Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5028798-26.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AUTOR: MARCIO SILVA MAIA JUNIOR

Advogado do(a) AUTOR: EDIMAR DE SOUZA - SP170438-N

REU: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5028798-26.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AUTOR: MARCIO SILVA MAIA JUNIOR

Advogado do(a) AUTOR: EDIMAR DE SOUZA - SP170438-N

REU: UNIÃO FEDERAL

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R E L A T Ó R I O

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):

Trata-se de ação rescisória movida por Márcio Silva Maia Júnior, visando à rescisão de sentença prolatada pela 1ª Vara Federal de São Carlos (ID 216545366), que, no bojo da ação de procedimento comum n. 5001927-15.2019.4.03.6115, julgou improcedente o pedido do autor, consistente na reintegração, pelo reengajamento, aos quadros da Força Aérea Brasileira.

O autor narra que ingressou, em 28/04/2016, como Terceiro Sargento do Quadro de Sargentos Reserva de 2ª Classe Convocado na Academia da Força Aérea em Pirassununga/SP. Informa que permaneceu em atividade até 24/04/2019, quando foi licenciado ex officio, com fundamento no art. 121, § 3º, “a”, da Lei n. 6.880/80. Além disso, sustenta que formulou pedido de prorrogação do tempo de serviço, mas tal pedido foi indeferido por não satisfazer a condição de “não ter restrições em relação aos conceitos moral e profissional informados pela Secretaria da Comissão de Promoções de Graduados”, conforme determina o item 2.11.4, letra "e", da ICA 39-23.

Afirma que a razão de não ter atendido a esse critério foi a existência de inquérito policial militar (IPM) para averiguar suposto crime do art. 217 do CPM (injúria real). Contudo, aduz que, posteriormente ao ato de licenciamento, o IPM foi arquivado e, então, solicitou a reconsideração da decisão administrativa, o que foi negada. Nesse panorama, alega que a sentença rescindenda violou manifestamente norma jurídica, ao não anular o ato administrativo de licenciamento por ofensa ao princípio da presunção de inocência.

Diante disso, requer a rescisão da sentença proferida nos autos de n. 5001927-15.2019.4.03.6115, com a realização de novo julgamento do processo, a fim de que se anule o ato administrativo que determinou o seu licenciamento.

Foi deferida a gratuidade de justiça (ID 252707719).

Em contestação (ID 245701216), a parte ré rebate os fundamentos apresentados pelo autor e pugna pela improcedência da ação.

As partes apresentaram razões finais ratificando os seus argumentos já apresentados (ID 262962906 e 263797064).

Em seu parecer (ID 277990554), o Ministério Público Federal manifesta que não há interesse público que justifique a sua intervenção no feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


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1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5028798-26.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

AUTOR: MARCIO SILVA MAIA JUNIOR

Advogado do(a) AUTOR: EDIMAR DE SOUZA - SP170438-N

REU: UNIÃO FEDERAL

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V O T O

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):

Presentes os pressupostos processuais, admito o processamento e julgamento da ação rescisória.

Primeiramente, é importante salientar que a ação rescisória é um meio excepcional de impugnação de decisão judicial e não pode se transmudar em recurso ordinário, de modo que a análise dos seus requisitos precisa ser realizada com rigor, observando-se com exatidão os vícios de rescindibilidade previstos no art. 966 do CPC para o seu cabimento.

Com efeito, o autor alega que a sentença violou manifestamente norma jurídica (art. 966, V,CPC) por não ter observado o princípio da presunção de inocência e, assim, mantido o ato administrativo de licenciamento.

Primeiramente, a preliminar de carência de ação apontada pelo réu deve ser afastada, já que preenchidos os pressupostos para análise do mérito da ação rescisória. Todavia, improcedente é a pretensão do autor.

Observa-se que o ato de licenciamento do autor ocorreu nos seguintes termos:

Licenciado(a) do serviço ativo da Aeronáutica, "ex-officio", a contar de 24/04/2019, de acordo com a alínea "a" do § 3º do art. 121 da Lei nº 6.880, de 09 DEZ 1980 - Estatuto dos Militares e em conformidade com a publicação constante do Boletim do Comando da Aeronáutica nº 048, de 26/03/2019, sendo incluído(a) na Reserva de 1ª Categoria da Aeronáutica, nos termos do Decreto nº 57.654, de 20 JAN 1966, sendo relacionado(a) no(a) SEREP-SP, por haver declarado fixar residência na cidade de(o) Pirassununga – SP.

