APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005431-83.2023.4.03.6181
RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE: ALYNE EMILIANO BRAGA CREMASSO, OSVALDO CREMASSO NETO
Advogado do(a) APELANTE: PABLO COELHO CUNHA E SILVA - GO24139-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005431-83.2023.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: ALYNE EMILIANO BRAGA CREMASSO, OSVALDO CREMASSO NETO Advogado do(a) APELANTE: PABLO COELHO CUNHA E SILVA - GO24139-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação criminal interposta por Osvaldo Cremasso Neto e Alyne Emiliano Braga Cremasso contra decisão proferida pelo Juízo da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo (SP) que julgou procedente em parte o pedido de restituição de bens, apenas para autorizar a devolução do aparelho celular e a liberação de valores (R$ 2.323,80) de Alyne (Ids ns. 279960818 e 279960884). Os apelantes sustentam o que segue: a) deve ser reformada a sentença na parte em que manteve a constrição dos numerários da conta bancária de Osvaldo Cremasso Neto e que indeferiu a restituição de cheque no valor de R$ 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil reais), sob o fundamento de insuficiência dos valores bloqueados em face dos valores que supostamente teriam sido movimentados de forma ilícita; b) não foi analisada a documentação que demonstra a licitude da aquisição dos metais (guias de arrematação da CEF que indicam, ainda que por amostragem, a aquisição dos metais por meio de leilão); c) resulta em nulidade a omissão da decisão recorrida no que diz respeito à análise das guias de arrematação e das DIRPFs que acompanham a petição inicial; d) deve ser reconhecida a ofensa ao art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, à garantia do devido processo legal e da ampla defesa (CR, art. 5º, LIV e LV), e a ofensa ao art. 93, IX, da Constituição da República, sob pena de negativa de vigência ao que dispõe o art. 381 do Código de Processo Penal; e) a decisão que determinou a constrição de bens dos apelantes, proferida em março de 2022, extrapola o lapso temporal razoável, “principalmente porque já se passou tempo suficiente para que a autoridade policial concluísse a investigação, sendo, pois, desnecessária a manutenção das medidas constritivas”; f) não houve demonstração de que os bens foram utilizados para a prática dos crimes apurados nem a origem ilícita; g) a manutenção da constrição de bens inviabilizará a gestão da vida civil dos apelantes; h) mesmo que interessem ao processo, os bens devem ser restituídos aos proprietários porque a investigação policial permanece em sua fase inicial; i) nesses termos, postula-se, preliminarmente, a nulidade da sentença por não ter apreciado a tese defensiva sobre a origem lícita dos recursos e, no mérito, a reforma da sentença com a revogação da medida constritiva (Id n. 279960909). O Ministério Público Federal, em contrarrazões, requereu o não provimento do recurso (Id n. 279960914). O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Vinícius Fernando Alves Fermino, manifestou-se pelo conhecimento da apelação apenas em relação a Osvaldo Cremasso Neto. Na parte conhecida, opinou pelo não provimento do recurso (Id n. 280128928). É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005431-83.2023.4.03.6181 RELATOR: Gab. 15 - DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW APELANTE: ALYNE EMILIANO BRAGA CREMASSO, OSVALDO CREMASSO NETO Advogado do(a) APELANTE: PABLO COELHO CUNHA E SILVA - GO24139-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Conhecimento. Acolho a manifestação da Procuradoria Regional da República para conhecer a apelação apenas em relação a Osvaldo Cremasso Neto, uma vez que o Juízo da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo determinou a integral restituição dos bens de Alyne Emiliano Braga Cremasso. Nulidade. Sustenta o apelante a nulidade da decisão que manteve o sequestro de bens porque não houve integral análise da tese defensiva de licitude na aquisição das joias e de licitude dos valores sequestrados, a resultar em violação a princípios constitucionais, em especial aos princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais. A preliminar de nulidade não prospera. A decisão recorrida foi adequadamente fundamentada e as alegações posteriormente deduzidas pelo apelante foram regularmente analisadas. O Juízo a quo considerou haver indícios suficientes de que Osvaldo Cremasso vendeu 184,20 kg (cento e oitenta e quatro quilos e duzentos gramas) de ouro de origem ilícita para as empresas Real Brasil Metais e RBM, pelo valor de R$ 27.844.744,53 (vinte e sete milhões oitocentos e quarenta e quatro mil setecentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e três centavos). Determinado o sequestro de bens, verificou-se que havia apenas R$ 25.652,80 (vinte e cinco mil, seiscentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos) nas contas bancárias de Osvaldo Cremasso. Tendo em vista que o suposto produto ou proveito do crime não foram encontrados, houve sequestro de bens e valores equivalentes, conforme prevê o art. 91, §§ 1º e 2º, do Código Penal (Ids ns. 279960817 e 279960884). Sequestro. Prazo. Razoabilidade. Não resta demonstrada desídia do Ministério Público Federal quanto à propositura da ação penal, à vista da complexidade da matéria investigada, razão pela qual incide o princípio da razoabilidade no que diz à observância do prazo indicado no art. 131, I, do Código de Processo Penal (STJ, AgRg no RMS n. 70.218, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 24.04.23; AgRg no REsp n. 1.749.472, Rel. Mion. Jorge Mussi, j. 04.04.19). Assim, não prospera a pretensão de levantamento do sequestro determinado