Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007440-81.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ OKUNO - SP391225-A, EMIDIO ANTONIO FERRAO - SP321043-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007440-81.2020.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA

Advogados do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ OKUNO - SP391225-A, EMIDIO ANTONIO FERRAO - SP321043-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de apelação criminal interposta por ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que a condenou pela prática do crime previsto no art. 304 c/c art. 299 do CP.

A defesa recusou a proposta de ANPP formulada pelo Ministério Público Federal (ID 280457218 – pag. 9 e 280457283 – pag. 18).

Narra a denúncia (ID 280457213):

 

“Em 25 de março de 2019, perante o Conselho Regional de Medicina do Estado de Mato Grosso do Sul, ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA fez uso, de forma livre e consciente, do diploma de conclusão do curso de medicina com carimbo de revalidação falso a fim de obter registro para atuar como médica (documento 51, pág. 11).

Em 11 de março de 2019, ADRIANA apresentou perante a Universidade Federal do Rio Grande do Norte documento público materialmente falso, consistente em impressão de página do sítio eletrônico do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeiras – INEP indicando falsamente sua aprovação no exame Revalida de 2017 (doc. 1.1, pág. 13-14).

De modo a garantir a expedição do documento falso a ADRIANA e outras seis pessoas, dias antes, em 18 de fevereiro de 2019, o Setor de Registro e Expedição de Documento (SeRED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte recebeu ofício SEI 0392275, com lista falsa oriunda do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeiras – INEP, oriundo do e-mail sistemarevalida@inep-revalida.online com dados de sete pessoas supostamente aprovadas no Revalida 2017, incluindo o nome da denunciada (doc. 1, fl. 31).

Segundo consta, ADRIANA sequer inscreveu-se no Revalida 2017 (doc. 1, pág. 6). Dessa forma, por evidente, também não recebeu ensalamento, caderno de provas, folha de gabarito. Não obstante, em 13 de março de 2019, o diploma foi registrado e revalidado, sob n. 134.718, pela UFRN (doc. 1.1, pág. 24). Dias depois o documento foi apresentado ao CRM-MS.

Em sua defesa, ADRIANA sustenta que foi vítima de intercorrências ocorridas na segunda fase do Revalida, quando foram afetados 46 dos candidatos que prestavam prova em Brasília, bem como da falta de lisura e transparência do certame (doc 32-32.7). Não obstante, conforme documento que junta pretendendo comprovar as suas alegações, a denunciada teria feito a segunda fase do Revalida em São Luís (doc. 32.1, pág. 1).

Ademais, no referido documento, consta que a Instituição de Ensino Superior escolhida para revalidar o diploma seria a Universidade Federal do Amapá, quando os documentos fraudados foram encaminhados para a UFRN, conforme referido. Não bastasse isso, o documento com que pretende comprovar a regular inscrição da denunciada no Revalida também apresenta erro com relação à data do pagamento da taxa referente à prova de habilidades clínicas, pois consta que o referido boleto foi pago em 11 de outubro de 2017 (doc. 32.1, pág. 2), embora tenha sido disponibilizado para pagamento apenas um ano depois, em 11 de outubro de 2018, conforme editais do INEP (documento 36, página 10).

O falso comprovante acima referido, juntado no documento 32.1, pág. 1-2, também difere daquele apresentado perante a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 11/03/2019 (doc. 1.1, pág. 13-14), onde o nome da denunciada está incorreto (SANROS, ao invés de Santos) e a universidade para revalidar o diploma já consta como UFRN. A falsificação deu ensejo também a registro secundário no CRM de Maranhão, conforme documento 51, pág. 35, atualmente com suspensão total permanente. Nesse mesmo Estado, ADRIANA foi condenada nas penas do artigo 290 do Código Eleitoral, em primeira instância, embora tenha sido reconhecida a prescrição, in concreto, da pretensão punitiva em grau recursal (documento 37, pág. 1 e 8).

Conclui-se que, assim agindo, ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA incorreu no crime de uso de documento público ideologicamente falso, tipificado no art. 304 c/c. art. 299 ambos do Código Penal”.

 

Denúncia recebida em 05/04/2021 (ID 280457312).

