APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000663-94.2014.4.03.6124
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: MARCIO RODRIGUES
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000663-94.2014.4.03.6124 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: MARCIO RODRIGUES OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de ação penal interposta pelo Ministério Público Federal em face de MÁRCIO RODRIGUES, nascido em 11.05.1986, como incurso nas sanções do artigo 334, caput, do Código Penal. Narra a denúncia (ID 264480120 – fls. 02/05), recebida na data de 28.01.2015 (ID 264480120 – fls. 53/54): Consta dos autos que Márcio Rodrigues, no dia 30 de maio de 2014, de forma consciente, livre e voluntária, iludiu, no todo, o pagamento devido pela entrada de mercadorias no Brasil. Segundo restou apurado, na data acima mencionada, durante um patrulhamento de rotina realizado por Policiais Militares no trevo de Turmalina/SP, km 175 da Rodovia SP 463, às 15h30min, o denunciado foi preso em flagrante, por estar transportando em seu veículo da marca Nissan, modelo Tiida Sedan, de cor branca e placas ATY-1841/Maringá/PR, 10 (dez) sacos de plástico preto, contendo em seu interior centenas de aparelhos celulares de várias marcas e modelos, bem como seus acessórios. O denunciado Márcio, ao ser questionado pelos Policiais Militares, confessou que havia comprado os celulares no Paraguai, mas que não possuía notas que comprovassem a importação regular das mercadorias, acrescentando que estava indo para Goiás, onde pretendia revende-los antes do momento da abordagem policial. Vale ressaltar ainda que, conforme Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias e respectivo Demonstrativo Presumido de Tributo, o valor das mercadorias é de R$ 67.624,79 (sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e quatro reais e setenta e nove centavos) e os tributos não recolhidos é de R$ 30.153,72 (trinta mil, cento e cinquenta e três reais e setenta e dois centavos). Por fim, conforme constatado pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (veículos), o carro apreendido foi modificado com a finalidade de efetuar o transporte de mercadorias de forma oculta, especificamente no interior dos para-choques dianteiro e traseiro e sob o porta-malas do veículo. (...) Sentença de procedência da pretensão punitiva estatal, proferida e publicada na data de 24.06.2020 (ID 264480122 - fls. 22/35) pelo Exmo. Juiz Federal Fernando Caldas Bivar Neto, da 1ª Vara Federal de Jales/SP, para condenar o réu MÁRCIO RODRIGUES pela prática do crime do artigo 334, caput, do Código Penal (redação anterior à Lei n.º 13.008/2014), a pena de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e pagamento de 80 (oitenta) dias-multa, cada qual no valor de 1/20 do salário mínimo. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, a serem cumpridas na mesma duração da pena privativa de liberdade, sendo uma de prestação de serviços à comunidade e outra de limitação de fim de semana. Determinou, ainda, a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor, nos termos do artigo 91, inciso III, do Código Penal. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (ID 264480122 – fls. 42/53) requerendo a reforma da sentença, para que, na primeira fase da dosimetria, o cálculo da pena-base seja realizado a partir do termo médio das penas do delito (no caso, 2 anos e seis meses para o crime de descaminho, segundo a redação anterior à vigência da Lei 13.008/2014), e somente a partir daí sejam valoradas as circunstâncias judiciais, aplicando-se as frações de acréscimo e decréscimo entre diferença da pena máxima e ponto de partida, de forma que, no caso concreto, a pena seja majorada para 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 07 (sete) dias de reclusão. Por sua vez, a defesa do réu MÁRCIO RODRIGUES apelou (ID 276553564) requerendo a redução da pena-base ao mínimo legal, ou, subsidiariamente, que seja majorada no máximo em 1/6, considerando a incidência de uma única circunstância negativamente valorada. Contrarrazões recursais apresentadas pela defesa (ID 276553566) e pelo órgão ministerial (ID 278156138). Nesta instância, a Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo desprovimento dos Apelos, mantendo-se a sentença na integralidade (ID 278233424). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0000663-94.2014.4.03.6124 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: MARCIO RODRIGUES OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: O réu MÁRCIO RODRIGUES foi condenado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal (redação anterior à Lei n. 13.008/2014), in verbis: Contrabando ou descaminho Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Narra a denúncia que, na data de 30.05.2014, o acusado iludiu, no todo, o pagamento de R$ 30.153,72 (trinta mil, cento e cinquenta e três reais e setenta e dois centavos) de tributos devidos pela entrada de mercadoria no Brasil, consistente em diversos aparelhos celulares e acessórios, avaliados em R$ 67.624,79 (sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e quatro reais e setenta e nove centavos). MATERIALIDADE, AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO Não questionado pelas partes, a materialidade, autoria delitiva e dolo na conduta do réu, restaram devidamente comprovadas nos autos, conforme exposto no seguinte trecho da sentença: Verifico que a materialidade restou devidamente comprovada a partir do auto de prisão em flagrante que deu origem ao IPL nº 0052/2014 - DPF/JLS/SP, que comprova a apreensão de 10 (dez) sacos plásticos contendo um grande número de celulares e respectivos acessórios (cf. fotos de fls. 87/94), de origem estrangeira, sem a devida comprovação da regular introdução no País, tampouco prova do pagamento dos impostos devidos pela importação. As mercadorias foram encontradas pela Polícia Militar em fiscalização de rotina no dia 30 de maio de 2014, por volta das 15h30min, no km 175 da rodovia SP-463. Na ocasião, Policiais Militares abordaram o veículo Nissan Tiida, placa ATY-1841, e encontraram os celulares acondicionados em um fundo falso. A existência de fundo falso no veículo em questão foi comprovada pelo Laudo nº 88/2014-UTEC/DPF/ARU/SP e pelo Laudo nº 121/2014-UTEC/DPF/ARU/SP (fls. 35/41 e 54/57 do IPL). No que toca a possíveis modificações na estrutura do veículo, o perito respondeu o seguinte: ‘Sim, o veículo apresentado a exame possui modificações na estrutura, com a finalidade de efetuar o transporte de mercadorias de forma oculta, especificamente no interior dos parachoques dianteiro e traseiro e sob o porta-malas do veículo. Após retirada das capas dos parachoques dianteiro e traseiro do veículo, foram encontrados compartimentos intencionalmente preparados para ocultação e transporte de mercadorias no interior de ambas as peças. As aberturas para acesso aos interiores das peças foram feitas por meio de cortes nas peças, conforme mostram as imagens da figura 1. Conforme explicado na seção III - EXAMES, com o auxílio de trena e régua milimetrada o volume total intencionalmente preparado para ocultação e transporte de mercadorias foi estimado pelo Perito em 302,0 litros, sendo 96,0 litros no interior do parachoques dianteiro e 206,0 litros do parachoques traseiro e sob o porta-malas do veículo’ (fls. 57 do IPL). O veículo e as mercadorias foram apreendidos pela Polícia Federal (Autos de Apreensão e Apresentação nº 45/2014 e nº 46/2014, cf. fls. 76/77), sendo as mercadorias, em seguida, encaminhadas à Receita Federal, que elaborou o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal - AITAGF nº 0810200/057/2014 estimando o valor das mercadorias em R$ 67.624,79, com ilusão de imposto de importação e imposto sobre produtos industrializados no importe de R$ 21.271,81 (fls. 99/105). Apesar do AITAGF também indicar suposta ilusão de PIS e COFINS, contribuições de natureza tributária, fato é que o art. 334, caput, do CP, menciona a expressão imposto ou direito devido pela importação, conceito que não abrange a espécie tributária contribuição. Tais contribuições não incidem em caso de descaminho (art. 2º, inciso III, da Lei nº 