uma vez, curiosamente, justamente foi este quem outorgou procuração àquele (fl. 13).

Mais ainda, não há olvidar-se que a procuração só comprova quem, de fato, administrava a empresa. Isso porque, conforme trechos do documento, ‘a empresa Transportadora Cardevan Ltda. nomeia e constitui seus bastantes procuradores o Sr. Arlindo Mendonça com o fim específico atender a Notificação da Secretaria da Receita Federal para a entrega de documentos dos exercícios de 2005 e 2006, bem como para acompanhar todo o trabalho de fiscalização, com autorização para receber e entregar outros documentos’.

Outrossim, espancando qualquer dúvida acerca da gerência da empresa pelos denunciados, os documentos abaixo revelam atos próprios de administrador:

informação fiscal (fl. 10): Atendeu a fiscalização a Sra. Keli Dayane Quadrado, secretária dos administradores, informando que estavam em viagem (...);

protocolo de documentos entregues à Receita Federal e assinado por Devanil: Conhecimentos de transporte referente ao período janeiro de 2005 e 2006; Informamos que os extratos bancários, bem como o livro caixa referente ao período serão entregues posteriormente em data oportuna;

duas procurações outorgadas por Devanil, uma em janeiro de 2009 e outra em março do mesmo ano, com finalidades diferentes (fls. 13 e 17);

requerimento firmado por Devanil Receita endereçado à Receita solicitando prazo para entrega de documentos (fl. 49);

requerimento firmado por Carlos Amarildo Quadrado endereçado à Receita: considerando a necessidade de emissão de Requisição de Movimentação Bancária junto às instituições em que mantém contas, vem requerer cópias dos extratos bancários que são objetos de fiscalização;

termo de entrega e recebimento (cópias dos extratos recebidos através de Movimentação Financeira) assinado por Carlos;

documento assinado por Carlos: Após verificações levadas a efeito nos documentos da empresa, especialmente, na movimentação bancária combinada com os CTRC referente à venda de serviços de transporte de cargas relacionamos os recebimentos encontrados e que referem a venda de serviços, tudo conforme demonstrativo anexo; demonstrativo da origem dos créditos em conta bancária (fls. 58/62);

termo de devolução de documentos assinado por Devanil (fl. 63);

termo de intimação fiscal assinado por Devanil (fls. 90/91);

procuração ad judicia et extra assinada por Devanil (fl. 109);

solicitação de cópia dos contratos Devanil (fl. 116); documentos bancários) /extratos ao banco de conta Bradesco

destinatário de objeto (AR) assinado por Devanil (fl. 135);

todos os respectivos campos do auto de infração assinados por Carlos /fls. 261 e seguintes);

Nesse aspecto, a vasta gama de documentos assinados por quem é administrador da empresa está escancarada nos autos, e justamente quem os assinou foram Carlos e Devanil: Dona Leonor é uma pessoa totalmente estranha à fiscalização na empresa, aos atos típicos de gestão, como os relacionados à movimentação bancária e outorga de procuração. Porém, como deixam claro as mídias que contêm os depoimentos prestados em juízo, a defesa, sequer uma vez, esclareceu o porquê de Dona Leonor ser a responsável pela empresa: não há documento assinado por ela, mas, mesmo que houvesse, os demais estão assinados por Carlos e Devanil.

A esse respeito, as perguntas da defesa às testemunhas, em juízo, deixam evidente que o único escopo era incriminar Leonor, pessoa falecida, diga-se de passagem, e, assim, afastar a responsabilidade de Carlos e Devanil: isso é tão evidente, que não há indagação alguma sobre o mérito da ação penal, isto é, sobre omissões de receita, depósitos bancários etc (...)’.

Com efeito, pelo cotejo entre as ponderações formuladas pelo Ministério Público Federal e a análise do procedimento administrativo observa-se que os argumentos ministeriais são coerentes e afastam a alegação dos réus de que não participavam da administração da empresa e desconheciam a fiscalização. A título exemplificativo pode-se apontar a assinatura de CARLOS AMARILDO QUADRADO no pedido de cópia dos extratos bancários objeto da fiscalização, no Termo de Recebimento dos documentos solicitados pela Fiscalização (Id 152260823 – fls. 61/63), bem como nos Autos de Infração relacionados ao ano-calendário de 2006 (Id 152260824), havendo vários outros documentos por ele assinados durante o procedimento fiscal, conforme apontado pelo Parquet Federal.