Após regular instrução, o Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS proferiu a sentença ID 280457869, publicada em 06/09/2023, que condenou ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA pela prática do crime previsto no art. 304 c/c art. 299 do CP, à pena de 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias multa no valor unitário mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade. Por fim, a ré foi condenada ao pagamento das custas processuais.

A defesa interpôs apelação. Preliminarmente, alega cerceamento de defesa em razão do indeferimento de diligências requeridas na fase do art. 402 do CPP. A defesa aponta a nulidade da prova consistente no ofício nº 0409916/2019/CGCQES/DAES-INEP, redigido pela servidora do INEP Sueli de Machado, pois em juízo a testemunha não confirmou a abertura de sindicância no órgão. No mérito, pugna pela absolvição por ausência de dolo e por insuficiência probatória, com base no princípio in dubio pro reo. Alega, ainda, a atipicidade da conduta uma vez que o documento apontado como falso não possui potencialidade lesiva, não sendo capaz de iludir o destinatário, e ressalta que fotocópias não são tidas como documentos para fins penais. Por fim, requer “o expresso pronunciamento judicial acerca do prequestionamento determinado nos artigos 102, inciso III, alínea a, e artigo 105, inciso III, alíneas a e c, ambos da Constituição Federal” (ID 280457870).

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (ID 280457874).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento da apelação (ID 280661538).

É o relatório.

À revisão.

 

 


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V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço da apelação interposta por ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA.

Preliminarmente – Da alegação de cerceamento de defesa

Em seu apelo, a defesa se insurge em face do indeferimento de diligências requeridas na fase do art. 402 do CPP e aponta nulidade por cerceamento de defesa. Além disso, alega a nulidade da prova consistente no ofício nº 0409916/2019/CGCQES/DAES-INEP, redigido pela servidora do INEP Sueli de Machado, pois em juízo a testemunha não confirmou a abertura de sindicância no órgão.

Encerrada a instrução criminal, a defesa pleiteou a expedição de ofício ao INEP para que informasse: “a) a PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL da época onde conste a relação de todos os candidatos inscritos e aprovados no certame Revalida 2017 em sua primeira fase; b) a PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL da época, onde conste a relação de todos os candidatos inscritos e aprovados no certame Revalida 2017 em sua segunda fase; c) que seja acostado aos autos as mídias de áudio e vídeo das provas e exames, tantos as de primeira, como as de segunda fase, dos exames do certame REVALIDA 2017 que foram aplicados pela banca examinadora CEBRASPE”. Segundo a defesa, a acusação está baseada em documento produzido pelo INEP, que, por sua vez, não assegurou à ré o direito ao contraditório e à ampla defesa no curso do procedimento administrativo (ID 280457846).

O pedido foi assim indeferido (ID 280457847):

 

“Indefiro o pedido ID 294365906.

Quanto à publicação no DOU da relação dos inscritos e aprovados no Revalida 2017, 1ª e 2ª fases, a defesa poderia ter trazido tal documentação aos autos desde o início do processo, visto que a informação de que a ré não se inscreveu no Revalida 2017 consta na denúncia.

Com relação às mídias de áudio e vídeo de todas as provas e exames aplicados na 1ª e 2ª fases do Revalida 2017, a defesa não esclarece o objetivo dessa prova nem a circunstância/fato surgido na instrução que justificaria tal diligência.

Assim, por não se enquadrar na hipótese do art. 402, CPP, indefiro o pedido de id 294365906.

Dê-se vista ao MPF para alegações finais e, em seguida, à defesa para igual finalidade.

Com a juntada das razões finais da defesa, venham os autos conclusos para julgamento”.

 

O Juízo, enquanto destinatário da prova, poderá indeferir fundamentadamente as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Desse modo, cabe à parte demonstrar a imprescindibilidade da prova requerida, mediante o cotejo com o quadro probatório já existente no feito.

Acrescente-se que o pedido de expedição de ofício ao INEP foi formulado após a colheita de provas, na fase do art. 402 do CPP. Ocorre que desde a instauração da ação penal a defesa tem plena ciência do ofício emitido pelo INEP atestando que a ré não fez inscrição para a realização do exame REVALIDA 2017. Sem dúvida, a necessidade da diligência requerida não se originou de circunstâncias ou fatos apurados na instrução, tal como preconiza o art. 402 do CPP.

