APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011366-54.2007.4.03.6181
RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM
APELANTE: GESMO SIQUEIRA DOS SANTOS, ELIZABETE DA COSTA GARCIA SANTOS
Advogados do(a) APELANTE: LUIZ ADOLFO PERES - SP215841-A, ROBERTO LEIBHOLZ COSTA - SP224327-A
Advogados do(a) APELANTE: GESMO SIQUEIRA DOS SANTOS - SP161145-A, LUIZ ADOLFO PERES - SP215841-A, ROBERTO LEIBHOLZ COSTA - SP224327-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011366-54.2007.4.03.6181 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: GESMO SIQUEIRA DOS SANTOS, ELIZABETE DA COSTA GARCIA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: LUIZ ADOLFO PERES - SP215841-A, ROBERTO LEIBHOLZ COSTA - SP224327-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ORIGEM: 5ª VARA FEDERAL DE SÃO PAULO - SP R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação interposta por Gesmo Siqueira dos Santos e Elizabete da Costa Garcia Santos em face de sentença (ID 155840223) que julgou procedente a ação penal para condená-los pela prática do crime previsto no artigo rt. 1°, I, da Lei 8.137/90 à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 286 dias-multa. Narra a denúncia (ID 155840192 – fl. 3/7), em síntese, que Gesmo e Elizabete suprimiram Imposto de Renda Pessoa Física, nos anos-base de 2007 e 2008, ao omitirem da Receita Federal ganhos de capital pela realização de operações imobiliárias (alienação e propriedade de imóveis). Da análise das declarações de ajuste anual e de escrituras públicas, a Receita Federal constatou que os acusados efetuaram 43 (quarenta e três) alienações de imóveis, mas deixaram informar tais alienações ou a propriedade desses imóveis. Da mesma forma, não informaram ganhos de capital, nem recolheram o Imposto de Renda respectivo. Em razão da conduta, foi lavrado crédito tributário em face de Elizabete no valor de R$ 125.723,73, definitivamente constituído em 01.06.2012. Já em relação a Gesmo, foi apurado o crédito de R$ 126.216,84, constituído em 05.08.2012. A denúncia foi recebida em 03.12.2013 (ID 155840192 – fl. 21/22) e a sentença publicada em 24.11.2020 (ID 155840223). Em suas razões de apelo (ID 158974336), a defesa conjunta dos acusados alega, preliminarmente: (i) nulidade do processo administrativo fiscal, por falta de intimação do patrono; (ii) nulidade da prova obtida por quebra de sigilo bancário por ausência de procedimento fiscal ou inscrição do débito em dívida ativa; (iii) nulidade por recebimento da denúncia antes da inscrição definitiva do crédito tributário. No mérito, sustenta: (i) atipicidade da conduta, uma vez que as transações anuladas pelo Judiciário não podem servir de base de cálculo para aferição de lucro imobiliário; (ii) a indevida utilização de processos em andamento como circunstância judicial desfavorável; (iii) fixação da pena-base no mínimo legal; (iv) fixação de regime aberto como inicial para cumprimento de pena. Sem contrarrazões. A Procuradoria Regional da República opina pelo provimento parcial do recurso (ID 162756025). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
Advogados do(a) APELANTE: GESMO SIQUEIRA DOS SANTOS - SP161145-A, LUIZ ADOLFO PERES - SP215841-A, ROBERTO LEIBHOLZ COSTA - SP224327-A
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0011366-54.2007.4.03.6181 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: GESMO SIQUEIRA DOS SANTOS, ELIZABETE DA COSTA GARCIA SANTOS Advogados do(a) APELANTE: LUIZ ADOLFO PERES - SP215841-A, ROBERTO LEIBHOLZ COSTA - SP224327-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: ORIGEM: 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE SÃO PAULO - SP V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Narra a denúncia, em síntese, que Gesmo Siqueira dos Santos e Elizabete da Costa Garcia Santos suprimiram Imposto de Renda Pessoa Física, nos anos-base de 2007 e 2008, ao omitirem ganho de capital obtido com a venda de 43 imóveis no referido período. Pelo procedimento administrativo fiscal nº 19515.721023/2012-21, foi gerado o crédito tributário no valor R$ 125.723,23 em nome de Elizabete, definitivamente constituído em 1.6.2012 (ID 155840186 - Pág. 116 – PDF: 217). Pelo procedimento administrativo fiscal nº 19515.721573/2012-41, foi gerado o crédito tributário no valor R$ 126.216,84 em nome de Gesmo, definitivamente constituído em 15.8.2012(ID 155840188 - Pág. 32 – PDF: 462). Após a citação, embora tenham apresentado resposta à acusação, os acusados deixaram