Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003968-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: BANCO BRADESCO SA

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO HENRIQUE GONCALVES - SP131351-A, PAULO GUILHERME DARIO AZEVEDO - SP253418-A

PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: DENISE FERRAZ SOARES, RUI FERRAZ DE ALBUQUERQUE

Advogado do(a) APELADO: GERSON DA SILVA - PR24197-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003968-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: BANCO BRADESCO SA

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO HENRIQUE GONCALVES - SP131351-A, PAULO GUILHERME DARIO AZEVEDO - SP253418-A
PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: DENISE FERRAZ SOARES, RUI FERRAZ DE ALBUQUERQUE

Advogado do(a) APELADO: GERSON DA SILVA - PR24197-A

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação à sentença que, em ação ordinária, condenou os réus a declararem quitada dívida de financiamento imobiliário e providenciarem baixa do gravame hipotecário, fixada verba honorária de 10% do valor da causa.

Alegou-se que: (1) o contrato foi habilitado ao FCVS para apuração e cobertura do saldo residual, porém, após análise documental, foi contatada inconformidade pela multiplicidade de imóveis, ensejando negativa de cobertura do saldo; (2) na época da assinatura do contrato, não tinha ciência de que a apelada possuía mais de uma aquisição pelo SFH, pois tal informação era de responsabilidade do mutuário, nos termos da Circular 1214/1987, com redação dada pelo artigo 30 da Lei 10.150/2000; (3) soubesse da informação não teria procedido com o contrato, já que a lei vigente à época proibia mais de uma aquisição pelo SFH, não cabendo quitação do saldo residual de segundo financiamento com recursos do FCVS; e (4) os honorários advocatícios não podem ter caráter punitivo e devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, isentando ou reduzindo a condenação da apelante. 

Houve contrarrazões.

É o relatório.

 

 


 

 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003968-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA

APELANTE: BANCO BRADESCO SA

Advogados do(a) APELANTE: BRUNO HENRIQUE GONCALVES - SP131351-A, PAULO GUILHERME DARIO AZEVEDO - SP253418-A
PARTE RE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
APELADO: DENISE FERRAZ SOARES, RUI FERRAZ DE ALBUQUERQUE

Advogado do(a) APELADO: GERSON DA SILVA - PR24197-A

 

 

 

 

 V O T O

 

 

Senhores Desembargadores, discute-se quitação de saldo devedor remanescente de financiamento com recursos do Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS, pelo mutuário que adquiriu mais de um imóvel na mesma localidade.

Primeiramente, cumpre destacar que o Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS foi criado em 1967 para garantir ao mutuário limite de prazo para amortização de dívida junto ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, assegurando às instituições financeiras ressarcimento de eventuais saldos devedores residuais de financiamentos habitacionais.

Assim, ao término do prazo contratual, e pagas todas as prestações devidas, no caso de ser apurado eventual saldo devedor residual, em decorrência de discrepância entre reajuste da prestação e cálculo do saldo devedor, nos contratos cobertos pela garantia, o FVCS responde pela liquidação do saldo remanescente do financiamento imobiliário concedido ao mutuário.

É pertinente citar, a propósito, que o § 1º do artigo 9º da Lei 4.380/1964, que dispunha que "pessoas que já forem proprietários, promitentes compradores ou cessionárias de imóvel residencial na mesma localidade não poderão adquirir imóveis objeto de aplicação pelo sistema financeiro da habitação", foi posteriormente revogado pela MP 2.197-43/2001.

Igualmente, o artigo 3º da Lei 8.100/1990, que na redação original, previa que "o Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, inclusive os já firmados no âmbito do SFH", foi alterado pelo artigo 4º da Lei 10.150/2000, objeto da conversão da MP 1.981-54/2000, passando a vigorar com a seguinte redação:

 

"Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (...)"

 

Neste ponto, cabe ponderar que a redação original do artigo 9º, § 1º, da Lei 4.380/1964 não previu expressamente a perda pelo mutuário da cobertura do FCVS contratada. 

Ademais, além de não ser aplicável a vedação do artigo 3º da Lei 8.100/1990 a fatos ocorridos antes de sua vigência, em respeito aos princípios do ato jurídico perfeito e da irretroatividade da lei, a própria alteração superveniente da legislação reforçou o direito do mutuário à quitação de mais de um eventual saldo remanescente pelo FCVS, relativamente aos contratos firmados até 05/12/1990.

