APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004939-62.2021.4.03.6181
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: UBIRAJARA RIOTO
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIANO DO ROSARIO DE MELO PIERANGELI - SP133249-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004939-62.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: UBIRAJARA RIOTO Advogado do(a) APELANTE: FLAVIANO DO ROSARIO DE MELO PIERANGELI - SP133249-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de apelação interposta pela defesa de UBIRAJARA RIOTO contra a r. sentença de primeiro grau (ID. 278255327), por meio da qual o ora apelante restou condenado pela prática do crime do art. 1º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, à pena de 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 90 (noventa) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em uma pena de prestação de serviços à comunidade e uma pena de prestação pecuniária no valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais), a ser paga em parcela única em favor da União. Narrou a denúncia (ID. 278255068 – pp. 1/3: “Consta dos autos que o denunciado UBIRAJARA RIOTO, na qualidade de administrador da “Prospect – Consultoria e Planejamento Industrial Ltda.”, situada em São Paulo/SP, de forma livre e consciente, em 21 de fevereiro de 2019, suprimiu e reduziu o pagamento de tributos federais mediante declaração falsa às autoridades fazendárias. Segundo o apurado, e na data supracitada, a empresa em questão transmitiu a Declaração de Compensação – DCOMP nº 21504.99925.210219.1.3.02-0283, na qual informava suposto direito creditório de saldo negativo de IRPJ, referente ao 4º trimestre de 2017, no valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) (fls. 73/77 – ID 57369920). Ainda segundo o teor da DCOMP, esse crédito seria utilizado na compensação de tributos federais no montante total de R$ 1.172.811,57 (um milhão, cento e setenta e dois mil, oitocentos e onze reais e cincoenta e sete centavos) relacionado a outras 09 (nove) DCOMP’s. Contudo, a Receita Federal apurou que a informação constante nessa DCOMP, consistente exclusivamente em retenção na fonte da “Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais – COHAB Minas”, não correspondia à realidade, destacando ainda a impossibilidade de compensação de tributos federais com títulos públicos. Instado a apresentar documentos e justificativas quanto aos aspectos aqui levantados, o contribuinte alegou, então, que o referido direito creditório estaria relacionado a título público do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS) detido por terceiros (o que também é vedado pela legislação tributária), e motivou assim o Fisco a lavrar o respectivo auto de infração no importe de R$ 1.759.217,39 (um milhão, setecentos e cincoenta e nove mil, duzentos e dezessete reais e trinta e nove centavos – fls. 497/498 – ID 57369931). A materialidade delitiva está demonstrada pelos documentos presentes na Representação Fiscal para Fins Penais de fls. 20/541 (ID 57369920 e ID 57369931), tendo havido a constituição definitiva do crédito tributário em 24/03/2020 de acordo com a informação de fls. 541 (ID 57369931). Neste aspecto, registre-se que a Procuradoria da Fazenda Nacional ainda esclareceu não ter havido pagamento ou pedido de parcelamento (fls. 572/573 – ID 123426244). Quanto à autoria, resta ela evidenciada tanto pela ficha cadastral do estabelecimento comercial (ainda como o nome antigo da empresa), na qual se verifica que o acusado figura como administrador (fls. 50 - ID 57369920), quanto pelo seu depoimento, oportunidade em que afirmou não só ser o responsável financeiro da “Prospect” como de fato ter enviado a DCOMP mencionada nesta investigação (fls. 552/533 – ID 123426244). [...]” Na cota de oferecimento da denúncia, o órgão acusatório expressamente consignou não entender cabível o ANPP (id. 278255068 –pp. 4/5). A denúncia foi recebida por meio de decisão publicada em 14/09/2022 (ID. 278255072). Processado o feito, sobreveio a r. sentença condenatória, publicada em 30/06/2023. Em suas razões de recurso (ID. 279526545), o apelante aduz, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa e do processo criminal por ausência de oferecimento de ANPP. No mérito, pugna pela absolvição do réu. Sustenta, em prol do pleito absolutório, ausência de dolo e que a conduta proibida foi praticada por terceiro, que teria induzido o acusado em erro. Subsidiariamente, pede a redução da pena-base, o afastamento da causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, e a diminuição do valor da pena de prestação pecuniária. Os autos baixaram à origem para oferecimento de contrarrazões, conforme requerido pela Procuradoria Regional da República. O órgão ministerial oficiante em primeiro grau deixou de oferecer contrarrazões ao apelo defensivo, afirmando não possuir atribuição legal para tanto (ID. 280003944). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opina pelo desprovimento do recurso (parecer no id. 280789335). É o relatório. Sujeito à revisão na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004939-62.2021.4.03.6181 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: UBIRAJARA RIOTO Advogado do(a) APELANTE: FLAVIANO DO ROSARIO DE MELO PIERANGELI - SP133249-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo interposto e passo a analisar as questões devolvidas a esta Corte. PRELIMINARES Nulidade da sentença por cerceamento de defesa Aduz a defesa que a sentença padece de nulidade em razão do indeferimento da produção de prova pericial e de expedição de ofício requisitando cópias de outras ações penais e porque não houve pronunciamento judicial acerca das provas apresentadas pelo réu. A nulidade não se constata. Alega o réu que a prova pericial seria indispensável para demonstrar que as declarações de compensação foram preenchidas e transmitidas por terceiro, com a utilização do certificado digital da empresa “PROSPECT”, fornecido pelo réu. Verifica-se que o MM. Juízo a quo indeferiu o pleito de produção de prova pericial fundamentadamente (id. 278255103): “De fato, as perícias somente têm por objeto matérias em que há um especial conhecimento e domínio da técnica, que não só refuja à possessão de conhecimento dos operadores do direito, mas seja ela mesma imprescindível para a cognoscibilidade da matéria fática, o que não ocorre no caso concreto, até porque os documentos e procedimentos assinados com os certificados digitais são válidos juridicamente. E, nesse caso, não há a possibilidade de repudiar o ato, uma vez que a responsabilidade de guarda e uso é do titular do certificado. Este, não deve de forma alguma, ceder, emprestar ou compartilhar seu documento digital, segundo a Lei MP 2200/02 que regula a atividade da certificação digital no Brasil. Ora, cabe à defesa fornecer elementos que infirmem sua força probante no caso concreto, não sendo suficientes elucubrações abstratas e despregadas no presente feito para tanto. Assim sendo, o requerimento da defesa se mostra desprovido de fundamento fático ou jurídico, sendo imperioso o indeferimento de prova pericial.” A decisão de indeferimento da prova requerida se mostra