de comparecer a audiência de instrução, sendo decretada sua revelia. Sobreveio sentença, que condenou os acusados pela prática do crime previsto no art. 1°, I, da Lei 8.137/90, à pena de 3 (três) anos, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 286 dias-multa. Naquilo que interessa ao deslinde do caso, diga-se que o tipo penal imputado ao acusado está assim descrito na Lei 8.137/90: “Art. 1º Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – Omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II - Fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; ” À análise doutrinária do aludido delito, pode-se dizer que se trata de crime material, porquanto para sua configuração exige-se a efetiva produção do resultado, consistente na supressão ou redução de tributo ou contribuição. Na raiz desta classificação, crime material ou formal, coloca-se a questão do lançamento do crédito tributário, sua natureza e o inescapável debate de se estar diante de condição objetiva de punibilidade ou elemento normativo de tipo, em qualquer caso, veda-se ao Estado movimentar seu arsenal punitivista antes do esgotamento definitivo da via administrativa. Neste sentido segue excerto do paradigmático HC n. 8.611/DF do C. STF: “Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º) - lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. ” A questão do lançamento definitivo do crédito, em crimes tributários, mereceu Súmula Vinculante do seguinte teor: “STF – Súmula 24 - Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. ” Retomando a análise do tipo penal, segundo a melhor doutrina, sendo o contribuinte Pessoa Jurídica, o sujeito ativo será o administrador ou gerente da empresa, muito embora estejamos diante de crime comum, vale dizer, pode ser perpetrado por qualquer pessoa, não exigindo do agente qualidade especial. Sendo Pessoa Física o contribuinte, agente do delito será aquele que age conforme o tipo. O sujeito passivo é o Estado. O objeto jurídico do crime é a arrecadação tributária (para outros o regular funcionamento do sistema tributário). O dolo é o elemento subjetivo fundamental do crime, não se admitindo a forma culposa. Ressalte-se, neste passo, que a responsabilidade pela prática de crime contra a ordem tributária é idêntica à fixada no Código Penal, tendo apenas a Lei 8.137/90, artigo 11, realçado a figura do administrador de empresa, ou seja, daquele que se serve de pessoa jurídica para a consecução do crime tributário. Assinale-se que no inciso I a norma estabelece forma de conduta omissiva. Está-se diante de crime omissivo impuro ou promíscuo, também chamado comissivo por omissão, segundo o qual o agente tem o dever jurídico de agir, mas se queda inerte. Conforme preleciona FERNANDO CAPEZ, verbis: “Como consequência, o omitente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se esse resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa” (in “Direito Penal Parte Geral”, São Paulo: Edições Paloma, 2001, p. 82). É cediço que nos chamados crimes materiais a consumação reclama a produção de resultado. Adota-se, neste caso, a teoria naturalística do resultado, havendo necessariamente correspondência ou nexo causal entre este e a conduta do agente. Nos delitos omissivos, entretanto, a causalidade é normativa (teoria jurídica), pois a omissão só é relevante, segundo magistério de DAMÁSIO DE JESUS, quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado (in “Código Penal Anotado”, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37). O que importa, aqui, é que o resultado ocorre porque o agente deixa de realizar a conduta a que estava juridicamente obrigado. A omissão, portanto, é penalmente relevante quando o agente dá causa ao resultado por não cumprir uma obrigação legal. O inciso II do aludido preceptivo penal aproveita praticamente tudo do que se disse, tendo em vista que nele está contida a mesma conduta do primeiro inciso. Aqui, a atividade ilícita de fraudar a fiscalização tributária traz ínsita a figura do falso ideológico, em que o agente omite operações ou insere dados inexatos em livros fiscais, de modo que a verdadeira situação do lançamento do tributo é oculta. NORMA PENAL EM BRANCO. As hipóteses abstratas da lei explicitadas anteriormente, descritas nos incisos do artigo 1º remetem a obrigações acessórias as quais o contribuinte está legalmente obrigado. Conforme MAXIMILIANO FÜHRER, a expressão “documento ou livro exigido pelas leis fiscais é norma penal em branco, que carece