Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002454-46.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA

Advogados do(a) APELANTE: KARINA DE AZEVEDO SCANDURA - SP173218-A, LEONARDO GALLOTTI OLINTO - SP150583-S

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002454-46.2018.4.03.6100

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDA

Advogados do(a) APELANTE: KARINA DE AZEVEDO SCANDURA - SP173218-A, LEONARDO GALLOTTI OLINTO - SP150583-S

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

Trata-se de ação ajuizada por FORD MOTOR COMPANY BRASIL LTDAL em face da UNIÃO FEDERAL em 15/10/2013, na qual deduzido o seguinte pedido (fls. 15/16, ID 3084253):

“2) Após regular andamento da presente demanda, julgar, por sentença de mérito, inteiramente procedente o pedido para:

a) anular a decisão administrativa proferida nos autos do processo administrativo nº. 10314.009524/2010-66,

b) declarar o direito líquido e certo da Autora à redução de 40% do Imposto de Importação para as importações de partes, peças, componentes, conjuntos e subconjuntos, acabados e semi-acabados, e pneumáticos, realizadas no período de outubro de 2005 a março de 2006 e, consequentemente,

c) Condenar a Ré a restituir à Autora os valores indevidamente recolhidos aos cofres públicos a título de Imposto de Importação, em virtude do pagamento de tal tributo sem a redução de 40% a que faz jus, conforme item b) acima, no período compreendido entre o 19/10/2005 a 01/03/2006, no montante total de R$ 3.237.039,29 (três milhões, duzentos e trinta e sete mil, trinta e nove reais e vinte e nove centavos), valores em julho/2013, a serem atualizados pela TAXA SELIC, nos termos da Lei nº. 9.250, de 26/12/1995 (artigo 39, parágrafo 4º); e

d) Condenar a Ré no reembolso das custas processuais adiantadas pela Autora, nas eventuais despesas com honorários periciais e, principalmente, nos honorários de sucumbência, estes calculados em percentual sobre o valor da causa, na forma prevista pelo artigo 20, parágrafo 3º, do Código de Processo Civil”.

A r. sentença, prolatada em 24/04/2017 (ID 3084367), julgou o pedido inicial improcedente. Condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa corrigido.

Apelação da parte autora (ID 3084370), na qual pugna pela reforma da r. sentença. Reitera que, na vigência da redução do imposto de importação, promovida pelo artigo 5º da Lei Federal nº. 10.182/01, foi publicado o Decreto nº. 3.816/01, posteriormente substituído pelo Decreto nº. 4.501/02, que previam a redução de alíquotas da Tarifa Externa Comum (TEC) para o cálculo do imposto de importação referente a autopeças comercializadas entre Brasil e Argentina. Aduz que, em 24/02/2006, foi publicado o Ato Declaratório Interpretativo nº. 01, de 24/02/2006, no qual declarada a impossibilidade de aplicação concomitante da redução de alíquotas da Lei Federal nº. 10.182/01 e do TEC.

Defende que, com a publicação do Ato Declaratório, a Receita Federal “1) reconheceu a vigência das regras dos mencionados Protocolos concomitantemente com a redução prevista na Lei 10.182/01; e 2) equivocadamente excluiu o aproveitamento simultâneo de ambos os benefícios pelo mesmo contribuinte”.

Prossegue anotando que “Seja de que maneira for, na dúvida sobre a vigência da Lei 10.182/01 (da redução dos 40%), e mesmo sem utilizar as reduções tarifárias do referido Acordo entre Brasil e Argentina, a Apelante acabou por desembaraçar produtos importados, no período compreendido entre outubro de 2005 e março de 2006, perfazendo 261 Declarações de Importação (DI) SEM a redução de 40% do II a que tinha direito. Assim, tomando conhecimento deste Ato Declaratório Interpretativo, que reconheceu a vigência da Lei 10.182/01, e não tendo utilizado o benefício da redução tarifária nas 261 DIS, a ora Apelante apurou a existência de créditos relativos a 40% de Imposto de Importação, indevidamente pagos, e protocolizou o Pedido de Restituição cumulado com pedido de retificação das Declarações de Importação”.