Reforça tal entendimento a jurisprudência firmada e consolidada, a propósito:

 

REsp 1.133.769, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 18/12/2009: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO. LEGITIMIDADE. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. SUCESSORA DO EXTINTO BNH E RESPONSÁVEL PELA CLÁUSULA DE COMPROMETIMENTO DO FCVS. CONTRATO DE MÚTUO. DOIS OU MAIS IMÓVEIS, NA MESMA LOCALIDADE, ADQUIRIDOS PELO SFH COM CLÁUSULA DE COBERTURA PELO FCVS. IRRETROATIVIDADE DAS LEIS 8.004/90 E 8.100/90. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO (SÚMULAS 282 E 356/STF. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. 1. A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o pólo passivo das demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH, porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e responsável pela cláusula de comprometimento do FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais, sendo certo que a ausência da União como litisconsorte não viola o artigo 7.º, inciso III, do Decreto-lei n.º 2.291, de 21 de novembro de 1986. Precedentes do STJ: CC 78.182/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ de 15/12/2008; REsp 1044500/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 22/08/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; e REsp 684.970/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 20/02/2006. 2. As regras de direito intertemporal recomendam que as obrigações sejam regidas pela lei vigente ao tempo em que se constituíram, quer tenham base contratual ou extracontratual. 3. Destarte, no âmbito contratual, os vínculos e seus efeitos jurídicos regem-se pela lei vigente ao tempo em que se celebraram, sendo certo que no caso sub judice o contrato foi celebrado em 27/02/1987 (fls. 13/20) e o requerimento de liquidação com 100% de desconto foi endereçado à CEF em 30.10.2000 (fl. 17). 4. A cobertura pelo FCVS - Fundo de Compensação de Variação Salarial é espécie de seguro que visa a cobrir eventual saldo devedor existente após a extinção do contrato, consistente em resíduo do valor contratual causado pelo fenômeno inflacionário. 5. Outrossim, mercê de o FCVS onerar o valor da prestação do contrato, o mutuário tem a garantia de, no futuro, quitar sua dívida, desobrigando-se do eventual saldo devedor, que, muitas vezes, alcança o patamar de valor equivalente ao próprio. 6. Deveras, se na data do contrato de mútuo ainda não vigorava norma impeditiva da liquidação do saldo devedor do financiamento da casa própria pelo FCVS, porquanto preceito instituído pelas Leis 8.004, de 14 de março de 1990, e 8.100, de 5 de dezembro de 1990, fazê-la incidir violaria o Princípio da Irretroatividade das Leis a sua incidência e conseqüente vedação da liquidação do referido vínculo. 7. In casu, à época da celebração do contrato em 27/02/1987 (fls. 13/20) vigia a Lei n.º 4.380/64, que não excluía a possibilidade de o resíduo do financiamento do segundo imóvel adquirido ser quitado pelo FCVS, mas, tão-somente, impunha aos mutuários que, se acaso fossem proprietários de outro imóvel, seria antecipado o vencimento do valor financiado. 8. A alteração promovida pela Lei n.º 10.150, de 21 de dezembro de 2000, à Lei n.º 8.100/90 tornou evidente a possibilidade de quitação do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, aos contratos firmados até 05.12.1990. Precedentes do STJ: REsp 824.919/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ de 23/09/2008; REsp 902.117/AL, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, DJ 01/10/2007; REsp 884.124/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJ 20/04/2007 e AgRg no Ag 804.091/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 24/05/2007. 9. O FCVS indicado como órgão responsável pela quitação pretendida, posto não ostentar legitimatio ad processum, arrasta a competência ad causam da pessoa jurídica gestora, responsável pela liberação que instrumentaliza a quitação. 11. É que o art. º da Lei 8.100/90 é explícito ao enunciar: "Art. 3º O Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. (Redação dada pela Lei nº 10.150, de 21.12.2001) 12. A Súmula 327/STJ, por seu turno, torna inequívoca a legitimatio ad causam da Caixa Econômica Federal (CEF). 14. A União, ao sustentar a sua condição de assistente, posto contribuir para o custeio do FCVS, revela da inadequação da figura de terceira porquanto vela por "interesse econômico" e não jurídico. 15. A simples indicação do dispositivo legal tido por violado (art. 6º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF. 17. Ação ordinária ajuizada em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL -CEF, objetivando a liquidação antecipada de contrato de financiamento, firmado sob a égide do Sistema Financeiro de Habitação, nos termos da Lei 10.150/2000, na qual os autores aduzem a aquisição de imóvel residencial em 27.02.1987 (fls. 13/20) junto à Caixa Econômica Federal, com cláusula de cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais, motivo pelo qual, após adimplidas todas a prestações mensais ajustadas para o resgate da dívida, fariam jus à habilitação do saldo devedor residual junto ao mencionado fundo. 18. Recurso Especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008"

