APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004619-05.2018.4.03.6181
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE: ANDRE DE MOURA BEUKERS, LEONARD DE MOURA BEUKERS
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO FERNANDES RUIZ FILHO - SP80425-A, MARIANA MOTTA DA COSTA E SOUZA - SP285881-A, WALMIR MICHELETTI - SP82252-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004619-05.2018.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRE DE MOURA BEUKERS, LEONARD DE MOURA BEUKERS Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO FERNANDES RUIZ FILHO - SP80425-A, MARIANA MOTTA DA COSTA E SOUZA - SP285881-A, WALMIR MICHELETTI - SP82252-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Apelação Criminal interposta por ANDRE DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUKERS contra a r. sentença (fls. 235/266 ID 107759113) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Ali Mazloum (7ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP), que julgou PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR os réus como incursos nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, em regime inicial ABERTO, e à pena de multa de 126 (cento e vinte e seis) dias-multa, cada um fixado em 03 (três) salários mínimos vigentes à época dos fatos, corrigido a partir do trânsito em julgado da sentença, substituída a pena corporal por duas restritivas de direitos consubstanciadas em prestação pecuniária no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos, em favor de entidade assistencial (art. 45, § 1º, do CP), e prestação de serviços à comunidade (art. 46 e §§ do CP), a serem definidos pelo Juízo da Execução. Fixou, ainda, a título reparação dos danos (art. 387, IV, do CPP), o valor mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais). O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ANDRE DE MOURA BEUKERS, nascido em 21.10.1966, e LEONARD DE MOURA BEUKERS, nascido em 11.01.1965, narrando que (fls. 3/6 ID 107759113): Consta dos autos que ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS, na condição de sócios e representantes legais da empresa KINSBERG COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE TECIDOS LTDA. (CNPJ nº 46.515.532/0001-62), suprimiram o recolhimento de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e reflexos, no ano-calendário de 2005, no valor total de R$ 1.427.002,04 (um milhão, quatrocentos e vinte e sete mil e dois reais e quatro centavos). De acordo com a representação fiscal para fins penais encaminhada pela Receita Federal do Brasil, durante os trabalhos de fiscalização realizados no âmbito do Procedimento Fiscal nº 19515.002999/2010-30, apurou-se a omissão de receita ou rendimento caracterizada pela ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica (fls. 01/07 do Apenso I). Constatando-se movimentação financeira superior ao faturamento declarado, por ocasião da fiscalização, foram lavrados Termos de Intimação Fiscal solicitando ao contribuinte que apresentasse documentação relativa à sua movimentação financeira. Diante do não atendimento, a Receita Federal procedeu a Requisições de Movimentações Financeiras (RMFs) junto às instituições bancárias, elaborando um demonstrativo dos valores creditados e depositados nas contas correntes da empresa (fls. 32/40 do Apenso I). Apenas posteriormente, em 2010, a empresa apresentou documentação relativa à comprovação da origem de tais recursos, a qual foi considerada pela Receita Federal como inapta a ‘comprovar a contabilização e a origem dos recursos utilizados nas operações de depósitos/créditos em suas contas correntes’ (fl. 05 do Apenso I). Com base nas referidas constatações, foram lavrados Autos de Infração (fls. 97/98, 107/108, 115/116, 124/125) acerca do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e reflexos das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sendo apurado o crédito tributário a seguir transcrito (fls. 103/131 do Apenso I): Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) R$ 537.062,73 Programa de Integração Social (PIS) R$ 109.522,10 Contribuição p/Financiamento S. Social (COFINS) R$ 505.487,45 Contribuição Social s/Lucro Líquido (CSLL) R$ 274.929,76 Foram apontados como responsáveis os quatro sócios constantes no quadro social da empresa à época dos fatos, isto é, ALBERT BEUCKERS, MARIA DO SOCORRO MOURA BEUCKERS, LEONARD DE MOURA BEUKERS e ANDRÉ DE MOURA BEUCKERS (fl. 06 do Apenso I). Em sede policial, constatou-se o falecimento dos sócios ALBERT BEUCKERS e MARIA DO SOCORRO MOURA BEUCKERS (fls. 70/72). Não obstante a regular intimação de ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS, nenhum deles compareceu para prestar esclarecimentos (fls. 32/33 e 79). De acordo com a Procuradoria da Fazenda Nacional, com relação aos débitos referentes ao Procedimento Fiscal nº 19515.002999/2010-30, o contribuinte foi cientificado do acórdão proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Federais (CARF) na data de 06/11/2014, tendo a constituição definitiva ocorrido 15 (quinze) dias após de tal data. Portanto, a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 21/11/2014 (fls. 84/94). O referido débito foi inscrito em Dívida Ativa da União, não havendo informação de pagamento integral, parcelamento vigente ou