Anota que o laudo pericial judicial atestou que as 261 DIs anexadas ao processo não tiveram qualquer redução de II, seja com relação à base de cálculo (Lei Federal nº. 10.182/01) ou às alíquotas aplicáveis (TEC). Conclui, assim, que com relação à matéria controvertida nos autos, a incidência tributária foi integral. E, portanto, não importaria à análise dos autos a eventual utilização de benefícios em outros desembaraços realizados, pela matriz ou filial.

Defende que, ainda que tivesse utilizado dos benefícios decorrentes do Acordo Internacional, faria jus à redução decorrente da Lei Federal nº. 10.182/01, por se tratarem de benefícios distintos: “a Lei 10.182/01 tem como escopo a redução do imposto de importação, resultando em verdadeira isenção parcial, enquanto os referidos Acordos Internacionais tratam de percentuais das alíquotas”.

Argui que os Decretos nº. 3.816/01 e nº. 4.510/02, ao determinar a redução de alíquotas entre Brasil e Argentina não revogaram, de forma expressa, a modificação da base de cálculo já vigente por força da Lei Federal nº. 10.182/01. Argumenta, destarte, que a nova alíquota deve incidir sobre a base de cálculo reduzida da Lei Federal nº. 10.182/01 por força do artigo 9º da LC 95/98 na redação dada pela LC 107/01.

Afirma que não há vedação legal à cumulação dos benefícios. Dessa forma, defende a irregularidade do Ato Declaratório Interpretativo nº. 01/2006 face o princípio da legalidade.

Pugna, a final, pela repetição dos valores recolhidos entre 19/10/2005 e 01/03/2006 com acréscimo da Taxa Selic.

Resposta (ID 3084372), na qual a União reafirma a inacumulatividade entre o ACE-14 e a Lei Federal nº. 10.182/01, considerado o objetivo extrafiscal do acordo internacional. Frisa que a parte autora foi habilitada para gozo dos benefícios do Acordo de Complementação Econômica 14 (ACE 14) firmado com a Argentina, o qual foi utilizado “em 888 oportunidades, deixando de recolher mais de 82 (oitenta e dois) milhões de reais”. “Por fim, a própria autora concluiu, antes mesmo da edição do Ato Declaratório Interpretativo 01/2006, pela não cumulatividade do ACE 14 com a Lei 10.182/01, tanto é verdade, que voluntariamente recolheu integralmente o imposto de importação em 261 (duzentos e sessenta e uma) operações de importação de produtos não originados da Argentina”.

Após digitalização, os autos foram remetidos a esta Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002454-46.2018.4.03.6100

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Advogados do(a) APELANTE: KARINA DE AZEVEDO SCANDURA - SP173218-A, LEONARDO GALLOTTI OLINTO - SP150583-S

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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

Em síntese, no presente caso concreto se discute o regime tributário do imposto de importação aplicável àqueles beneficiados pelo Acordo de Complementação Econômica 14 (ACE 14) firmado entre Brasil e Argentina.

A questão foi objeto de grande controversa administrativa, motivo pelo qual foi editado o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº. 1, de 24/02/2006, aqui questionado, verbis:

“O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso III do art. 230 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, aprovado pela Portaria MF nº 30, de 25 de fevereiro de 2005, e tendo em vista o Parecer PGFN nº 318, de 21 de fevereiro de 2006, declara:

Art. 1º. A aplicação dos Trigésimo e Trigésimo Primeiro Protocolos Adicionais ao Acordo de Complementação Econômica nº 14, celebrado entre os Governos da República Federativa do Brasil e da República Argentina, de que tratam os Decretos nº 3.816, de 15 de outubro de 2001, e nº 4.510, de 11 de dezembro de 2002, relativamente às alíquotas do imposto de importação fixadas, alcança apenas as pessoas jurídicas habilitadas ao regime de importação por eles estabelecidos, e exclui a aplicação das normas estabelecidas na Lei nº 10.182, de 12 de fevereiro de 2001.