 

AgRg no REsp 599.994, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 15/5/2008: "ADMINISTRATIVO - AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL - SFH - FCVS - DUPLA COBERTURA - MATÉRIA DE FATO. 1. IMPOSSIBILIDADE DE FINANCIAMENTO DE IMÓVEIS DISTINTOS NA MESMA LOCALIDADE. Sendo essa a única tese do agravo, registre-se que o acórdão do TRF-1 não se pronunciou sobre o fato de serem os imóveis localizados no mesmo município. Sua omissão não foi objeto de embargos declaratórios. É impossível o exame dessa matéria sem que haja conflito com a Súmula 7/STJ. 2. DUPLA COBERTURA. Como obiter dictum, ressalte-se que o contrato de mútuo foi assinado aos 30.7.1987. É pacífico o entendimento no STJ de que as restrições das Leis 8.004/1990 e 8.100/1990 à quitação pelo FCVS de imóveis financiados na mesma localidade não se aplicam aos contratos celebrados anteriormente à vigência dessas normas legais. A Lei 4.380/1964 proibia a duplicidade de financiamento imobiliário, sem, contudo, punir o mutuário com a perda da cobertura do FCVS. Agravo regimental improvido."

 

ApCiv 0001433-56.2015.4.03.6123, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, Intimação via sistema 14/03/2023: "APELAÇÃO. CIVIL. QUITAÇÃO DE FINANCIAMENTO. SALDO RESIDUAL. COBERTURA DO FCVS. LIBERAÇÃO DE HIPOTECA. APELAÇÃO PROVIDA. I - A presente ação foi ajuizada com o intuito de obter a adjudicação compulsória de imóvel e a liberação de hipoteca sobre ele constituída após a quitação de prestações de financiamento imobiliário. A resistência ao pleito foi justificada pela existência de multiplicidade de financiamentos que impediriam a cobertura de saldo residual pelo FCVS. O juízo a quo entendeu que o pedido formulado na inicial não abarcaria o pedido de cobertura. II - Conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, não se vislumbra o vício de julgamento extra petita na hipótese em que o juízo, adstrito às circunstâncias fáticas (causa de pedir remota) e ao pedido constante nos autos, procede à subsunção normativa com amparo em fundamentos jurídicos diversos dos esposados pelo autor e refutados pelo réu. O julgador não viola os limites da causa quando reconhece os pedidos implícitos formulados na inicial, não estando restrito apenas ao que está expresso no capítulo referente aos pedidos, sendo-lhe permitido extrair da interpretação lógico-sistemática da peça inicial aquilo que se pretende obter com a demanda. Este entendimento harmoniza o princípio da congruência com os princípios da primazia do julgamento de mérito, da duração razoável do processo, da instrumentalidade e efetividade do processo, conforme teor do art. 4º, art. 6º, art. 141 e art. 492 do CPC, além do art. 5º, LXXVIII da CF. III - A assunção de dívida, em regra, exige o consentimento do credor para ter validade nos termos do art. 299 do CC. Nas ações que discutem o direito do devedor "gaveteiro" a obter cobertura de saldo residual pelo FCVS, no entanto, deve-se observar o teor do art. 22 da Lei 10.150/00. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o dispositivo, proferiu julgamento de recurso especial pelo rito dos recursos representativos de controvérsia, art. 543-C do CPC/73 (REsp 1.150.429/CE). IV - Desta forma, no âmbito de mútuos para aquisição de imóvel garantidos pelo FCVS, se os chamados "contratos de gaveta" foram avençados até 25/10/96 sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos, precisamente a hipótese dos autos. V - O Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), criado pela Resoluções do Conselho da Administração do extinto Banco Nacional da Habitação, RC nº 25/67 e RC nº 36/69, com a finalidade de garantir limite de prazo para amortização da dívida aos adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação. VI - Nos contratos vinculados ao fundo, ao término do prazo contratual, pode subsistir saldo devedor residual, em decorrência das condições de reajuste da prestação e amortização da dívida em contraste com a correção do saldo devedor. Nestas condições, se o contrato for vinculado ao fundo, e uma vez pagas todas as prestações a que inicialmente se obrigara o mutuário, os recursos do FCVS garantem a liquidação do saldo devedor junto ao credor mutuante. VII - A despeito da redação do art. 3º da Lei 8.100/90 ser expressa, em respeito ao princípio da irretroatividade das leis, é pacífico o entendimento de que a parte final do dispositivo não deve ser aplicada, restando inequívoca a possibilidade de cobertura de mais de um saldos devedor pelo Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS, quando a celebração do contrato se deu anteriormente à vigência do art. 3º da Lei nº 8.100/90. VIII - Cabe ressaltar que a quitação pelo FCVS de saldos devedores remanescentes de financiamentos adquiridos anteriormente a 5 de dezembro de 1990 (data da entrada em vigor da Lei nº 8.100/90) tornou-se ainda mais evidente com a conversão da Medida Provisória 1.981-54/00 na Lei nº 10.150/2000, que por meio de seu artigo 4º alterou a redação do artigo 3º da Lei nº 8.100/90. IX - Deve-se acrescentar que, mesmo para aqueles mutuários que adquiriram mais de um imóvel numa mesma localidade, não há como se inferir que a vedação originalmente contida no artigo 9º, § 1º, da Lei nº 4.380/64, posteriormente revogada pela MP 2.197-43/01, teria como consequência a perda da cobertura do FCVS que foi contratualmente prevista. Não é admissível que a parte mutuante afirme o desrespeito ao referido dispositivo legal, apenas para o fim de negar a quitação do saldo devedor residual (consequência que, como visto, não é prevista na norma), reputando válidos os demais termos do negócio jurídico. X - Se as instituições financeiras defendem que os mutuários firmaram o contrato em desacordo com os comandos da lei, ocultando o financiamento anterior de imóvel situado na mesma localidade, compete-lhes promover a rescisão do contrato, pleiteando sejam imputadas aos mutuários as penalidades em tese cabíveis. Não lhes é lícito, contudo, reputar válido o contrato naquilo que lhes aproveita (o recebimento das prestações, por exemplo), e negar validade no que, em tese, lhes prejudica (a cobertura do saldo devedor pelo FCVS). Nesse sentido, corroborando os entendimentos supracitados, o Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial pelo rito do artigo 543-C do CPC (REsp 1133769/RN). XI - No caso dos autos, o primeiro Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra, foi firmado em 30/04/1988, enquanto o Contrato de Cessão de Direitos e Assunção de Dívidas, comInterveniência - Anuência da Cia. Regional de Habitações de Interesse Social - CRHIS foi firmado em 30/03/1993. Não havendo controvérsia quanto à quitação do número de prestações inicialmente contratado, não subsistem fundamentos a amparar a negativa formulada. XII - Eventual divergência entre as instituições financeiras, que figuram como fornecedoras na relação entabulada com a parte Autora, ou mesmo com a União, deverá ser discutida em ação própria, não servindo de óbice ao seu pleito. Qualquer óbice ao cumprimento da condenação deverá ser apresentado ao juízo que conduzir o cumprimento da decisão. Em prestígio, uma vez mais, aos princípios da duração razoável do processo, da boa-fé e da cooperação entre as partes, positivados nos artigos 4º, 5º e 6º do CPC. XIII - Apelação provida para reconhecer o direito à cobertura do saldo residual pelo FCVS, condenando as corrés a reconhecer a quitação das obrigações assumidas pela parte Autora, e a liberar a hipoteca constituída sobre o imóvel, permitindo o registro do imóvel em seu nome. Honorários advocatícios devidos em 10% da condenação em favor da parte Autora a ser dividido entre as corrés."