outras causas de suspensão ou extinção dos créditos, cujo valor atualizado totaliza (fls. 84/85): Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) R$ 923.612,59 Programa de Integração Social (PIS) R$ 182.953,15 Contribuição p/Financiamento S. Social (COFINS) R$ 844.400,05 Contribuição Social s/Lucro Líquido (CSLL) R$ 480.400,36 A materialidade do delito está comprovada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais exarada em sede do Procedimento Fiscal nº 19515.002999/2010-30 e documentos que a instruem, notadamente: (i) Termos de Intimação (fl. 25 do Apenso I); (ii) declaração de informações econômico-fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) (fls. 56/90 do Apenso I); (iv) autos de infração e demonstrativos de apuração relativos ao IRPJ, PIS, COFINS e CSLL (fls. 103/131 do Apenso I); (v) informação sobre a constituição definitiva do crédito tributário e sua respectiva inscrição em dívida ativa (fls. 84/94). Destaca-se que o crédito tributário foi constituído definitivamente em 21/11/2014 e encontra-se inscrito em dívida ativa totalizada em 2.431.366,15 (dois milhões, quatrocentos e trinta e um mil, trezentos e sessenta e seis reais e quinze centavos). Os indícios de autoria, por sua vez, decorrem do Contrato Social da empresa KINSBERG COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que indicam ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS como sócios à época dos fatos e responsáveis pela omissão de receita ou rendimento por ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica (fls. 188/191 do Apenso I). Desse modo, resta suficientemente configurada a prática do crime contra a ordem tributária tipificado no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, uma vez que a omissão de informação às autoridades fazendárias pelos sócios responsáveis ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS resultaram em supressão de altos valores de imposto e contribuições sociais. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS por infração ao artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990. Requer seja a presente recebida, determinando-se a citação dos denunciados e a regular instrução do feito, na forma do art. 396 e seguintes do Código de Processo Penal, até final julgamento. A denúncia foi recebida em 07.05.2018 (fls. 20/25 ID 107759113) e a sentença publicada em 03.06.2019 (fl. 267 ID 107759113). Os réus interpuseram Apelação na forma do art. 600, § 4º, do Código de Processo Penal (fl. 278 ID 107759113). Em razões recursais apresentadas nesta instância (ID 122279847), aduzem: a) a utilização de prova ilícita para afirmar a existência da materialidade (ilicitude das provas originadas de quebra do sigilo bancário sem autorização judicial), a qual mesmo sendo válida teria de passar por severo escrutínio quanto aos meios de apuração – art. 157 do CPP e art. 5º, X, XII e LVI, da CF; b) que a denúncia foi oferecida sem justa causa e desprovida dos requisitos do art. 41 do CPP; c) a condenação foi baseada apenas no procedimento administrativo fiscal para demonstrar a materialidade delitiva, sem contraditório judicial, e, em relação à autoria, valeu-se tão-somente de identificar os nomes constantes no contrato social da pessoa jurídica; d) indevido agravamento da pena-base. Foram apresentadas as contrarrazões pelo Parquet Federal (ID 124866531), requerendo a manutenção da r. sentença. A Procuradoria Regional da República ofertou parecer no qual opina pelo desprovimento do recurso (ID 126826062). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0004619-05.2018.4.03.6181 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS APELANTE: ANDRE DE MOURA BEUKERS, LEONARD DE MOURA BEUKERS Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO FERNANDES RUIZ FILHO - SP80425-A, MARIANA MOTTA DA COSTA E SOUZA - SP285881-A, WALMIR MICHELETTI - SP82252-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 07.05.2018 - fls. 20/25 ID 107759113) em face de ANDRE DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUKERS, como incursos nas penas do art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, porquanto, na qualidade de sócios e representantes legais da empresa KINSBERG COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE TECIDOS LTDA., teriam suprimido o recolhimento de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e reflexos, no ano-calendário de 2005, mediante a omissão de receita ou rendimento caracterizada pela ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica. Consoante informação da Procuradoria Regional da Fazenda Nacional – 3ª Região (fls. 103/108 ID 107759112), a constituição definitiva dos créditos tributários ocorreu quinze dias após a ciência do contribuinte, em 06/11/2014, do acórdão proferido pelo Conselho Administrativo de Recursos Federais (CARF), ou seja, na data de 21/11/2014, sem registro de pagamento integral, parcelamento vigente ou outras causas de suspensão ou extinção dos débitos. Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença condenando os réus como incursos nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990. Da licitude da quebra do sigilo bancário diretamente pela autoridade fazendária A tese acerca da ilicitude das provas obtidas mediante a quebra do sigilo bancário sem a prévia autorização judicial não encontra amparo no ordenamento jurídico, tampouco no campo jurisprudencial. A Lei n. 8.021/1990 e a Lei Complementar n. 105, de 10.01.2001, legitimam a atuação fiscalizatória e investigativa da Administração Tributária, respectivamente: Art. 8° Iniciado o procedimento fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei n° 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária. A questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à categoria de direito fundamental do cidadão (a teor do disposto no art. 5º, X, da Constituição Federal: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal." Conforme já consignado, o direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder diante do caso concreto quando aplicáveis aspectos atinentes à ponderação de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão, justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos, mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes, mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade. Dentro desse contexto, lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário (protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários, vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou a cargo da Lei Complementar n. 105/2001 disciplinar as situações em que lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento. A propósito: DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. SIGILO BANCÁRIO. PRIVACIDADE. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 5º, INCISO X. BANCO CENTRAL. CONTROLE. MERCADO DE CÂMBIO. ACESSO A DADOS ESPECÍFICOS. POSSIBILIDADE. TRANSMISSÃO DE DOCUMENTOS SIGILOSOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUTORIZAÇÃO LEGAL. LEI 7.492/86, ARTIGO 28. CONSTITUCIONALIDADE. PROVAS VÁLIDAS. EMBARGOS DESPROVIDOS. 1. O sigilo bancário ostenta proteção constitucional, o que se dá no âmbito do direito fundamental à privacidade (Constituição da República, art. 5º, X). Trata-se de resguardo da Lei Maior ao indivíduo em sua esfera pessoal e, por conseguinte, ao trato privado de seus assuntos, atividades e interesses. Não obstante isso, pode a legislação infraconstitucional disciplinar hipóteses específicas de levantamento dessa proteção, de maneira a conciliá-la com a tutela de outros interesses igualmente protegidos constitucionalmente, desde que assegurada a mínima intervenção possível nos direitos individuais, e a necessidade concreta da medida. (...) (TRF3, QUARTA SEÇÃO, EIFNU - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 48027 - 0006960-34.2000.4.03.6181, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 17/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 25.08.2017) (grifei). O artigo 6º da Lei Complementar n. 105/2001, acima transcrito, disciplina a possibilidade de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito tributário não declarado. Como se vê, no tocante ao sigilo bancário, a Administração Tributária tem a possibilidade, observados os preceitos legais, de atuar com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente, sem a necessidade de autorização judicial quando já há procedimento em curso. De outra parte, a questão delimitada acima já foi enfrentada pelo C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601314 (Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional (mediante a aplicação do art. 927, III, do Código de Processo Civil), no sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF) - a propósito, segue ementa do precedente vinculante: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01. 1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. 3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo. 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. 6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal". 7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN". 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Destaque-se, ainda, que nos autos do Recurso Extraordinário n. 1.055.941 foi proferida decisão liminar, em 15 de julho de 2019, determinando, com fundamento no artigo 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, a suspensão do processamento de todos os processos judiciais, inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PIC’s), que foram instaurados em razão de dados compartilhados diretamente pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN) com os Ministérios Públicos Federal e estaduais, contendo informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, que não se limitaram à identificação dos titulares e dos montantes globais, sendo este o caso destes autos. O julgamento do referido Recurso Extraordinário foi concluído em 28.11.2019, oportunidade em foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, que determinou o sobrestamento dos feitos e a suspensão do prazo prescricional dos processos, que foram instaurados em razão de dados compartilhados diretamente pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN) com os Ministérios Públicos Federal e estaduais, contendo informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, que não se limitaram à identificação dos titulares e dos montantes globais. De outro giro, na sessão realizada em 05.12.2019, o Plenário do Supremo Tribunal estabeleceu a seguinte tese de repercussão geral: 1. É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil, que define o lançamento do tributo, com os órgãos de persecução penal para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional. 