APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008410-23.2021.4.03.6105
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: FERNANDO PEDRA TOLEDO
Advogados do(a) APELANTE: EDSON RICARDO SALMOIRAGHI - SP229068-A, GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008410-23.2021.4.03.6105 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: FERNANDO PEDRA TOLEDO Advogados do(a) APELANTE: EDSON RICARDO SALMOIRAGHI - SP229068-A, GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelação Criminal interposta por FERNANDO PEDRA TOLEDO, contra a r. sentença (ID 197551409) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Ricardo Uberto Rodrigues (1ª Vara Federal de Campinas/SP), que julgou PROCEDENTE a ação penal para CONDENAR o réu pelo delito previsto no artigo 1º, inciso I, combinado com o artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos, 08 (oito) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, e à pena de multa de 81 (oitenta e um) dias-multa, cada um fixado em R$ 1.000,0 (um mil reais). Não houve a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ao fundamento da ausência dos requisitos legais. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de FERNANDO PEDRA TOLEDO, nascido em 07.06.1979, narrando que (ID 197551004): (...) II. Da prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 Segundo o apurado no bojo do procedimento administrativo fiscal n. 10830.721849/2016-77, FERNANDO TOLEDO PEDRA, de maneira livre e consciente, omitiu informações às autoridades fazendárias relativas ao Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), dos anos-calendários de 2011 e 2012, em continuidade delitiva, acarretando a supressão do pagamento do tributo no montante de R$ 865.802,88 (oitocentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e dois reais e oitenta e oito centavos). Segundo o apurado, FERNANDO PEDRA TOLEDO declarou em suas declarações de ajuste anual de imposto de renda, anos-calendário 2011 e 2012, rendimentos no montante de R$ 78.125,92 e de R$ 22.541,30, respectivamente. Entretanto, constatou-se que em suas contas bancárias, no mesmo período, foram movimentados R$ 1.402.660,55, em 2011, e R$ 2.656.623,20, em 2012. Diante desse contexto, foi instaurado o competente procedimento administrativo fiscal – n. 10830.721849/2016-77, com a notificação do DENUNCIADO para apresentar para a Receita Federal a documentação relativa à movimentação bancária identificada e não declarada. Diante da ausência de manifestação do contribuinte, ora DENUNCIADO, foi emitida uma requisição de informação sobre movimentações financeiras, a qual foi encaminhada às instituições financeiras nas quais FERNANDO possui vínculo. Com a vinda das informações bancárias, verificou-se que grande parte dos recursos eram oriundos das empresas LIONFER INDÚSTRIA METALÚRGICA LTDA (CNPJ n. 00.011.284/0001-11) e LIONFER COMERCIAL SIDERÚRGICA LTDA (CNPJ n. 09.335.799/0001- 41), das quais o DENUNCIADO era integrante do quadro societário à época, e de MAYARA BIANCHINI NOGUEIRA (CPF n. 360.279.138-60), também sócia dessas empresas ao lado do DENUNCIADO. Mais uma vez, foram expedidas diversas intimações para FERNANDO PEDRA encaminhar a documentação pertinente e comprovar a origem dos depósitos efetuados em suas contas bancárias. Todas, entretanto, restaram infrutíferas. Outrossim, o DENUNCIADO foi notificado para comparecer à Delegacia da Receita Federal para prestar os esclarecimentos necessários. Mais uma vez, FERNANDO não atendeu à solicitação. Com isso, a Receita Federal, no bojo do procedimento administrativo fiscal mencionado, considerou que os recursos movimentados nas contas bancárias do DENUNCIADO constituem rendimentos, não declarados, entretanto, às autoridades fazendárias. Em decorrência das condutas ilícitas perpetradas por FERNANDO PEDRA, consistente na omissão de informações às autoridades fazendárias, apurou-se a sonegação de IRPF no montante de R$ 865.802,88 (oitocentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e dois reais e oitenta e oito centavos). Ao cabo do procedimento administrativo, apurou-se o crédito tributário decorrente da conduta acima narrada, no valor de R$ 2.134.948,58 (dois milhões, cento e trinta e quatro mil, novecentos e quarenta e oito reais e cinquenta e oito centavos), o qual se encontra definitivamente constituído, não tendo sido pago nem incluído em algum programa de parcelamento instituído pelo Governo Federal. (...) A materialidade delitiva está comprovada pelo procedimento administrativo fiscal de n. 10830.721849/2016-77, que tramitou perante a Receita Federal de Campinas, notadamente o Auto de Infração (f. 530 do arquivo digital), o termo de verificação fiscal (f. 541 do arquivo digital). Além disso, da documentação consta a informação de que o crédito tributário atualmente é objeto de execução fiscal, em tramite perante a 5ª Vara da Subseção Judiciária de Campinas/SP (autos n. 0022370-10.2016.403.6105). Com relação à autoria também restou demonstrada a responsabilidade do acusado FERNANDO PEDRA, na medida em que os recursos de origem não comprovada circularam justamente em contas bancárias por ele titularizadas, caracterizando-se como rendimentos. III. Pedido Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer: a) seja recebida e autuada a denúncia, citando-se o acusado FERNANDO PEDRA TOLEDO para responder à acusação, e sua posterior intimação para audiência, de modo a ser processado no rito comum ordinário (art. 394, § 1º, I, do CPP), até final condenação pela prática do crime descrito no art. 1º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei n. 8.137/90, com relação ao IRPF, por 2 vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal; (...) A denúncia foi recebida em 17.06.2021 (ID 197551009) e a sentença publicada em 27.08.2021 (ID 197551409). Os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal (ID 197551417) foram julgados procedentes para sanar a omissão e indeferir o pedido de perda dos bens e valores em favor da União (ID 197551420). O réu interpôs recurso de Apelação (IDs 197551419, 197551443), alegando, preliminarmente, ofensa ao princípio da identidade física do juiz, porquanto a instrução probatória foi presidida pela Excelentíssima Juíza Federal Marcia Souza e Silva de Oliveira Fernandes enquanto a sentença foi proferida pelo Excelentíssimo Juiz Federal Ricardo Uberto Rodrigues, bem como a ilegalidade da utilização, para fins penais, da prova obtida pela quebra de sigilo bancário pela autoridade tributária. No mérito, aduz que não restou demonstrada a autoria delitiva e o dolo específico, e sustenta a exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa em virtude de dificuldades financeiras graves. Quanto à pena, pugna pelo afastamento da continuidade delitiva e o redimensionamento da reprimenda ao mínimo, com fixação do regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, bem como pela redução do valor unitário do dia-multa. Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões pela acusação (ID 197551456), subiram os autos a esta E. Corte. Nesta instância, o Parquet Federal ofertou parecer no qual opina pelo desprovimento do recurso defensivo e pela alteração de ofício do valor individual dos dias-multa, observando-se os parâmetros do art. 49, caput, do CP (ID 199436870). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008410-23.2021.4.03.6105 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: FERNANDO PEDRA TOLEDO Advogados do(a) APELANTE: EDSON RICARDO SALMOIRAGHI - SP229068-A, GABRIEL MARTINS FURQUIM - SP331009-A, JOSE PEDRO SAID JUNIOR - SP125337-A, PAULO ANTONIO SAID - SP146938-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 17.06.2021 - ID 197551009) em face de FERNANDO PEDRA TOLEDO, como incurso nas penas do art. 1º, inciso I, c.c. o art. 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, por duas vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, porquanto teria omitido informações às autoridades fazendárias relativas ao Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) dos anos-calendários de 2011 e 2012, acarretando a supressão do tributo no montante de R$ 865.802,88 (oitocentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e dois reais e oitenta e oito centavos). Segundo o apurado, FERNANDO PEDRA TOLEDO declarou em suas declarações de ajuste anual de imposto de renda, anos-calendário 2011 e 2012, rendimentos no montante de R$ 78.125,92 e de R$ 22.541,30, respectivamente. Entretanto, constatou-se que em suas contas bancárias, no mesmo período, foram movimentados R$ 1.402.660,55, em 2011, e R$ 2.656.623,20, em 2012. Consoante informações prestadas pela Receita Federal (ID 197551029), a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 28.04.2016. Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença condenando o réu como incurso no artigo 1º, inciso I, combinado com o artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal. PRELIMINARES Da alegada ofensa ao princípio da identidade física do juiz A defesa apelou aduzindo ofensa ao princípio da identidade física do juiz, porquanto a instrução probatória foi presidida pela Excelentíssima Juíza Federal Marcia Souza e Silva de Oliveira Fernandes enquanto a sentença foi proferida pelo Excelentíssimo Juiz Federal Ricardo Uberto Rodrigues. O princípio da identidade física do juiz, estatuído no parágrafo 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal, foi introduzido pela Lei n. 11.719/2008, dispondo que o juiz que presidiu a instrução processual deverá prolatar a sentença. No entanto, aludido princípio não tem caráter absoluto, podendo o feito ser julgado por magistrado distinto daquele que presidiu a audiência de instrução, desde que não resulte em efetivo prejuízo à parte. No sentido de que aludido princípio não é absoluto, podendo ser flexibilizado, colaciono os seguintes julgados dos Colendos Tribunais Superiores: PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO E TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA POR JUIZ SUCESSOR. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. APLICAÇÃO DO ART. 132 DO CPC/73, POR ANALOGIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O princípio da identidade física do juiz não se reveste de caráter absoluto, possuindo exceções em casos de motivos legais que impeçam o magistrado que presidiu a instrução sentenciar o feito, hipótese em que o processo-crime será validamente julgado pelo sucessor. Aplicação analógica do art. 132 do CPC/73. Precedentes. 2. No caso, o Magistrado que presidiu a instrução criminal foi removido a outra comarca do Estado do Rio Grande do Sul, não sendo mais o competente para julgar o processo, cabendo ao seu sucessor tal ato. 3. Recurso não provido. (STJ, RHC 53.388/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) (grifei). PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. PECULATO. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. OFENSA AOS ARTIGOS 257, II e 610, CPP. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL NA FUNÇÃO DE CUSTOS LEGIS. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. SÚM. 568/STJ. AFRONTA AOS ARTIGOS 514 E 564, IV, DO CPP. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 330/STJ E SÚMULA 568/STJ. NULIDADE EM RELAÇÃO À SUBSTITUIÇÃO DA SENTENÇA ANTERIORMENTE PROFERIDA POR OUTRA. INOCORRÊNCIA. AMBAS CONDENATÓRIAS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO CONFIGURAÇÃO. MAGISTRADA QUE ENCERROU A INSTRUÇÃO, COLHEU ALEGAÇÕES FINAIS E EM SEGUIDA PROFERIU SENTENÇA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. VIOLAÇÃO AO ART. 40 CPP. AUSÊNCIA DE COMANDO NORMATIVO. SÚMULA 284/STF. OFENSA AOS ARTIGOS 155, 239 E 381, INCISO III, DO CPP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 16 DO CP. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. REPARAÇÃO NÃO INTEGRAL DO DANO. INAPLICABILIDADE DA MINORANTE. SÚM. 568/STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ARTS. 59 E 68 DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 65, INCISO III, ALÍNEAS B e D DO CÓDIGO PENAL. SUPOSTA CONFISSÃO NÃO UTILIZADA NA FORMAÇÃO DO JUÍZO CONDENATÓRIO. REPARAÇÃO PARCIAL DO DANO CONSIDERADA NA SEGUNDA FASE DA DOSIMETRIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA EXTENSÃO, DESPROVIDO. (STJ, Resp. 1.657.832/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Decisão Monocrática, julgado em 27/08/2018, DJe 30/08/2018 - Operação Lava Jato) (grifei). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECORRENTES SENTENCIADOS POR MAGISTRADO DIVERSO DAQUELE QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCLUSÃO DOS AUTOS QUANDO O JUIZ TITULAR ENCONTRAVA-SE EM GOZO DE FÉRIAS. RECURSO IMPROVIDO. I - O princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, do CPP) deve ser aplicado com temperamentos, de modo que a sentença só deverá ser anulada nos casos em que houver um prejuízo flagrante para o réu ou uma incompatibilidade entre aquilo que foi colhido na instrução e o que foi decidido. Precedentes. II - Os autos foram conclusos para sentença quando o magistrado titular encontrava-se em gozo de férias, situação que se enquadra na expressão ‘afastado por qualquer motivo’ disposta no art. 132 do Código de Processo Civil, que deve ser aplicado por analogia ao processo penal (art. 3º do CPP). III - Recurso ordinário improvido. (STF, RHC 116.205/SP, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/03/2013) (grifei). Embora o atual Código de Processo Civil não mais preveja esse princípio, as exceções antes previstas no sistema processual civil permanecem aplicáveis ao processo penal, em relação ao qual o princípio mantém-se incólume. No caso em comento, tem-se que a audiência de instrução ocorreu no dia 09.08.2021, na qual se procedeu à inquirição da testemunha arrolada pela acusação, bem como ao interrogatório do acusado, e foi presidida pela Excelentíssima Juíza Federal Marcia Souza e Silva de Oliveira Fernandes (ID 197551394). Por sua vez, a sentença foi proferida em 27.08.2021 pelo Excelentíssimo Juiz Federal Ricardo Uberto Rodrigues (ID 197551409), ocasião em que a magistrada se encontrava em férias, conforme consulta ao Mapa-Vara da Justiça Federal, acessado pelo link https://adm.trf3.jus.br/MapaVara/Mapa.aspx. Como se vê, a hipótese dos autos reflete situação em que o princípio da identidade física do juiz pode ser flexibilizado, porquanto o gozo de férias importa no afastamento do magistrado com prejuízo de suas atividades. Oportuno destacar que as audiências foram gravadas e juntadas aos autos, possibilitando, dessa forma, a análise aprofundada por parte do juiz que prolatou a sentença, não prejudicando a formação de seu convencimento, tendo sido, ademais, a decisão de primeiro grau devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Portanto, não houve prejuízo, tampouco incompatibilidade entre a prova inserida aos autos e o que restou decidido pelo magistrado a quo. Saliente-se que o inconformismo do Apelante com o conteúdo decisório não deve ser confundido com eventual prejuízo causado a ele. Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SEQUESTRO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE DE PROVAS. ANÁLISE FÁTICO-PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). 2. O princípio da identidade física do juiz não se reveste de caráter absoluto, possuindo exceções em casos de motivos legais que impeçam o magistrado que presidiu a instrução sentenciar o feito, hipótese em que o processo-crime será validamente julgado pelo sucessor que, no presente caso, demonstrou total conhecimento do processo e das provas ali produzidas. 3. O habeas corpus não se presta para a apreciação dos argumentos que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, ainda mais quando as instâncias ordinárias, inclusive em sede de pedido revisional entenderam, de forma fundamentada e com base em todo o acervo de provas dos autos, que o réu é autor dos delitos descritos na exordial acusatória. 4. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgReg nº HC 546.082/PR, Rel Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 14/02/2020) (grifei). Dessa forma, afasta-se a preliminar arguida pela defesa. Da alegada ilegalidade da utilização, para fins penais, da prova obtida pela quebra de sigilo bancário pela autoridade tributária A defesa suscita a ilegalidade da utilização, para fins penais, da prova obtida pela quebra de sigilo bancário pela autoridade tributária. A Lei n. 8.021/1990 e a Lei Complementar n. 105, de 10.01.2001, legitimam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária: Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. A questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à categoria de direito fundamental do cidadão (a teor do disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal." Conforme já consignado, o direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder diante do caso concreto quando aplicáveis aspectos atinentes à ponderação de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão, justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos, mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes, mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade. Dentro desse contexto, lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário (protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários, vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou a cargo da Lei Complementar n. 105/2001 disciplinar as situações em que lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento. A propósito: DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. SIGILO BANCÁRIO. PRIVACIDADE. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 5º, INCISO X. BANCO CENTRAL. CONTROLE. MERCADO DE CÂMBIO. ACESSO A DADOS ESPECÍFICOS. POSSIBILIDADE. TRANSMISSÃO DE DOCUMENTOS SIGILOSOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. LEI 7.492/86, ARTIGO 28. CONSTITUCIONALIDADE. PROVAS VÁLIDAS. EMBARGOS DESPROVIDOS. 