acertada. A tese defensiva é a de que o réu não agiu com dolo de sonegar, pois acreditava na regularidade das compensações tributárias declaradas às autoridades fazendárias e pede “a produção de prova pericial [com] o intuito de comprovar o uso indevido e criminoso do certificado digital da empresa de titularidade do Apelante [que] foi enganado”. Neste cenário, a finalidade probatória não poderia, nem mesmo em tese, ser atingida por meio de perícia, já que a análise de um expert jamais poderia atestar, como busca a defesa demonstrar, que o apelante foi ludibriado por terceiros. Por outro lado, a comprovação, mediante perícia, de que as declarações foram preenchidas/transmitidas diretamente pelo acusado ou por terceiro por ele contratado, ainda que fosse possível, não teria nenhuma relevância para a demonstração da alegada ausência de dolo. Do mesmo modo, não configura cerceamento de defesa o indeferimento de expedição de ofício a outros juízos requisitando cópias inquéritos policiais ou de ações penais em que o réu figura igualmente como investigado/acusado, pois, como decidido pela i. magistrada de primeiro grau, não houve demonstração pela defesa de impossibilidade de obtenção das cópias diretamente nem de rejeição do órgão judiciário no fornecimento das peças requisitadas: “Conforme preceitua o artigo 156, do Código de Processo Penal, incumbe à parte interessada fazer a prova de sua alegação, sendo incabível a defesa transferir o ônus de produzir eventual prova que lhe interesse ao Juízo, a quem só cabe providenciar diligências protegidas pelo sigilo constitucional e nas hipóteses de comprovada recusa da Administração. E, no caso em comento, consoante já elucidado pelo juízo, os fatos apurados nestes autos, ainda que possuam similaridade com aqueles apurados junto à Justiça Catarinense, referem-se a datas distintas e sociedade comerciais diversas, domiciliadas em municípios diferentes. Ainda assim, tratando-se de feito no qual o acusado integra o polo passivo, certo é que, nos moldes do comando legal acima aludido, cabe a este trazer aos autos os documentos e elementos de convicção para lastrear sua defesa, não havendo, desse modo, a necessidade de intervenção judicial para tanto.” Assim, agiu corretamente o MM. Juízo que, com base no art. 400, §1º, do Código de Processo Penal, indeferiu as provas irrelevantes e impertinentes. Não há que se falar, ainda, em ausência de manifestação sobre as provas produzidas pelo réu, pois todas as teses defensivas ventiladas nos autos foram devidamente apreciadas na sentença, não havendo imposição legal de que o juízo expressamente analise todos os documentos juntados ao feito. Além disso, nenhum prejuízo se constata à defesa já que as provas indicadas no apelo e as demais cuja análise de mostre pertinente ao julgamento serão objeto de detida apreciação nesta Corte, em razão da ampla devolutividade do recurso de apelação. Nulidade do processo criminal por ausência de oferecimento de ANPP O art. 28-A do CPP estabelece que "não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (...)" O acordo de não persecução penal é medida consensual de solução abreviada da lide penal, sujeita a requisitos e critérios previamente estabelecidos em lei. Inspira-se no chamado patteggiamento do direito italiano, criado com a reforma processual italiana, nos termos dos arts. 444 e seguintes do Código de Processo Penal Italiano, como "aplicazione dela pena su richiesta delle parti". Neste sentido: "tal instituto tem como vantagens essenciais a dispensa de toda a fase debatimental e a economia de todo o segundo grau de jurisdição, uma vez que a sentença de primeiro grau é inapelável" (ATHAYDE BUONO, Carlos Eduardo e BENTIVOGLIO, Antônio Tomás. A Reforma Processual Penal Italiana - Reflexos no Brasil. RT, SP, pág.85). Por outro lado, partilho do entendimento de que o oferecimento de ANPP não é direito público subjetivo do investigado. Ao revés, tal instituto constitui poder-dever do titular da ação penal, a quem cabe analisar a possibilidade de sua aplicação. A propósito, já decidiu o STJ no AgRg no RHC 74.464/PR, que tratava da suspensão condicional do processo, compreendendo-a não como um direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, a quem compete, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), já que ambos têm o mesmo caráter de instrumento da Justiça Penal consensual: “PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL - ANPP. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DE DENÚNCIA REJEITADA POR OMISSÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM NOTIFICAR O AGRAVANTE PARA PROPOSITURA DO ACORDO. ART. 395, II, DO CPP. PROVIDÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO LEGAL. AUSENTE DIREITO SUBJETIVO DO ACUSADO. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1."Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, por ausência de previsão legal, o Ministério Público não é obrigado a notificar o investigado acerca da proposta do acordo de não persecução penal, sendo que, ao se interpretar conjuntamente os artigos 28-A, § 14, e 28, caput, do CPP, a ciência da recusa ministerial deve ocorrer por ocasião da citação, podendo o acusado, na primeira oportunidade dada para manifestação nos autos, requerer a remessa dos autos ao órgão de revisão ministerial" (AgRg no REsp n. 2.024.381/TO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 10/3/2023). (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 2018531 / TO, RELATOR Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 11/10/2023). O Ministério Público não é obrigado a ofertar o acordo, pois a ele compete avaliar a aptidão e suficiência do mesmo para reprovação e prevenção do crime, observado que, na hipótese de não oferecimento, o órgão fundamente a razão pela qual está deixando de fazê-lo. No caso concreto, não se verifica a nulidade apontada no recurso defensivo porque, na cota de oferecimento da denúncia, o órgão acusatório expressamente justificou as razões de não entender cabível o ANPP (id. 278255068 –pp. 4/5): “Tendo como base o delito aqui imputado, verifica-se que, em tese, seria cabível a proposta de acordo de não persecução penal levando-se em consideração a pena mínima cominada ao crime. Entretanto, observa-se que o acusado figura como réu na já citada ação penal nº 5019544-04.2019.403.6181 em curso perante a 1ª Vara Federal de Florianópolis/SC, pela prática do delito de organização criminosa. Cite-se, inclusive, que referido feito relaciona-se com a prática sistêmica de envio de pedidos de compensação de créditos tributários inexistentes, tal como se verificou na investigação que gerou a presente denúncia. Nota-se, assim, haver elementos a indicar conduta criminal habitual e reiterada, nos termos do artigo 28-A, § 2º, inciso II do Código de Processo Penal, o que impossibilita o oferecimento da proposta em questão.” Quando da sua citação, o réu já teve ciência da negativa do órgão ministerial em oferecer o ANPP. Dessa maneira, nos termos do art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, caberia ao acusado requerer a remessa dos autos à instância superior do Ministério Público Federal, como, aliás, foi expressamente consignado na decisão