2. O compartilhamento pela UIF e pela RFB, referente ao item anterior, deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. Diante do exposto, não restam dúvidas sobre a possibilidade de quebra de sigilo bancário diretamente pela Receita Federal, bem como do compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária diretamente das instituições bancárias com órgão de persecução penal a fim de que se possibilite a instauração de investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária (especialmente, das condutas típicas descritas na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990). Nesse contexto, toda a documentação acerca da movimentação financeira e bancária, obtida diretamente pela autoridade fazendária junto ao Fisco, e compartilhada com o Ministério Público Federal, sem prévia autorização judicial, é válida e consiste em prova lícita, não havendo que se falar em violação ao artigo 157 do Código de Processo Penal, podendo ser considerada para aferição de materialidade nestes autos. Da alegada inépcia da denúncia A defesa alega que a denúncia foi oferecida sem justa causa e desprovida dos requisitos do art. 41 do CPP. Aduz que a denúncia se apoiou exclusivamente no procedimento administrativo fiscal para assegurar-se da materialidade do crime imputado e, em relação à autoria, valeu-se tão-somente de identificar os nomes constantes no contrato social da pessoa jurídica. Vejamos. Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária) - a propósito: A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. Cumpre salientar que a consequência imposta pelo ordenamento jurídico à peça acusatória que não cumpre os elementos anteriormente descritos encontra-se prevista no art. 395 do mesmo Diploma Processual Penal, consistente em sua rejeição (A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal). A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores mostra-se pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia - a propósito: HABEAS CORPUS - JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONSOLIDADA QUANTO À MATÉRIA VERSADA NA IMPETRAÇÃO - POSSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE O RELATOR DA CAUSA DECIDIR, MONOCRATICAMENTE, A CONTROVÉRSIA JURÍDICA - COMPETÊNCIA MONOCRÁTICA DELEGADA PELO ORDENAMENTO POSITIVO BRASILEIRO (RISTF, ART. 192, "CAPUT", NA REDAÇÃO DADA PELA ER Nº 30/2009) - ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO "PER RELATIONEM" - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DESSA TÉCNICA DECISÓRIA - FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA - ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS - SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL - ILIQUIDEZ DOS FATOS - CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO 'HABEAS CORPUS' - RECONHECIMENTO DA PLENA CORREÇÃO JURÍDICA DA DECISÃO AGRAVADA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO (STF, HC 140629 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 04-08-2017 PUBLIC 07-08-2017) - destaque nosso. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INÉPCIA DA INICIAL. SURSIS PROCESSUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não se verifica supressão de instância na análise, pelo Tribunal do Estado, de matéria já abordada pelo juízo de primeiro grau. 2. É afastada a inépcia quando a denúncia preencher os requisitos do art. 41 do CPP, com a individualização da conduta do réu, descrição dos fatos e classificação do crime, de forma suficiente para dar início à persecução penal na via judicial, bem como para o pleno exercício da defesa. 3. As disposições veiculadas na Lei nº 10.259/01 não alteraram o patamar do sursis processual, que continua sendo disciplinado pelos preceitos inscritos no art. 89 da Lei nº 9.099. 4. Recurso ordinário improvido. (STJ, RHC 28.236/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015) (grifei). A inicial acusatória em análise permite inferir, cabal e corretamente, quais imputações são impingidas aos réus, além de possibilitar a efetiva compreensão da questão de fundo (com todas as peculiaridades que este feito contém). Com efeito, há suficiente qualificação acerca dos denunciados na peça acusatória, a qual narra com clareza a imputação do crime de sonegação fiscal, relatando que eles, na condição de sócios e representantes legais da empresa KINSBERG COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE TECIDOS LTDA. (CNPJ nº 46.515.532/0001-62), suprimiram o recolhimento de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e reflexos, no ano-calendário de 2005, no valor total de R$ 1.427.002,04 (um milhão, quatrocentos e vinte e sete mil e dois reais e quatro centavos), sendo que, de acordo com a representação fiscal para fins penais encaminhada pela Receita Federal do Brasil, durante os trabalhos de fiscalização realizados no âmbito do Procedimento Fiscal nº 19515.002999/2010-30, apurou-se a omissão de receita ou rendimento caracterizada pela ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica. Consta, ainda, da exordial, que os indícios de autoria, por sua vez, decorrem