No que concerne a DEVANIL ANTONIO QUADRADO, confere-se a sua assinatura no Protocolo de Documentos entregues e respectiva procuração (Id 152260823 – fl. 19), no Termo de Devolução dos documentos fiscalizados (Id 152260823 – fl. 70), assim como no recebimento de Intimação Fiscal relacionado ao ano-calendário de 2006 (Id 152260823 – fls. 97/98), dentre outros documentos relacionados pelo Ministério Público Federal.

Portanto, a prova carreada aos autos é cabal no sentido de que os corréus, além de figurarem como sócios e proprietários da empresa fiscalizada, também praticavam atos de gestão, envolvendo-se nas questões a ela atinentes, inclusive tributárias.

Importante divisar, quanto à formação do convencimento do magistrado, que o art. 155 do Código de Processo Penal desautoriza que os elementos colhidos no inquérito policial sejam os únicos a influir no juízo de valoração probatória. Referido preceito, não impede, a contrariu sensu, a sua utilização quando estiverem corroborados, complementados ou reforçados pela prova judicial.

Noutras palavras, a regularidade da valoração probatória prescinde de que toda prova colhida inquisitorialmente seja necessariamente refeita em juízo. Se assim não fosse, restaria imprestável o mencionado permissivo legal, dirigido exatamente a viabilizar que determinado elemento de informação influa na apreciação judicial dos fatos imputados, uma vez que seriam os próprios elementos de prova constituídos sob o manto do contraditório que estribariam, exclusivamente, o convencimento do magistrado.

Na forma do entendimento ora exposto, sendo o elemento inquisitorial harmônico com a prova judicial, ele terá valor próprio e participará validamente do acervo probatório, o que fica defeso caso o mesmo mostre-se colidente, isolado ou incompatível com elementos colhidos na ação penal.

Assentar tais premissas é fundamental, pois, no caso dos autos, a natureza dos fatos sob apuração encontra grande suporte probatório no campo documental, representado em especial por dois acurados e minuciosos procedimentos fiscalizatórios realizados pela Receita Federal (PAFs n. 15889.000005/2010-41 e n. 10825.720253/2011-14), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, dos quais os réus participaram ativamente, e que foram integralmente ratificados pelo auditor fiscal em juízo. Trata-se, contudo, de prova que não pode ser repetida em juízo, de maneira que sua utilização como suporte probatório está autorizado pelo artigo 155, parte final, do Código de Processo Penal (O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas - destaque nosso).

Destaque-se que tanto na fase administrativa, quanta na fase policial e em juízo foi assegurado aos corréus o direito ao contraditório e ampla defesa e cabia à defesa, seja durante o procedimento administrativo, seja durante a instrução probatória deste processo em curso, desqualificar as provas produzidas, ônus do qual não desincumbiu (art. 156 do CPP).

Frise-se uma vez mais que os procedimentos administrativos foram integralmente ratificados pelo auditor-fiscal Edivaldo Coquemala Lagustera (mídia Id 268067588), tratando-se de provas robustas e contundentes, de maneira que a prova testemunhal produzida pela defesa em juízo, ao contrário do pretendido, não é capaz de enfraquecer todo o acervo probatório produzido.

Com efeito, não há dúvidas nos autos de que CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO são sócios da empresa fiscalizada, não tendo a prova oral afastado de forma convincente as suas participações na gestão empresarial, comprovada, ainda, nos autos por meio da assinatura de vários documentos, restando esvaziada, assim, a tentativa da defesa de atribuir exclusivamente à genitora falecida dos acusados (Leonor Leme Quadrado) a responsabilidade pela área contábil.