10.865/04). Por isso, somente o valor do imposto de importação e do imposto sobre produtos industrializados há de ser utilizado como parâmetro para avaliar o montante que deixou de ser efetivamente recolhido (cf. RHC nº 43.916/RS, Rel. Min. Laurita Vaz). De toda sorte, o montante iludido de IPI e II totaliza R$ 21.271,81, superior, portanto, ao limite adotado pela jurisprudência para demonstrar a caracterização do delito em comento. A autoria também restou sobejamente demonstrada. Com efeito, o réu MÁRCIO RODRIGUES conduzia o veículo Nissan Tiida, placa ATY-1841, no dia da apreensão, o que foi, inclusive, confirmado pelo próprio réu em seu interrogatório judicial. As testemunhas Marcos César Lazaretti e Lipel Custódio Filho, Policiais Militares responsáveis pela abordagem, também foram uníssonas ao assentar que o réu MÁRCIO RODRIGUES era o condutor do veículo no qual foram encontradas as mercadorias estrangeiras e sem o devido comprovante da regular introdução no País. Apesar do réu, tanto em seu interrogatório como nas alegações finais, alegar que não tinha ciência de que transportava mercadorias de origem estrangeira no veículo, no que invoca uma possível exclusão do dolo por erro de tipo essencial inevitável (art. 20, caput, do Código Penal) quanto ao elemento ‘mercadoria’ inserto no preceito incriminador do art. 334, caput, do CP, a tese não encontra amparo nos autos. É que, muito embora o dolo, enquanto elemento subjetivo do tipo, seja caracterizado por elementos intelectivos e volitivos quanto à consciência e vontade de praticar uma conduta criminosa - de natureza subjetiva, portanto -, sua análise em cada caso deve ser efetuada a partir de circunstâncias objetivas que rodeiam a conduta criminosa, e não a partir da difícil - quiçá impossível - incursão na mente do agente para aferir o estado anímico quando da prática da ação típica. (...) No caso, as circunstâncias objetivas da conduta imputada pelo MPF levam à conclusão de que o réu tinha plena ciência da existência de mercadorias de origem estrangeira no interior do veículo, porquanto, partindo-se da própria narrativa efetivada pela autodefesa, não é crível que acusado MÁRCIO RODRIGUES simplesmente desconhecesse a conduta que praticava. Primeiramente, apesar de alegar que fora contratado por uma pessoa chamada de ‘Sérgio’ para fazer uma viagem com o veículo até o Estado de Goiás, pelo que ganharia cerca de R$ 600,00, a tese é, no mínimo, incoerente. Com efeito, o veículo Nissan Tiida, Placa ATY-1841, no qual realizado o transporte, estava licenciado desde o exercício 2013 em nome do réu MÁRCIO RODRIGUES, conforme consta do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo - CRLV juntado aos autos às fls. 83. O CRLV apresentado, inclusive, data de 10/02/2014, mais de 03 (três) meses antes do cometimento da infração. Esse dado revela que o veículo era de propriedade do próprio réu. Ademais, o veículo, conforme consta do Laudo nº 121/2014-UTEC/DPF/ARU/SP (fls. 54/57 do IPL), fora devidamente alterado em sua estrutura própria para possibilitar a criação de fundos falsos para o transporte velado de mercadorias. O laudo aponta que foram feitas alterações estruturais no veículo, mediante cortes nas ferragens, para ocultar os compartimentos, conforme se evidencia das imagens de fls. 56 do IPL. Daí se infere não ser crível que um terceiro desconhecido do réu o contrate, mediante promessa de pagamento de R$ 600,00, para levar veículo adulterado do próprio réu de um local para outro, sem qualquer razão plausível ou equivalente. Além disso, o réu, em interrogatório judicial, disse que, ao ser abordado, mentiu aos policiais dizendo que estaria indo para um rodeio, por um suposto nervosismo momentâneo. Não explicou, contudo, o porquê do nervosismo - se decorrente de abordagem excessiva ou situação equivalente - no que se tem, pela própria narrativa do autor, a inexistência de razões para um suposto nervosismo, senão a ocultação de mercadorias nos compartimentos ocultos. Em verdade, ao contrário do alegado, a presença do dolo direto é manifesta e o réu sabia que transportava ilegalmente mercadorias estrangeiras quando da prisão em flagrante, sendo o nervosismo devido, justamente, à conduta delitiva que praticara. Sendo assim, provada a materialidade e a autoria do crime de descaminho descrito no art. 334, caput, do CP, a condenação é medida de rigor. Os fatos deram ensejo à instauração de Inquérito Policial pela Delegacia da Polícia Federal de Ponta Porã/MS, por portaria, e à presente ação penal. Mantida, portanto, a condenação de MÁRCIO RODRIGUES pela prática do crime do artigo 334, caput, do Código Penal (redação anterior à Lei n.