do Contrato Social da empresa KINSBERG COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que indicam ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS como sócios à época dos fatos e responsáveis pela omissão de receita ou rendimento por ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica. Portanto, presentes os requisitos necessários a possibilitar aos denunciados o exercício constitucional do direito de defesa. Cabe consignar que nesse momento processual inicial bastam indícios de autoria e materialidade delitivas, e somente com o regular trâmite processual advirá o juízo de certeza a ser declarado na sentença. Ademais, em se tratando de crimes societários, há que se atentar para o fato de que a conduta dos réus nem sempre resta amplamente especificada na denúncia, mas deve constar da narrativa o liame entre a conduta e a autoria, a permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório, ou seja, cabe na denúncia demonstrar o nexo causal entre as funções dos denunciados (sócio-gerente) e a suposta supressão de tributos. Durante a persecução criminal haverá a constatação da ocorrência do fato típico e antijurídico em relação às pessoas imputadas. A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores, em sede de crimes executados no âmbito societário (tais quais os descritos neste feito), estabeleceu a desnecessidade de que a denúncia ou a queixa descreva efetiva e pormenorizadamente cada uma das condutas que, em tese, teriam sido levadas a efeito por cada um dos agentes, bastando, para que se possa aduzir preenchidos os requisitos constantes do art. 41 do Diploma Processual Penal, a demonstração do vínculo dos indiciados com a sociedade comercial e a narração das condutas delituosas de forma a possibilitar o exercício da ampla defesa, o que se verifica plenamente cumprido pela inicial acusatória ofertada nesta relação processual - a propósito: Habeas Corpus. Processual Penal. Apropriação indébita previdenciária. denúncia. Inépcia. Não ocorrência. Gestão compartilhada. Ausência de dolo. Inadequação da via eleita. Ordem denegada. 1. Tratando-se de crimes societários, não é inepta a denúncia em razão da mera ausência de indicação individualizada da conduta de cada indiciado. 2. Configura condição de admissibilidade da denúncia em crimes societários a indicação de que os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes. 3. O debate acerca da ausência de dolo, em sede de habeas corpus, é inadequado, pois demanda incursão no seio da prova, análise vedada na via estreita do writ. 4. Habeas corpus denegado. (STF, HC 10286/MG, Relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 14.06.2011, DJe 25.08.2011, unânime) (grifei). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. CRIME SOCIETÁRIO. ARTIGO 1º, II, DA LEI Nº 8.137/90. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE AUTORIA. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA NO ATO IMPUGNADO. ATUAÇÃO EX OFFICIO DO STF INVIÁVEL. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos crimes societários é prescindível a descrição minuciosa e detalhada das condutas de cada autor, bastando a descrição do fato típico, das circunstâncias comuns, os motivos do crime e indícios suficientes da autoria ainda que sucintamente, a fim de garantir o direito à ampla defesa e contraditório. Precedentes: HC 118.891, Primeira Turma, Relator Min. Edson Fachin, DJe 20/10/2015, HC 116.781, Segunda Turma, Relator Min. Teori Zavascki, DJe 15/04/2014, HC 101.754, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe 25/06/10. (...) (STF, HC 136822 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-268 DIVULG 16-12-2016 PUBLIC 19-12-2016) (grifei). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. CRIME SOCIETÁRIO. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DO RECORRENTE. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS E DESCREVE CRIME EM TESE. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. CONSTRANGIMENTO AFASTADO. 1. A hipótese cuida de denúncia que narra supostos delitos praticados por intermédio de pessoa jurídica, a qual, por se tratar de sujeito de direitos e obrigações, e por não deter vontade própria, atua sempre por representação de uma ou mais pessoas naturais. 2. Embora em um primeiro momento o elemento volitivo necessário para a configuração de uma conduta delituosa tenha sido considerado o óbice à responsabilização criminal da pessoa jurídica, é certo que nos dias atuais esta é expressamente admitida, conforme preceitua, por exemplo, o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal. 3. E ainda que tal responsabilização seja possível apenas nas hipóteses legais, é certo que a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução. 4. Não pode ser acoimada de inepta a denúcia formulada em obediência aos requisitos traçados no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente a conduta típica, cuja autoria é atribuída ao recorrente devidamente qualificado, circunstâncias que permitem o exercício da ampla defesa no seio da persecução penal, na qual se observará o devido processo legal. 