AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021002-81.2021.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AUTOR: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO
REU: PEDRO ARABIAN
Advogados do(a) REU: ANDRE PAULO PUPO ALAYON - SP93250-A, CESAR AKIO FURUKAWA - SP130534-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021002-81.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AUTOR: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO REU: PEDRO ARABIAN Advogados do(a) REU: ANDRE PAULO PUPO ALAYON - SP93250-A, CESAR AKIO FURUKAWA - SP130534-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO com fulcro no art. 525, § 15º e no art. 535, § 8º do CPC/2015, objetivando a desconstituição da coisa julgada formada nos autos da ação n. 0013297-98.1994.4.03.6100. Sustenta a parte autora, em síntese, que o julgado rescindendo entendeu que o ora réu, Pedro Arabian, estava abrangido pelo Regime Jurídico Único estabelecido na Lei nº 8.112/1990, pois os Conselhos de Fiscalização Profissional estariam inseridos na estrutura orgânica da União Federal. Todavia, o e.STF, em sede de controle direto de constitucionalidade, acabou por firmar entendimento diverso, no sentido de que a contratação de funcionários pelos Conselhos de Fiscalização Profissional é regida pelo regime celetista. Assevera que a decisão rescindenda transitou em julgado em 16/06/2016, sendo, portanto, atendido o prazo decadencial previsto no art. 525, § 15º e e no art. 535, § 8º, do CPC/2015, pois a ADC 36, ADI 5367 e a ADPF 367 tiveram as decisões transitadas em julgado em 24/11/2020 (a primeira) e 04/12/2020 (as duas últimas). Menciona que as decisões proferidas pelo STF impossibilitaram o cumprimento do julgado rescindendo, pois afastaram da União o ônus de criar mecanismos legislativos para implantação do Regime Jurídico Único no âmbito dos Conselhos de Fiscalização Profissional. Afirma, no mais, que “em que pese o Réu fazer jus a estabilidade prevista no artigo 19 da ADCT, conforme recentes julgados do Supremo Tribunal Federal (ARE 1330595 e ARE 1269747) o seu regime de trabalho não deve ser regido pela Lei nº 8.112/90”. Foi indeferido pedido de tutela de urgência (pedido de que se obstasse o prosseguimento do cumprimento de sentença n. 5023470-56.2018.4.03.6100), conforme se observa no Id. 272503660. O réu apresentou contestação (Id. 274572327). Afirma que ingressou no quadro de funcionários do conselho autor em 20/10/1982 e foi dispensado em 30/11/1993, já contando com mais de 5 anos de trabalho após a promulgação da Constituição de 1988. Com fundamento no art. 19 do ADCT, ingressou com ação judicial visando ao reconhecimento da sua estabilidade e a reintegração ao cargo. Obteve provimento favorável em segunda instância. Foi interposto Recurso Especial contra referido acórdão, mas, ausente o efeito suspensivo, deu-se início ao cumprimento de sentença provisório (nº 0026455-88.2015.403.6100), objetivando a reintegração ao cargo, que se consumou em 09/05/2016. O trânsito em julgado ocorreu em 16/06/2016. Iniciou-se então o cumprimento de sentença definitivo (nº 5023470-56.2018.4.03.6100), tendo como objeto o recebimento dos vencimentos do período em que esteve ilegalmente afastado. Discorre acercas da tentativa do autor de se eximir do cumprimento do julgado, seja quanto ao cargo em que deveria reintegrar o réu, seja quanto aos vencimentos. Argumenta que, em sendo determinada a integração do réu ao regime geral de previdência do INSS, o autor deve ser condenado ao pagamento de todos os benefícios e vantagens inerentes à relação celetista, que não integraram a apuração do débito por observância do acórdão rescindendo. Afirma que lhe causa espécie a mudança de posicionamento do autor no tocante ao cumprimento do acórdão, pois em sede de cumprimento de sentença sustentou tese exatamente oposta (tentou fazer valer a aplicação do regime jurídico único para pagar os vencimentos sem a evolução salarial, por ser ilegal sem a fixação em lei); vale-se, enfim, da conveniência jurídica e econômica, para ora sustentar a validade do acórdão, ora pretender rescindi-lo. Destaca que o acórdão já foi cumprido em grande parte, restando pendente somente o enquadramento ao regime de previdência (próprio ou geral), com vistas à futura aposentadoria do Réu. Ressalta a temática da estabilidade, reconhecida pelo acórdão rescindendo com fundamento no art. 19 do ADCT, matéria que, além de não ser objeto de questionamento, tem posicionamento consolidado em todos os Tribunais. Acrescenta que o objeto da ação rescisória está limitado ao afastamento do enquadramento do réu nos termos da Lei 8.112/1990 e inclusão no Regime Geral de Previdência Social. Assim, eventual rescisão do julgado não pode alcançar as disposições acerca da estabilidade. Apresentada réplica (Id. 276253351) É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021002-81.2021.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AUTOR: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO REU: PEDRO ARABIAN Advogados do(a) REU: ANDRE PAULO PUPO ALAYON - SP93250-A, CESAR AKIO FURUKAWA - SP130534-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Julgo antecipadamente o pedido, nos termos do art. 355, I, do CPC/2015, tendo em vista tratar-se de matéria exclusivamente de direito, não havendo necessidade de produção de outras provas. O ordenamento constitucional de 1988 (notadamente a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004) deu maior impulso aos efeitos de decisões judiciais com a ampliação de vinculações (em controle abstrato de constitucionalidade) e obrigatoriedades (firmadas em mecanismos de precedentes). No plano infraconstitucional, há múltiplos atos legislativos implementando esses mecanismos, com destaque para o Código de Processo Civil assegurando o distinguishing e o overruling (art. 489, § 1º, VI,), bem como prevendo observância obrigatória de Súmulas Vinculantes e de Teses fixadas em Temas por todas as instâncias judiciárias (art. 932 e art. 1.030), revisão das mesmas ao Tribunal que as pronunciou (no rito