de complementação pela legislação específica” (in “Curso de Direito Penal Tributário”, São Paulo: Malheiros, 2010, p. 121) Tais deveres estão descritos em normas extrapenais. Assim, cabe ao contribuinte declarar rendimentos, manter registros de operações, prestar informações às autoridades fazendárias, observar regulamentos atinentes a cada espécie tributária, enfim, compete-lhe, na condição de empresário, adstringir-se à exigência legal que o estatuto de sua atividade reivindica. As disposições penais em comento, portanto, têm preceitos indeterminados quanto ao seu conteúdo. Classificam-se, por conseguinte, em normas penais em branco, que devem ser complementadas por outras normas. O agente, tratando-se de empresário, tem um estatuo próprio que complementará as disposições penais de inculpação, funcionando regra integrativa, sendo oportuno, pois, realçar o âmbito onde tal delinquência ocorre. O EMPRESÁRIO. A teor do artigo 966 do Código Civil, empresário é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. Adotada a Teoria da Empresa, são características da atividade empresarial, portanto, o profissionalismo, a atividade de produção, circulação de bens ou serviços, a finalidade de lucro e a organização dos fatores capital, matéria prima, mão de obra e tecnologia. No dizer de AMADOR PAES DE ALMEIDA, o empresário é “o titular da empresa, sendo ele o sujeito de direito; o estabelecimento, por seu turno, é o instrumento de que se vale o empresário para o exercício da atividade negocial – unidade técnica, ou seja, um conjunto de bens materiais e imateriais, racionalmente aproveitados” (in “Manual das Sociedades Comerciais”, São Paulo: Saraiva, 16ª edição, 2007, p.23). Analisando o caso concreto, há que se analisar, por primeiro, questões preliminares suscitadas pela defesa dos acusados. 1 – Nulidade por falta de intimação: A defesa entende que, por não ter participado do procedimento administrativo, este padece de nulidade. Não merece prosperar, entretanto. É entendimento pacífico nesta E. Turma julgadora, como também no E. STJ, que quaisquer alegações de vícios em procedimento administrativo não comportam discussão na esfera judicial, em razão da independência entre as instâncias penal, cível e administrativa. Além dos atos administrativos gozarem de fé pública, a via adequada para impugnar o lançamento depois do exaurimento da via administrativa é a ação anulatória no juízo cível. Nesse sentido: "RECURSO ESPECIAL - PENAL - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - ART. 1º DA LEI Nº 8.137/90 - NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA QUE DEVE SER ARGUIDA PELA DEFESA NA SEARA ADMINISTRATIVA - INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS - REDUÇÃO DA PENA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA E DA MULTA NÃO DISCUTIDA NA ORIGEM - OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO - SÚMULA 211/STJ - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E NELA NÃO PROVIDO. 1.- "Eventuais vícios no procedimento administrativo fiscal são irrelevantes para o processo penal em que se apura a possível ocorrência de crime contra a ordem tributária" (EDcl no RHC 14459/ES, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 03/11/2004). 2.- Se a matéria objeto do recurso especial não foi discutida na origem, apesar de opostos embargos de declaração, incide a Súmula nº 211, desta Corte, obstando assim a pretensão recursal. 3.- Precedentes. 4.- Recurso conhecido em parte e negado provimento." (STJ - REsp: 1130197 PR 2009/0118448-6, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 05/12/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/12/2013) DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SONEGAÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA NÃO DEMONSTRADA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ARTIGO 386, INCISO V, DO CPP. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. RECURSO DA ACUSAÇÃO PREJUDICADO. (...) 2. Quanto à alegação de decadência do crédito tributário, importante mencionar que as alegações a respeito de vícios no procedimento administrativo do INSS não comportam discussão neste processo, em razão da independência entre as instâncias penal, cível e administrativa. A discussão acerca da validade do procedimento administrativo fiscal não pode ser levada a efeito na esfera penal, uma vez que, além dos atos administrativos gozarem de fé pública, a via adequada para impugnar o lançamento depois do exaurimento da via administrativa é a ação anulatória no juízo cível. Preliminar rejeitada. 