5. Nos chamados crimes societários, embora a vestibular acusatória não possa ser de todo genérica, é válida quando, apesar de não descrever minuciosamente as atuações individuais dos acusados, demonstra um liame entre o seu agir e a suposta prática delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o exercício da ampla defesa, caso em que se consideram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. (...) (STJ, RHC 2015/0147446-2, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 03.12.2015, DJe 14.12.2015, unânime). (grifei). Desse modo, rejeito a tese defensiva. Do crime previsto no artigo 1º da Lei n. 8.137/1990 Os acusados foram condenados pelo delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, in verbis: Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (...) Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. A supressão do tributo ocorre pelo não pagamento e a redução se dá quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude. As condutas constantes dos incisos em aludido artigo têm, pois, o escopo de estabelecer os modos pelos quais o resultado (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório) será alcançado. Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n. 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material. Para que o delito previsto no artigo 1º da legislação em comento reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta fraudulenta, com eficácia de ofensa ao bem jurídico e efetivo prejuízo patrimonial ao erário público. É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n. 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005). Da materialidade A materialidade delitiva restou comprovada nos autos por meio do processo administrativo fiscal e os documentos que o integram, sobretudo o Termo de Verificação Fiscal e os autos de infração de cada tributo, bem como pela respectiva Representação Fiscal para Fins Penais que descreve os fatos relacionados ao objeto da imputação penal (IDs 107759115 a 107759117). A fiscalização tributária constatou a existência de valores em contas correntes da empresa, que não foram declarados ao Fisco. Consta no Termo de Verificação Fiscal (fls. 46/60 ID 107759115) que, após a análise dos elementos/documentos apresentados pelo contribuinte, (...), elaboramos um demonstrativo, a partir da listagem dos valores creditados/depositados em suas contas correntes, eliminando-se os valores cujas origens foram comprovadas e não se referem a receita de vendas. Constatada que a Movimentação Financeira é superior ao escriturado nos livros fiscais e comerciais obrigatórios, pela não comprovação da contabilização e/ou da origem dos recursos utilizados nas operações de depósitos/créditos em suas contas correntes, conforme demonstrativo elaborado por esta fiscalização, a partir das informações obtidas dos extratos bancários do contribuinte, (...), ensejará lançamento de ofício, a título de OMISSÃO DE RECEITA OU RENDIMENTO, (...). O contribuinte apresentou impugnação administrativa (fls. 5/51 ID 107759116), bem como recurso voluntário (fls. 6/73 ID 107759117), tendo o lançamento sido mantido parcialmente, com exclusão de dois montantes listados que entendeu a 4ª Turma da DRJ/SP1 terem origem comprovada (fls. 52/79 ID 107759116, 74/87 ID 107759117). Como se verifica, na fase administrativa, houve minuciosa análise dos documentos apresentados pela empresa. Na primeira instância, foram aliás excluídos valores do lançamento originário, ao fundamento de que houve comprovação da origem. Posteriormente, ainda houve novo exame em segunda instância, culminando pela manutenção do lançamento. Na fase judicial, a r. sentença restou devidamente fundamentada e foi pautada no livre convencimento motivado, tendo decidido pela comprovação da materialidade delitiva com base no procedimento administrativo apresentado, submetido ao crivo do contraditório. Ao contrário do alegado pelos acusados, não se trata de inversão do ônus da prova, impondo-se a eles a prova negativa da inexistência dos fatos imputados na denúncia, mas sim de demonstração da materialidade delitiva pelo processo fiscal, sem que a defesa tenha infirmado suas conclusões. Constata-se, assim, que foram movimentados nas contas correntes da empresa valores não declarados ao Fisco, sem comprovação de sua origem, o que configura a omissão de receita apta a ensejar a supressão de IRPJ e reflexos, e, portanto, o delito de sonegação fiscal. Da autoria No que tange à autoria, a ficha cadastral da JUCESP acostada aos autos (fls. 193/196 ID 107759115) registra os acusados como sócios e responsáveis pela administração da empresa KINSBERG COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE TECIDOS LTDA. (nome após alteração da razão social) na época dos fatos imputados na exordial acusatória. Os réus não foram ouvidos na fase policial. Embora intimados, não compareceram para prestar esclarecimentos (fls. 44, 98 ID 107759112). Na fase judicial, no interrogatório exerceram o direito constitucional ao silêncio (fls. 202/207 ID 107759113). Ademais, a acusação não arrolou testemunhas e a defesa desistiu das testemunhas arroladas (fls. 5, 197/198, 201 ID 107759113). A par da ficha cadastral da JUCESP/contrato social, inexistem outros elementos que indiquem a administração da empresa pelos acusados. A insuficiência dessa única prova documental já está consolidada na jurisprudência da Corte Superior e deste Tribunal: Apropriação indébita de contribuições previdenciárias (art. 168-A do Cód. Penal). Descrição mínima da relação dos sócios com os fatos delituosos (necessidade). Simples remissão ao contrato social (ausência de nexo causal). Reexame do conjunto fático-probatório (Súmula 7). 