do art. 927), reclamações (art. 988), retratações (art. 1.041), impugnações ao cumprimento de sentença (art. 525, §1º, III, e §§12 a 14) e ações rescisórias (art. 525, §15, e art. 966, V, §§5º e 6º), dentre outras medidas possíveis. A impugnação ao cumprimento de sentença e a ação rescisória servem para que o órgão competente retifique seu pronunciamento visando ajustá-lo àquele consolidado pelo obrigatório sistema de precedentes ou pelo vinculante entendimento do Pretório Excelso. O mesmo não ocorre se a orientação de tribunais superiores for apenas persuasiva (desprovida de força obrigatória ou vinculante), quando então emergem outros critérios (dentre elas a Súmula 343 do E.STF: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais"). O cabimento da impugnação ao cumprimento de sentença ou da ação rescisória depende da data na qual houve a publicação do pronunciamento do C.STF ou do E.STJ, conforme consta do art. 525 do CPC/2015: Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. § 1º Na impugnação, o executado poderá alegar: (...) III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação; (...) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal , em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. § 13. No caso do § 12, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, em atenção à segurança jurídica. § 14. A decisão do Supremo Tribunal Federal referida no § 12 deve ser anterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. § 15. Se a decisão referida no § 12 for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Assim, em favor de primados do processo como a igualdade, a segurança e a eficiência da prestação jurisdicional, é necessário observar duas circunstâncias para a revisão de julgamento (sentença ou acórdão) transitado em julgado que contraria (no todo ou em parte) pronunciamento do C.STF e do E.STJ no sistema de precedentes (súmulas e demais julgados vinculantes, assim como a ratio decidendi extraída de tema obrigatório): a) se a decisão vinculante ou obrigatória irrecorrível tiver sido publicada antes do trânsito em julgado que a contraria, caberá impugnação ao cumprimento de sentença processada em primeiro grau de jurisdição para ajustá-la ao decidido pelas instâncias extremas (art. 525, §1º, III, e §§12 a 14, do CPC/2015); b) se a publicação da decisão vinculante ou obrigatória irrecorrível for posterior ao trânsito em julgado, caberá ação rescisória no foro competente (art. 525, §15, e art. 966, V, §§5º e 6º, do CPC/2015). A pendência de embargos de declaração interpostos em face de decisão no sistema de precedentes não impede julgamentos por instâncias ordinárias, mas o marco temporal do art. 525, §§ 14 e 15 do CPC/2015 é o dia no qual a decisão do C.STF ou do E.STJ se torna irrecorrível (data do trânsito em julgado, mesmo dos embargos correspondentes), conclusão coerente com o termo inicial do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória previsto no §15 desse artigo. Portanto, não basta a ciência informal do conteúdo de sessões de julgamento do C.STF e do E.STJ, ressalvados casos nos quais há expressa determinação de imediato cumprimento ou outra data indicada em modulação de efeitos no tempo. Por sua vez, antes do trânsito em julgado, a decisão que contraria o sistema de precedentes pode ser ajustada em juízos de retratação, embargos de declaração ou outra via adequada nas instâncias ordinárias. Em qualquer caso, devem ser analisadas a superação (overruling) ou distinção (distinguishing), no todo ou em parte. No caso dos autos, o acórdão rescindendo transitou em julgado em 16/06/2016, sendo que somente posteriormente, em 08/09/2020, foi proferida a decisão do STF no âmbito das ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367. Assim, o prazo para ajuizamento da rescisória é contado a partir do trânsito em julgado das decisões proferidas pelo STF, que, no presente caso, ocorreu em 24/11/2020 (a primeira) e 04/12/2020 (as duas últimas). O prazo foi respeitado, eis que a presente ação foi ajuizada em 10/09/2021. No juízo rescindendo, por força do Decreto-Lei n.º 968/1969, o regime jurídico dos funcionários dos conselhos de fiscalização profissional era celetista, o que foi modificado com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 que, com a subsequente edição da Lei n.º 8.112/1990, instituiu o regime único dos servidores públicos. Assim, tais funcionários tornaram-se estatutários, situação esta que perdurou até a Emenda Constitucional n.º 19/1998, que aboliu o regime único dos servidores públicos. Em decorrência da Emenda nº 19/1998 foi editado o art. 58, §3º da Lei n.º 9.649/1998, instituindo novamente o regime celetista para os servidores dos conselhos de fiscalização profissional, in verbis: Art. 58. (...) § 3o Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta. Por sua vez, ao julgar a ADI 1717/DF, o E.STF declarou a inconstitucionalidade do art. 58, caput e parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º 6º, 7º e 8º da Lei n.º 9.649/98, sustentando que os referidos conselhos de fiscalização possuem natureza de autarquia de regime especial: "DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do "caput" e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime." (ADI 1717/DF-DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, DJ 28/03/2003) Nessa ADI 1717/DF, o E. STF manteve intacto o previsto no §3º do art. 58 da Lei n.º 9.649/1998, preservando a disposição que submetia os funcionários dos conselhos de fiscalização de profissões à legislação trabalhista. Ocorre que, em 02/08/2007, ao proferir decisão na Medida Cautelar na ADI n.º 2.135/DF, o E. STF suspendeu, liminarmente, a vigência do caput do art. 39 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda n.º 19/1998, restabelecendo a redação original do dispositivo, que exigia o regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Tal suspensão, entretanto, produz efeitos ex nunc, preservando as relações jurídicas constituídas sob a legislação editada nos termos da Emenda declarada suspensa, tal qual se confere da ementa do julgado: "MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. 