De outro lado, o pedido de reconsideração do ato que indeferiu o requerimento de prorrogação de tempo de serviço efetuado pelo autor foi redigido da seguinte forma:

INDEFERIDO, por não satisfazer à condição estabelecida no item 2.11.4, letra "e", da ICA 39-23, aprovada pela Portaria nº 1.591/GC3, de 25 de setembro de 2014, alterada pela Portaria nº 286/GC3, de 22 de março de 2016.

Em complemento, destaca-se que os fundamentos normativos do licenciamento e do indeferimento acima mencionados são, respectivamente:

Lei n. 6.880/80

Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

I - a pedido; e

II - ex officio. [...]

§ 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio [...]

 

ICA 39-23

2.11.4 Além do prescrito no item 2.11.3, são condi ções necessárias à concessão da prorrogação do tempo de serviço dos integrantes do QSCon:

a) o interesse do serviço, com base nas demandas regionais;

b) ter sido julgado(a) apto em Inspeção de Saúde;

c) ter parecer favorável de seu Comandante, Chefe ou Diretor, e do Comandante do COMAR;

d) a existência de vagas na OM; e

e) não ter restrições em relação aos conceitos moral e profissional informados pela Secretaria da Comissão de Promoções de Graduados (SECPG).

Dados os fundamentos normativos nos quais foram baseados o licenciamento do autor dos quadros da Força Aérea Brasileira, é importante destacar que o ato administrativo impugnado pelo autor na ação originária é decorrente do poder discricionário da Administração.

 Dessa forma, verifica-se que o autor, na condição de militar temporário, não tem direito subjetivo à prorrogação ao tempo de serviço, o qual pode ser de, no máximo, 8 (oito) anos. A prorrogação é feita conforme a conveniência da Administração da Aeronáutica e desde que o militar cumpra os requisitos descritos no item 2.11.4 da ICA 39-23 (transcrito acima).

No caso vertente, a Administração entendeu que o autor não satisfez os conceitos morais e profissionais necessários para integrar a instituição militar. Segundo é informado nos autos, a razão de o autor não preencher tais conceitos diz respeito ao fato de este, na época do ato de licenciamento, ter sido indiciado, no Inquérito Policial Militar n. 7000095-2019.7.02.0002, pela suposta prática de injúria real (art. 217 do CPM). Posteriormente, o IPM foi arquivado pelo Juiz da Justiça Militar, ao fundamento de que não restaram caracterizados indícios mínimos de autoria, nos termos do art. 397 do CPPM[1] (ID 216545369, p. 534). Ainda assim, a Administração manteve o ato de licenciamento mesmo diante de pedido de reconsideração formulado pelo autor.

No que interessa aos autos, entendo que a manutenção do ato de licenciamento pela Aeronáutica não viola o princípio da presunção de inocência e, portanto, a sentença rescindenda não violou manifestamente norma jurídica. Isso porque a questão deve ser interpretada sob a perspectiva da independência das esferas administrativa e criminal.

É cediço que o processo penal apenas produz efeitos na seara administrativa quando o provimento criminal reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria. Na hipótese, o IPM foi arquivado por ausência de provas que subsidiassem o recebimento da denúncia.

Nesse panorama, conforme ensina a ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “as provas que não são suficientes para demonstrar a prática de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo”, além de acrescentar que “o ilícito administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que caracteriza o crime”[2].

Anote-se, inclusive, o claro precedente do C. STJ sobre o tema:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL POR FALTA DE PROVAS. NÃO VINCULAÇÃO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. [...]

II - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual as instâncias penal, civil e administrativa são independentes e autônomas entre si. Em razão disso, a repercussão da absolvição criminal nas instâncias civil e administrativa somente ocorre quando a sentença, proferida no Juízo criminal, nega a existência do fato ou afasta a sua autoria, o que não ocorreu na espécie. [...] (AgInt no REsp n. 1.375.858/SC, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 16/5/2017, DJe de 2/6/2017.)