Registre-se que não se espera dos gestores de uma empresa que eles próprios venham a praticar diretamente todos os atos relacionados à administração, sendo perfeitamente possível a contratação de um escritório contábil ou contador que fique responsável pela área financeira, ou de um gerente (ou vários) para a supervisão de outros setores e segmentos da pessoa jurídica. Todavia, importante destacar que a existência de terceiros que auxiliem os sócios e proprietários não os exime da responsabilidade de gerir esses setores, competindo a eles as decisões mais sensíveis que nortearão os passos da empresa. No presente caso, ao contrário do alegado pela defesa, a prova carreada aos autos revelou que os corréus atuavam diretamente na gestão empresarial, ainda que tenham sido auxiliados por outras pessoas (ou mesmo por sua genitora, já falecida), não havendo que se falar, portanto, em responsabilidade objetiva.

No que concerne ao elemento subjetivo, vale destacar acerca do tema que o tipo penal descrito no artigo 1º e seus incisos, da Lei n. 8.137/1990, prescinde de dolo específico, ou seja, de um especial estado de ânimo dirigido à sonegação fiscal. Ao contrário do sustentado pela defesa, basta o dolo genérico à sua configuração, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo por meio das condutas elencadas no dispositivo legal. Não importa o motivo pelo qual o agente foi levado à prática do crime, sendo suficiente que sua conduta se amolde ao comportamento descrito na norma.

Nesse sentido:

 APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO DE RECEITA DA PESSOA JURÍDICA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 12 DA LEI N. 8.137/90. IMPROCEDÊNCIA. RELEVANTE VALOR SONEGADO E GRAVE DANO À COLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DESTINAÇÃO DE OFÍCIO PARA A UNIÃO. APELO DESPROVIDO.

1- Imputa-se ao apelante, na qualidade de responsável pela empresa, a prática do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137 /90, por suprimir o pagamento de tributos no total de R$1.793.949,40, mediante declaração falsa e inexata, na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica no ano-calendário 2002.

2- Materialidade demonstrada pela prova documental coligida (extratos bancários, livro caixa, livro de saída de mercadorias, etc.) que aponta que o réu realizou as vendas escrituradas em seu livro caixa, omitindo, no entanto, tais rendimentos de sua declaração à Receita Federal. Em razão de tais omissões (declarações falsas e inexatas) foi suprimido tributo no montante de R$1.793.949,40 (um milhão setecentos e noventa e três mil novecentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos).

3 - A autoria restou inconteste: o conjunto probatório demonstra que o réu era o titular da empresa e único responsável pelas declarações falsas e inexatas prestadas à Receita Federal.

4 - A alegação de ausência de dolo não convence. O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.

5 - A incidência de tributos é inerente ao exercício da atividade mercantil. Além disso, o réu laborava no ramo habitualmente desde 1995, não se tratando, desse modo, de pessoa ignorante. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal, é expresso: 'O desconhecimento da lei é inescusável.'

6 - Afastada a alegação de inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras.

7 - Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso dos autos, no entanto, os meses nos quais houve omissão de receita foram justamente aqueles nos quais a empresa auferiu maior rendimento.

8 - Não há demonstração da impossibilidade financeira alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.

9 - A dosimetria da pena não comporta reparos. A pena base foi fixada no mínimo legal, inexistindo atenuantes ou agravantes.

10 - A sonegação de vultosa quantia (R$ 1.793.949,40) não é ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade.

11- Mantida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, eis que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.

12 - Alterada, de ofício, a destinação da pena pecuniária em favor da União. 13 - Apelo desprovido.

(ACR 00126649020084036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 27/06/2014) (grifei).

Neste feito, o dolo exsurge das circunstâncias de, na qualidade de empresários de considerável porte, sobretudo em razão dos elevados valores movimentados pela Transportadora Cardevan, não ser crível que desconhecessem a obrigação legal de informar as rendas efetivamente auferidas e sobre elas recolher os respectivos tributos, conduta omissiva que revela a atuação dolosa dos corréus ante a sonegação de valores tão expressivos.