1. O sigilo bancário ostenta proteção constitucional, o que se dá no âmbito do direito fundamental à privacidade (Constituição da República, art. 5º, X). Trata-se de resguardo da Lei Maior ao indivíduo em sua esfera pessoal e, por conseguinte, ao trato privado de seus assuntos, atividades e interesses. Não obstante isso, pode a legislação infraconstitucional disciplinar hipóteses específicas de levantamento dessa proteção, de maneira a conciliá-la com a tutela de outros interesses igualmente protegidos constitucionalmente, desde que assegurada a mínima intervenção possível nos direitos individuais, e a necessidade concreta da medida. (...) (TRF3, QUARTA SEÇÃO, EIFNU - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 48027 - 0006960-34.2000.4.03.6181, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 17/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 25.08.2017) (grifei). O artigo 6º da Lei Complementar n. 105/2001, acima transcrito, disciplina a possibilidade de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito tributário não declarado. Como se vê, no tocante ao sigilo bancário, a Administração Tributária tem a possibilidade, observados os preceitos legais, de atuar com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente, sem a necessidade de autorização judicial quando já há procedimento em curso. De outra parte, a questão delimitada acima já foi enfrentada pelo C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601314 (Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional (mediante a aplicação do art. 927, III, do Código de Processo Civil), no sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF) - a propósito, segue ementa do precedente vinculante: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01. 1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. 6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal". 7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN". 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Destaque-se, ainda, que nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.055.941 foi proferida decisão liminar, em 15 de julho de 2019, determinando, com fundamento no artigo 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, a suspensão do processamento de todos os processos judiciais, inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PIC’s), que foram instaurados em razão de dados compartilhados diretamente pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN) com os Ministérios Públicos Federal e estaduais, contendo informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, que não se limitaram à identificação dos titulares e dos montantes globais, sendo este o caso destes autos. O julgamento do referido Recurso Extraordinário foi concluído em 28.11.2019, oportunidade em foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, que determinou o sobrestamento dos feitos e a suspensão do prazo prescricional dos processos, que foram instaurados em razão de dados compartilhados diretamente pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN) com os Ministérios Públicos Federal e estaduais, contendo informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, que não se limitaram à identificação dos titulares e dos montantes globais. De outro giro, na sessão realizada em 05.12.2019, o Plenário do Supremo Tribunal estabeleceu a seguinte tese de repercussão geral: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. Diante do exposto, não restam dúvidas sobre a possibilidade de quebra de sigilo bancário diretamente pela Receita Federal, bem como do compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária diretamente das instituições bancárias com órgão de persecução penal a fim de que se possibilite a instauração de investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária (especialmente, das condutas típicas descritas na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990). Nesse contexto, toda a documentação acerca da movimentação financeira e bancária, obtida diretamente pela autoridade fazendária junto ao Fisco, e compartilhada com o Ministério Público Federal, sem prévia autorização judicial, é válida e consiste em prova lícita, não havendo que se falar em violação ao artigo 157 do Código de Processo Penal, podendo ser considerada para aferição de materialidade nestes autos. DO MÉRITO Do crime previsto no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990 A imputação imposta ao acusado está prevista no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, in verbis: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (...) Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado. Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n. 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material. Para que o delito previsto no artigo 1º da legislação em comento reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta fraudulenta, com eficácia de ofensa ao bem jurídico e efetivo prejuízo patrimonial ao erário público. É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n. 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005). Da materialidade, autoria e dolo Em que pese a defesa não se insurja quanto à materialidade delitiva, esta restou amplamente comprovada nos autos por meio do Processo Administrativo Fiscal n. 10830.721849/2016-77 e os documentos que o integram (IDs 197551349 a 197551351), sobretudo o Termo de Verificação Fiscal e o Auto de Infração do tributo, que demonstram a efetiva redução de Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF, nos anos-calendário 2011 e 2012, no montante de R$ 2.134.948,58 (dois milhões, cento e trinta e quatro mil, novecentos e quarenta e oito reais e cinquenta e oito centavos), mediante omissão de informações às autoridades fazendárias, relativas a rendimentos auferidos, verificados a partir da análise da movimentação financeira do contribuinte, sem que este tenha comprovado a origem dos valores depositados em contas bancárias. Ademais, a auditora fiscal responsável pela lavratura do auto de infração, Maria Alice Brasil Fiuza de Moraes, foi ouvida como testemunha de acusação, corroborando os fatos e ressaltando que apesar das diversas intimações do acusado