1. A matéria votada em destaque na Câmara dos Deputados no DVS nº 9 não foi aprovada em primeiro turno, pois obteve apenas 298 votos e não os 308 necessários. Manteve-se, assim, o então vigente caput do art. 39, que tratava do regime jurídico único, incompatível com a figura do emprego público. 2. O deslocamento do texto do § 2º do art. 39, nos termos do substitutivo aprovado, para o caput desse mesmo dispositivo representou, assim, uma tentativa de superar a não aprovação do DVS nº 9 e evitar a permanência do regime jurídico único previsto na redação original suprimida, circunstância que permitiu a implementação do contrato de emprego público ainda que à revelia da regra constitucional que exige o quorum de três quintos para aprovação de qualquer mudança constitucional. 3. Pedido de medida cautelar deferido, dessa forma, quanto ao caput do art. 39 da Constituição Federal, ressalvando-se, em decorrência dos efeitos ex nunc da decisão, a subsistência, até o julgamento definitivo da ação, da validade dos atos anteriormente praticados com base em legislações eventualmente editadas durante a vigência do dispositivo ora suspenso. 4. Ação direta julgada prejudicada quanto ao art. 26 da EC 19/98, pelo exaurimento do prazo estipulado para sua vigência. 5. Vícios formais e materiais dos demais dispositivos constitucionais impugnados, todos oriundos da EC 19/98, aparentemente inexistentes ante a constatação de que as mudanças de redação promovidas no curso do processo legislativo não alteraram substancialmente o sentido das proposições ao final aprovadas e de que não há direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. 6. Pedido de medida cautelar parcialmente deferido." (grifei) (ADI 2135 MC, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Relator(a) p/ Acórdão: ELLEN GRACIE (ART.38,IV,b, do RISTF), Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2007, DJe-041 DIVULG 06-03-2008 PUBLIC 07-03-2008 EMENT VOL-02310-01 PP-00081 RTJ VOL-00204-03 PP-01029) É dizer, de todo esse percurso constitucional, legislativo e jurisprudencial, tem-se que até 1988 as contratações dos conselhos profissionais davam-se pela legislação trabalhista; de 1988 até 1998, tais funcionários estavam submetidos ao regime estatutário, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº 19/1998; a partir de então, e com a edição da Lei nº 9.649/1998, restabeleceu-se mais uma vez a legislação trabalhista como lei de regência e, com a suspensão do art. 39 pelo entendimento do E.STF afirmado na ADI 2135 MC, ficou estabelecido que os conselhos profissionais são entidades de direito público (autarquias), que compõem a administração indireta e, como consequência, estão obrigados a contratar seu pessoal através de concurso público. Observa-se que a despeito das várias modificações sobre os preceitos normativos concernentes à contratação de funcionários por conselhos de fiscalização profissional, restou estabelecido, ainda que em decisão de caráter liminar, a natureza de entidade de direito público dessas autarquias, o que atrai a apreciação dessas lides para a competência da Justiça Federal. Nesse sentido já se manifestou o E. STJ: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ALTERAÇÃO DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EC 45/2004. PREVALÊNCIA DA SÚMULA 66 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. REGIME ESTATUTÁRIO. DEMISSÃO. AUSÊNCIA DO REGULAR PROCESSO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. PRECEDENTE DO STF E DO STJ. 1. Permanece incólume a Súmula 66/STJ, embora a Emenda Constitucional 45/2004, ao dar nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, tenha ampliado a competência da Justiça do Trabalho de maneira expressiva, passando a estabelecer, nos incisos I e VII do citado dispositivo, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ""as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios"" e ""as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho"". 2. Com efeito, segundo a orientação da Primeira Seção desta Corte de Justiça, a atividade fiscalizatória exercida pelos conselhos profissionais, decorrente da delegação do poder de polícia, está inserida no âmbito do direito administrativo, não podendo ser considerada relação de trabalho e, consequentemente, não está incluída na esfera de competência da Justiça Trabalhista. 3. Os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público. Precedentes do STF e do STJ. 4. Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, era possível, nos termos do Decreto-Lei 968/1969, a contratação de servidores, pelos conselhos de fiscalização profissional, tanto pelo regime estatutário quanto pelo celetista, situação alterada pelo art. 39, caput, em sua redação original. 4. Para regulamentar o disposto na Constituição, o legislador inseriu na Lei 8.112/1990 o art. 253, § 1º, pelo qual os funcionários celetistas das autarquias federais passaram a ser servidores estatutários, não mais sendo admitida a contratação em regime privado, situação que perdurou até a edição da Emenda Constitucional 19/1998 e da Lei 9.649/1998. 5. No julgamento da ADI 1.717/DF, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a natureza jurídica de direito público dos conselhos fiscalizadores, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 53 da Lei 9.649/98, com exceção do § 3º, cujo exame ficou prejudicado pela superveniente Emenda Constitucional 19, de 4 de junho de 1998, que extinguiu a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único. 6. Em 2 de agosto de 2007, porém, o Supremo Tribunal Federal deferiu parcialmente medida liminar na ADI 2.135/DF, com efeitos ex nunc, para suspender a vigência do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação atribuída pela referida emenda constitucional. Com essa decisão, subsiste, para a administração pública direta, autárquica e fundacional, a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único, ressalvadas as situações consolidadas na vigência da legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. 