pelo Juízo a quo em março de 2022. Sequestro de bens. A decisão que deferiu o sequestro de bens foi concreta e adequadamente motivada pelo Juízo a quo. Há indícios suficientes de materialidade e de autoria de delitos diversos, a indicar a necessidade e razoabilidade da medida constritiva. A investigação policial diz respeito em especial a organização criminosa voltada para a extração ilegal de ouro, dissimulação de sua origem ilícita e remessa ao exterior. As diligências realizadas apontam para o envolvimento de diversas pessoas físicas e jurídicas, as quais foram separadas pela Autoridade Policial em diferentes núcleos para melhor compreensão dos fatos. O apelante Osvaldo Cremasso integraria o denominado "Núcleo Goiás" e estaria envolvido com a receptação e o comércio ilegal de ouro, além de lavagem de dinheiro (cf. relatório da Autoridade Policial, Id n. 279960806, esp. pp. 163/171). A Autoridade Policial indicou que, no período de janeiro de 2016 a novembro de 2020, Osvaldo Cremasso vendeu 184,2 kg (cento e oitenta e quatro quilos e duzentos gramas) de ouro para as empresas Real Brasil Metais e RBM – Recuperação Brasileira de Metais. Houve emissão de notas fiscais eletrônicas no total de R$ 27.844.744,53 (vinte e sete milhões oitocentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e três centavos), porém sem a necessária menção a "Permissões de Lavra Garimpeira de Origem”, a indicar que se trata de minério adquirido de garimpos clandestinos, "conduta que, em tese, configura os crimes de Usurpação de bem mineral da União – art. 2º, §1º, da Lei 8.176/1991 ou Receptação qualificada – art. 180, §1º, Código Penal". Ademais, a movimentação bancária de Osvaldo Cremasso, desproporcional ao seu patrimônio declarado, aponta para a prática do delito de lavagem de dinheiro. Para maior clareza, confira-se o seguinte trecho da decisão do Juízo a quo: O bloqueio de valores em conta (sequestro) contestado foi autorizado aos seguintes fundamentos expostos na decisão de ID 245646080 dos autos 5001021-16.2022.403.6181: 3) INDÍCIOS DA PRÁTICA DE DELITO a) Procedimento para Compra Legal de Ouro Conforme esclarecimentos técnicos apresentados nos autos, em uma atividade de venda regular, o garimpeiro ou membro da cadeia produtiva procura uma instituição autorizada pelo Banco Central a operar a compra de ouro na condição de ativo financeiro e vende sua produção, cabendo-lhe promover a declaração de origem do ouro, nos termos do art. 39 da Lei 12.844/2013. Art. 39. A prova da regularidade da primeira aquisição de ouro produzido sob qualquer regime de aproveitamento será feita com base em: I - nota fiscal emitida por cooperativa ou, no caso de pessoa física, recibo de venda e declaração de origem do ouro emitido pelo vendedor identificando a área de lavra, o Estado ou Distrito Federal e o Município de origem do ouro, o número do processo administrativo no órgão gestor de recursos minerais e o número do título autorizativo de extração; e II - nota fiscal de aquisição emitida pela instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil a realizar a compra do ouro. O transporte para fora da região aurífera só pode ser feito depois de vendido o mineral para instituição legalmente autorizada a realizar a compra de ouro de lavra garimpeira (art. 38, §2º, da Lei 12.844/2013): Art. 38. O transporte do ouro, dentro da circunscrição da região aurífera produtora, até 1 (uma) instituição legalmente autorizada a realizar a compra, será acompanhado por cópia do respectivo título autorizativo de lavra, não se exigindo outro documento. § 1º O transporte de ouro referido no caput poderá ser feito também pelo garimpeiro, em qualquer modalidade de trabalho prevista no art. 4º da Lei nº 11.685, de 2 de junho de 2008, pelos seus parceiros, pelos membros da cadeia produtiva, e pelos seus respectivos mandatários, desde que acompanhado por documento autorizativo de transporte emitido pelo titular do direito minerário que identificará o nome do portador, o número do título autorizativo, sua localização e o período de validade da autorização de transporte. § 2º O transporte referido neste artigo está circunscrito à região aurífera produtora, desde a área de produção até uma instituição legalmente autorizada a realizar a compra, de modo que o documento autorizativo terá validade para todos os transportes de ouro realizados pelo mesmo portador. Por meio das Resoluções 1.120/86-BACEN e 1.428/87-CMN o Conselho Monetário Nacional – CMN e o Banco Central do Brasil optaram por “Autorizar os bancos comerciais, os bancos de investimento e as sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários a praticar operações de compra e venda no mercado físico de ouro, por conta própria ou de terceiros” (RES 1.428/87-CMN). O BACEN também definiu regras para o funcionamento e fiscalização dos Postos de Compra de Ouro (Circular 2.501/1994 e Resolução nº. 4.072/2012-BACEN). RESOLUÇÃO Nº 1.120/89 do BACEN Art. 1º A sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários é instituição habilitada à prática das atividades que lhe são atribuídas pelas Leis nºs 4.728, de 14.07.65, 6.385, de 07.12.76, e regulamentação aplicável. Art. 2º A sociedade distribuidora tem por objeto social: (...) XII - praticar operações de compra e venda de metais preciosos no mercado físico, por conta própria e de terceiros, nos termos da regulamentação baixada pelo Banco Central; Assim, a primeira compra de ouro (ouro-ativo financeiro) é atividade exclusiva do BACEN e das Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários -DTVM, devidamente autorizadas e registradas no Banco Central, ocasião em que incide o IOF (imposto sobre operações financeiras) e o royalty da Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM. Após, eventual