3. Segundo o entendimento das nossas Cortes Superiores e deste Tribunal, os delitos previstos nos artigos 168-A e 337-A ambos do Código Penal, da mesma forma que o artigo 1.º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, consumam-se com o lançamento definitivo do débito. 4. Na hipótese, como houve recurso da acusação em relação à condenação do acusado, considera-se a pena máxima in abstrato para cada delito para fins de análise da prescrição (CP, artigo 110, §1.º). Desse modo, a pena máxima in abstrato cominada para ambos os delitos é de 5 (anos), a que corresponde o prazo prescricional de 12 (doze) anos, conforme o artigo 109, inciso III, do Código Penal. 5. Logo, verifica-se que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva, com relação aos créditos consignados nas NLFD nº 35.663.751-4 e NLFD nº 35.663.752-2, uma vez que não transcorreu prazo superior a 12 (doze) anos entre a data da constituição do crédito (26 de maio de 2006) e o recebimento da denúncia (6 de maio de 2010), nem entre a data do recebimento da denúncia (6 de maio de 2010) e a data da publicação da sentença (10 de fevereiro de 2015) e nem entre a data da publicação da sentença (10 de fevereiro de 2015) e os dias atuais. (..) 13. Apelação ministerial prejudicada. (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0002146-23.2008.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 14/12/2022, Intimação via sistema DATA: 16/12/2022) 2 – Nulidade pela quebra de sigilo bancário: É de rigor, outrossim, que se afaste qualquer suscitação de nulidade sob alegação de ilegalidade no procedimento de quebra do sigilo bancário e fiscal dos acusados. Já há algum tempo, o entendimento desta E. Corte (QUARTA SEÇÃO, EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 48027 - 0006960-34.2000.4.03.6181, Rel. DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, j. em 17/08/2017) é no sentido de que a reserva de jurisdição só existe em casos previstos na Constituição Federal. Nos demais, como o caso ora discutido, dispensa-se a autorização prévia, sob a exigência de respeito aos direitos fundamentais previstos na Carta Maior, mas sem a submissão obrigatória e prévia à autoridade jurisdicional. Ademais, como bem observado pelo MM. Desembargador André Nekatschalow por ocasião do julgamento da apelação n. 0008347-11.2006.4.03.6105, em 10.08.2021: “Sendo certo que o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, bem como ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, constate-se fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Decreto n. 2.730, de 10.08.98, art. 1º e Lei n. 9.430/96, art. 83), a iniciativa deste não é fato jurídico pelo qual se institui um requisito anteriormente inexistente.” Por fim, importante ressaltar que o plenário do Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a constitucionalidade do referido procedimento nas ADIs ns. 2390, 2859, 2397 e 2386. Ficou assentado o entendimento de que a previsão do artigo 6º da LC 105/01 não caracteriza propriamente “quebra de sigilo”, mas “transferência”, o que não se sujeita ao princípio da cláusula de reserva de jurisdição. 3 – Nulidade por falta de inscrição definitiva do crédito tributário: Como já mencionado, o crime contra a ordem tributária somente se tipifica com o lançamento definitivo do tributo, nos termos da súmula vinculante nº 24 do STF. Logo, a tese defensiva no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário dependa de inscrição em dívida ativa não merece acolhimento. 4 - Mérito recursal: A materialidade delitiva atrelada à corré Elisabete restou devidamente comprovada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais n. 19515.721044/2012-47. A constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 01.06.2012 (fl. 116 da Representação Fiscal Para Fins Penais – ID 155840186). Já quanto ao corréu Gesmo, a Notícia de fato n. 1.34.001.005266/2013-28 informa a constituição definitiva do crédito tributário em 15.08.2012 (fl. 32 – ID 155840188). Quanto ao dolo e à autoria delitivas, as provas produzidas nos autos dão conta de que ambos suprimiram Imposto de Renda Pessoa Física, nos anos-base de 2007 e 2008, ao omitirem da Receita Federal do Brasil ganhos de capital pela realização de operações imobiliárias (alienação e propriedade de imóveis). Segundo as informações obtidas junto às serventias extrajudiciais de Registros de Imóveis e de Tabelionatos