7. In casu, o agravado foi contratado pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado do Rio Grande do Sul em 5 de junho de 2006, tendo sido demitido em 14 de janeiro de 2013, ou seja, após o mencionado julgamento da Suprema Corte, sem a observância das regras estatutárias então em vigor. Assim, existe ilegalidade na demissão por ausência de prévio processo administrativo, uma vez que, à época do ato, o ora agravado estava submetido ao regime estatutário. 8. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AgRg no AREsp 639.899/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 03/02/2016) Ocorre, entretanto, que em decisão recente, o E.STF apreciou a legalidade do §3º do art. 58 da Lei nº 9.649/1998, que fora mantido intacto no julgamento da ADI 1.717, acima referido. Trata-se do julgamento de três ações do mesmo tema: ADC 36, ADIn 5.367 e ADPF 367. Na ADC 36, pleiteava-se a declaração de constitucionalidade do § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98; na ADI 5.367 sustentava-se que, de acordo com a Constituição Federal, o regime jurídico estatutário é a regra para servidores da administração direta, de autarquias e fundações da União, dos Estados, do DF e dos municípios; e na ADPF 367, foram questionados diversos dispositivos da legislação Federal anterior à Constituição de 1988 que determinam a aplicação da CLT aos empregados de conselhos profissionais. No julgamento conjunto das três ações, assentou-se o entendimento segundo o qual, ainda que esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República (que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas), não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso. Confira-se, por relevante ao presente caso, excerto do voto do Ministro Dias Toffoli: “Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei 968/69, os empregados dos Conselhos de Fiscalização Profissional eram celetistas. Eis o teor do dispositivo: ‘Art. 1º - As entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais que sejam mantidas com recursos próprios e não recebam subvenções ou transferências à conta do orçamento da União, regular-se-ão pela respectiva legislação específica, não se lhes aplicando as normas legais sobre pessoal e demais disposições de caráter-geral, relativas à administração interna das autarquias federais’. Após a Constituição Federal de 1988, houve a instituição do regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas (art. 39), seguido do art. 243 da Lei 8.112/90. Com a EC 19/98, o regime jurídico único foi abolido e a Lei 9.649/98 passou a prever o regime celetista para o quadro de pessoas dos Conselhos Profissionais (art. 58, § 3º). No julgamento da ADI 1.717/DF , o STF declarou prejudicada a ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649/98 e julgou inconstitucionais o art. 58 e seus parágrafos 1°, 2º, 4°, 5°, 6º, 7° e 8°, da Lei 9.649/98, afirmando que os conselhos de fiscalização possuem natureza de autarquia de regime especial , tendo em vista “a indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas”. No julgamento da ADI 2.135-MC , a Corte Suprema deferiu a liminar, com efeito ex nunc , para suspender a validade do caput do art. 39 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 19/98. Assim, a redação original do art. 39 foi repristinada, voltando a viger o regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas. Com efeito, não obstante esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República, que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas, não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso. Como bem assentou o Ministro Alexandre de Moraes , “não existe razão de fundo constitucional a exigir que o legislador equipare o regime dos Conselhos Profissionais ao das autarquias, nesse aspecto”, mormente por se enquadrarem num regime híbrido (autarquias sui generis) que permite a aplicação do direito público de forma mitigada . A característica híbrida dos Conselhos Profissionais autoriza a adoção do regime celetista, sem haver prejuízo à função fiscalizatória do ente, especialmente porque, apesar de terem natureza de pessoa jurídica de direito público (autarquia de regime especial), “gozam de ampla autonomia e independência”, não se submetem a “controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República”, não integram a estrutura orgânica do Estado”, não recebem recursos orçamentários da União e não se sujeitam a aprovação de seu orçamento pelo Congresso Nacional para fixar despesas de pessoal e de administração, como destacado no voto do Ministro Alexandre de Moraes . Ante o exposto, acompanho a divergência iniciada pelo Ministro Alexandre de Moraes e julgo procedente o pedido formulado na ADC 36 e improcedentes os pedidos formulados na ADI 5367 e na ADPF 367.” Todavia, embora autarquias possam contratar por regime celetista, em favor da impessoalidade e da isonomia orienta-se também a admissão do mesmo trabalhador por concurso público, exigência expressa no inciso II do art. 37 da Constituição Federal desde sua redação original (“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” – grifei). Tal determinação foi corroborada com a edição da Lei nº 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, dispondo em seu art. 2º: “A contratação de pessoal para emprego público deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos, conforme a natureza e a complexidade do emprego”. Nesse sentido, a jurisprudência dos tribunais superiores é uníssona no sentido de que as contratações para cargos efetivos por entes públicos feitas após a promulgação da Constituição Federal de 1988 sem a realização de prévio concurso são nulas. Não incide, nesses casos, a exceção prevista no art. 19 do ADCT, que defere a estabilidade a servidores não submetidos a prévio concurso público, mas exige pelo menos 5 anos continuados de efetivo serviço na data de 05/10/1988. Nesse sentido, confiram-se (grifei): AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL EXTRAORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. SITUAÇÃO INCONSTITUCIONAL. 