Art. 2º. As pessoas jurídicas não habilitadas ao regime referido no art. 1º sujeitam-se às normas estabelecidas nos art. 5º e 6º Lei nº 10.182, de 12 de fevereiro de 2001, se habilitadas na forma por ela estabelecida, ou às normas gerais de importação em vigor à época dos fatos geradores”.

Segundo o entendimento administrativo fazendário, naquela época vigiam, concomitantemente, dois regimes distintos e excludentes de redução do imposto de importação.

De fato, por ocasião das tratativas internacionais, estava em vigor a Lei Federal nº. 10.182/01, que previa a redução de alíquota do imposto de importação nos seguintes termos (redação original):

Art. 5º. Fica reduzido em quarenta por cento o imposto de importação incidente na importação de partes, peças, componentes, conjuntos e subconjuntos, acabados e semi-acabados, e pneumáticos.

§ 1º. O disposto no caput aplica-se exclusivamente às importações destinadas aos processos produtivos das empresas montadoras e dos fabricantes de:

I- veículos leves: automóveis e comerciais leves;

II- ônibus;

III- caminhões;

IV- reboques e semi-reboques;

V- chassis com motor;

VI- carrocerias;

VII- tratores rodoviários para semi-reboques;

VIII- tratores agrícolas e colheitadeiras;

IX- máquinas rodoviárias; e

X- autopeças, componentes, conjuntos e subconjuntos necessários à produção dos veículos listados nos incisos I a IX, incluídos os destinados ao mercado de reposição.

§ 2º. O disposto nos arts. 17 e 18 do Decreto-Lei nº. 37, de 18 de novembro de 1966, e no Decreto-Lei nº. 666, de 2 de julho de 1969, não se aplica aos produtos importados nos termos deste artigo, objeto de declarações de importações registradas a partir de 7 de janeiro de 2000.

Art.6º. A fruição da redução do imposto de importação de que trata esta Lei depende de habilitação específica no Sistema Integrado de Comércio Exterior - SISCOMEX.

Parágrafo único. A solicitação de habilitação será feita mediante petição dirigida à Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, contendo:

I- comprovação de regularidade com o pagamento de todos os tributos e contribuições sociais federais;

II- cópia autenticada do cartão de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica;

III- comprovação, exclusivamente para as empresas fabricantes dos produtos relacionados no inciso X do § 1º. do artigo anterior, de que mais de cinqüenta por cento do seu faturamento líquido anual é decorrente da venda desses produtos, destinados à montagem e fabricação dos produtos relacionados nos incisos I a X do citado § 1º. e ao mercado de reposição.

A partir da redação original da Lei Federal nº. 10.182/01, verifica-se que a redução tributária não era incondicionada. Pelo contrário: a legislação, desde o início, previa a necessidade de habilitação específica junto ao SISCOMEX para aferição do efetivo cabimento do benefício, o que exigia comprovação acerca do faturamento empresarial.

De outra parte, os Decretos Presidenciais nº. 3.186, de 10/05/2001, e 4.510, de 11/10/2022, determinaram a execução integral, respectivamente, do 30º e 31º Protocolos Adicionais ao Acordo de Complementação Econômica nº. 14 (ACE-14), firmados entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

Por força dos referidos Protocolos Adicionais, e no que pertine à discussão travada nestes autos, houve a redução de alíquotas aplicadas a “produtos automotivos”, sendo que as “alíquotas estabelecidas neste artigo substituirão as alíquotas nacionais vigentes, ressalvados as preferências transitórias e exceções temporárias correspondentes e os "ex" tarifários relativos aos "Produtos Automotivos" não produzidos no MERCOSUL (artigo 3º - grifei).

Ou seja, no campo do ACE-14 também se fazia necessária aferição administrativa para identificação do cabimento da redução, a qual substituiria as alíquotas nacionais vigentes.