que recebeu a denúncia (“devidamente justificada a ausência de propositura de ANPP pelo MPF, cabendo à defesa, caso haja interesse, interpor recurso administrativo, nos moldes do §14, do artigo 28-A, do Código de Processo Penal” - id. 278255072). Nada obstante, nenhum requerimento foi formulado nesse sentido, senão em sede de memoriais, quando o réu aduziu a “nulidade absoluta em razão do não oferecimento de acordo de não persecução penal” (id. 278255323). É cediço que à parte não é dado arguir nulidade a que tenha dado causa ou para a qual tenha concorrido (art. 565, CPP), como se deu na hipótese, diante da inércia da defesa em adotar o procedimento previsto no art. 28, §14, do Código de Processo Penal. Não há, portanto, qualquer nulidade a ser pronunciada, já que a negativa de oferecimento do ANPP foi justificada pelo órgão ministerial e a defesa não requereu a remessa dos autos à câmara de revisão do MPF. Rejeito, por tais fundamentos, as preliminares arguidas no recurso. ‘EMENDATIO LIBELLI’ No caso dos autos, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra UBIRAJARA RIOTO, imputando-lhe a prática do crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, porque, segundo a denúncia, o acusado, na qualidade de administrador da “Prospect – Consultoria e Planejamento Industrial Ltda.”, “suprimiu e reduziu o pagamento de tributos federais” mediante declarações de compensação falsas transmitidas às autoridades fazendárias. Consta da denúncia que foram apresentadas dez declarações de compensação, informando créditos de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), utilizados para a compensação de tributos federais que somavam R$1.172.811,57 (um milhão, cento e setenta e dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos). De acordo com a inicial acusatória, as Declarações de Compensação apresentadas contêm informações inverídicas, uma vez que o crédito declarado não possui condições legais para ser compensado com débitos tributários, conforme apurado pela Receita Federal: “[...] a Receita Federal apurou que a informação constante nessa DCOMP, consistente exclusivamente em retenção na fonte da “Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais – COHAB Minas”, não correspondia à realidade, destacando ainda a impossibilidade de compensação de tributos federais com títulos públicos. Instado a apresentar documentos e justificativas quanto aos aspectos aqui levantados, o contribuinte alegou, então, que o referido direito creditório estaria relacionado a título público do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS) detido por terceiros (o que também é vedado pela legislação tributária) [...]” Como é cediço, a capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal. Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal. A propósito, colaciono os seguintes precedentes: "AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 1.021, § 1º, DO CPC/2015. ART. 155 DO CPP. MATERIALIDADE E AUTORIA CONFIRMADA POR DIVERSOS ELEMENTOS DE PROVA, INCLUSIVE PRODUZIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTRAS PROVAS. SÚMULA 7 DO STJ. DECISÃO MOTIVADA SUFICIENTEMENTE. ALEGAÇÃO DE QUE O TRIBUNAL A QUO EXTRAPOLOU A DEVOLUTIVIDADE DO RECURSAL. AUSÊNCIA DE MUTATIO LIBELLI. OCORRÊNCIA DE EMENDATIO LIBELLI. NÃO ACRÉSCIMO DE FATO NOVO À IMPUTAÇÃO PENAL. NOVO ENQUADRAMENTO AOS FATOS EM ANÁLISE. CORREÇÃO DE ATECNIA DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO RÉU. AFASTAMENTO DA DUPLA MAJORAÇÃO PREJUDICADO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, IMPROVIDO. É o que se verifica na hipótese. Com efeito, a conduta imputada ao réu está descrita no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, que dispõe: "Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: No particular, importa destacar que a própria Representação Fiscal para Fins Penais noticia que o auto de infração a ela relacionado (e descrito na denúncia como representativo do débito tributário) foi lavrado para exigência de multa isolada no percentual de 150%, em virtude da constatação de compensação indevida efetuada em declaração prestada pelo sujeito passivo (id. 278255032 –p. 8): “Como as compensações foram consideradas não declaradas e restou comprovada a inserção de informação falsa nas declarações, será realizado lançamento de ofício de multa isolada de 150% sobre o valor total dos débitos cujas compensações foram consideradas não declaradas, conforme previsto no art. 18, caput, § 4º, da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, combinado com o art. 44, inciso I e § 1º, e o art. 74, § 12, inciso II, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e no art. 75, § 1º, inciso II, da Instrução Normativa RFB nº 1.717, de 17 de julho de 2017, no montante de R$ 1.759.217,39 (um milhão, setecentos e cinquenta e nove mil, duzentos e dezessete reais e trinta e nove centavos).” Não se verifica que o réu tenha de fato suprimido (ou reduzido) tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas pela própria contribuinte e constituídas integralmente, o que restou plenamente demonstrado nos autos. Isto porque, no caso sob exame, não houve nenhuma fraude relacionada a fato gerador de obrigação tributária, muito menos no que diz respeito ao seu conhecimento por parte da Autoridade Fazendária, ou às suas características essenciais. Ao contrário disso, os débitos a serem quitados pela via da compensação foram expressamente reconhecidos pela Contribuinte perante a Receita Federal, tendo havido apenas a tentativa de utilizar crédito inexistente para fins de compensação. De se ver que a fraude descrita na denúncia teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo constituído, mas de eximir a contribuinte do seu devido pagamento, mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de créditos com aptidão para a compensação tributária. Assim, inexistiu (ou, ao menos não se discute na presente ação penal) fraude que reduzisse ou suprimisse base de cálculo das exações devidas. A imputação contida na denúncia refere-se, exclusivamente, à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Não por outro motivo, o auto de infração cobra apenas a multa regulamentar fixada em 150% (cento e cinquenta por cento), em plena demonstração da ausência de redução ou supressão de tributos pelo apelante, que, inclusive, os reconheceu como devidos nas declarações de compensação. A propósito do tema, trago à colação precedente desta 11ª Turma: (ACR 0000054-26.2019.4.03.6128, Relator(a) para Acórdão Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, Data da Publicação/Fonte Intimação via sistema DATA: 18/03/2022). Prosseguindo, ainda segundo a denúncia, o réu tinha por objetivo a compensação de créditos tributários inexistentes para quitação de débitos de tributos federais que somavam, à época do lançamento, R$1.172.811,57. O montante, portanto, tem aptidão para gerar grave dano à coletividade, nos termos do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90. Nesse cenário, com fundamento no art. 617 do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta descrita na denúncia para o crime do art. 2º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90. PRESCRIÇÃO No caso