1. Conforme a jurisprudência do STJ, "as situações flagrantemente inconstitucionais não podem e não devem ser superadas ou estabilizadas com eventual decurso do tempo. Não havendo que se falar, assim, em consolidação do ato administrativo. Logo, não incide o instituto da prescrição nas hipóteses em que o Ministério Público busca, por meio de Ação Civil Pública, providências cabíveis para proteger o princípio constitucional do concurso público, visto que o decurso do tempo não tem o condão de convalidar atos de provimento em cargos efetivo sem a devida submissão a concurso público" (EREsp 1518267/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/6/2020, DJe 17/6/2020). 2. Ainda na linha de nossa jurisprudência, "não é possível a extensão da estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT aos servidores contratados sem concurso público após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo igualmente inadmitido invocar o princípio da segurança jurídica ou a decadência administrativa" (AgInt no RMS 61.069/MT, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/3/2020, DJe 25/3/2020). 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 1.968.930/MT, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 30/6/2022.) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DESIGNADO PARA EXERCER FUNÇÃO PÚBLICA. VÍNCULO TEMPORÁRIO E PRECÁRIO. EXONERAÇÃO AD NUTUM. DESNECESSIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. ESTABILIDADE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES DESTA CORTE. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que: i) não é possível a extensão da estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT aos servidores contratados sem concurso público após a promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo igualmente inadmitido invocar o princípio da segurança jurídica ou a decadência administrativa; e ii) não é necessária a instauração de processo administrativo, a fim de assegurar o contraditório e a ampla defesa, para a dispensa de servidor em exercício precário de função pública, sendo legítima a sua dispensa ad nutum. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp 1.454.137/MT, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 21/03/2019; AgInt no REsp 1.388.644/MT, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 07/12/2018; RMS 56.774/PA, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/05/2018; RMS 50.000/PA, Rel. Min. Diva Malerbi (Des. Convocada do TRF da 3ª Região), Segunda Turma, DJe 22/06/2016; RMS 44.341/PB, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 23/09/2014. 2. Agravo interno não provido. (AgInt no RMS n. 61.069/MT, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 23/3/2020, DJe de 25/3/2020.) ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES COMISSIONADOS. CONTRATAÇÃO APÓS A CF/88. ESTABILIDADE EXCEPCIONAL. ART. 19 DO ADCT. INEXISTÊNCIA. CONVALIDAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO DOS PARTICULARES DESPROVIDO. 1. Na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos precedentes desta Corte Superior, não é possível estender a estabilidade excepcional do art. 19 do ADCT aos Servidores contratados sem concurso público após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (RMS 50.000/PA, Rel. Min. DIVA MALERBI, DJe 22.6.2016). 2. Agravo Interno dos Particulares desprovido. (AgInt no RMS n. 44.213/PA, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 5/3/2018.) No caso dos autos, o acórdão rescindendo foi proferido nos seguintes termos: “Servidor. Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas. ADCT, art. 19. Vínculo jurídico. Requisitos. Lei n. 9.649/98, art. 58, § 3º. Concurso Público. Exigibilidade. A Constituição da República de 1988, em seu art. 39, caput, instituiu o Regime Jurídico Único. Por sua vez, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 19, caput, considera estáveis no serviço público os servidores que, na data da promulgação da constituição (05.10.88), haviam então completados pelo menos 5 (cinco) anos continuados de exercício no cargo, ainda que não tenham sido admitidos mediante concurso público (CR, art. 37, II). Essas normas de nível constitucional foram complementadas pela Lei n. 8.112, de 11.12.90, cujo art. 243 determinou a incidência de suas disposições para os servidores das autarquias, inclusive as de regime especial, transformando os empregos ocupados pelos servidores em cargos. Por outro lado, a Lei n. 9.649, de 27.05.98 (dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios e dá outras providências), art. 58, estabelece que os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. Esse dispositivo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn n. 1.717, exceto quanto ao seu § 3º, em relação ao qual a ação direta de inconstitucionalidade foi julgada prejudicada: consoante o § 3º, os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta. Note-se que o pedido de inconstitucionalidade foi julgado prejudicado porque se alegava incompatibilidade com o art. 39 da Constituição da República, cujo conteúdo perdeu vigência em virtude da Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.98, que modificou a redação desse dispositivo (seria instituído um "conselho de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes"). Não obstante, a própria Emenda Constitucional n. 19/98 acabou por ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn n. 2.135, em razão de vícios no processo legislativo. Em resumo, a Constituição da República de 1988 instituiu o Regime Jurídico Único, do qual se beneficiaram, nos termos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, somente os empregados que, em 05.19.88, haviam já completado pelo menos 5 (cinco) anos de exercício continuado nos respectivos empregos, os quais restaram transformados em cargos pelo § 1º do art. 243 da Lei n. 8.112/90. Esses servidores, malgrado terem ingressado no serviço público sem se submeterem a concurso