De outra senda, no cenário descrito pela defesa, em que os acusados alegam que teriam delegado integralmente a terceiros a elaboração da contabilidade e dela não se ocupavam, extrai-se, no mínimo, o dolo eventual, na medida em que se descuidaram da conferência do pagamento dos tributos, obrigação inerente ao cargo por eles ocupado. Conforme frisado pelo r. Juízo a quo “ainda que haja relatos de testemunhas atinentes à concorrência da genitora dos réus, Leonor, já falecida, na administração da transportadora, é certo que tal não elide a presunção de que os acusados tinham pleno conhecimento do faturamento da empresa, não sendo crível, ademais, que desconhecessem o fato de trezentos mil reais em impostos terem sido ilicitamente sonegados, no período de dois anos” (Id 152260903 – fl. 60).

Em conclusão, estão devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, devendo ser mantida a condenação dos corréus CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, em continuidade delitiva (...)”.

 

Portanto, verifica-se, uma vez mais, que os Embargantes pretendem, a todo custo, o acolhimento de suas teses defensivas e a substituição da decisão recorrida por outra, que lhes seja favorável.

 

Com efeito, as provas produzidas na fase pré-processual, em especial a fiscalização realizada pela Receita Federal, enquadra-se como prova irrepetível, porém, foi integralmente ratificada em juízo pelo auditor fiscal da Receita Federal Toni Edivaldo Coquemala Lagustera, atendendo ao disposto no artigo 155 do CPP.

 

Outrossim, é certo que a prova testemunhal produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa deve ser valorada, todavia, ela não tem o condão de desqualificar a prova pré-processual por si só, sendo necessário que se coadune aos demais elementos trazidos aos autos.

 

No caso em questão, as testemunhas de defesa apontaram pessoa falecida como responsável pela administração, afirmação que se esvai mediante simples análise dos documentos da empresa, os quais revelam a atuação direta dos corréus na gestão empresarial, somado ao fato de que ambos figuravam como sócios e proprietários da pessoa jurídica e assumiram essa condição perante a autoridade policial, vindo a se retratar somente após o falecimento da genitora, a quem passaram a atribuir a responsabilidade contábil.

 

Por fim, nos termos aduzidos pelo Parquet Federal em contrarrazões: A dicção clara do acórdão quanto à interpretação que adota do art. 155 do Código de Processo Penal – que possibilita o uso de elementos do inquérito policial para subsidiar a condenação, desde que somados a provas judiciais – é suficiente para afastar a alegação defensiva de omissão do julgado (Id 279994481).

 

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por CONHECER E REJEITAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela Defesa dos réus CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO, nos termos da fundamentação.



E M E N T A

 

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP. AUTORIA COMPROVADA. OFENSA AO ARTIGO 155 DO CPP NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E REJEITADOS.

- As hipóteses de cabimento do recurso de Embargos de Declaração estão elencadas no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, a existência de ambiguidade, de obscuridade, de contradição ou de omissão. De regra, não se admite a oposição de embargos declaratórios com o objetivo de modificar o julgado, exceto para sanar algum dos vícios anteriormente mencionados. Não serve o expediente, portanto, para alterar o que foi decidido pelo órgão judicial em razão de simples inconformismo acerca de como o tema foi apreciado, o que doutrina e jurisprudência nominam como efeito infringente dos aclaratórios. Precedentes.

- O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão tampouco impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. A concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. Precedentes.

- Tendo os embargos declaratórios finalidade de prequestionar a matéria decidida objetivando a apresentação de recursos excepcionais, imperioso que haja no julgado recorrido qualquer um dos vícios constantes do artigo 619 do CPP.

- Analisando os vícios apontados que embasariam a oposição dos aclaratórios, no que tange ao mérito, depreende-se que o v. acórdão recorrido não padece de qualquer um deles, na medida em que as matérias apontadas pela defesa foram devidamente enfrentadas pelo colegiado. Os embargantes, no que concerne ao mérito, pugnam por rediscutir a materialidade, autoria e elemento subjetivo, temas que foram julgados em sua plenitude, não havendo vícios a serem sanados.

- Embargos declaratórios rejeitados.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu CONHECER E REJEITAR OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pela Defesa dos réus CARLOS AMARILDO QUADRADO e DEVANIL ANTONIO QUADRADO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.