de Notas (ID 155840187), verificou-se que os acusados realizaram 43 (quarenta e três) alienações de imóveis. Entretanto, nenhum ganho de capital constou das declarações de ajuste anual apresentadas nos anos 2007 e 2008. A defesa alega a atipicidade da conduta, já que a conduta dos acusados resumir-se-ia à compra e venda de postos de gasolina, através da empresa “Comercial Siqueira LTDA”. O lucro derivaria da reforma do bem imóvel, valorização e posterior alienação, o que por si só não integra a base de cálculo. Primeiramente, tal como já mencionado, ainda em sede de preliminar, a constituição definitiva do crédito tributário é requisito que a Súmula Vinculante n. 24 do STF considera essencial para a caracterização de um fato típico contra a ordem tributária. No caso, houve a constituição regular do crédito, tornando típicos os fatos apurados no presente feito. Ademais, da análise dos autos se verifica que, segundo a testemunha Ana Cláudia Moreira Lima (ID 155840200 a 155840214), antiga funcionária de Gesmo na citada empresa, o serviço de contabilidade era prestado por uma pessoa de nome Kátia, responsável pela documentação de imposto de renda do acusado e outros pagamentos, efetuados por meio de cheques depositados por Gesmo. Neste ponto, a defesa alega que estaria configurada situação de mera irregularidade fiscal, passível apenas de sanção pecuniária. A alegação de atipicidade, no entanto, não encontra respaldo nos autos. Afinal, não há prova de que os tributos deixaram de ser pagos por responsabilidade exclusiva de terceiros. Cabe acrescentar que a defesa sequer arrolou como testemunha a contadora Katia. Ademais, a única testemunha ouvida não confirmou a responsabilidade de terceiros pelas fraudes perpetradas. Por fim, importante salientar que, ainda que devidamente intimados, os corréus não compareceram a interrogatório. Assim, não há dúvida quanto ao fato de que os réus praticaram os fatos a eles imputados na denúncia. Neste sentido, mantenho as condenações dos corréus Gesmo Siqueira dos Santos e Elizabete da Costa Garcia Santos pela prática do delito previsto no artigo 1.º, I, da Lei n. 8.137/1990. Passo então à análise da dosimetria das penas. 5.1 – Gesmo Siqueira dos Santos: Na primeira fase da dosimetria, a pena-base imposta a Gesmo foi fixada acima do mínimo legal, em 03 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão. As circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) foram assim valoradas pelo juízo “a quo”: “Culpabilidade, pois, ao efetuar transações imobilárias, o acusado tinha o dever de conduzir-se com ética, honorabilidade e em colaboração com a atividade fiscal. Motivos do crime: sendo certo que a prática do crime foi impulsionada pela ganância, e pela promessa de dinheiro fácil; e Personalidade, eis que, conforme apontado pelo MPF, há a existência de processos criminais em desfavor do acusado, (fls. 825 e seguintes dos autos físicos) o que demonstra personalidade inclinada para a prática de crimes.” Entendo, porém, que a r. decisão merece reforma. Isso porque a culpabilidade e os motivos do crime são aqueles tidos como normais ao tipo penal. É importante registrar que a personalidade não deve ser sopesada em desfavor do apelante, pois não há nos autos elementos que indiquem seja sua personalidade voltada à prática de crimes. Neste ponto, deve ser acolhida a argumentação da defesa, pois é de rigor ressaltar que inquéritos e ações penais em andamento não podem ser valorados negativamente antes do trânsito em julgado (Súmula 444 do STJ). Assim, na primeira fase da dosimetria, esta E. Turma julgadora entende que, considerando o montante suprimido dos cofres públicos por Gesmo (R$ 126.216,84), impõe-se ao acusado a pena-base de 2 anos, 4 meses e 11 dias-multa. Na segunda fase de aplicação da pena privativa de liberdade, não foram consideradas circunstâncias agravantes, tampouco atenuantes. Por fim, na terceira fase ausentes causas de aumento ou de diminuição de pena. Assim, deve-se fixar a pena definitiva ao acusado Gesmo Siqueira dos Santos em 2 anos, 4 meses de reclusão, além de 11 dias-multa. Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato. Quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, insurge-se a defesa contra a imposição do regime fechado. É pleito que deve ser acolhido. Trata-se, na hipótese, de condenado não reincidente. Considerando o montante de pena imposta, preenchem-se os requisitos do artigo 33, §2º, 'c', do Código Penal, devendo o cumprimento da pena privativa de liberdade se iniciar no regime aberto. Presentes os requisitos do artigo 44, §2º, do Código Penal, substituo essa pena por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade a ser definida pelo juízo da execução penal. 