Outrossim, a defesa poderia por outros meios comprovar a participação e aprovação da ré no REVALIDA 2017, não sendo imprescindível o deferimento da diligência requerida. Há, na verdade, uma tentativa de transferência do ônus de produção de prova para embasar a tese defensiva. Nos termos do art. 156 do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo certo que, no caso concreto, a ré tinha a seu alcance meios disponíveis para comprovar a alegada aprovação no exame REVALIDA 2017.

No tocante à alegação de que o INEP não oportunizou à apelante o direito de se defender no processo administrativo, consigne-se que, por força da independência das instâncias, eventuais irregularidades em procedimentos extrajudiciais não são capazes de contaminar a ação penal, sobretudo porque no caso concreto foram observados os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Por essas razões, afasto a preliminar arguida.

Do mérito

Art. 304 c/c art. 299 do CP

A materialidade delitiva está comprovada pelo procedimento administrativo nº 01/2019 instaurado pelo CRM-MS (ID 280457214 – pag. 3 e seguintes), do qual se destaca o ofício nº 0409916/2019/CGCQES/DAES-INEP, de 11/09/2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, atestando que ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA, CPF 550.970.493-49, não foi inscrita para o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos – REVALIDA 2017 (ID 280457214 – 6/8); documentos falsos que embasaram a revalidação por parte da Universidade Federal do Rio Grande do Norte do diploma médico expedido por instituição de ensino estrangeira de ensino superior (ID 280457217 – pag. 2/7); requerimento de inscrição no CRM-MS (ID 280457309 – pag. 15); diploma de “medico cirujano” expedido pela Universidad Politécnica y Artistica da República del Paraguay contendo o registro de Revalidação feito pela reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que foi utilizado no CRM-MS (ID 280457309 – pag. 22/25); ofício nº 0479626/2020 do INEP informando que ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA não consta da lista de aprovados do REVALIDA 2017 (ID 280457308 – pag. 17/19), e prova oral produzida em juízo (ID 280457592 e 280457722).

Esses elementos comprovam a falsidade ideológica do registro de revalidação do diploma de graduação no curso de medicina em instituição de ensino estrangeira, feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte com base em documentação inidônea, e o uso do diploma contendo o apostilamento da revalidação ideologicamente falso perante o CRM-MS em 25/03/2019.

Em 18/02/2019 e 19/02/2019, o setor de Registro e Expedição de Documentos (Sered) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte recebeu do endereço de e-mail  sistemarevalida@inep-revalida.online listas falsas supostamente emitidas pelo INEP com dados de dez pessoas que teriam sido aprovadas no Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos – REVALIDA 2017, e que teriam optado por revalidar os respectivos diplomas junto àquela instituição de ensino. A Universidade realizou o apostilamento das revalidações e, entre 21/02/2019 e 13/03/2019, entregou os diplomas revalidados aos graduados supostamente aprovados no exame de revalidação (ID 280457214 – pag. 30).

Os documentos falsos que foram anexados ao e-mail enviado por sistemarevalida@inep-revalida.online à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e que serviram de suporte para o apostilamento da revalidação, estão acostados no ID 280457217 – pag. 2/5.

Em 25/03/2019, ADRIANA RAQUEL requereu a inscrição profissional no Conselho Regional de Medicina do Mato Grosso do Sul e apresentou o diploma contendo o registro de revalidação ideologicamente falso. O registro médico foi deferido.

Em 11/09/2019, o INEP informou à Universidade Federal do Rio Grande do Norte que os dez participantes que tiveram seus diplomas revalidados não haviam sido aprovados no exame REVALIDA 2017, sendo que alguns sequer realizaram a inscrição para o exame, como é o caso da apelante ADRIANA RAQUEL. No ofício encaminhado pelo INEP (ID 280457214 – pag. 6/8) são apontadas diversas inconsistências nos documentos que serviram de base para o registro da revalidação dos diplomas pela UFRN. O INEP atestou categoricamente a falsidade daquela lista de aprovados no exame REVALIDA, edição 2017, recebida pela UFRN.