transformação do ouro-ativo financeiro em ouro-mercadoria depende de aquiescência do BACEN. Além disso, o regime de exploração de ouro pode se dar de duas formas: (i) regime de garimpo artesanal, para pequenos produtores; (ii) regime de mineração, concessão minerária. Conforme esclarecimentos da autoridade policial: “O regime artesanal é para atividade de subsistência, de pessoas que se habilitam para atuação em regime de permissão. Na permissão, há um ato precário, que está baseado em uma licença ambiental simplificada. O ato que outorga a autorização para o garimpo artesanal, ocorreu por meio da PLG (Permissão de Lavra Garimpeira). O segundo modelo, que é a mineração, ocorre pelo licenciamento ambiental completo, e com licença minerária desmembrada em duas fases. Há uma fase de habilitação para atividade econômica, por meio do estudo, e posteriormente, a licença propriamente dita. Observa-se que no caso da atividade de mineração, a autorização ocorre por meio de concessão minerária, um ato complexo. No caso da mineração o ato constitutivo que autoriza a exploração minerária é a Guia de Utilização – GU.” Feitos esses esclarecimentos, passo à análise dos indícios de crime apresentados na representação policial. b) Irregularidades e supostos ilícitos b.1) OMEX e AUTRAN O material apreendido em 6 de agosto de 2019, em Cuiabá/MT, na aeronave de prefixo PR–OPJ, da OM DTVM LTDA. (CNPJ 11.495.073/0001-18), foi periciado conforme Laudo nº 369/2019 e analisado na Informação de Polícia Judiciária 23/2020 (ID 35239926, pág. 23/26, dos autos 5003758-60/2020). Conforme se apurou, o ouro seria encaminhado a AUTRAN METAIS EIRELLI, que faria a purificação do minério e o destinaria à empresa exportadora OMEX COMÉRCIO EXPORTAÇÃO DE METAIS. De acordo com o laudo pericial, verificou-se divergência entre o grau de pureza do ouro identificado no exame pericial e aquele constante nas notas ficais emitidas pela SERABI MINERACAO S.A., CNPJ 04.207.303/0001-30, em favor da OMEX COMERCIO E EXPORTACAO E METAIS PRECIOSOS S/A, CNPJ 21.262.856/0001-05, o que resulta na variação de valor do mineral conforme quadro comparativo elaborado (...). Neste quadro, a análise realizada aponta possível falsidade ideológica na nota fiscal emitida pela SERABI MINERACAO S.A. De acordo com o relatório de análise fiscal complementar às Informações de Pesquisa e Investigação de nº SP20200016 e SP20210003, da Receita Federal, sobre as notas fiscais eletrônicas emitidas pelas empresas OM DTVM LTDA., OMEX COMÉRCIO, AUTRAN METAIS EIRELI, RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA e REAL BRASIL METAIS LTDA, no período de 4/1/2016 a 30/09/2020, as notas fiscais eletrônicas de aquisição de ouro por parte das aludidas empresas totalizaram a seguinte quantidade do minério (pág. 02, id 52229300): OMEX – 14 toneladas e 689 quilogramas de ouro; AUTRAN – 23 toneladas e 141 quilogramas de ouro; RBM – 18 toneladas e 514 quilogramas de ouro; e REAL BRASIL METAIS – 7 toneladas e 980 quilogramas. Consta que a maioria das notas fiscais de compra de ouro bruto emitidas pelas empresas investigadas não informam a existência de Permissão de Lavra Garimpeira – PLG É possível cogitar a mera irregularidade documental na ausência de indicação das PLG nas notas fiscais. Todavia, como há outras irregularidades e fatos indiciários de crimes que serão descritos a seguir, as ausências de tais informações parecem ser deliberadas e justificadas porque inexistia permissão de lavra quanto ao ouro documentado nessas notas fiscais. Nesse contexto, a ausência de indicação nas notas fiscais das respectivas PLG é indiciária de possível aquisição de minério de garimpos clandestinos, conduta que, em tese, configura os crimes de Usurpação de bem mineral da União – art. 2º, §1º, da Lei 8.176/1991 ou Receptação qualificada – art. 180, §1º, Código Penal. b.2) RBM e REAL BRASIL De início, é importante registrar que a RBM - RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A, empresa de VALDEMIR DE MELO, possui 99% do capital social da REAL BRASIL METAIS. Segundo as investigações a REAL BRASIL METAIS seria mera intermediária entre os fornecedores do ouro e a RBM, já que todas as saídas da mercadoria ouro tiveram como destinatária a sua controladora, a empresa RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A. Conforme consta na Informação de Polícia Judiciária 14/2021, no período de 4/1/2016 a 30/9/2020, a RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A emitiu um total de 4.070 Notas Fiscais referente à aquisição de 18,514 toneladas de ouro, sendo 3.970 Notas Fiscais sem indicação da PLG de origem. Já a REAL BRASIL METAIS LTDA emitiu um total de 25.247 Notas Fiscais referente à aquisição de 7,980 toneladas de ouro, sendo 19.948 Notais Fiscais sem indicação da PLG de origem (ID 52229300, pág. 2). (...) Especificamente quanto à RMB e REAL BRASIL, a autoridade policial reuniu outros elementos indicativos das possíveis irregularidades noticiadas na portaria inaugural do IPL. Vejamos. Consta da informação elaborada pela Receita Federal (ID 42468141 autos 5003758-60/2020) que no período de janeiro de 2016 a setembro de 2020, 84,5% de suas aquisições teriam sido feitas de 13.137 pessoas físicas, num valor total da ordem de R$ 986,3 milhões, envolvendo 6.807 kg de ouro. Ainda, observou-se a pulverização da quantidade de fornecedores pessoas físicas no decorrer dos anos. No período entre 2017 e 2019, a quantidade de ouro adquirido aumentou 119%, passando de 1.139,74 kg para 2.500,82 kg, entretanto a quantidade de fornecedores aumentou 3.289%, passando de 306 para 10.370 pessoas físicas. Por outro lado, verificou-se que a quantidade de ouro adquirido com a informação da PLG - Permissão de Lavra