º 13.008/2014). DA DOSIMETRIA DA PENA Quanto à dosimetria da pena, restou estabelecido em sentença: No caso, verifico que as penas cominadas para o crime de descaminho variam de 01 (um) a 04 (quatro) anos de reclusão. Ademais, a culpabilidade do réu é inerente a crimes da espécie, porquanto o valor dos impostos iludidos é pouco superior ao patamar de R$ 20.000,00 adotado pela jurisprudência para fins de análise de eventual incidência do princípio da bagatela. Quanto aos antecedentes, verifico que o único registro em desfavor do réu é um Termo Circunstanciado que fora arquivado na Comarca de Matelândia em razão de composição civil, na forma do art. 74 da Lei nº 9.099/99, que não gera qualquer prejuízo ao réu (fls. 123/124). Não houve, outrossim, elementos desabonadores da personalidade e da conduta social. Os motivos, por sua vez, são inerentes a crimes de descaminho, qual seja, angariar lucro decorrente de importação de mercadorias, não podendo o lucro fácil ser valorado de forma negativa. As circunstâncias do crime, por sua vez, devem ser valoradas negativamente. As mercadorias foram acondicionadas em um fundo falso localizado no interior do veículo, o que dificulta sobremaneira a fiscalização, tratando-se, pois, de modus operandi com ares de requinte (...). Não vislumbro, quanto às consequências, elementos aptos à majoração da pena base, tampouco quanto ao comportamento da vítima. Havendo circunstância judicial desfavorável, notadamente em razão da forma de acondicionamento das mercadorias, fixo a pena-base em 02 (dois) anos de reclusão, e 80 (oitenta dias-multa). No mais, não verifico a incidência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, tampouco causas de aumento ou diminuição de pena, razão penal qual torno definitivas as penas em 02 (dois) de reclusão e 80 (oitenta) dias-multa. O valor do dia-multa deve corresponder a 1/20 do salário-mínimo, considerando a renda declarada do réu (art. 60 do CP). (...) Diante da quantidade de pena aplicada, e da ausência de circunstância judiciais que ensejem a modificação do regime, fixo o regime aberto para início do cumprimento de pena (art. 33, 2º, alínea "c", do CP). Por outro lado, verifico que incide a hipótese de substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito (art. 44, 2º, do CP), porquanto: i) a pena fixada não supera 04 (quatro) anos e o crime não foi cometido mediante violência ou grave ameaça (art. 44, inciso I, do CP); ii) o réu não é reincidente em crime doloso, ou ao menos não há prova nos autos dessa circunstância (art. 44, inciso II, do CP); iii) as circunstâncias judiciais, embora não totalmente favoráveis, não configuram óbice à substituição (art. 44, inciso III, do CP).Assim, substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas restritivas de direito, a serem cumpridas na mesma duração da pena privativa de liberdade (art. 55 do CP), quais sejam: a) prestação de serviços à comunidade; b) limitação de fim de semana. Substituída a pena, resta prejudicada a aplicação do instituto do art. 77 do CP. Em razões de Apelação, o Ministério Público Federal requer que na primeira fase da dosimetria, o cálculo da pena-base seja realizado a partir do termo médio das penas do delito (no caso, 2 anos e seis meses para o crime de descaminho, segundo a redação anterior à vigência da Lei 13.008/2014), e somente a partir daí sejam valoradas as circunstâncias judiciais, aplicando-se as frações de acréscimo e decréscimo entre diferença da pena máxima e ponto de partida, de forma que a pena seja majorada