No ofício nº 0479626/2020, o INEP reiterou que ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA não consta da lista de aprovados do REVALIDA 2017 (ID 280457308 – pag. 17/19).

Portanto, está demonstrada a falsidade ideológica da revalidação do diploma realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, uma vez que amparada em documentos falsos.

Diante disso, a UFRN anulou o registro de revalidação do diploma de ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA e comunicou esse fato ao CRM-MS, que por sua vez instaurou procedimento administrativo em face da médica, que culminou com o cancelamento do registro profissional (ID 280457308 – pag. 24).

Em juízo, foram ouvidas as testemunhas João Vicente Rego Costa,Ângela Maria Paiva Cruz, Andressa Medeiros Pereira de Albuquerque, Marcelo Dantas Cavalcanti, Fernanda Marsaro dos Santos e Sueli Macedo Silveira.

João Vicente Rego Costa, Chefe do Setor de Registro e Expedição de Documentos da UFRN, declarou que a instituição de ensino recebeu um ofício, através do e-mail institucional, supostamente enviado pelo INEP, com o resultado do Revalida 2017. A equipe recebeu e verificou a lista dos aprovados. Tratava-se de um documento semelhante ao que o INEP enviou nos anos anteriores. O documento foi impresso e remetido para a pró-Reitoria de Graduação. Posteriormente, receberam um ofício circular do INEP, informando que houve tentativa de fraude através de determinado e-mail. Verificaram que foi justamente o e-mail que tinham recebido no setor, constando o nome de 7 pessoas. Confirma que o diploma foi revalidado. A revalidação é um processo rápido. A parte de análise acadêmica é feita pelo INEP. Os participantes fazem uma prova teórica e uma prova prática. Após aprovados, eles optam pela universidade que pretendem revalidar. A fraude foi descoberta quando o INEP alertou as instituições. Foram verificar, e era o e-mail noticiado no ofício do INEP. A partir daí, seguiram as orientações, comunicaram o INEP e procederam à anulação do registro de revalidação. Houve a anulação da revalidação. Em resposta às perguntas da defesa, afirmou que o procedimento consiste em conferir se há autenticação do diploma pelo órgão competente, equivalente ao MEC no Brasil, e juntar no processo que derivou do Revalida. O INEP assumiu toda essa conferência, e destinou para as universidades só o registro. Na universidade, faziam a conferência da lista que enviada por e-mail. De 2014 a 2017, o canal de comunicação era o e-mail. Atualmente é feito por um sistema acessível através de login e senha, onde verificam os aprovados.

Ângela Maria Paiva Cruz, ex-Reitora da UFRN, declarou que havia um termo de adesão da universidade ao processo Revalida do INEP. Não se recorda se havia um canal de comunicação entre a universidade e o INEP para conferência de documentos. Não lembra se ao entregar os documentos o requerente assina um termo de ciência de que isso não garante a revalidação. Não sabe dizer se houve instauração de processo administrativo para apurar eventuais fraudes. Não sabe se a portaria que anulou a revalidação foi anulada pelo TRF. Era reitora em 2017, celebrou o termo de adesão com o INEP.

Andressa Medeiros Pereira de Albuquerque, Diretora-Adjunta da Diretoria de Assuntos Acadêmicos, declarou que os documentos entregues à universidade são analisados, mas não há conferência externa. Só analisam se existem todos os selos, se aparentemente são autênticos. O requerimento padrão da UFRN tem um termo de ciência de que a simples entrega não garante a revalidação. Pode não ser deferida a revalidação. Os documentos da ré foram conferidos. Na época, o procedimento era o INEP enviar o e-mail com a confirmação de todas as pessoas que passaram no Revalida, e nesse e-mail constava o nome da Adriana. Depois o INEP enviou outro e-mail informando que havia fraude. A UFRN entrou em contato com o INEP para confirmar os candidatos que haviam feito a revalidação. Descobriram que não se tratava de um documento oficial. Não tinham o hábito de confirmar, nem tinha um site que pudessem fazer a conferência, que pudessem verificar a veracidade. O documento recebido pela universidade parecia com os outros. Só depois perceberam que o e-mail recebido não era da mesma origem. Hoje tem conhecimento de que existe um canal de correspondência ativa para conferência de documentos. Não houve instauração de processo administrativo para apurar eventual fraude. O cancelamento da revalidação se deu de ofício, por orientação do INEP. Não tem conhecimento se o Poder Judiciário anulou essa portaria.