Garimpeira na NFe reduziu drasticamente no decorrer dos anos, passando de 91,8% em 2016 para 12,.9% em 2020 (42468141, pág. 48, autos 5003758-60/2020). De acordo com a representação, tal característica que pode indicar a aquisição de ouro direto de garimpeiros (ID 42468141, pág. 47/49). Com relação aos fornecedores pessoas físicas, foram constatados traços em comum, que podem ser indicativos de fraude: - Constituem empresas no ramo de joalheira, pouco antes de iniciarem as vultosas vendas de ouro para a REAL BRASIL METAIS; - Anos anteriores a iniciarem essa rendosa atividade, eram pessoas desempregadas ou possuíam trabalho pouco remunerado, com ganho igual a um salário mínimo, e nível de escolaridade não superior ao ensino médio - Vivem em centros urbanos, distante de garimpos; - Não possuem perfil pessoal ou empresarial em Facebook, site da empresa ou qualquer anúncio que divulgue seu negócio; - As empresas dessas pessoas geralmente são recentes, com o Capital Social de cerca de 60 a 100 mil reais, o que não condiz com as movimentações financeiras delas; - As Notas Fiscais ostentam endereços imprecisos, que não permitiram a localização das joalherias. Com base na informação da RFB, a autoridade policial ressalta, também, que apenas trinta pessoas físicas somam vendas da ordem de R$ 614 milhões, representado 62% do total de R$ 986,3 milhões adquirido pela REAL BRASIL METAIS até o ano de 2020, sendo que algumas possuiriam suposto envolvimento com a extração ilegal de ouro (ID 42468141, pág. 51/54), além de que as movimentações bancárias da REAL BRASIL METAIS e da RBM revelariam a transferência de recursos para regiões de garimpos clandestinos (ID 42468141, pág. 53/58). Além disso, destaca que dentre as trinta pessoas físicas com maior volume de emissão de notas fiscais eletrônicas de aquisição, sem informação dos números das Permissões de Lavra Garimpeira – PLG, 09 (nove) possuem domicílio no interior do Estado de São Paulo, sem histórico de vendas anteriores para a REAL BRASIL, com destaque para as famílias FAGUNDES e PEDROSO, responsáveis pela emissão de notas fiscais correspondentes à negociação de 92,1 kg de ouro (R$ 29.790.666,00) em um período de 7 meses, quais sejam: BIANCA, ALLAN, TATIANE, JEFERSON, RENATA, RICARDO, RAFAEL, ALINE, SEBASTIÃO (ID 42468141, pág. 55) (...) Ademais, das notas fiscais de aquisição do minério de pessoas físicas, foram constatadas 87 (oitenta e sete) notas em que os alienantes eram pessoas já falecidas na data da transação comercial, dentre as quais as seguintes por amostragem (ID 42468141, pág. 59/60 e ID 42469019, pág. 90/94): MARCELINO RODRIGUES DE MELO, CPF 406.486.133-72, falecido em 24/04/2018: figura como recebedor de cento e sessenta e nove mil reais em ouro para a REAL BRASIL METAIS, nas notas fiscais NFe nº 1135, emitido em 18/11/2019; nº 1291, emitida em 22/11/2019; e nº 1516, emitida em 02/12/2019; AUGUSTO ROQUE BROETO, CPF 344.532.451-49, faleceu em 12/01/2018, mas consta como fornecedor de ouro para a REAL BRASIL METAIS em 21/03/2019 e 16/10/2019, conforme notas fiscais eletrônicas nº 4874 e 8655; NILTON GUIMARAES SILVA, CPF 401.436.601-44, faleceu em 31/08/2017 e consta como fornecedor de ouro para a REAL BRASIL METAIS em 03/09/2018 (NFe nº 1793) e 09/07/2019 (NFe nº 4892); MARCOS ANTONIO DEMBOGUSKI, CPF 460.334.240-34, com data de óbito em 23/04/2018 e notas fiscais de venda de ouro datadas de 03/08/2018 e 24/04/2019; EDMILSON DENOBI, CPF 407.919.639-34, falecido em 1998, consta ter vendido ouro para a REAL BRASIL METAIS em 23/08/2018, conforme NFe nº 2497; JAIR DE FRANCA MARTINS, CPF 522.968.571-91, falecido em 1998, consta ter vendido ouro em 15/08/2018 (NFe nº 2410); ANTONIO CARLOS DIAS DE SOUZA, CPF 160.565.402-78, com data de óbito em 2000 e que teria vendido ouro 18/07/2018, conforme NFe nº 185, emitida pela REAL BRASIL METAIS; EDELIR ANTONINHO BERTO, CPF 398.863.790-49, com data de óbito em 2001 e data da venda de ouro em 16/08/2018; e JOAO MARIANO, CPF 327.966.091-20, com data de óbito em 2001 e data de venda de ouro para a REAL BRASIL METAIS em 23/08/2018 (NFe nº 2495). Por fim, há documentos referentes à importação de ouro puro de GANA (pureza superior a 92%), pela RBM - RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS LTDA, sob o regime aduaneiro especial de Drawback (ID 35240258, pág. 19/23), que consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado, o que pode representar utilização fraudulenta do regime aduaneiro, tendo em vista que, em tese, não haveria utilidade no beneficiamento de ouro que já detém grau de pureza elevado (autos 5003758-60/2020 ID 42468141, pág. 14). A ausência de indicação nas notas fiscais das respectivas PLG, somada a todos os elementos suspeitos envolvendo a quantidade e os atributos das pessoas físicas supostamente vendedoras, materializa indícios de aquisição de minério de garimpos clandestinos, conduta que, em tese, amolda-se aos crimes de usurpação de bem mineral da União – art. 2º, §1º, da Lei 8.176/1991 ou receptação qualificada – art. 180, §1º, Código Penal. A emissão de notas fiscais de aquisição do minério de pessoas físicas já falecidas indica possível cometimento de falsidade ideológica. Por fim, há indícios, ainda, da utilização de manobra com o fim de praticar sonegação fiscal. c) Pessoas Físicas Supostamente Envolvidas Representantes da RMB e REAL BRASIL Os indícios da prática de crimes envolvendo as pessoas jurídicas RMB e REAL BRASIL foram acima apresentados, notadamente diante da aquisição de ouro sem comprovação de origem, emissão de notas fiscais falsas em nome de pessoas já falecidas, dentre outros. A representação menciona que VALDEMIR DE MELO JUNIOR e ARTHUR HENRIQUE DE MELO, sócios administradores do grupo RMB e REAL BRASIL, foram