para 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 07 (sete) dias de reclusão. Por sua vez, a defesa do acusado requer a redução da pena-base ao mínimo legal, ou, subsidiariamente, que seja majorada no máximo em 1/6, considerando a incidência de uma única circunstância negativamente valorada. Analisando os termos da sentença, quanto a majoração da pena-base, constata-se que foi computada negativamente as circunstâncias do crime, pois, as mercadorias foram acondicionadas em um fundo falso localizado no interior do veículo, o que dificulta sobremaneira a fiscalização, tratando-se, pois, de modus operandi com ares de requinte. A pena-base foi majorada em 01 (um) ano, sendo fixada em 02 (dois) anos de reclusão. Inicialmente, quanto ao pleito ministerial acerca do ponto de partida do incremento, não há como acolher a aplicação da teoria do chamado termo médio (partindo o exame da pena-base de um patamar intermediário entre o piso e o teto cominados pela lei), procedimento que não se coaduna com a necessidade de justificar a exasperação da reprimenda com base em fatores que maculem concretamente a conduta do acusado, de forma que a pena-base deve partir do mínimo legal e ser exasperada de acordo com a gravidade das circunstâncias judiciais peculiares do caso, sendo este entendimento compartilhado pelos precedentes do Superior Tribunal de Justiça ora colacionados: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ARTS. 129, CAPUT, NA FORMA DO ART. 14, INCISO II, POR DUAS VEZES, 180, 311, 157, § 2.º, INCISOS I E II, TODOS DO CÓDIGO PENAL, BEM COMO ART. 16, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.826/2003. CONCURSO MATERIAL. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. QUANTUM DE ELEVAÇÃO DA PENA. DESPROPORCIONALIDADE. SEGUNDA FASE. ATENUANTE DA CONFISSÃO. RECONHECIMENTO PARA OUTROS DELITOS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TERCEIRA FASE. MAJORANTES DO ROUBO. APLICAÇÃO DE FRAÇÃO SUPERIOR A 1/3. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 443 DA SÚMULA DESTA CORTE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO PELA TENTATIVA. FRAÇÃO DE 1/2. ITER CRIMINIS PERCORRIDO. CRITÉRIO IDÔNEO. MANUTENÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA REDUZIR AS PENAS DO PACIENTE. - O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. - A dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade. - O entendimento desta Corte firmou-se também no sentido de que, na falta de razão especial para afastar esse parâmetro prudencial, a exasperação da pena-base, pela existência de circunstâncias judiciais negativas, deve obedecer à fração de 1/6 para cada uma, fração que se firmou em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. - Não há déficit de fundamentação para a valoração negativa das circunstâncias do crime, relativamente aos delitos previstos nos arts. 129, caput, 180, caput, e 311, todos do Código Penal, bem como no art. 16, Parágrafo Único, inciso IV, da Lei n.º 10.826/2003, porque não se levou em consideração o modus operandi do roubo, mas o fato de o acusado estar no gozo da liberdade provisória quando os veio a praticar. - Embora haja fundamentação idônea, no caso, para fixar a pena-base de todos os delitos acima do mínimo legal, a forma de cálculo do incremento punitivo, pelo termo médio, está em desconformidade com a jurisprudência desta Corte, resultando em aumento desproporcional. - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reduzir a pena definitiva do paciente ao novo montante de 16 anos, 03 meses e 29 dias de reclusão e 53 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. OCORRÊNCIA. UTILIZADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA. SÚMULA 545/STJ. PENA-BASE. COMPENSAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL ATINENTE AO COMPORTAMENTO DA VÍTIMA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. COMPORTAMENTO DA VÍTIMA VALORADO POSITIVAMENTE. INVIABILIDADE DE EFETIVA REDUÇÃO DA PENA-BASE. FRAÇÃO DA TENTATIVA. QUANTUM DE 1/3 JUSTIFICADO. ALTERAÇÃO INVIÁVEL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. (…) 3. A circunstância judicial referente ao comportamento da vítima deve ser valorada de maneira neutra ou positiva pelo magistrado ao proceder a dosimetria da pena. Entretanto, reconhecidas outras circunstâncias judiciais negativas, tal como as circunstâncias do delito, não há falar em efetiva redução da sanção inicial, uma vez que a pena-base parte do termo mínimo e não do termo médio. 