Marcelo Dantas Cavalcanti, servidor da UFRN, declarou que recebeu os documentos, e, a princípio, não havia indício de fraude, gerou o processo e encaminhou os documentos. Tem ciência que os revalidandos assinam um termo de ciência de que a simples entrega de documentos não garante a revalidação. Não sabe dizer o que acontece depois de encaminhar os documentos. Não sabe se tem representante do INEP dentro da Universidade. Não sabe dizer se tem um canal de correspondência entre a universidade e o INEP para conferência dos documentos. Depois que recebeu a intimação e consultou o processo, ficou sabendo que a revalidação da ré foi cancelada. Não tem conhecimento se a portaria que anulou a revalidação foi anulada pelo TRF.

Fernanda Marsaro dos Santos, servidora cedida para o INEP na época do fato, declarou que havia deixado a chefia de gabinete e ocupava o cargo de coordenadora-geral de controle de qualidade, que cuidava de toda a parte do Revalida. Elaboraram uma nota técnica, que explicava o caso. Fizeram um comparativo entre os estudantes que haviam conseguido revalidar o diploma e os que haviam de fato passado no exame. O que chamou a atenção, não foi o único caso, foi que a sra. Adriana não havia nem se inscrito. Alguns tentaram e não passaram, mas ela nem se inscreveu. O INEP tomou conhecimento do fato e resolveu comunicar as autoridades. Numa edição seguinte, já tendo o diploma revalidado, apresentou o mesmo diploma e se inscreveu em um novo Revalida. A partir disso comunicaram a Polícia Federal. Havia a contratação de uma banca por meio de pregão, se não se engana foi a Cesgranrio. Tinha uma equipe contratada, com acompanhamento e supervisão de funcionários do INEP, e no Sistema Revalida havia a lista de aprovados, convocados, recursos. Recorda-se da questão do boleto, havia uma discrepância entre as datas no boleto, constava uma data que sequer tinha sido disponibilizada para pagamento. A ré tentou a revalidação do diploma por meio do Revalida em 2020. Os documentos eram gerados no SEI, as assinaturas eram digitais. Em resposta às perguntas da defesa, declarou que não sabe por que não houve a publicidade dos inscritos e dos aprovados. Não tem conhecimento da nota técnica da Cebraspe acerca da ocorrência de inconsistências no sistema, no Revalida 2017. A aprovação no Revalida em suas duas etapas garante a revalidação, desde que apresentados os documentos a uma universidade listada. Não tem conhecimento se a universidade pode negar a revalidação pelo Revalida. O INEP tem responsabilidade pelo Revalida. Acredita que o resultado final foi publicado. Não se recorda se houve sindicância antes da circular emitida pelo INEP para a UFRN. A conferência dos documentos é da universidade. Existe uma comunicação constante entre as universidades e o INEP. 

Sueli Macedo Silveira, servidora aposentada do INEP, não recorda dos fatos objeto da denúncia. Esclareceu que o INEP era responsável pela aplicação das provas teórica e prática do Revalida, sendo que a revalidação do diploma ficava a cargo das universidades. As provas eram aplicadas por uma empresa contratada.

Em juízo, a ré exerceu seu direito de permanecer em silêncio.

A prova documental e a prova oral produzida em juízo demonstram que a ré não participou do exame REVALIDA 2017. O documento ID 280457214 – pag. 6/8 deixa claro que ADRIANA RAQUEL não se inscreveu e, portanto, não foi aprovada no exame de revalidação.

A inexistência de sindicância, ou qualquer tipo de procedimento administrativo no âmbito do INEP não invalida as provas carreadas aos autos, que demonstram cabalmente que ADRIANA não foi aprovada no exame REVALIDA 2017, sendo, portanto, falso o registro de revalidação constante em seu diploma. O dolo da ré é evidente. ADRIANA tinha plena ciência da falsidade ideológica do registro de revalidação, tendo em vista que não realizou o exame REVALIDA edição 2017.