público, beneficiam-se com o Regime Jurídico Único. Os servidores que ingressaram posteriormente a 05.10.88 ou que nessa data não haviam completado 5 (cinco) anos de serviços continuados, somente se beneficiam do Regime Jurídico Único se aprovados em concurso público, nos termos do que estabelece o art. 39 da Constituição da República, o qual remanesce vigente à vista da declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 19/98 que, malgrado tenha dado nova redação àquele dispositivo, foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn n. 2.135. A declaração de inconstitucionalidade do art. 58 da Lei n. 9.649/98, exceção feita ao § 3º desse dispositivo (prejudicado) (ADIn n. 1.717), não interfere na decisão acerca da relação jurídica entre o servidor e os Conselhos. O Supremo Tribunal Federal entendeu ser indelegável uma atividade típica de Estado, que abrange poder de polícia, de tributar e de punir, a uma entidade privada. O § 3º do art. 58 da Lei n. 9.649/98 dispõe que os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição. Pode-se argumentar que o Supremo Tribunal Federal, ao afastar o regime jurídico privado para a atividade dos Conselhos, tornaria incompatível semelhante regime jurídico quanto aos servidores que para eles prestam serviços. Por outro lado, pode-se objetar também que, ao julgar prejudicado o pedido de inconstitucionalidade do § 3º do art. 58 da Lei n. 9.649/98, o Supremo Tribunal Federal sinaliza a subsistência da vigência desse mesmo dispositivo, de modo que os servidores seriam empregados, não funcionários propriamente ditos. Parece, contudo, que nenhuma das alternativas há de prevalecer: a natureza do vínculo jurídico entre servidor e Conselho é regida pela Constituição da República, nos termos do art. 37, em sua redação original, que impede a inclusão no Regime Jurídico Único daquele que não tenha se submetido a concurso público, exceção feita àqueles que, em 05.10.88, haviam completado 5 (cinco) anos de continuado exercício. Fora daí, pouco releva invocar o art. 243 da Lei n. 8.112/90 ou o § 3º do art. 58 da Lei n. 9.649/98, pois nenhum deles pode converter o emprego em cargo ou vice-versa sem o amparo da norma constitucional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a aplicabilidade do Regime Jurídico Único aos contratados anteriormente à Constituição da República, obviamente preenchidos os requisitos supramencionados: (...) Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça também indicam que o § 3º do art. 58 da Lei n. 9.649/98, cuja vigência em princípio ainda subsiste, inibe a aplicação do Regime Jurídico Único no âmbito dos conselhos de fiscalização de profissão regulamentada: (...) Do caso dos autos. Narra Pedro Arabian ter sido admitido pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo em 20.10.82, e sua demissão por justa causa, sem direito de defesa, sindicância ou processo administrativo, como fazia jus, em 30.11.93, apesar de servidor exemplar com inúmeras promoções. Alega que era estável, tendo em vista contar com mais de 5 anos de efetivo trabalho, quando da promulgação da Constituição da República, e não ter prestado concurso público, nos termos do art. 19 do ADCT. Relata que, por equívoco do réu, foi promovido de operador de micro para o cargo de assistente contábil, em 01.07.92, função privativa de técnico em contabilidade ou contador, os quais devem ser registrados no Conselho. Embora bacharel em ciências contábeis, por motivos financeiros não teve condições da fazer o registro e arcar com a anuidade correspondente, conforme exigido pelo requerido. Acrescenta ter postulado sua transferência para outro setor, no qual não se exigisse o registro profissional, pedido que lhe foi negado. Afirma que, em 17.08.93, recebeu advertência formal para providenciar, em 48 horas, seu registro, e que, não obstante ter efetivado seu registro no prazo assinalado, foi demitido por justa causa em 30.11.93. Requer a anulação do ato de demissão e sua reintegração ao cargo que ocupava, com a condenação do réu a pagar os salários e vantagens, a partir da data da dispensa ilegal (fls. 2/22). Juntou o autor cópias do registro de contrato de trabalho, no qual consta a data de admissão em 20.10.82 e data de saída em 30.11.93 (fls. 57/58), bem como de ofício insurgindo-se contra a anuidade cobrada e relato da impossibilidade de pagá-la (fls. 63/64). Juntou, também, cópias de ofícios do Conselho instando-o a regularizar sua situação profissional (fls. 65/66). Contestou o Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo, sustentando que a demissão do autor ocorreu por falta grave, consistente na falta de registro e do pagamento da anuidade, bem como que o prazo concedido para regularizar a situação profissional findou no dia 13.08.93, e não no dia 19.08.93 como afirmado pelo autor (fls. 99/107). O MM. Juízo a quo afastou a preliminar de incompetência suscitada pelo réu e julgou improcedente o pedido de anulação do ato de demissão, com a consequente reintegração ao cargo que ocupava o autor no Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo. A competência é aferida in statu assertionis. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que cabe à Justiça Federal o julgamento das ações em que os Conselhos de Fiscalização Profissional figurem como parte, tendo em vista sua condição de autarquia federal, nos termos do inciso I do art. 109 da Constituição da República. Nesse sentido não merece ser reformada a sentença proferida. Quanto ao mérito, assiste razão ao autor. Malgrado não tenha prestado concurso público, não foi contratado por prazo determinado e contava com mais de 5 anos de continuada prestação de serviços, nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Transitórias, porquanto admitido pelo Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo em 20.10.82 e demitido em 30.11.93, fatos que restaram incontroversos. Preenchidos os requisitos exigidos, encontrava-se o apelante abrangido pelo Regime Jurídico Único, como servidor estável, fazendo jus, portanto, à reintegração, por não terem sido observadas as disposições estatutárias por ocasião da demissão. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto pelo autor, para reformar a sentença e julgar PROCEDENTE seu pedido de anulação do ato de demissão, bem como para determinar a reintegração ao cargo que ocupava, condenando o réu a pagar os salários e vantagens, a partir da data da dispensa, com correção monetária e juros de 12% a. a. tendo em vista a propositura da ação em 06.06.94. Determino, ainda, a compensação das verbas rescisórias eventualmente pagas e condeno o réu em custas e honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. É o voto.” (sem destaques no original) Da leitura do julgado rescindendo e do julgado paradigmático apontado pelo conselho autor (referente à ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367), observo incompatibilidade no que se refere à obrigatoriedade (ou não) de adoção do regime estatutário pelo Conselho na admissão de seus funcionários. O julgado invocado reconheceu apenas a possibilidade (e não obrigatoriedade) de contratação segundo o regime celetista. Já a decisão rescindenda determinou a reintegração do servidor pelo regime estatutário, ou seja, não reconheceu a possibilidade de contratação pela CLT, o que não se mostra alinhado com o entendimento do STF. Registro, por oportuno, que os termos da inicial permitem compreender, de maneira inequívoca, que a parte autora não contesta a estabilidade reconhecida no julgado. Requer, somente, a rescisão parcial do acordão, no tocante à aplicação do regime jurídico único ao servidor. Presente, portanto, a alegada violação de norma jurídica (assim compreendidos os mencionados preceitos constitucionais e legais interpretados por decisões vinculantes e obrigatórias do e.STF), pelo que se faz mister a rescisão parcial do julgado para afastar o regime estatutário pela caracterização do regime contratual celetista. O pedido subsidiário, entretanto, de que sejam compensados os valores que o funcionário faça jus pela reintegração pelo regime celetista com valores pagas a título de auxílio alimentação e vantagem instituída pela Lei nº 10.698/2003, não pode ser acolhido. A mudança de interpretação de ato normativo por parte do ente estatal pode se dar em razão de transformações na realidade e em valores sociais que resultam em novas compreensões de um mesmo texto normativo, modalidade conhecida como mutação constitucional ou legal. Nesse caso, uma legítima interpretação extraída de um texto normativo é substituída por outra interpretação também compatível com o mesmo texto inalterado, mas em maior harmonia com a evolução da sociedade. Contudo, a nova compreensão não pode atingir válidas relações jurídicas já praticadas conforme a Constituição e as leis (mesmo que levem a pagamentos de trato sucessivo), sob pena de ofensa à segurança jurídica e a mandamentos legais (p. ex., art. 2º, XI, da Lei nº 9.784/1999, art. 48, §12 da Lei nº 9.430/1996 e art. 146 do CTN). Ademais, se nem uma nova legislação pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI da Constituição), com igual ou maior razão as garantias à segurança jurídica não podem ser afetadas por uma interpretação que substitui outra também correta a seu tempo, de modo que a nova compreensão do texto normativo não pode afetar atos administrativos passados (mesmo que geradores de supervenientes pagamentos de trato sucessivo ou continuados). Contudo, a mudança pode decorrer de equívoco interpretativo da administração pública quanto ao conteúdo de preceito normativo, situação na qual é necessário rever o ato administrativo de efeito concreto em razão da nova e correta interpretação (mesmo em se tratando de obrigação de trato sucessivo de verba alimentar), respeitado o prazo decadencial de 5 anos (art. 54 da Lei nº 9.784/1999), embora o ressarcimento dos valores pagos indevidamente não possa ser exigido do servidor ou do administrado que os recebeu de boa-fé. Superada ou não pelo Tema 1009, a Tese firmada pelo E.STJ no Tema 531 (REsp 1244182) quanto à restituição de valores é coerente com os regramentos do Estado de Direito (“Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público”). De todo modo, a revisão de ato administrativo inválido é dever da administração pública em vista da imperativa observância da legalidade, sendo imprescindível o respeito ao devido processo legal (notadamente ao contraditório e à ampla defesa) se houver efeitos em prerrogativas anteriormente reconhecidas, tal como reiteradamente afirmado pelo E.STF (Súmula Vinculante 3, Temas 138 e 839, e Súmulas 346 e 473). No caso dos autos, as verbas de auxílio-alimentação foram recebidas pelo funcionário com nítida boa-fé, decorrente de decisão transitada em julgado fundada em interpretação da lei que autorizava seu enquadramento como servidor estatutário, razão pela qual é indevido o ressarcimento. Já no que se refere à vantagem pecuniária individual instituída pela Lei nª 10.698/2003, observo que ela também é devida aos empregados públicos, conforme se verifica no art. 1º, caput, da lei. Portanto, sem razão o Conselho ao arguir que se trataria de verba somente devida aos servidores estatutários e que, por isso, seria devido eventual ressarcimento. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na presente ação rescisória, para rescindir parcialmente o acórdão proferido nos autos do processo nº 0013297-98.1994.4.03.6100, reconhecendo que a reintegração de Pedro Arabian ao quadro funcional do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo deve se dar pelo regime anteriormente ocupado por ele quando de seu desligamento (celetista), não fazendo jus à imediata transposição para regime diverso. Considerando a sucumbência recíproca em igual proporção, e tendo em vista que a fixação da verba honorária no percentual sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos) resultaria em montante ínfimo, estabeleço os honorários na ordem de R$ 5.000,00 para cada parte (art. 85, §8º-A, do CPC/2015). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É como voto.