4. A alteração do julgado, para se concluir de modo diverso quanto ao iter criminis percorrido considerado pelo Tribunal de origem e, consequentemente, determinar qual seria a fração adequada a aplicar pela tentativa, necessitaria do revolvimento de fatos e provas dos autos, o que é vedado na via do habeas corpus. 5. Agravo regimental parcialmente provido para reconhecer a atenuante da confissão espontânea (AGRHC - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS - 409275 2017.01.79359-1, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA: 19.06.2018). Deve, por conseguinte, o aumento partir do mínimo legal cominado pelo preceito secundário, que, no caso do art. 334 do Código Penal (redação anterior à Lei n.º 13.008/2014), é de 01 (um) ano de reclusão. No que concerne ao pedido da defesa, cumpre mencionar que o Código Penal não estabelece patamares para as circunstâncias judiciais previstas em seu artigo 59, de modo que, a princípio, mostra-se possível o aumento da pena base até o seu limite máximo em razão de uma única circunstância considerada desfavorável. Nesse sentido, trago à colação o julgado abaixo do Colendo Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA. ACRÉSCIMO CONCRETAMENTE MOTIVADO. AUMENTO DA FRAÇÃO DE REDUÇÃO PELA TENTATIVA. CRITÉRIO DO ITER CRIMINIS PERCORRIDO OBSERVADO. ÓBICE AO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Na hipótese, analisando o aumento da pena-base efetivado pelo magistrado e mantido pelo eg. Tribunal de origem, a r. sentença condenatória evidenciou, com base em dados empíricos, o desvalor das consequências do crime, quais sejam: ‘Quanto às conseqüências, verifico que as lesões provocadas na vítima resultaram em incapacidade para ocupações habituais por mais de trinta dias, conforme atesta o auto de exame de corpo de delito de fl. 305-A. Considero essas circunstâncias algo de excepcional no contexto dos fatos, e compreendo que não estão valoradas automaticamente no tipo penal do homicídio tentado, levando-se em conta que uma tentativa de homicídio pode não resultar em lesões corporais (no caso de tentativa branca), e mesmo uma tentativa cruenta pode resultar em lesões menos graves ou duradouras- Isso exige aumento de pena nesta fase, em um ano de reclusão’. Desse modo, não há que se falar em ilegalidade na exasperação da reprimenda-base, porquanto demonstrado as consequências do crime desfavoráveis ao paciente, o que exige resposta penal superior, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena. Precedentes. III - Quanto ao critério numérico de aumento para cada circunstância judicial negativa, insta consignar que 'A análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito. Assim, é possível que 'o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto.' (AgRg no REsp 143071/AM, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 6/5/2015). No presente caso, em relação ao quantum de exasperação na primeira fase da dosimetria, não há desproporção na reprimenda-base aplicada, porquanto existe motivação particularizada, vinculada à discricionariedade e à fundamentação da r. sentença, ausente, portanto, notória ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício. Precedentes. IV - Em relação à fração da tentativa, observa-se que as instâncias ordinárias destacaram a adequação da fração mínima aplicada, levando em conta o critério do iter criminis, que foi substancialmente percorrido e chegou muito próximo da consumação, uma vez que o paciente: 'acertou a vítima com dois tiros, um na região axilar, outro na região do abdômen, tendo percorrido os atos executórios à integralidade. Por outro lado, entendo que também deve ser sopesada, neste quesito, a proximidade de violação