Nos ofícios ID 280457214 – pag. 6/8 e 280457308 – pag. 17/19 o INEP atestou que a apelante não estava inscrita no exame REVALIDA 2017 e que seu nome não constava da lista de aprovados. Na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, esses documentos foram confirmados pela prova oral. Além disso, importante salientar que tais documentos elaborados pelo INEP gozam de presunção relativa de legitimidade e veracidade, não afastada pela prova produzida nos autos.

A defesa insiste na necessidade de expedição de ofício ao INEP para encaminhamento da publicação do Diário Oficial da União com o nome dos aprovados. Também insiste na necessidade de requerer ao órgão público o envio de imagens que comprovariam a presença da ré durante a realização do exame.

Ora, se a apelante realmente tivesse sido aprovada nas provas teórica e prática do REVALIDA 2017, certamente teria à sua disposição elementos que pudessem comprovar esse fato, tais como convocação para o exame com local, data e horário, comprovante de pagamento das taxas, caderno de questões, etc, todavia nada nesse sentido foi apresentado.

Ainda que a lista de aprovados no exame não tenha sido publicada no Diário Oficial da União, a apelante poderia acessar, através de seu CPF e senha, o sistema Gov.br, onde o resultado do exame foi disponibilizado e, dessa forma, comprovar sua alegação de realização do exame e aprovação.

Em notícia publicada em 04/04/2019 no portal do Ministério da Educação (portalmec.gov.br) consta que os resultados finais da segunda etapa do REVALIDA 2017 estão disponíveis aos participantes no Sistema Revalida (“Inep divulga resultado da etapa final do Revalida 2017 - MEC”). Na mesma página é possível clicar no link para o sistema REVALIDA, acessível através de CPF e senha do participante. Todavia, a defesa não demonstrou nos autos a impossibilidade de obtenção dessa informação, limitando-se a requerer de forma extemporânea, na fase do art. 402 do CPP, a expedição de ofício ao INEP.

Não é demais reforçar que, conforme a prova documental produzida nos autos, o INEP atestou que ADRIANA RAQUEL não consta da lista de aprovados no REVALIDA 2017, pois a apelante sequer realizou a inscrição para o exame.

Os “prints” apresentados pela defesa estão eivados de inconsistências e, portanto, não são aptos a afastar o sólido conjunto probatório que demonstra a utilização por parte da ré de documento ideologicamente falso. Aliás, esses “prints” sequer são capazes de suscitar dúvida neste julgador. Neles constam que o pagamento da taxa de inscrição para a prova de habilidades clínicas ocorreu um ano antes da efetiva disponibilização do boleto pelo INEP. Consta, ainda, dos “prints” trazidos pela defesa que ADRIANA teria selecionado a Universidade Federal do Amapá para revalidação do diploma, mas os documentos inidôneos foram encaminhados para a Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Meras alegações sobre supostas intercorrências durante o REVALIDA 2017, desprovidas de comprovação, também não enfraquecem o acervo probatório.

Quanto à alegação de atipicidade da conduta por ausência de potencialidade lesiva do documento falso, a defesa argumenta:

 

“Todavia, ao fundamentar a condenação em sua sentença, o Magistrado a quo se equivocou, quando afirmou que o documento apresentado junto à Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN para que se obtivesse a revalidação no diploma era um documento que padecia de elementos que lhe garantia um mínimo de autenticidade, inclusive classificando o documento como TOSCO, e finalizando sua fundamentação, que custava a crer que as circunstâncias apontadas  para sua inautenticidade possam ter passado despercebidas”.

 

Necessário esclarecer que a apelante não foi denunciada por fazer uso de documentos falsos junto à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, mas apenas pela apresentação de diploma de graduação em medicina contendo o apostilamento de revalidação ideologicamente falso.

A referência na sentença a documentos “toscos” e grosseiramente falsificados diz respeito aos papéis encaminhados por correio eletrônico à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e não em relação ao diploma original utilizado pela ré perante o CRM-MS, contendo a revalidação ideologicamente falsa, conduta que se amolda ao tipo penal do art. 304 c/c art. 299 do CP.