no procedimento fiscal não houve qualquer resposta, apenas um procurador constituído requereu dilação de prazo em duas ocasiões (ID 197551396). No que concerne à autoria, tem-se que a responsabilidade pelas informações prestadas nas declarações de imposto de renda pessoa física é do contribuinte, ou seja, do increpado, assim como a titularidade das contas bancárias por meio das quais foi constatada a renda omitida, fatores reveladores do seu envolvimento direto com os fatos. Por sua vez, quanto ao dolo, no que tange ao delito previsto no artigo 1º e seus incisos da Lei n. 8.137/1990, restou pacificado que o dolo necessário para a caracterização do crime de sonegação fiscal é aquele consistente na omissão voluntária em apresentar ao órgão arrecadador informações que ensejariam obrigações tributárias, prescindindo de um especial fim de agir. Nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO DE RECEITA DA PESSOA JURÍDICA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 12 DA LEI N. 8.137/90. IMPROCEDÊNCIA. RELEVANTE VALOR SONEGADO E GRAVE DANO À COLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DESTINAÇÃO DE OFÍCIO PARA A UNIÃO. APELO DESPROVIDO. 1- Imputa-se ao apelante, na qualidade de responsável pela empresa, a prática do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137 /90, por suprimir o pagamento de tributos no total de R$1.793.949,40, mediante declaração falsa e inexata, na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica no ano-calendário 2002. 2- Materialidade demonstrada pela prova documental coligida (extratos bancários, livro caixa, livro de saída de mercadorias, etc.) que aponta que o réu realizou as vendas escrituradas em seu livro caixa, omitindo, no entanto, tais rendimentos de sua declaração à Receita Federal. Em razão de tais omissões (declarações falsas e inexatas) foi suprimido tributo no montante de R$1.793.949,40 (um milhão setecentos e noventa e três mil novecentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos). 3 - A autoria restou inconteste: o conjunto probatório demonstra que o réu era o titular da empresa e único responsável pelas declarações falsas e inexatas prestadas à Receita Federal. 4 - A alegação de ausência de dolo não convence. O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito. 5 - A incidência de tributos é inerente ao exercício da atividade mercantil. Além disso, o réu laborava no ramo habitualmente desde 1995, não se tratando, desse modo, de pessoa ignorante. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal, é expresso: "O desconhecimento da lei é inescusável." 6 - Afastada a alegação de inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras. 7 - Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso dos autos, no entanto, os meses nos quais houve omissão de receita foram justamente aqueles nos quais a empresa auferiu maior rendimento. 8 - Não há demonstração da impossibilidade financeira alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal. 9 - A dosimetria da pena não comporta reparos. A pena base foi fixada no mínimo legal, inexistindo atenuantes ou agravantes. 10 - A sonegação de vultosa quantia (R$ 1.793.949,40) não é ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade. 11- Mantida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, eis que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal. 12 - Alterada, de ofício, a destinação da pena pecuniária em favor da União. 13 - Apelo desprovido. (ACR 00126649020084036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/06/2014. FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifei) Irrelevante, portanto, a existência de um especial fim de agir, perfectibilizando-se a conduta com a omissão das informações. Considerando-se que o fornecimento de informações se refere ao implemento de obrigações tributárias acessórias que balizarão, em momento futuro, a tributação em si (obrigação tributária principal), a omissão de dados tem o condão de culminar em tributação aquém da devida. Em seu interrogatório judicial (IDs 197551397 a 197551399), o acusado afirmou que a partir de 2011 as empresas Lionfer Indústria Metalúrgica Ltda. e Lionfer Comercial Siderúrgica Ltda., das quais era administrador, começaram a passar por dificuldades financeiras e acredita que os valores transitados em sua conta corrente referiam-se a empréstimos para a pessoa jurídica. Informou que a retirada mensal era em média de dez mil reais. Então, indagado pela acusação sobre na declaração de imposto de renda 2012 ter constado renda anual recebida de vinte e dois mil e quinhentos reais, confirmou que a declaração estava incorreta. Disse que o processo de recuperação judicial teve início em 2012 e a falência da empresa foi decretada em 2018. O que se verifica nos autos é que, no processo administrativo fiscal, o increpado foi intimado, por diversas vezes, a apresentar a documentação solicitada pela autoridade fazendária e a prestar esclarecimentos sobre a origem da movimentação financeira, mantendo-se inerte. Nesta seara criminal, do mesmo modo, o réu não demonstrou a origem dos recursos objetos do processo fiscal, limitando-se a aduzir que os valores seriam da empresa, mas tampouco trouxe elementos a comprovar a alegada titularidade. De toda sorte, ainda que desconsiderados os valores ditos da empresa, o acusado concordou que, no que tange à sua renda anual pessoa física, relativa a 2012, houve declaração inidônea. Portanto, sendo o réu o responsável pelas declarações de seu imposto de renda anual, agiu deliberadamente ao omitir informações ao Fisco, o que culminou na redução de imposto de renda pessoa física. Quanto às suscitadas dificuldades financeiras, não constam elementos nos autos para sua aferição, sequer foram arroladas testemunhas pela defesa. Ademais, a causa supralegal de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa não se aplica aos crimes de sonegação fiscal elencados no artigo da Lei n. 8.137/1990, pois a sonegação pressupõe o emprego de fraude pelo agente, o que torna absolutamente irrelevante a existência de dificuldades financeiras da pessoa e sua capacidade econômica para eventual recolhimento do tributo. Crimes dessa natureza não consubstanciam um mero inadimplemento, mas punem os artifícios para ludibriar os órgãos de arrecadação e fiscalização de tributos, os quais geram a supressão e redução de tributos. Portanto, tais dificuldades podem até impedir o pagamento do tributo, mas não justificam a omissão de informações à autoridade fazendária. Desse modo, estão devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o dolo, devendo ser mantida a condenação do réu FERNANDO PEDRA TOLEDO pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990. DOSIMETRIA O cálculo da pena deve observar os critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais. Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal. Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena. A dosimetria da pena do réu foi calculada em primeiro grau nos seguintes termos: Na primeira fase (art. 59, CP), no exame da culpabilidade, considerada como o juízo de reprovação que recai sobre o autor de um fato típico e ilícito, verifico que se afigura acentuada. Isso porque, ao que descortinado nos autos, a omissão de receitas, consubstanciadas em depósitos e transferências de valores das contas correntes do Réu, também tinha como objetivo o encobrimento de movimentação financeira de terceiros, notadamente de empresas e de pessoas físicas, cujo esquema de atuação foi revelado no bojo da operação Black Flag, na qual o Réu se encontra imbricado, e pela Receita Federal. Veja-se que a conduta, realizada por intermédio de esquema sofisticado, com a utilização de interposta pessoa (Réu), facilita a movimentação do dinheiro proveniente de atividades escusas, como a obtenção de empréstimos fraudulentos e a sonegação fiscal, tudo cabalmente demonstrado nos autos da mencionada operação. Assim, o vetor deve ser considerado desfavoravelmente. Os antecedentes são imaculados, pois não verificadas condenações pretéritas com trânsito em julgado. No que diz respeito à personalidade e conduta social do Réu, devem ser valoradas de modo neutro, não havendo nenhuma declaração desabonatória. Os motivos do crime são peculiares à espécie. As circunstâncias integram o tipo penal, de modo que não devem ser avaliadas desfavoravelmente. As consequências, considerando o valor total dos tributos, deveriam, em tese, ser consideradas desfavoráveis, todavia serão objeto da terceira fase de fixação da pena, a fim de não configurar ‘bis in idem’. Por fim, não há que se falar de interferência comportamental da vítima. Assim sendo, considerando desfavorável a circunstância judicial referente à culpabilidade e adotando o critério de 1/8 (um oitavo), a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (STJ, AgRg no AgRg no AREsp 1775871/TO, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 01/03/2021), fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa. Na segunda fase, não há circunstâncias agravantes e atenuantes a serem consideradas. Na terceira fase, incide a causa genérica de aumento de pena referente ao crime continuado (art. 71, CP), razão pela qual elevo a pena em 1/6 (um sexto), alcançando 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 61 (sessenta e um) dias-multa. Incide, ainda, a causa especial de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, elevando-se em 1/3 (um terço) a pena, para atingir 3 (três) anos, 8 (oito) meses e 16 (dezesseis) dias de reclusão e pagamento de 81 (oitenta) dias-multa, a qual torno definitiva. No que diz respeito à primeira fase dosimétrica, não se configura desfavorável a circunstância judicial referente à culpabilidade. Nestes autos, a movimentação financeira verificada nas contas pessoa física do acusado foi considerada renda própria, não declarada às autoridades fazendárias, sobre a qual deve incidir o imposto de renda no montante constante no auto de infração lavrado, não havendo prova de sua vinculação aos fatos apurados na Operação Black Flag, ainda em andamento. Ademais, a omissão de receitas objeto destes autos, identificada no âmbito administrativo e comprovada durante a instrução processual, não denota estratagema mais sofisticado que o habitual. Assim, com relação à sonegação do imposto de renda pessoa física, a culpabilidade do réu não ultrapassa os limites do tipo penal, sendo normal à espécie. Portanto, a pena base deve ser fixada no mínimo legal: 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase, cabe o reconhecimento da atenuante genérica da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, letra "d", do Código Penal, porquanto o acusado admitiu que a renda declarada era inferior aos valores recebidos a título de pro labore. Nesse diapasão, o teor da Súmula n. 545 do STJ no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, “d”, do CP. No presente caso, tem-se que a confissão do acusado foi utilizada como fundamento da comprovação da materialidade e autoria do delito, sendo devido o reconhecimento da referida atenuante genérica. No entanto, não é possível a redução da pena abaixo do mínimo legal, à luz da Súmula n. 231 do STJ, restando mantida a pena de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na terceira fase da dosimetria, o valor do prejuízo causado aos cofres públicos, incluídos juros de mora e multa, supera dois milhões de reais. A expressividade do montante sonegado pelo réu consubstancia o parâmetro monetário para o aferimento do grave dano à coletividade, previsto no art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, e justificaria a majoração da reprimenda em patamar superior ao aplicado na r. sentença, nos termos em que tem sido decidido majoritariamente no âmbito desta 11ª Turma. No entanto, sob pena de reformatio in pejus, resta mantida a fração de 1/3 (um terço), resultando a pena em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Outrossim, a r. sentença aplicou o aumento da pena na fração de 1/6 (um sexto), em decorrência do crime continuado. Entretanto, no que diz