ao bem jurídico protegido (a ofendida correu risco de morte). Assim, dadas as peculiaridades do caso, correta a redução da reprimenda no patamar de 1/3 da pena.' Portanto, inexiste constrangimento ilegal a ser sanado, pois o acórdão recorrido se encontra em consonância com a jurisprudência desta Corte, que considera idôneo, no tocante ao quantum de redução pela tentativa, o critério do iter criminis percorrido. Ademais, a alteração da fração correspondente à tentativa exigiria o reexame do iter criminis percorrido pela agente, o que é inviável nesta sede, de cognição sumária, onde é vedado o exame aprofundado das provas. Precedentes. Habeas corpus não conhecido. (grifei) (HC 426.444/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 07/03/2018) De certo, no caso concreto, corretamente majorada a pena-base em decorrência das circunstâncias do crime, considerando o estratagema utilizado pelo réu para dificultar a descoberta da prática delitiva, modificando o veículo para criar fundo falso. Contudo, o patamar de aumento foi demasiado, especialmente se considerar que, a despeito de todo o mecanismo utilizado para dificultar a fiscalização, os policias conseguiram localizar e apreender a mercadoria descaminhada no momento da abordagem. Portanto, o percentual de aumento fica reduzido para 1/6, restando a pena-base fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão. Sem agravantes ou atenuantes, e causas de aumento ou diminuição, a pena definitiva é 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão. Cumpre, de ofício, afastar a condenação do réu ao pagamento de dias-multa, eis que não previsto para o tipo penal em questão (artigo 334 do Código Penal). No mais, sem insurgência das partes, mantido o regime inicial ABERTO para início do cumprimento da pena, a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, e a inabilitação do réu para dirigir veículo automotor, nos termos estabelecidos em sentença. DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO à Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa de MÁRCIO RODRIGUES, para reduzir o percentual de aumento da pena-base para 1/6, restando a pena definitiva fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, e DE OFÍCIO, afastar a condenação ao pagamento de dias-multa, tudo nos termos da fundamentação. É o voto.
(HC - HABEAS CORPUS - 447857 2018.01.00245-9, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 28.08.2018)
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ORIGINAL). DESCAMINHO. DOSIMETRIA DA PENA. TEORIA DO TERMO MÉDIO NÃO APLICÁVEL. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE EM DECORRÊNCIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME MANTIDA. PERCENTUAL DE AUMENTO DA MAJORAÇÃO DA PENA-BASE REDUZIDO PARA 1/6.
- Teoria do termo médio. Acerca do ponto de partida do incremento da pena do réu, não há como acolher a aplicação da teoria do chamado termo médio, procedimento que não se coaduna com a necessidade de justificar a exasperação da reprimenda, de forma que a pena-base deve partir do mínimo legal e ser majorada de acordo com a gravidade das circunstâncias judiciais peculiares do caso. Precedentes.
- Circunstância do crime. É o caso de majorar a pena-base imposta ao réu em decorrência das circunstâncias do crime, considerando o estratagema utilizado para dificultar a descoberta da prática delitiva, modificando o veículo para criar fundo falso. Contudo, o patamar de aumento foi demasiado, especialmente se considerar que, a despeito de todo o mecanismo utilizado para dificultar a fiscalização, os policias conseguiram localizar e apreender a mercadoria descaminhada no momento da abordagem. Percentual de aumento reduzido para 1/6, restando a pena-base fixada em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão. Sem agravantes ou atenuantes, e causas de aumento ou diminuição, a pena definitiva é 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão.
- Apelação do Ministério Público Federal a que se nega provimento, Apelação do réu a que se dá provimento e, de ofício, afastada condenação ao pagamento de dias-multa.