Segundo o magistrado, os sinais evidentes de inautenticidade dos papéis encaminhados à UFRN, informando a aprovação da ré no exame REVALIDA 2017, apenas corroboram o fato de que ADRIANA não foi aprovada naquele exame, sendo, portanto, ideologicamente falso o apostilamento da revalidação do diploma. Mas, como bem constou da sentença, o uso de documentos falsos perante a Universidade Federal do Rio Grande do Norte não é objeto desta ação penal. Confira-se:

 

“Analisando-se os documentos encaminhados à UFRN por meio da citada conta de correio eletrônico, vê-se que, ao menos no caso do ofício que relaciona o nome da ré como aprovada no Revalida-2017 (p. 2 do ID 41997817), o documento padece de elementos que lhe garanta um mínimo autenticidade.

Esse documento, aliás, é bastante tosco, e custa a crer que as circunstâncias que apontam para a sua inautenticidade do documento tenham passado despercebidas, já que são gritantes, mas este não é o objeto sob análise nesta ação penal”.

 

Já em relação aos “prints” apresentados pela defesa, que comprovariam a participação no REVALIDA 2017, o Juízo de origem apontou inconsistências que retiram seu valor probatório. Portanto, afasto a alegação de atipicidade da conduta, já que esses papéis foram juntados na ação penal com o intuito de comprovar a tese defensiva, de que a ré teria participado e sido aprovada no REVALIDA 2017. Não se trata, portanto, do objeto da ação penal.

Desse modo, reputo suficientemente demonstrados a materialidade, autoria e dolo da acusada, impondo-se a manutenção da condenação pela prática do delito previsto no art. 304 c/c art. 299 do CP.

Da dosimetria

Na primeira fase, a pena-base foi fixada no patamar mínimo legal, a saber, 1 ano de reclusão.

Na segunda etapa, não incidiram circunstâncias agravantes nem atenuantes.

Na terceira fase, sem causas de aumento e de diminuição.

Pena definitivamente fixada em 1 ano de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias multa no valor unitário mínimo legal.

Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena de prestação de serviços à comunidade.

Dispositivo

Pelo exposto, nego provimento à apelação de ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA.

É o voto.

 

 

 

 



E M E N T A

 

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 304 C/C ART. 299 DO CP. USO PERANTE O CRM/MS DE DIPLOMA COM REGISTRO DE REVALIDAÇÃO IDEOLOGICAMENTE FALSO. PRELIMINAR AFASTADA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. RECURSO DESPROVIDO.

O Juízo, enquanto destinatário da prova, poderá indeferir fundamentadamente as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. Além disso, a necessidade da diligência requerida não se originou de circunstâncias ou fatos apurados na instrução, tal como preconiza o art. 402 do CPP.

A defesa poderia por outros meios comprovar a participação e aprovação da ré no REVALIDA 2017, não sendo imprescindível o deferimento da diligência requerida.

O registro de revalidação do diploma de graduação no curso de medicina em instituição de ensino estrangeira foi feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte com base em documentação inidônea, sendo, portanto, ideologicamente falso. A ré, dolosamente, usou o diploma contendo o apostilamento da revalidação ideologicamente falso perante o CRM-MS em 25/03/2019 com o intuito de obter o registro profissional.

A prova documental e a prova oral produzida em juízo demonstram que a ré não participou do exame REVALIDA 2017, e, portanto, não foi aprovada no exame de revalidação.

A inexistência de sindicância, ou qualquer tipo de procedimento administrativo no âmbito do INEP não invalida as provas carreadas aos autos, que demonstram cabalmente que a denunciada não foi aprovada no exame REVALIDA 2017, sendo, portanto, falso o registro de revalidação constante em seu diploma. O dolo da ré é evidente. A apelante tinha plena ciência da falsidade ideológica do registro de revalidação, tendo em vista que não realizou o exame REVALIDA edição 2017.

Mantida a condenação pela prática do delito previsto no art. 304 c/c art. 299 do CP.

Apelação da defesa desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação de ADRIANA RAQUEL SANTOS DE SOUSA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.