1. É pacífico o entendimento de que a condenação dos sócios sem a existência de provas de que efetivamente contribuíram para a prática da apropriação indébita previdenciária caracteriza a responsabilidade penal objetiva, vedada no Direito brasileiro. 2. Ter o nome em contrato social de pessoa jurídica, por si só, não configura o nexo causal do tipo previsto no art. 168-A do Cód. Penal. 3. No caso, para infirmar as conclusões do colegiado, que absolveu os réus por entender não estar provada a prática do delito, necessário seria o reexame vedado pela Súmula 7. 4. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 950675 / SP, Relator Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 14.04.2009, DJe 17.08.2009, unânime). (grifei). PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART.168-A,§1º, INCISO I E ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA NÃO COMPROVADA. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. 1. Diversos documentos comprovam a materialidade: representação fiscal para fins penais: Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD, discriminativo do débito consolidado, Termo de Início da Ação Fiscal, recibos de pagamento de salários. 2. A autoria não restou demonstrada. Para fins do crime de apropriação indébita previdenciária, descrito no artigo 168-A do Código Penal, a condição de diretores da empresa indicada no contrato social configura indício suficiente para o recebimento da peça acusatória. 3. Para que haja correlação entre os fatos narrados na denúncia e a sentença condenatória, não basta simples menção ao indicativo contratual para comprovar a prática delitiva, cabendo à acusação, em tais casos, comprovar, por outros elementos de prova, a relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente, pena de responsabilidade penal objetiva. 4. O conjunto probatório não aponta os denunciados como administradores da empresa ao tempo dos fatos. 5. A condição de diretores comercial e industrial da empresa não autoriza a condenação dos réus por crimes supostamente praticados no âmbito da sociedade. 5. Recurso da defesa provido para absolver os acusados da imputação contida na denúncia, com supedâneo no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal. (TRF/3, ACR 00145782520044036105, Relator Des. Fed. José Lunardelli, Primeira Turma, e- DJF3 Judicial 09.04.2012, unânime) (grifei). RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. SONEGAÇÃO FISCAL. RECORRENTE QUE NÃO PERTENCIA AOS QUADROS SOCIETÁRIOS À ÉPOCA DO DELITO. DENÚNCIA. MERA DESCRIÇÃO DA CONDIÇÃO DE ADMINISTRADOR. QUE NÃO MAIS SUBSISTIA NA OCASIÃO DOS SUPOSTOS FATOS DELITUOSOS. CONDIÇÃO DA AÇÃO. INEXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Em regra, aquele que exerce a administração ou o gerenciamento de determinada empresa possui, pela própria condição de ascendência ou hierarquia, o controle ou, no mínimo, o conhecimento das decisões (internas ou externas) que digam respeito à pessoa jurídica que administra. 2. O exercício da administração ou da gerência, amiúde prevista no contrato social ou em estatuto, não pode ser tomada isoladamente para fins penais, sob pena de responsabilização objetiva (responsabilização por força do cargo ou posição hierárquica), embora possa revelar algum indicativo (juízo de possibilidade) da relação de causalidade na prática de crimes que envolvam a sociedade empresária. 3. Nessa perspectiva, exige-se que a imputação penal dada pelo Parquet na denúncia, em se tratando de crimes relativos à sociedade empresarial, seja acompanhada de indícios mínimos da responsabilidade pessoal e subjetiva do agente, estabelecendo-se, nessa medida, a necessária relação de causalidade entre sua conduta e o evento delituoso, não bastando a mera alusão à condição de sócio da empresa. (...) 8. Recurso provido, para excluir o recorrente da relação processual, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal em relação aos demais acusados. (STJ, RHC 66633/PE, Min. Rel. p/ acórdão Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 03.05.2016, DJe 25.05.2016) Portanto, sendo o contrato social o único documento capaz de atrelar os réus à gestão da empresa em questão, não havendo nenhuma outra prova documental ou testemunhal a indicar a participação efetiva na direção da pessoa jurídica, tem-se que a acusação não se desincumbiu do ônus probatório de demonstrar que a sonegação fiscal tenha sido praticada pelos increpados. Significa dizer, o fato de constar no instrumento contratual como detentor de poderes gerenciais não constitui prova absoluta do poder de mando dentro da pessoa jurídica. Assim, ante a ausência de outros elementos capazes de demonstrar a autoria, de rigor a absolvição dos acusados da imputação da prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). DISPOSITIVO Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à Apelação da defesa para ABSOLVER os réus ANDRE DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUKERS da imputação da prática do delito inscrito no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação). É o voto.