investigados pela por possível associação à empresa PARMETAL DTVM LTDA. e suposta extração ilegal de ouro, nos inquéritos policiais 0692/2008-SR/PF/RO, 06/2012-SR/PF/MT e 0043/2014 DPF/PCA/SP. Afirma, ainda, que ARTHUR HENRIQUE DE MELO, filho de VALDEMIR, foi autuado pelo IBAMA em 13 de março de 2017, por ter sido flagrado na atividade ilegal de exploração de ouro, com a utilização de balsas, na Calha do rio Madeira, zona de amortecimento da RDS Rio Madeira e Juma no município de Novo Aripuanã/AM. Destaca também a autoridade policial, a existência de áudios do aplicativo WhatsApp de VALDEMIR DE MELO sugerindo que ele pode ter adquirido ouro proveniente de garimpo ilegal, utilizando as empresas CONFIANÇA METAIS e REAL BRASIL METAIS. Relata, ainda, que VALDEMIR estaria fazendo tratativas para a aquisição de PLGs do Amapá, a fim de dar aparência de legalidade ao ouro comercializado de maneira ilícita, bem como que haveria indicativos de participação de VALDEMIR DE MELO JUNIOR quanto à suspeita de utilização fraudulenta do regime aduaneiro de “drawback”. Além disso, o IPL relacionado a este procedimento também foi instaurado em razão da apreensão de celulares e notebook de VALDEMIR DE MELO JUNIOR no bojo da Operação Jardim das Hespérides, cujo objeto foi a possível existência de uma organização criminosa responsável pelo comércio ilegal de pelo menos 1,2 toneladas de ouro, vinculado à sociedade empresária RBM RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS LTDA. Assim, há indícios de participação dos investigados VALDEMIR e ARTHUR HENRIQUE nos supostos crimes cometidos através das pessoas jurídicas RMB e REAL BRASIL. [...] 5) SEQUESTRO DE BENS E VALORES O sequestro é medida cautelar “antecipativa do perdimento de bens como efeito da condenação, no caso de bens produto do crime ou adquiridos pelo agente com a prática do fato criminoso”, ou seja, tem por finalidade evitar que o acusado tenha vantagem econômica com a prática da infração penal. No caso de bens móveis, o sequestro se aplica se não for cabível a busca e apreensão, que é possível quanto a bens que tenham sido obtidos por meios criminosos ou que sejam instrumentos utilizados na prática de crime (artigo 132 e 140, ambos do CPP). Conclui-se, portanto, que a medida abrange os “produtos (diretos) da infração” – os bens obtidos diretamente por meio criminoso – e os “proventos (indiretos) da infração” – o produto indireto do crime, ou seja, o bem adquirido com o produto direto do delito. A Lei 12.694/12 autorizou que a medida avance sobre o patrimônio lícito do investigado, quando o produto ou o proveito do crime não seja encontrado ou se localize no exterior (artigo 91, §1º, do CP). A possibilidade de constrição de bens do executado em nome de terceiros é referendada pela jurisprudência (...). Os indícios da prática dos crimes de usurpação de bem da união, receptação qualificada, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro foram acima apresentados. A medida de sequestro é útil e necessária para se evitar a existência de vantagem econômica com a prática da infração penal, notadamente o prejuízo da União. O valor indicado pela autoridade policial, R$ 614.000.000,00 (seiscentos e quatorze milhões de reais), corresponde ao valor negociado por trinta pessoas físicas, representando 62% do total de R$ 986,3 milhões adquirido pela REAL BRASIL METAIS até o ano de 2020, sem a indicação de permissão de lavra garimpeira. Tal montante considera que: (i) a REAL BRASIL METAIS não é autorizada a adquirir ouro direto do garimpo ou de outras pessoas não autorizadas; (ii) o valor em ouro exportado pela RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A, de 2016 até agosto de 2020, foi de R$ 4.733.523.406,52 (quatro bilhões, setecentos e trinta e três milhões, quatrocentos e seis reais e cinquenta e dois centavos; (iii) a quantia de R$ 47.335.234,06 (quarenta e sete milhões de reais, trezentos e trinta e cinco mil, duzentos e trinta e quatro reais, e seis centavos), equivale a 1% supostamente sonegado a título de IOF não recolhido sobre o ouro exportado pela RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A. Logo, o valor de indisponibilidade pretendido é proporcional, haja vista que os 614 milhões corresponderiam ao valor mínimo de bens usurpados da União. Por outro lado, não se deve admitir bloqueio de conta corrente dos investigados que não participam do quadro societário das empresas REAL BRASIL METAIS e RBM – RECUPERADORA BRASILEIRA DE METAIS S/A, no patamar global de 614 milhões quando há documentos que indicam a repercussão de cada um dos investigados nos possíveis ilícitos, notadamente os valores movimentados em suas contas correntes. Logo, quanto àquelas pessoas físicas, a indisponibilidade deve ter como teto o valor de ouro vendido às empresas REAL BRASIL e RBM, conforme fundamentação apresentada e indicado na TABELA 2.” (...) Núcleo Goiás I- WILLIAM QUATORZE CREMASSO DE ARAUJO II- FABIANA DE LOURDES QUATORZE CREMASSO DE ARAUJO DUTRA BAIA, III- PEDRO HENRIQUE GONCALVES BOAVENTURA MASCARENHAS; IV- MARCELA DE LOURDES EMILIANO, V- VICTOR HUGO DUTRA BAIA, VI- OSVALDO CREMASSO NETO, VII- LUCAS EMILIANO BRAGA, VIII- SUELI DIAS BARBOSA DOS SANTOS, IX- ALYNE EMILIANO BRAGA CREMASSO, X- SONIA DE LOURDES EMILIANO, XI- DANILO DIAS DUTRA, XII- MELIANE COSTA MASCARENHAS, XIII- LEONARDO ARAÚJO DA SILVA, XIV- RENATA DOLORES PEREIRA DA SILVA, XV- JOEL NEVES DE FREITAS, XVI- ALONSO ROSA DE FARIAS, XVII- EVANDRO JUNIO MARIANO MARTINS. (...) Há indícios do crime de usurpação de bem da União (art. 2º, da Lei 8.176/1991) devido à ausência de notas fiscais de aquisição pelos vendedores ou emissão de notas fiscais eletrônicas de aquisição sem menção às Permissões de Lavra Garimpeira de origem