concreto, as declarações de compensação fraudulentas foram protocoladas / transmitidas via internet em (id. 278255032 – pp. 60/125): - 21/02/2019 (DCOMP nº 21504.99925.210219.1.3-2083); - 01/03/2019 (DCOMP 08218.47225.010319.1.3.02-9908); - 22/03/2019 (DCOMP 41202.11459.220319.1.3.02-7001); - 26/03/2019 (DCOMP 03449.59948.260319.1.3.02-2558); - 24/04/2019 (DCOMP 14537.24604.240419.1.3.02-8446); - 23/05/2019 (DCOMP 05436.06218.230519.1.3.02-0449); - 01/07/2019 (DCOMP 38738.28460.010719.1.3.02-2289); - 23/07/2019 (DCOMP 09800.47129.230719.1.3.02-2853); - 20/08/2019 (DCOMP 09169.33619.200819.1.3.02-7648). A pena máxima abstratamente prevista para o crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90 é de 2 (dois) anos de detenção. Além disso, as causas gerais e especiais de aumento e diminuição da pena têm influência no prazo prescricional e devem ser computadas para fins de verificação da ocorrência da pretensão punitiva do estado, tendo em vista que a lei apresenta frações que devem ser adicionadas ou subtraídas da pena máxima em abstrato atribuída ao crime (STF, HC 71.060 e STF, RHC 121.152/BA). A causa de aumento especial prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, tem fração máxima de ½ (metade), do que resulta uma pena hipotética de três anos, que atrai um prazo prescricional de 08 (oito) anos (art. 109, IV, Código Penal). O crime do art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90 é formal e, portanto, sua configuração prescinde do esgotamento do processo administrativo fiscal e da constituição definitiva do crédito na esfera administrativa, não se aplicando ao delito de apropriação indébita tributária a Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.” O intervalo de oito anos não foi superado entre a data dos fatos (de 21/02/2019 a 20/08/2019) e a do recebimento da denúncia, em 14/09/2022 (id. 278255072) nem entre esta data e a da publicação da sentença condenatória, em 30/06/2023, tampouco desde este último marco interruptivo. Permanece hígida, portanto, a pretensão punitiva deduzida na denúncia. MATERIALIDADE OBJETIVA A materialidade objetiva do delito restou demonstrada por meio da prova documental que acompanhou a denúncia, da qual destaco, por mais relevantes, os seguintes elementos: - Representação Fiscal para Fins Penais (id. 278255032 – pp. 13/24); - Declarações de Compensação - DCOMPs nº21504.99925.210219.1.3-2083, 8218.47225.010319.1.3.02-9908; 41202.11459.220319.1.3.02-7001, 03449.59948.260319.1.3.02-2558, 14537.24604.240419.1.3.02-8446, 05436.06218.230519.1.3.02-0449, 38738.28460.010719.1.3.02-2289, 09800.47129.230719.1.3.02-2853 e 09169.33619.200819.1.3.02-7648 (id. 278255032 – pp. 60/125); - despacho decisório proferido pela autoridade fiscal (id. 278255035 – pp. 45/60). Tais elementos demonstram, de maneira inequívoca, que a pessoa jurídica ‘PROSPECT - CONSULTORIA E PLANEJAMENTO EMPRESARIAL LTDA.’ (CNPJ nº 08.389.073/00001-29) buscou eximir-se do pagamento de tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e IRRF) apurados no período de outubro/2016 a julho/2019, no valor de R$1.172.811,57 (um milhão, cento e setenta e dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos), mediante fraude consistente na apresentação, entre 21/02/2019 e 20/08/2019, das nove Declarações de Compensação já referidas neste voto, com crédito tributário inexistente. A irregularidade na compensação foi apurada pela Receita Federal do Brasil nos autos do Processo Administrativo Fiscal nº 10880.742.806/2019-82, conforme se extrai do seguinte trecho do Despacho Decisório (ID. 278255035 – pp.45/60): “2. Inconsistência no Imposto de Renda Retido na Fonte A primeira grande inconsistência verificada está relacionada à composição do suposto direito creditório pleiteado pelo contribuinte. O suposto direito creditório de saldo negativo de IRPJ, do 4º trimestre de 2017, pleiteado pelo contribuinte na DCOMP 21504.99925.210219.1.3.02-2083, seria composto exclusivamente por uma retenção na fonte realizada pelo COMPANHIA DE HABITACAO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - COHAB MINAS, no código de receita 3249 (Ouro, ativo financeiro/mútuo/revenda), no montante de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). [...] O valor da retenção na fonte declarado pelo contribuinte na DCOMP não é confirmado pelas informações prestadas pela suposta fonte pagadora na sua DIRF. A tabela III detalha, para o período em análise, o valor da retenção informado pelo contribuinte na DCOMP e o declarado pela fonte pagadora em DIRF. [...] 3. Inconsistência na Apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ Além da inexistência da retenção na fonte, foram constatadas enormes divergências entre a apuração do IRPJ, do 4º trimestre de 2017, informadas na Escrituração Contábil Fiscal – ECF, na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF e na DCOMP, conforme detalhado na tabela IV. [...] No 4º trimestre de 2017, não foi apurado saldo negativo de IRPJ como declarado pelo contribuinte na DCOMP. Na ECF referente ao período, o contribuinte apurou IRPJ a pagar no montante de R$ 157.152,75 (cento e cinquenta e sete mil, cento e cinquenta e dois reais e setenta e cinco centavos). [...] Portanto, de acordo com a escrituração contábil-fiscal do próprio contribuinte, não há qualquer direito creditório referente a saldo negativo de IRPJ do 4º trimestre de 2017, mas imposto a pagar. Destarte, ponderando (1) a inexistência da retenção na fonte utilizada pelo contribuinte para formar o suposto direito creditório de saldo negativo de IRPJ e (2) a apuração de IRPJ a pagar na escrituração contábil-fiscal do próprio contribuinte, constata-se, portanto, a inexistência do direito creditório pleiteado. Em razão dos elementos acima elencados, fica manifesto e patente que o suposto direito creditório nunca existiu e compõe o estratagema ardiloso do interessado para promover compensações fraudulentas. As informações falsas a respeito do suposto direito creditório prestadas pelo contribuinte na DCOMP 21504.99925.210219.1.3.02-2083 possibilitaram a compensação fraudulenta de tributos federais no montante total de R$ 1.172.811,57 (um milhão, cento e setenta e dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos). [...] No caso de crédito de saldo negativo de IRPJ composto por retenções na fonte, o documento hábil, idôneo e suficiente para comprovar a liquidez e certeza destas parcelas do crédito é o Comprovante Anual de Rendimentos Pagos ou Creditados e de Retenção de Imposto de Renda na Fonte emitido em nome do contribuinte pela fonte pagadora. Neste sentido, o art. 988 do Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, com fundamento no art. 55, da Lei nº 7.450, de 23 de dezembro de 1985, determina que as pessoas jurídicas que compensarem, com o imposto devido em sua declaração de rendimentos, o imposto retido na fonte, deverão possuir comprovante da retenção emitido em seu nome pela fonte pagadora. Observe-se, portanto, que, por expressa disposição legal, o meio probatório adequado para comprovar a retenção do imposto incidente sobre rendimentos pagos ou creditados é o Comprovante de Retenção. [...]” Por fim, a sonegação de vultosa quantia não é ínsita à tipificação