5.2 – Elizabete da Costa Garcia Santos: Tal como o corréu Gesmo, a corré Elizabete recebeu, na primeira fase da dosimetria, a pena de 03 anos, 01 mês e 15 dias de reclusão. Para o juízo “a quo”, a culpabilidade e os motivos do crime revelaram-se mais graves que o ordinário para crimes desta natureza, bem como a existência de processos criminais em curso revelou uma personalidade “inclinada para a prática de crimes”. A r. decisão merece reforma pois, como já analisado, a culpabilidade e os motivos do crime são aqueles tidos como normais ao tipo penal. E a personalidade da agente não deve ser analisada negativamente, na medida em que a existência de inquéritos e de ações penais em andamento não pode ser valorada negativamente antes do trânsito em julgado (Súmula 444 do STJ). Na primeira fase da dosimetria, portanto, considerando o montante suprimido dos cofres públicos por Elizabete (R$ 125.723,23), a pena-base, nos termos do entendimento desta E. Turma julgadora, deve ser de 2 anos, 4 meses e 11 dias-multa. Na segunda fase, não se mostram presentes circunstâncias agravantes ou atenuantes. Por fim, ante a ausência de causas de aumento ou de diminuição na terceira fase, a pena definitiva resulta em 2 anos, 4 meses de reclusão, além de 11 dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato. Nos termos do artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal, deve ser acolhido o pedido da defesa, impondo-se o regime aberto como inicial para cumprimento da pena. É de rigor, outrossim, que se substitua a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade a ser definida pelo juízo da execução penal. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de defesa de Gesmo Siqueira dos Santos e Elizabete da Costa Garcia Santos para reduzir a pena-base atribuída aos acusados, resultando a pena, para cada um dos apelantes, de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além de 11 dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, ficando substituída, para ambos, a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade a ser definida pelo juízo da execução penal. É o voto.
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E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.NULIDADE POR FALTA DE INTIMAÇÃO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL. INSCRIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE, DOLO E AUTORIA COMPROVADOS. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. SÚMULA 444 DO STJ. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.
1 - Quaisquer alegações de vícios em procedimento administrativo não comportam discussão na esfera judicial, em razão da independência entre as instâncias penal, cível e administrativa.
2 - Além dos atos administrativos gozarem de fé pública, a via adequada para impugnar o lançamento depois do exaurimento da via administrativa é a ação anulatória no juízo cível.
3 - A reserva de jurisdição só existe em casos previstos na Constituição Federal. Nos demais, como o caso ora discutido, dispensa-se a autorização prévia, sob a exigência de respeito aos direitos fundamentais previstos na Carta Maior, mas sem a submissão obrigatória e prévia à autoridade jurisdicional.
4 - Materialidade, autoria e dolo devidamente comprovados por meio das provas constantes dos autos.
5 - Não há prova de que os tributos deixaram de ser pagos por responsabilidade exclusiva de terceiros.
6 - A única testemunha ouvida não confirmou a responsabilidade de terceiros pelas fraudes perpetradas.
7 - A personalidade não deve ser sopesada em desfavor dos apelantes, pois não há nos autos elementos que indiquem seja sua personalidade voltada à prática de crimes. Inquéritos e ações penais em andamento não podem ser valorados negativamente antes do trânsito em julgado (Súmula 444 do STJ).
8 - Tratando-se de condenados não reincidentes e considerando o montante de pena imposta, preenchem-se os requisitos do artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal. Regime inicial aberto.
9 - Presentes os requisitos do artigo 44, §2º, do Código Penal, substituo essa pena por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade a ser definida pelo juízo da execução penal.
10 - Recurso da defesa provido em parte.