do ouro, quanto à comercialização dos minérios pelo seguinte grupo de pessoas investigadas: (...) OSVALDO CREMASSO – de janeiro de 2016 a novembro de 2020, as empresas REAL BRASIL METAIS e RBM-RECUPERAÇÃO BRASILEIRA DE METAIS emitiram notas fiscais eletrônicas de aquisição de ouro totalizando 184,2 Kg de ouro (R$ 27.844.744,53), sem menção a Permissões de Lavra Garimpeira de origem. (...) ALYNE EMILIANO – de janeiro de 2016 a novembro de 2020, a REAL BRASIL METAIS emitiu notas fiscais eletrônicas de aquisição de ouro totalizando 106,66 Kg de ouro (R$ 16.416.631,80), sem menção a Permissões de Lavra Garimpeira de origem. (...) Ademais, a representação indica vultosa movimentação bancária nas contas dos investigados, desproporcional ao patrimônio declarado à Receita Federal, bem como que os rendimentos provenientes de aplicações financeiras somam valores irrisórios, o que sugere a utilização de contas de passagem, tipologia do crime de lavagem de dinheiro. Nesta situação, foram identificados os seguintes investigados: (...) OSVALDO CREMASSO – a despeito da movimentação bancária superior a R$ 25 milhões de reais, entre janeiro de 2016 a novembro de 2020, seus rendimentos totais em aplicações financeiras, somados os anos de 2016 a 2019, totalizaram R$ 13,40. (...) ALYNE EMILIANO – a despeito da movimentação bancária superior a R$ 10 milhões de reais entre janeiro de 2016 a novembro de 2020, seus rendimentos totais em aplicações financeiras totalizaram R$ 18,67.” Nesse contexto, não se verifica ilegalidade na decisão que julgou parcialmente procedente o pedido de restituição de bens, mantendo a medida constritiva no que diz respeito a Osvaldo Cremasso. Confira-se: Como exposto acima, o pedido de bloqueio de contas foi deferido diante da existência de elementos que apontam ilicitude em operações de ouro realizadas pela RBM/REAL BRASIL, com indicação específica de bloqueio equivalente às transações realizadas entre essa empresa e OSVALDO, ALYNE. Os requerentes afirmam que a origem lícita dos recursos será comprovada oportunamente, o que obviamente não é prova dessa origem ilícita. E de todo modo, trata-se de sequestro do equivalente, que pode atingir bens de origem lícita (artigo 91 par 1 e 2, do CP) Assim, por ora não foram afastados os indícios de ilicitude das operações que justificaram o bloqueio de valores na conta dos requerentes. Além disso, o relatório final da autoridade policial destaca os seguintes indícios de participação do requerente OSVALDO nos fatos investigados, os quais justificam a manutenção da cautelar decretada (ID 294713743, pág. 163): No período de janeiro de 2016 a novembro de 2020, as empresas REAL BRASIL e RBM- RECUPERAÇÃO BRASILEIRA DE METAIS emitiram notas fiscal eletrônicas de aquisição de ouro de OSVALDO, como pessoa física, totalizando 184,20 Kg de ouro e R$ 27.844.744,53 (id 57354761, pág 69, autos 5003758-60.2020.4.03.6181). Não se observa nas notas fiscais de aquisição de ouro por parte das empresas REAL BRASIL METAIS e RBM qualquer menção a Permissões de Lavra Garimpeira de origem do ouro, circunstância que, somada a inexistência de notas fiscais de aquisição do material por parte de OSVALDO, demonstram o comércio de ouro sem origem lícita conhecida (id. 57654761, pág 70, autos 5003758-60.2020.4.03.6181). O relatório aponta também que, apesar da suposta venda de ouro na ordem de R$ 29 milhões e do recebimento em suas contas de R$ 26 milhões de reais, os rendimentos totais das aplicações no período foi de apenas R$ 13,40 na conta de OSVALDO, o que levanta suspeita sobre a utilização da conta apenas para passagem de recursos, operação típica de lavagem de dinheiro, que não foi afastada pelos documentos apresentados no pedido. Também registrou a autoridade policial que, dos milhões de reais referentes a vendas de ouro feitas por OSVALDO, somente R$ 175.496320 correspondem à efetiva aquisição de joias em leilões da Caixa Econômica Federal (ofício 20/2023- SUBAN/GESEC – fls. 447/4439 – ID 283427214, pág. 98/100), ao passo que foram identificadas diversas movimentações bancárias para contas localizadas em regiões de garimpo de ouro, a indicar possível atuação em lavras garimpeiras, e não apenas com joias, o que infirma a justificativa dada para a origem do ouro comercializado. Destaco, ainda, que enquanto não forem afastados os indícios de ilicitude nas transações realizadas com a RBM e REAL BRASIL, torna-se irrelevante a discussão sobre origem lícita dos valores bloqueados na conta corrente. Isso porque o artigo 91, do Código Penal, com redação dada pela Lei 12.694/2012, autoriza que a medida de sequestro avance sobre o patrimônio lícito do investigado para posterior decretação de perda, que é cabível sobre bens e valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados. Por outro lado, a despeito da existência de indícios também relacionados ao nome da esposa de OSVALDO CREMASSO NETO, ALYNE, indiciada no relatório final, o acervo probatório atual deixa dúvidas sobre a efetiva ciência das operações pela requerente, já que OSVALDO assumiu ser o real administrador da empresa HYPER JOIAS, registrada em nome de sua esposa ALYNE, bem como alegou que sua esposa não atua diretamente no ramo de compra e venda de ouro, mas apenas o auxilia nessa atividade. Esta, por sua vez, afirmou que é “do lar”, que já ajudou seu esposo como secretária, mas que não sabe explicar a emissão de notas fiscais de compra de mais de 106 kg de ouro pela REAL BRASIL (ID 294713743, pág. 172/173). Somado a isso, tem-se que as quantias bloqueadas nas contas de ALYNE (R$ 2.323,80) são inexpressivas quando comparada ao montante com suspeita de ilicitude, o que indica a ausência de interesse e de proporcionalidade na manutenção da constrição. Por fim, quanto ao celular da requerente apreendido, diante da informação de que já houve perícia no equipamento, o que permite que a autoridade policial e o MPF utilizem seu conteúdo como prova, imperioso reconhecer a ausência de interesse para a persecução penal na apreensão do objeto. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por ALYNE para autorizar a restituição do aparelho celular marca Iphone 13 Pro Max, bem como a liberação dos valores constritos em conta via Sisbajud (R$ 2.323,80), permanecendo o bloqueio judicial das contas relacionadas a OSVALDO CREMASSO. (Id n. 279960817, destaques no original). No que diz respeito à análise dos documentos , cumpre acrescentar que ao contrário do que afirma Osvaldo Cremasso, não foram juntadas notas fiscais com indicação de Permissão de Lavra Garimpeira de Origem. O extrato referente à aquisição de joias em leilão da Caixa Econômica Federal não permite concluir pela licitude das operações com as empresas Real Brasil Metais e RBM – Recuperação Brasileira de Metais (Id n. 279960788). No mesmo sentido, as DIRPFs que instruíram a petição inicial do pedido de restituição de bens (Ids ns. 279960790 e 279960791). Ademais, conforme ressaltou o Juízo a quo, o sequestro de bens fundamenta-se no disposto no art. 91, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal, vale dizer, a medida assecuratória pode recair abranger bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime, quando estes não forem encontrados, para posterior decretação de perda. Igualmente não prospera a alegação de onerosidade excessiva, à vista dos indícios de prática delitiva, dos valores das operações de venda de ouro reputadas ilícitas e dos valores efetivamente bloqueados. Portanto, não merece reparo a decisão do Juízo a quo que, em sede de embargos de declaração, acrescentou o seguinte: Quanto à alegada onerosidade excessiva no bloqueio de valores em conta corrente, destaco que os transtornos decorrentes da impossibilidade de utilização dos recursos constituem ônus natural da medida cautelar, que só se impõe após autorização judicial e à luz de indícios suficientes da prática de crime, que foram apresentados na decisão de bloqueio parcialmente transcrita na sentença de improcedência do pedido. A esse respeito, cumpre ressaltar que, a despeito da movimentação com suspeita de ilicitude ter se dado na ordem de R$ 29 milhões de reais, houve efetivo bloqueio de R$ 25.652,80. Logo, eventual recebimento de valores na conta corrente bloqueada deveria se somar o montante do bloqueio judicial, não havendo que se falar em eventuais transtornos decorrentes da impossibilidade de recebimento de quantias nas contas, razão pela qual deve ser mantida a constrição até ulterior ordem. O mesmo se diga quanto ao cheque apreendido (R$ 335.000,00), que não pode ser restituído em razão da insuficiência do bloqueio realizado em face do montante supostamente ilícito movimentado. Quanto à possibilidade de indicação de outros bens suscetíveis para indisponibilidade, os requerentes podem indicar os referidos bens para oportuna apreciação do juízo, desde que suficientes para garantir o montante total da ordem de bloqueio correspondente à movimentação suspeita, na ordem de R$ 29 milhões de reais. Reitero a impossibilidade de substituição dos bens bloqueados enquanto insuficiente a constrição judicial realizada. 2) Alegada contradição Os embargantes alegam contradição na sentença, uma vez que foi deferido desbloqueio de valores na conta de ALYNE ao fundamento de que os valores constritos seriam inexpressivos, ao passo que mantido bloqueio dos valores pertencentes a OSVALDO, que na visão dos embargantes também seriam muito inferiores ao valor do suposto proveito do crime. Em primeiro lugar, destaco que a inexpressividade dos valores bloqueados na conta de ALYNE (R$ 2.323,80) não constituiu argumento isolado para autorizar a restituição, o que por si só justifica a inexistência da alegada contradição. O fundamento apontado se somou à existência de dúvida razoável acerca da ciência dos fatos por parte de ALYNE, já que OSVALDO teria alegado que ela não tinha conhecimento dos fatos suspeitos de ilicitude, mas apenas atuação secundária, quadro que, por ora, não se verificou quanto a OSVALDO. Confira-se trecho extraído da decisão de improcedência do pedido de OSVALDO: “OSVALDO assumiu ser o real administrador da empresa HYPER JOIAS, registrada em nome de sua esposa ALYNE, bem como alegou que sua esposa não atua diretamente no ramo de compra e venda de ouro, mas apenas o auxilia nessa atividade. Esta, por sua vez, afirmou que é “do lar”, que já ajudou seu esposo como secretária, mas que não sabe explicar a emissão de notas fiscais de compra de mais de 106 kg de ouro pela REAL BRASIL (ID 294713743, pág. 172/173)”. Além disso, os valores de cada um dos requerentes não são semelhantes, já que os montantes bloqueados nas contas de OSVALDO (R$ 25.652,80) representam aproximadamente 10 (dez) vezes os valores constritos nas contas de ALYNE (R$ 2.323,80), o que também é relevante para a análise da proporcionalidade de cada um dos bloqueios. Portanto, não há contradição a ser sanada. Ante o exposto, CONHEÇO dos embargos e os ACOLHO PARCIALMENTE, para modificar a sentença de ID 295922988, nos termos da fundamentação supra, que fica fazendo parte do julgado. (Id n. 279960884, destaques no original) Ante o exposto, CONHEÇO EM PARTE da apelação e, na parte conhecida, REJEITO a preliminar de nulidade e NEGO PROVIMENTO à apelação de Osvaldo Cremasso Neto. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSO PENAL. RESTITUIÇÃO DE BENS. APELAÇÃO. CONHECIMENTO PARCIAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. PRAZO. SEQUESTRO. RAZOABILIDADE. MEDIDA CONSTRITIVA MANTIDA.