respeito ao concurso de crimes, registre-se que ele não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. A exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Assim, inexistentes causas de diminuição ou outras causas de aumento, fica a pena readequada para 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa. Da continuidade delitiva Verifica-se nos autos que o réu atuou de forma reiterada, por dois anos fiscais consecutivos, 2011 a 2012, com semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revelando-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal). Quanto à fração de pena a ser aumentada, estabelece a Súmula n. 659 do Superior Tribunal de Justiça: “A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.” A sentença aplicou em razão da incidência da continuidade delitiva o aumento de 1/6 (um sexto), em consonância com esse entendimento, restando a pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa pela prática do delito inscrito no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990. O valor unitário do dia-multa estabelecido na sentença foi de R$ 1.000,00 (um mil reais). A defesa requer sua redução e a d. Procuradoria Regional da República em seu parecer que seja fixado observando-se os parâmetros do art. 49, caput, do CP. Tendo em vista os recursos movimentados nas contas do acusado, bem como o quanto por ele declarado de retirada média de pro labore à época dos fatos, verifica-se ser plausível o estabelecimento do dia-multa em ½ (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser alterado para o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal. Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por duas penas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser apontada ao tempo da execução, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária, no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos vigente à data do pagamento, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais. No tocante ao valor da prestação pecuniária, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. A pena pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade deve ser fixada de maneira a garantir a proporcionalidade entre a reprimenda substituída e as condições econômicas do condenado, além do dano a ser reparado. Embora não haja elementos precisos acerca da situação econômica do acusado, verificou-se pela movimentação financeira ser detentor de alto montante de recursos. Outrossim, o valor do prejuízo foi de mais de dois milhões de reais. Portanto, o valor da prestação pecuniária resta estabelecido em 50 (cinquenta) salários mínimos, valor este que, inclusive, poderá ser parcelado. PENA DEFINITIVA A pena imposta a FERNANDO PEDRA TOLEDO, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, c.c. o artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, torna-se definitiva em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, e 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor unitário de ½ (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser apontada ao tempo da execução, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária, no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos vigente à data do pagamento, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa para fixar a pena imposta a FERNANDO PEDRA TOLEDO, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, c.c. o artigo 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial ABERTO de cumprimento da pena, e 15 (quinze) dias-multa, cada qual no valor unitário de ½ (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser apontada ao tempo da execução, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária, no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos vigente à data do pagamento, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ AFASTADA. LICITUDE DA UTILIZAÇÃO, PARA FINS PENAIS, DA PROVA OBTIDA PELA QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N. 8.137/1990. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL. RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO. SÚMULA 231 DO STJ. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/1990. CRIME CONTINUADO CONFIGURADO. REDUÇÃO DO VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA. FIXADO REGIME INICIAL ABERTO. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA EM PARTE.
1. A hipótese dos autos reflete situação em que o princípio da identidade física do juiz pode ser flexibilizado, porquanto o gozo de férias importa no afastamento do magistrado com prejuízo de suas atividades. Preliminar rejeitada.
2. Com base na força vinculante de provimentos judiciais exarados pelo C. Supremo Tribunal Federal, inclusive a proferida no Recurso Extraordinário n. 1.055.941, imperioso o reconhecimento da licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras, podendo, sem qualquer problema, haver o compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração de relação processual penal em que investigada a prática de infração à ordem tributária. Preliminar rejeitada.
3. A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, exige supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24.
4. A materialidade delitiva restou comprovada nos autos por meio do Processo Administrativo Fiscal n. 10830.721849/2016-77 e os documentos que o integram, sobretudo o Termo de Verificação Fiscal e o Auto de Infração do tributo, que demonstram a efetiva redução de Imposto de Renda Pessoa Física - IRPF, nos anos-calendário 2011 e 2012, no montante de R$ 2.134.948,58 (dois milhões, cento e trinta e quatro mil, novecentos e quarenta e oito reais e cinquenta e oito centavos), mediante omissão de informações às autoridades fazendárias, relativas a rendimentos auferidos, verificados a partir da análise da movimentação financeira do contribuinte, sem que este tenha comprovado a origem dos valores depositados em contas bancárias. Ademais, a auditora fiscal responsável pela lavratura do auto de infração foi ouvida como testemunha de acusação, corroborando os fatos.