E M E N T A
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º DA LEI N. 8.137/1990. LICITUDE DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELA AUTORIDADE FAZENDÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA AFASTADA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DO CONTRATO SOCIAL. ABSOLVIÇÃO.
1. Com base na força vinculante de provimentos judiciais exarados pelo C. Supremo Tribunal Federal, inclusive a proferida no Recurso Extraordinário n. 1.055.941, imperioso o reconhecimento da licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras, podendo, sem qualquer problema, haver o compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração de relação processual penal em que investigada a prática de infração à ordem tributária.
2. A inicial acusatória adimple exatamente ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal. Com efeito, há suficiente qualificação acerca dos denunciados na peça acusatória, a qual narra com clareza a imputação do crime de sonegação fiscal, relatando que eles, na condição de sócios e representantes legais da empresa KINSBERG COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE TECIDOS LTDA. (CNPJ nº 46.515.532/0001-62), suprimiram o recolhimento de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e reflexos, no ano-calendário de 2005, no valor total de R$ 1.427.002,04 (um milhão, quatrocentos e vinte e sete mil e dois reais e quatro centavos), sendo que, de acordo com a representação fiscal para fins penais encaminhada pela Receita Federal do Brasil, durante os trabalhos de fiscalização realizados no âmbito do Procedimento Fiscal nº 19515.002999/2010-30, apurou-se a omissão de receita ou rendimento caracterizada pela ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica. Consta, ainda, da exordial, que os indícios de autoria, por sua vez, decorrem do Contrato Social da empresa KINSBERG COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que indicam ANDRÉ DE MOURA BEUKERS e LEONARD DE MOURA BEUCKERS como sócios à época dos fatos e responsáveis pela omissão de receita ou rendimento por ausência de contabilização ou registros de origem dos recursos utilizados nas operações de crédito/depósito em contas-correntes da referida pessoa jurídica. Portanto, presentes os requisitos necessários a possibilitar aos denunciados o exercício constitucional do direito de defesa. Cabe consignar que nesse momento processual inicial bastam indícios de autoria e materialidade delitivas, e somente com o regular trâmite processual advirá o juízo de certeza a ser declarado na sentença.
3. A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, exige supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n. 24.
4. Materialidade delitiva comprovada nos autos por meio do processo administrativo fiscal e os documentos que o integram, sobretudo o Termo de Verificação Fiscal e os autos de infração de cada tributo, bem como pela respectiva Representação Fiscal para Fins Penais que descreve os fatos relacionados ao objeto da imputação penal. Restou demonstrado que houve a supressão de tributos federais mediante a omissão de informações às autoridades fazendárias relativas a receitas da empresa.
5. Sendo o contrato social o único documento capaz de atrelar os réus à gestão da empresa em questão, não havendo nenhuma outra prova documental ou testemunhal a indicar a participação efetiva na direção da pessoa jurídica, tem-se que a acusação não se desincumbiu do ônus probatório de demonstrar que a sonegação fiscal tenha sido praticada pelos increpados. Significa dizer, o fato de constar no instrumento contratual como detentor de poderes gerenciais não constitui prova absoluta do poder de mando dentro da pessoa jurídica. Absolvição dos acusados.