1. Acolhida a manifestação da Procuradoria Regional da República para conhecer a apelação apenas em relação a Osvaldo, uma vez que o Juízo da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo determinou a integral restituição dos bens de Alyne.
2. Não prospera a preliminar de nulidade por ofensa a princípios constitucionais, em especial aos princípios do contraditório e da fundamentação das decisões judiciais. O Juízo a quo considerou haver indícios suficientes de que Osvaldo vendeu 184,20 kg (cento e oitenta e quatro quilos e duzentos gramas) de ouro de origem ilícita para as empresas investigadas. Determinado o sequestro de bens, verificou-se que havia apenas R$ 25.652,80 (vinte e cinco mil, seiscentos e cinquenta e dois reais e oitenta centavos) nas contas bancárias de Osvaldo. Tendo em vista que o suposto produto ou proveito do crime não foram encontrados, houve sequestro de bens e valores equivalentes, conforme prevê o art. 91, §§ 1º e 2º, do Código Penal.
3. Não resta demonstrada desídia do Ministério Público Federal quanto à propositura da ação penal, à vista da complexidade da matéria investigada, razão pela qual incide o princípio da razoabilidade no que diz à observância do prazo indicado no art. 131, I, do Código de Processo Penal (STJ, AgRg no RMS n. 70.218, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 24.04.23; AgRg no REsp n. 1.749.472, Rel. Mion. Jorge Mussi, j. 04.04.19). Assim, não prospera a pretensão de levantamento do sequestro determinado pelo Juízo a quo em março de 2022.
4. A decisão que deferiu o sequestro de bens foi concreta e adequadamente motivada pelo Juízo a quo. Há indícios suficientes de materialidade e de autoria de delitos diversos, a indicar a necessidade e razoabilidade da medida constritiva. A investigação policial diz respeito em especial a organização criminosa voltada para a extração ilegal de ouro, dissimulação de sua origem ilícita e remessa ao exterior. As diligências realizadas apontam para o envolvimento de diversas pessoas físicas e jurídicas, as quais foram separadas pela Autoridade Policial em diferentes núcleos para melhor compreensão dos fatos. O apelante Osvaldo integraria o denominado "Núcleo Goiás" e estaria envolvido com a receptação e o comércio ilegal de ouro, além de lavagem de dinheiro (cf. relatório da Autoridade Policial, Id n. 279960806, esp. pp. 163/171). A Autoridade Policial indicou que, no período de janeiro de 2016 a novembro de 2020, Osvaldo Cremasso vendeu 184,2 kg (cento e oitenta e quatro quilos e duzentos gramas) de ouro para as empresas Real Brasil Metais e RBM – Recuperação Brasileira de Metais. Houve emissão de notas fiscais eletrônicas no total de R$ 27.844.744,53 (vinte e sete milhões oitocentos e quarenta e quatro reais e cinquenta e três centavos), porém sem a necessária menção a "Permissões de Lavra Garimpeira de Origem”, a indicar que se trata de minério adquirido de garimpos clandestinos, "conduta que, em tese, configura os crimes de Usurpação de bem mineral da União – art. 2º, §1º, da Lei 8.176/1991 ou Receptação qualificada – art. 180, §1º, Código Penal". Ademais, a movimentação bancária de Osvaldo, desproporcional ao seu patrimônio declarado, aponta para a prática do delito de lavagem de dinheiro. Nesse contexto, não se verifica ilegalidade na decisão que manteve a medida constritiva no que diz respeito a Osvaldo.
5. No que concerne à análise dos documentos , cumpre acrescentar que ao contrário do que afirma Osvaldo, não foram juntadas notas fiscais com indicação de Permissão de Lavra Garimpeira de Origem. O extrato referente à aquisição de joias em leilão da Caixa Econômica Federal não permite concluir pela licitude das operações com as empresas investigadas (Id n. 279960788). No mesmo sentido, as DIRPFs que instruíram a petição inicial do pedido de restituição de bens (Ids ns. 279960790 e 279960791). Ademais, conforme ressaltou o Juízo a quo, o sequestro de bens fundamenta-se no disposto no art. 91, §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal, vale dizer, a medida assecuratória pode recair abranger bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime, quando estes não forem encontrados, para posterior decretação de perda.
6. Igualmente não prospera a alegação de onerosidade excessiva, à vista dos indícios de prática delitiva, dos valores das operações de venda de ouro reputadas ilícitas e dos valores efetivamente bloqueados.
7. Apelação conhecida em parte. Na parte conhecida, rejeitada a preliminar de nulidade e negado provimento ao recurso.