E M E N T A
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA DE PRECEDENTES. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 525, §§ 14 E 15 DO CPC/2015. MARCO TEMPORAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONSELHO PROFISSIONAL. REGIME DE CONTRATAÇÃO. ESTABILIDADE. CONTEÚDO DA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO CELETISTA.
- No caso dos autos, o acórdão rescindendo transitou em julgado em 16/06/2016, sendo que, somente em 08/09/2020, foi proferida a decisão do STF no âmbito das ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367. Assim, o prazo para ajuizamento da rescisória é contado a partir do trânsito em julgado das decisões proferidas pelo STF, que, no presente caso, ocorreu em 24/11/2020 (a primeira) e 04/12/2020 (as duas últimas). O prazo foi respeitado, eis que a presente ação foi ajuizada em 10/09/2021.
- Até 1988 as contratações dos conselhos profissionais davam-se pela legislação trabalhista, por força do Decreto-Lei n.º 968/1969; com a promulgação da Constituição Federal, de 1988 até 1998, tais funcionários estavam submetidos ao regime estatutário, conforme se infere da redação original de seu art. 39, situação que perdurou até a Emenda Constitucional nº 19/1998; a partir de então, e com a edição da Lei nº 9.649/1998, restabeleceu-se mais uma vez a legislação trabalhista como lei de regência e, com a suspensão do art. 39 em decisão proferida pelo E.STF na ADI 2135-MC, ficou estabelecido que os conselhos profissionais são entidades de direito público (autarquias), que compõem a administração indireta e, como consequência, estariam obrigados a contratar seu pessoal através de concurso público.
- Julgando a ADC 36, contudo, o E.STF assentou o entendimento segundo o qual, ainda que esteja vigente a redação original do art. 39 da Constituição da República (que fixa o regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas), não há impedimento, por si só, para que os Conselhos Profissionais adotem regime diverso.
-Da leitura do julgado rescindendo e do julgado paradigmático apontado pelo conselho autor (referente à ADC 36, ADI 5367 e ADPF 367), há incompatibilidade no que se refere à obrigatoriedade (ou não) de adoção do regime estatutário pelo Conselho na admissão de seus funcionários.
- A parte autora não contesta a estabilidade reconhecida no julgado, mas requer a rescisão parcial do acordão, no tocante à aplicação do regime jurídico único ao servidor. A esse respeito, o julgado invocado reconheceu apenas a possibilidade (e não obrigatoriedade) de contratação segundo o regime celetista, e não a obrigatoriedade da medida. Já a decisão rescindenda determinou a reintegração do servidor pelo regime estatutário, ou seja, não reconheceu a possibilidade de contratação pela CLT, o que não se mostra alinhado com o entendimento do STF.
- Presente, portanto, a alegada violação de norma jurídica (assim compreendidos os mencionados preceitos constitucionais e legais interpretados por decisões vinculantes e obrigatórias do e.STF), pelo que se faz mister a rescisão parcial do julgado para afastar o regime estatutário pela caracterização do regime contratual celetista.
- As verbas de auxílio-alimentação foram recebidas pelo funcionário com nítida a boa-fé, decorrente de decisão transitada em julgado fundada em interpretação da lei que autorizava seu enquadramento como servidor estatutário, razão pela qual é indevido o ressarcimento.
- Já no que se refere à vantagem pecuniária individual instituída pela Lei nª 10.698/2003, observo que ela também é devida aos empregados públicos, conforme se verifica no art. 1º, caput, da lei. Portanto, sem razão o Conselho ao arguir que se trataria de verba somente devida aos servidores estatutários e que, por isso, seria devido eventual ressarcimento.
- Ação rescisória julgada parcialmente procedente.