Logo, o arquivamento do IPM, nas circunstâncias em que foi feito, não vincula a esfera administrativa e, portanto, não provoca, por si só, a anulação do ato administrativo de licenciamento. Conforme mencionado, o ato em discussão é discricionário, ou seja, decorre da conveniência e oportunidade da Administração. Outrossim, a motivação utilizada no ato é válida, já que a suposta conduta do militar, embora não tenha sido objeto de ação penal, é idônea para valorar o conceito moral e profissional do autor, já que capaz de macular a integridade e a imagem que demandam as instituições militares.

Desse modo, não se vislumbra que a decisão hostilizada tenha sido fundada em violação manifesta de norma jurídica. A bem da verdade, observa-se, de forma patente, a pretensão da parte autora de reexame do julgado, o que, contudo, ultrapassa os limites da via de impugnação eleita e ofende os princípios da segurança jurídica e da proteção da coisa julgada.

Com essas razões, julgo improcedente o pedido rescindendo e extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.

Em razão da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas processuais, as quais fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, ressalvando-se, contudo, o benefício da gratuidade de justiça que lhe foi concedido.

É como voto.

 

São Paulo, data da assinatura eletrônica.

 

RENATA LOTUFO

Desembargadora Federal

 

[1] “Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se êste concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dêle discordar, remeterá os autos ao procurador-geral”.

[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 807.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO VÁLIDA. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR ARQUIVADO. FALTA DE PROVAS. NÃO VINCULAÇÃO DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. IMPROCEDÊNCIA.

1 - O autor alega que a sentença violou manifestamente norma jurídica (art. 966, V, CPC) por não ter observado o princípio da presunção de inocência e, assim, mantido o ato administrativo de licenciamento ex officio dos quadros da Força Aérea Brasileira.

2 - No caso vertente, a Administração entendeu que o autor não satisfez os conceitos morais e profissionais necessários para integrar a instituição militar. Segundo é informado nos autos, a razão de o autor não preencher tais conceitos diz respeito ao fato de este, na época do ato de licenciamento, ter sido indiciado pela suposta prática de injúria real (art. 217 do CPM). Posteriormente, o inquérito policial militar foi arquivado, ao fundamento de que não restaram caracterizados indícios mínimos de autoria, nos termos do art. 397 do CPPM. Ainda assim, a Administração manteve o ato de licenciamento, mesmo diante de pedido de reconsideração formulado pelo autor.

3 - No que interessa aos autos, a manutenção do ato de licenciamento pela Aeronáutica não viola o princípio da presunção de inocência e, portanto, a sentença rescindenda não violou manifestamente norma jurídica. Isso porque a questão deve ser interpretada sob a perspectiva da independência das esferas administrativa e criminal.

4 - É cediço que o processo penal apenas produz efeitos na seara administrativa quando o provimento criminal reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria. Na hipótese, o IPM foi arquivado por ausência de provas que subsidiassem o recebimento da denúncia.

5 - Logo, o arquivamento do IPM, nas circunstâncias em que foi feito, não vincula a esfera administrativa e, portanto, não provoca, por si só, a anulação do ato administrativo de licenciamento. O ato em discussão é discricionário, ou seja, decorre da conveniência e oportunidade da Administração. Outrossim, a motivação utilizada no ato é válida, já que a suposta conduta do militar, embora não tenha sido objeto de ação penal, é idônea para valorar o conceito moral e profissional do autor, já que capaz de macular a integridade e a imagem que demandam as instituições militares.

6 - Desse modo, não se vislumbra que a decisão hostilizada tenha sido fundada em violação manifesta de norma jurídica. A bem da verdade, observa-se, de forma patente, a pretensão da parte autora de reexame do julgado, o que, contudo, ultrapassa os limites da via de impugnação eleita e ofende os princípios da segurança jurídica e da proteção da coisa julgada.

7- Ação rescisória conhecida e julgada improcedente.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu julgar improcedente o pedido rescindendo e extinguir o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, condenando o autor ao pagamento das custas processuais, fixadas em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, § 8º, do CPC, ressalvando-se, contudo, o benefício da gratuidade de justiça que lhe foi concedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.