penal contida no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, e tem aptidão para causar enorme dano à coletividade, o que atrai a incidência da causa de aumento especial prevista no art. 12, I, do mesmo Diploma Legal. Sobre o tema, o C. Superior Tribunal de Justiça definiu que "o dano tributário é valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa" e que "a majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei 8.137/90, restringe-se a situações de especialmente relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários, fixado em R$1.000.000,00 (um milhão de reais), do art. 14, caput, da Portaria 320/PGFN." (REsp n. 1.849.120/SC, relator Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/3/2020, DJe 25/3/2020). Demonstrada, assim, a materialidade objetiva do delito previsto no art. 2º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90. AUTORIA E DOLO A autoria também está devidamente comprovada pela ficha cadastral da empresa na JUCESP (ID. 278255032 – pp. 38/40), pelas declarações de compensação (id. 278255032 – pp. 60/125) e pela prova oral produzida ao longo da instrução processual (IDs 278255239, 278255265, 278255281 e 278255314), que demonstram que o apelante era sócio administrador da “PROSPECT”, com poderes de gestão para determinar/autorizar a transmissão das declarações de compensação com informações falsas. Na fase policial, o acusado afirmou que (id. 278255035 p. 2): “é sócio administrador da empresa PROSPECT – CONSULTORIA E PLANEJAMENTO EMPRESARIAL LTDA.; QUE é o responsável financeiro pela empresa; QUE FAGNER DOS SANTOS ARAUHO era parceiro do declarante e apresentava a ela algumas empresas para compensação tributária; QUE FAGNER mostrava os documentos fiscais indicando que tinha créditos tributários a serem compensados; QUE por acreditar na autenticidade da referida documentação, apresentou a Declaração de Compensação DCOMP nº21504.99925.210219.1.3-2083, referente a suposto direito creditório de saldo negativo de Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ do 4º trimestre de 2017, no valor de R$2.000.000,00 (dois milhões de reais), utilizando na compensação de tributos federais no montante total de R$1.172.811,57 (um milhão, cento e setenta e dois mil, oitocentos e onze reais e cinquenta e sete centavos), nas DCOMP 21504.99925.210219.1.3-2083, 8218.47225.010319.1.3.02-9908; 41202.11459.220319.1.3.02-7001, 03449.59948.260319.1.3.02-2558, 14537.24604.240419.1.3.02-8446, 05436.06218.230519.1.3.02-0449, 38738.28460.010719.1.3.02-2289, 09800.47129.230719.1.3.02-2853 e 09169.33619.200819.1.3.02-7648; QUE quer consignar que o próprio FAGNER é que fazia os requerimentos de compensação e juntava a documentação; QUE acredita que FAGNER estava fazendo tudo dentro da legalidade com base na documentação apresentada; QUE não sabia que era inexistente o crédito tributário relativo ao CVS emitido pela COMPANHOA DE HABITAÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – COHAB MINAS; QUE não chegou a fazer contrato de prestação de serviços com FAGNER, porém pagou cerca de 50% dos créditos supostamente compensados a ele; QUE foi alvo de busca na sua residência relativo ao fato dos autos pela Operação Saldo Negativo (2019) e atualmente está em fase de instrução, mesmo denunciado; QUE quer consignar que não tem nenhum envolvimento com a organização criminosa de FAGNER, porém se tivesse conhecimento da inidoneidade da CVS, não pedia por conta própria a compensação; QUE não praticou crimes contra a ordem tributária; QUE pretende parcelar o débito tributário; QUE PAULA CRISTINA era apenas sócia quotista e não tinha administração na empresa.” O teor da prova oral colhida em juízo foi bem resumido na sentença apelada, cujo trecho a seguir transcrevo: “Em Juízo, Jansen Bosco Moura Salemme foi ouvido na qualidade de informante, ante a informação de que seria amigo e advogado do acusado em causas cíveis a partir do ano de 2020, quando o réu teria sido preso na Operação Saldo Negativo. Ressaltou não possuir qualquer participação na compensação tributária levada a cabo pelo denunciado e que, na consultoria jurídica prestada, teria constatado a participação de Fagner no delito em questão. Aduziu expressamente que tem conhecimento de que o réu seria o único dono de sua empresa e, que as compensações tributárias efetuadas não teriam resultado em enriquecimento pelo réu ou pela sua família. Paula Cristina Brene de Aragão da Silva Rioto também foi ouvida como informante em razão de seu matrimônio com o acusado. Ressaltou ter figurado no quadro societário da empresa gerida pelo acusado entre os anos de 2016 até 2019. Aduziu que, nessa qualidade, somente efetuava a aquisição de suprimentos pontuais, sem qualquer ingerência na atividade gerencial da pessoa jurídica, de modo que não participou da opção efetuada pela empresa em promover a compensação tributária em questão. Segundo afirmou, somente teve ciência quanto aos fatos imputados ao denunciado a partir do ano de 2019, quando seu marido havia sido preso na Operação Saldo Negativo. Disse que somente naquele ato teria sido informada quanto a eventual equívoco no contrato formulado com Fagner, com vistas a obter crédito para realizar compensação tributária. Segundo afirmou, Fagner e seu marido possuíam uma parceria, em que este lhe indicava clientes. Por fim, alegou que referida compensação não trouxe enriquecimento para sua família, uma vez que sequer teve dinheiro para contratar advogado no ato de prisão de seu marido. Saliente-se que as suas informações prestadas em Juízo guardam consonância com o depoimento prestado perante a autoridade policial (fl. 06 do ID 123426244), em que alegou que nunca lidou com a administração da empresa PROSPECT, apesar de ter constado em seu quadro social, e que, em razão disso, não demonstrou possuir ciência quanto às indagações referentes às compensações tributárias realizadas. Naquele momento, também havia confirmado que Fagner dos Santos Araújo e o réu mantinham relações de negócios entre si, embora não soubesse expressá-las. O informante José Ernani da Silva aduziu já ter contratado serviços tributários intermediados por seu genro, ora denunciado, a fim de realizar compensação de impostos perante a Receita Federal. Segundo alegou, UBIRAJARA teria lhe posto em contato com uma empresa de Santa Catarina, cujo nome não se recorda, e ressaltou que os trâmites por ela adotados seriam legais, levando-o a adquirir R$ 20.000,00 em créditos e a realizar duas ou três compensações entre os anos de 2018 e 2019. Ressaltou ter certeza de que a empresa em questão seria regular, uma vez que não possui qualquer pendência com a Receita Federal, e que acredita que o denunciado possa ter sido vítima de alguma situação ocorrida em Santa Catarina. Interrogado em Juízo, UBIRAJARA negou a prática delitiva, sob a alegação de que teria sido influenciado a efetuar as compensações tributárias discutidas a partir da documentação apresentada por FAGNER, o qual teria inclusive acessado páginas no site do Tesouro Nacional e o levado a uma reunião com Auditor da Receita Federal para comprovar a idoneidade da operação. Aduziu que ambos teriam sido atendidos pelo Auditor em uma unidade do referido órgão em