Também nesse caso não se está diante de modificação legislativa geral, aplicável a todos os contribuintes do imposto de importação, ainda que no âmbito de atuação específico da parte autora.

Para além disso, no âmbito do ACE-14 há expressa referência à substituição das alíquotas vigentes, a qual apenas é excepcionada com relação a benefícios temporários, ex-tarifários e "‘Produtos Automotivos’ não produzidos no MERCOSUL”. Ou seja, a própria norma benéfica determinou que a sua incidência seria peremptória com relação a produtos automotivos produzidos no âmbito do Mercosul.

A teor do artigo 111 do Código Tributário Nacional, a interpretação de benefícios fiscais é estrita. E, assim sendo, uma vez tendo-se optado pela adesão ao regime de importação do ACE-14, não será possível usufruir do benefício da Lei Federal nº. 10.182/01 com relação a produtos automotivos produzidos no Mercosul, como é o caso.

Por tais fundamentos, nego provimento à apelação.

Em decorrência do desprovimento do recurso, os honorários advocatícios devem ser majorados em 1% nos termos do artigo 85, §§ 11 do Código de Processo Civil.

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

PROCESSO CIVIL - APELAÇÃO - INTERNACIONAL - MERCOSUL - 30º E 31º PROTOCOLOS ADICIONAIS AO ACORDO DE COMPLEMENTAÇÃO ECONÔMICA Nº. 14 (ACE 14) - TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO - PRODUTOS AUTOMOTIVOS - ATO DECLARATÓRIO INTERPRETATIVO SRF Nº. 1/2006 - IMPOSSIBILIDADE DE OPÇÃO PELO CONTRIBUINTE.

1- No presente caso concreto se discute o regime tributário do imposto de importação aplicável àqueles beneficiados pelo Acordo de Complementação Econômica 14 (ACE 14) firmado entre Brasil e Argentina. A questão foi objeto de grande controversa administrativa, motivo pelo qual foi editado o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº. 1, de 24/02/2006, aqui questionado.

2- A partir da redação original da Lei Federal nº. 10.182/01, verifica-se que a redução tributária não era incondicionada. Pelo contrário: a legislação, desde o início, previa a necessidade de habilitação específica junto ao SISCOMEX para aferição do efetivo cabimento do benefício, o que exigia comprovação acerca do faturamento empresarial.

3- De outra parte, os Decretos Presidenciais nº. 3.186, de 10/05/2001, e 4.510, de 11/10/2022, determinaram a execução integral, respectivamente, do 30º e 31º Protocolos Adicionais ao Acordo de Complementação Econômica nº. 14 (ACE-14), firmados entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). Por força dos referidos Protocolos Adicionais, e no que pertine à discussão travada nestes autos, houve a redução de alíquotas aplicadas a “produtos automotivos”, sendo que as “alíquotas estabelecidas neste artigo substituirão as alíquotas nacionais vigentes, ressalvados as preferências transitórias e exceções temporárias correspondentes e os "ex" tarifários relativos aos "Produtos Automotivos" não produzidos no MERCOSUL (artigo 3º - grifei).

4- Também nesse caso não se está diante de modificação legislativa geral, aplicável a todos os contribuintes do imposto de importação, ainda que no âmbito de atuação específico da parte autora. Para além disso, no âmbito do ACE-14 há expressa referência à substituição das alíquotas vigentes, a qual apenas é excepcionada com relação a benefícios temporários, ex-tarifários e "‘Produtos Automotivos’ não produzidos no MERCOSUL”. Ou seja, a própria norma benéfica determinou que a sua incidência seria peremptória com relação a produtos automotivos produzidos no âmbito do Mercosul.

5- A teor do artigo 111 do Código Tributário Nacional, a interpretação de benefícios fiscais é estrita. E, assim sendo, uma vez tendo-se optado pela adesão ao regime de importação do ACE-14, não será possível usufruir do benefício da Lei Federal nº. 10.182/01 com relação a produtos automotivos produzidos no Mercosul, como é o caso.

6- Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.