5. Autoria delitiva demonstrada. A responsabilidade pelas informações prestadas nas declarações de imposto de renda pessoa física é do contribuinte, ou seja, do increpado, assim como a titularidade das contas bancárias por meio das quais foi constatada a renda omitida, fatores reveladores do seu envolvimento direto com os fatos.
6. Existência do elemento subjetivo consubstanciado no dolo. No que tange ao delito previsto no artigo 1º e seus incisos da Lei n. 8.137/1990, restou pacificado que o dolo necessário para a caracterização do crime de sonegação fiscal é aquele consistente na omissão voluntária em apresentar ao órgão arrecadador informações que ensejariam obrigações tributárias, prescindindo de um especial fim de agir.
7. Quanto às suscitadas dificuldades financeiras, não constam elementos nos autos para sua aferição, sequer foram arroladas testemunhas pela defesa. Ademais, a causa supralegal de excludente de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa não se aplica aos crimes de sonegação fiscal elencados no artigo da Lei n. 8.137/1990, pois a sonegação pressupõe o emprego de fraude pelo agente, o que torna absolutamente irrelevante a existência de dificuldades financeiras da pessoa e sua capacidade econômica para eventual recolhimento do tributo. Crimes dessa natureza não consubstanciam um mero inadimplemento, mas punem os artifícios para ludibriar os órgãos de arrecadação e fiscalização de tributos, os quais geram a supressão e redução de tributos. Portanto, tais dificuldades podem até impedir o pagamento do tributo, mas não justificam a omissão de informações à autoridade fazendária.
8. Dosimetria. No que diz respeito à primeira fase dosimétrica, não se configura desfavorável a circunstância judicial referente à culpabilidade. Nestes autos, a movimentação financeira verificada nas contas pessoa física do acusado foi considerada renda própria, não declarada às autoridades fazendárias, sobre a qual deve incidir o imposto de renda no montante constante no auto de infração lavrado, não havendo prova de sua vinculação aos fatos apurados na Operação Black Flag, ainda em andamento. Ademais, a omissão de receitas objeto destes autos, identificada no âmbito administrativo e comprovada durante a instrução processual, não denota estratagema mais sofisticado que o habitual. Assim, com relação à sonegação do imposto de renda pessoa física, a culpabilidade do réu não ultrapassa os limites do tipo penal, sendo normal à espécie. Pena base fixada no mínimo legal: 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
9. Na segunda fase, cabe o reconhecimento da atenuante genérica da confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, letra "d", do Código Penal, porquanto o acusado admitiu que a renda declarada era inferior aos valores recebidos a título de pro labore. Nesse diapasão, o teor da Súmula n. 545 do STJ no sentido de que quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante. No entanto, não é possível a redução da pena abaixo do mínimo legal, à luz da Súmula n. 231 do STJ, restando mantida a pena de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
10. Na terceira fase da dosimetria, o valor do prejuízo causado aos cofres públicos, incluídos juros de mora e multa, supera dois milhões de reais. A expressividade do montante sonegado pelo réu consubstancia o parâmetro monetário para o aferimento do grave dano à coletividade, previsto no art. 12, I, da Lei n. 8.137/1990, e justificaria a majoração da reprimenda em patamar superior ao aplicado na r. sentença, nos termos em que tem sido decidido majoritariamente no âmbito desta 11ª Turma. No entanto, sob pena de reformatio in pejus, resta mantida a fração de 1/3 (um terço), resultando a pena em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
11. Quanto ao concurso de crimes, registre-se que ele não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.
12. O réu atuou de forma reiterada, por dois anos fiscais consecutivos, 2011 a 2012, com semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revelando-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).
13. Quanto à fração de pena a ser aumentada, estabelece a Súmula n° 659 do Superior Tribunal de Justiça: “A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações.” A sentença aplicou em razão da incidência da continuidade delitiva o aumento de 1/6 (um sexto), em consonância com esse entendimento, restando a pena de 03 (três) anos, 01 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa pela prática do delito inscrito no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990.
14. O valor unitário do dia-multa estabelecido na sentença foi de R$ 1.000,00 (um mil reais). A defesa requer sua redução e a d. Procuradoria Regional da República em seu parecer que seja fixado observando-se os parâmetros do art. 49, caput, do CP. Tendo em vista os recursos movimentados nas contas do acusado, bem como o quanto por ele declarado de retirada média de pro labore à época dos fatos, verifica-se ser plausível o estabelecimento do dia-multa em ½ (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.
15. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser alterado para o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
16. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por duas penas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública a ser apontada ao tempo da execução, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, e prestação pecuniária, no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos vigente à data do pagamento, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
17. Apelação da defesa provida em parte.