Florianópolis/SC, e que este teria garantido que o procedimento questionado estaria correto, embora tenha reconhecido que não houve qualquer consulta formal, por meio dos procedimentos previstos na esfera administrativa, quanto ao tema. Destacou que sua empresa foi constituída em 2010, mas que somente em meados de 2014 e 2015 que passou a trabalhar com ela, em atividade relativa à intermediação de negócios e consultoria empresarial (no âmbito negocial com clientes e novos fornecedores, ampliação ou aquisição de imóveis). Afirmou ter conhecido Fagner entre 2013 e 2014, em momento anterior ao início de fato de sua empresa. Após algum tempo, Fagner teria lhe apresentado o que seria uma oportunidade comercial, relativa à indicação de clientes para compensações. Segundo alegou, desconhecia essa atividade até ser apresentada por Fagner, que era advogado e atuava como consultor tributário. Este teria lhe mostrado escrituras, contratos de aquisição e outros documentos que atestariam a idoneidade dos créditos tributários. Segundo suas palavras, os créditos seriam provenientes da COHAB de Minas Gerais, a qual teria direito a esses créditos, e contratado por meio de licitação outra empresa para realizar os cálculos e procedimentos para receber os valores deles decorrentes, e que até mesmo o pagamento desta empresa ocorreria por meio destes créditos, mas, no entanto, esta teria optado em vendê-los para Fagner. O réu disse que atua como advogado cível, sem qualquer atuação na área tributária, de modo que não tinha ciência de que a lei vedava expressamente a compensação de créditos de terceiros ou de dívida pública. Ainda, em consulta ao site da Receita Federal, não visualizou qualquer vedação ao procedimento da forma como constaria atualmente no Manual de Fraudes. Mencionou que soube das irregularidades decorrentes das compensações tributárias realizadas somente a partir de sua prisão nos autos da Operação Saldo Negativo. Alegou que seu certificado digital fora indevidamente utilizado por Fagner, o qual, por meio dele, teria realizado compensações tributárias com diversas outras empresas desconhecidas.” Não se pode admitir, como sustentou o acusado em seu interrogatório judicial, que a responsabilidade pelos fatos descritos na denúncia seja atribuída exclusivamente a terceiro (‘FAGNER’). A tese defensiva de que o réu jamais soube que a empresa contratada faria a compensação com documentos ineficazes não merece guarida. A despeito da tentativa de o acusado atribuir a responsabilidade pela sonegação fiscal a um terceiro, não há qualquer indicativo de que a sonegação verificada pela fiscalização fazendária tenha sido realizada à revelia do apelante, beneficiário do delito. Ao contrário, as provas produzidas demonstram que ele era administrador e gestor da empresa, detendo o poder de decisão sobre a declaração e o recolhimento de seus tributos. A propósito, o responsável pelos tributos incidentes sobre a atividade empresarial é o seu responsável legal, sendo o contador ou outros gerentes auxiliares. Na hipótese em concreto, ainda que as Declarações de Compensação tivessem sido preenchidas por contadores ou terceiros contratados por UBIRAJARA, é certo que declaração de falsos créditos para eximir a empresa contribuinte do pagamento de tributos federais devidos ao longo de diversas competências entre 2016 e 2019 não poderia ocorrer sem a ciência e o consentimento do réu, que era, ao tempo dos fatos, o único administrador da pessoa jurídica diretamente beneficiada com a compensação fraudulenta. Ainda, dizer que o réu não teria potencial conhecimento da ilicitude, ou seja, que nem sequer poderia conhecer a natureza jurídica delitiva de sua conduta seria partir de pressuposição incompatível com os fatos do caso, e mesmo com a realidade fática em geral (cujo exame é necessário para que se estabeleça o conhecimento potencial da ilicitude, requisito para a aferição da culpabilidade do agente). Como já salientado pela juíza sentenciante, o réu era advogado e, ainda que não atuasse diretamente na seara tributária, certamente tem conhecimento mais profundo do que os empresários em geral acerca das formalidades e exigências legais para a compensação dos tributos. Ademais, o próprio réu disse, em juízo que atuava, ao tempo dos fatos, como consultor de outras empresas, o que sugere maior experiência com os trâmites inerentes à gestão empresarial. Também em juízo, o réu afirmou que as declarações de compensação eram transmitidas por ‘FAGNER’ mediante uso do certificado digital do apelante e, posteriormente, encaminhadas ao próprio acusado, para ciência. Tais declarações foram juntadas aos autos e uma simples leitura revela que a compensação requerida não foi feita com base nos créditos supostamente adquiridos pelo réu (oriundos do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS da Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais – COHAB Minas), mas de Imposto Retido na Fonte (id. 278255016 – p. 63). Registre-se ainda, que o réu não fez qualquer prova do quanto teria pagado para a alegada empresa que teria efetuado as operações. Aliás, nenhuma justificativa plausível foi apresentada pelo réu para a quitação do débito tributário pela via da compensação, ao invés de seu pagamento direto. Em seu interrogatório, o réu afirma que foi enganado por ‘FAGNER’, mas não esclarece por qual motivo teria, supostamente, adquirido créditos tributários para compensação. A propósito, destaque-se que a prova documental produzida pela defesa não robustece a versão do acusado. Senão vejamos. O réu disse que adquiriu os créditos por meio de escritura pública, mas juntou ao feito somente um instrumento particular de cessão de créditos (id. 278255133), do qual não consta sequer o valor do preço acordado entre as partes. Ora, sendo o réu, como por ele mesmo afirmado, um advogado atuante na área de contratos, tal vício não poderia ser fruto de mero equívoco. Foram juntadas, ainda, as notas fiscais no id. 278255133 – p. 6/16. Referidos documentos não comprovam a aquisição dos créditos tributários, pois descrevem pagamento por prestação de serviços de consultoria tributária. Por outro lado, ainda que pudessem comprovar tal aquisição, não há qualquer justificativa plausível para o fato de o réu ter, supostamente, adquirido créditos por um preço que somava mais de dois milhões de reais para compensar tributos em valor inferior (R$1.172.811,57). Consigne-se que o dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 402 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA N. 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. ARESTO RECORRIDO EM HARMONIA COM JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. CRIME IMPOSSÍVEL. DOLO GENÉRICO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIME CONSUMADO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DOSIMETRIA. REVISÃO. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2.1. O aresto recorrido está em consonância com o entendimento deste Tribunal Superior, pois "os crimes de sonegação fiscal e apropriação indébita previdenciária prescindem de dolo específico, sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos" (AgRg no AREsp 469.137/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 13/12/2017). [...] 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1943948 / PE, RELATOR Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, DJe 15/08/2022); “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. PRESCINDIBILIDADE. RESP NÃO ADMISSÍVEL. SÚMULA N. 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Na caracterização dos crimes contra a ordem tributária, é suficiente a demonstração do dolo genérico. Precedente. 2. O acórdão impugnado asseverou que a acusada tinha plena ciência da obrigatoriedade do recolhimento do imposto (ISS) a partir do dia 8/8/2008, decorrente da decisão proferida na ADI n. 3.089/DF pelo Supremo Tribunal Federal. 3. A discussão sobre a alegada violação à coisa julgada material relativa à invocada isenção deve ser examinada pela jurisdição especializada em direito tributário, e não na justiça criminal. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ, 6ª Turma, AgRg no AREsp 1933842 / SC, RELATOR Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158), DJe 14/12/2021). No caso concreto, o dolo do agente é inequívoco, pois a compensação tributária foi requerida com base em créditos sabidamente inexistentes, com a finalidade de eximir a pessoa jurídica contribuinte do pagamento das exações devidas. Por fim, a alegação de que o réu não teve qualquer vantagem econômica em razão do delito praticado é absolutamente irrelevante à tipificação penal. Rejeito, portanto, o pedido de absolvição fundado em negativa de autoria e dolo. Comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, condeno UBIRAJARA RIOTO pela prática do crime previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90, e passo a dosar as penas. DOSIMETRIA 1ª Fase A pena-base foi fixada acima do mínimo legal, com base nos seguintes argumentos: “Na primeira fase da dosimetria, atenta aos parâmetros definidos no artigo 59 do Código Penal, observo que réu não ostenta maus antecedentes – bem como que ações e inquéritos em andamento não possuem o condão de aumentar a pena base – e poucos elementos foram coletados a respeito da sua conduta social. Quanto ao motivo do crime, o intuito de suprimir tributos faz parte do tipo penal. As circunstâncias do crime não extrapolam a normalidade. No que concerne às consequências do delito, a principal consiste na supressão de elevado valor de tributos pelo réu, o qual, todavia, não é suficiente para a majoração da pena-base, uma vez que, de acordo com a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o valor suprimido faz com que deva ser aferida na terceira fase de aplicação da pena: 2. A majorante do grave dano à coletividade, prevista pelo art. 12, I, da Lei 8.137/90, restringe-se a situações de especialmente relevante dano, valendo, analogamente, adotar-se para tributos federais o critério já administrativamente aceito na definição de créditos prioritários, fixado em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), do art. 14, caput, da Portaria 320/PGFN. (...)” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.849.120 – SC - REL: MINISTRO NEFI CORDEIRO – julgado em 11/03/2020) Vislumbra-se, no entanto, acentuado grau de reprovabilidade da conduta do acusado, uma vez que, na condição de advogado, conta, assim, com maior capacidade de compreender o caráter ilícito e as consequências de sua conduta. Tal situação demanda uma maior reprovabilidade, conforme já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS. MANUTENÇÃO DA VALORAÇÃO NEGATIVA. (...) 4. Na dosimetria da pena, é possível a valoração negativa da culpabilidade, fundada seja na condição e experiência profissionais do réu, seja na situação de empresa que suprime tributo não obstante a sua confortável saúde financeira. Precedentes. 5. As consequências do delito, referentes ao elevado prejuízo ocasionado pela conduta, é razão suficiente para o aumento da pena-base, afinal nem toda prática de crime contra a ordem tributária possui a mesma potencialidade lesiva. Precedente. 6. Agravo regimental improvido. (AgRg no Resp nº 1.388.415/ES, Rel: Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 01/10/2013). Diante disso, aumento a pena-base em seis meses, fixando-a em 02 (dois) anos de reclusão e 06 (seis) meses de reclusão, e 68 (sessenta e oito) dias-multa, conforme parâmetros utilizados para estabelecer a pena privativa de liberdade.” Acolho o recurso defensivo e reduzo a pena-base ao mínimo legal, pois a circunstância de o réu ser advogado, no caso concreto, não desvelou maior reprovabilidade de sua conduta e sua formação acadêmica e seus conhecimentos jurídicos não foram utilizados como forma de tornar a fraude empregada excepcionalmente elaborada. A pena-base fica fixada em 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa. 2ª Fase Inexistem atenuantes ou agravantes. 3ª Fase Incide, apenas, a causa de aumento do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, nos termos da fundamentação já expendida neste voto. Mantida a fração arbitrada em primeiro grau (um terço), fixo a pena definitiva do réu em 08 (oito) meses de detenção e 13 (treze) dias-multa. Mantenho, ainda, o valor unitário do dia-multa em um trigésimo do salário mínimo vigente ao tempo do crime. Regime inicial Mantenho o regime aberto para início de cumprimento da pena de detenção, com fundamento no art. 33, §2º, “c”, do Código Penal. Substituição da pena privativa de liberdade Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos (§2º), consistente em uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo período da reprimenda corporal substituída. DISPOSITIVO Ante o exposto, DE OFÍCIO, com fundamento nos artigos 383 e 617, ambos do Código de Processo Penal, desclassifico a conduta narrada na denúncia para o delito do art. 2º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90, e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso defensivo para fixar as penas do réu UBIRAJARA RIOTO em 08 (oito) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 13 (treze) dias-multa, substituída a pena corporal por uma restritiva de direitos. É como voto.
2. "De acordo com entendimento já esposado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a possibilidade de oferecimento do acordo de não persecução penal é conferida exclusivamente ao Ministério Público, não constituindo direito subjetivo do investigado. Cuidando-se de faculdade do Parquet, a partir da ponderação da discricionariedade da propositura do acordo, mitigada pela devida observância do cumprimento dos requisitos legais, não cabe ao Poder Judiciário determinar ao Ministério Público que oferte o acordo de não persecução penal" (RHC n. 161.251/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022.) 3.
Agravo regimental conhecido e desprovido.”
[...]
4. Art. 384 do CPP. Alegação de que o Tribunal a quo extrapolou a devolutividade do recursal. Inocorrência.
4.1. Na hipótese em foco, não há se falar em mutatio libelli; mas, sim, em emendatio libelli. A Corte paulista não acresceu fato novo a imputação penal, o que implicaria em mutatio libelli. Em verdade, o Tribunal de origem deu novo enquadramento aos fatos em análise, de modo a afastar a aplicação do concurso formal impróprio e fazer incidir o concurso material.
4.2. Nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, emendatio libelli consiste na atribuição de definição jurídica diversa ao arcabouço fático descrito na inicial acusatória, ainda que isso implique agravamento da situação jurídica do réu, mantendo-se, contudo, intocada a correlação fática entre acusação e sentença, afinal, o réu defende-se dos fatos no processo penal. O momento adequado à realização da emendatio libelli pelo órgão jurisdicional é o momento de proferir sentença, haja vista que o Parquet é o titular da ação penal, a quem se atribui o poder-dever da capitulação jurídica do fato imputado. Como corolário da devolutividade recursal vertical ampla, inerente à apelação, desde que a matéria tenha sido devolvida em extensão, plenamente possível ao Tribunal realizar emendatio libelli para a correta aplicação da hipótese de incidência, desde que dentro da matéria devolvida e não implique reformatio in pejus, caso haja recurso exclusivo da defesa.
4.3. O Tribunal de origem verificou a existência de mais de uma ação para a consecução dos delitos, motivo pelo qual afastou a atecnia da sentença que aplicou o concurso formal impróprio. Nota-se não ter ocorrido nenhum prejuízo para o réu, pois a regra do concurso formal impróprio aplicada na sentença é a mesma do concurso material.
4.4. Prejudicada a alegação de que a jurisprudência do STJ rechaça a dupla majoração pela incidência da continuidade delitiva e do concurso formal, haja vista que o aresto recorrido assentou existir concurso material.
5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nesta extensão, improvido."
(STJ, 5ª Turma, AgRg nos EDcl no AREsp 1364914 / SP, Relator(a) Ministro RIBEIRO DANTAS (1181), DJe 19/12/2018);
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO. EMENDATIO LIBELLI EM SEGUNDO GRAU JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. ATIPICIDADE. SITUAÇÃO DE CONTENDA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO. IDONEIDADE INTIMIDATIVA DA AÇÃO. TEMOR DE CONCRETIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus. Precedentes.
2. Na espécie, a Corte local, em recurso interposto pelo Ministério Público, houve por bem recapitular os fatos descritos na exordial incoativa como contravenção penal de vias de fato, em detrimento da imputação por lesão corporal, não havendo falar em mutatio libelli.
3. O fato de a conduta delitiva ter sido perpetrada em circunstância de entrevero/contenda entre autor e vítima não possui o condão de afastar a tipicidade formal ou material do crime de ameaça. Ao contrário, segundo as regras de experiência comum, delitos dessa estirpe tendem a acontecer justamente em eventos de discussão, desentendimento, desavença ou disputa entre os indivíduos.
4. O crime de ameaça é formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização.
5. Ordem denegada."
(STJ, 6ª Turma, HC 437730 / DF, Relator(a) Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (1131), DJe 01/08/2018).
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;" - grifei
“PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE EM SEDE DE JULGAMENTO DE RECURSO. ART. 383, CPC. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA O ART. 2º, I, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE E AUTORIA. PROVA SUFICIENTE. DOSIMETRIA. REVISÃO EM FUNÇÃO DA MUDANÇA DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA. APELO DEFENSIVO DESPROVIDO.
1- A capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal (art. 383, CPP).
1.1- A emendatio libelli é admitida em segundo grau, conforme expressamente previsto no art. 617 do Código de Processo Penal, observada a vedação de reformatio in pejus.
2 – A conduta descrita na denúncia não se enquadra no tipo do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, pois, na hipótese, não se verifica que o réu tenha suprimido (ou reduzido) tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas e constituídas integralmente, quando da apresentação das Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTFs) pela contribuinte. A fraude, portanto, teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo constituído, mas eximir-se do seu devido pagamento, mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de créditos aptos e válidos para compensação tributária.
2.2 - A imputação contida na denúncia refere-se, exclusivamente, à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, da Lei nº 8.137/90. Desclassificação promovida de ofício.
3 – Materialidade, autoria e dolo comprovados por meio da prova produzida nos autos.
4- Dosimetria. Revisão das reprimendas impostas, em função da mudança da capitulação jurídica.
5 - Apelo defensivo desprovido.”
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRELIMINARES. ANPP. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ART. 400, §1º, CPP. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 2º, I, DA LEI Nº 8.137/90. EMENDATIO LIBELLI. ART. 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO DEMONSTRADO. REDUÇÃO DA PENA-BASE. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A capitulação jurídica contida na denúncia é sempre provisória, cabendo ao julgador, no momento da prolação da sentença, verificar a adequação dos fatos comprovados na instrução penal ao tipo indicado na inicial acusatória, sendo perfeitamente válida sua readequação (emendatio libelli), respeitados os limites impostos pela norma processual penal. Além disso, não há qualquer óbice ao poder do Tribunal em aplicar aludido instituto, nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal.
2. Caso concreto em que não houve supressão ou redução de tributos, por meio de ato fraudulento, já que as exações foram declaradas e constituídas integralmente pela contribuinte. A fraude, nos termos da denúncia, teria se dado com o fim não de suprimir ou reduzir o tributo, mas de eximir a contribuinte do seu devido pagamento, mediante a prestação de informação falsa acerca da existência de créditos com aptidão para a compensação tributária.
2.1. Imputação contida na denúncia que se refere, exclusivamente, à fraude subsequente ao lançamento, tendente a eximir o contribuinte do pagamento dos tributos devidos, conduta que se amolda, com precisão, ao tipo previsto no art. 2º, I, c.c. o art. 12, I, ambos da Lei nº 8.137/90.
3. Materialidade e autoria comprovadas pela prova documental e oral produzida nos autos.
4. Dolo do agente inequívoco. Compensação tributária requerida com base em créditos sabidamente inexistentes, para eximir a pessoa jurídica contribuinte do pagamento das exações devidas.
4.1. A obtenção de vantagem econômica em razão do delito praticado é absolutamente irrelevante à tipificação penal.
5 . Erro de proibição não configurado. Dizer que o réu não teria potencial conhecimento da ilicitude, ou seja, que nem sequer poderia conhecer a natureza jurídica delitiva de sua conduta seria partir de pressuposição incompatível com os fatos do caso, e mesmo com a realidade fática em geral.
6. Dosimetria. Pena-base reduzida ao mínimo legal. Caso dos autos em que a circunstância de o réu ser advogado, no caso concreto, não desvelou maior reprovabilidade de sua conduta, já que sua formação acadêmica e seus conhecimentos jurídicos não foram utilizados como forma de tornar a fraude empregada excepcionalmente elaborada.
7 - Apelo defensivo parcialmente provido.