 

ApCiv 0008121-11.2012.4.03.6100, Rel. Des. Fed. VALDECI DOS SANTOS, DJEN 07/10/2022: "CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO PROFERIDA NOS TERMOS DO ART. 932, IV DO CPC EM CONFORMIDADE COM RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRISA. COBERTURA DE SALDO RESIDUAL PELO FCVS. DUPLICIDADE DE FINANCIAMENTO. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA "CONTRATO DE GAVETA". PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I - A argumentação apresentada pela CEF em sede de agravo interno representa mera reiteração das teses já apresentadas e enfrentadas no julgamento da apelação, razão pela qual reitera-se o teor da decisão monocrática impugnada. II - A assunção de dívida, em regra, exige o consentimento do credor para ter validade nos termos do art. 299 do CC. Nas ações que discutem o direito do devedor "gaveteiro" a obter cobertura de saldo residual pelo FCVS, no entanto, deve-se observar o teor do art. 22 da Lei 10.150/00. O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o dispositivo, proferiu julgamento de recurso especial pelo rito dos recursos representativos de controvérsia, art. 543-C do CPC/73 (REsp 1.150.429/CE). III - Desta forma, no âmbito de mútuos para aquisição de imóvel garantidos pelo FCVS, se os chamados "contratos de gaveta" foram avençados até 25/10/96 sem a interveniência da instituição financeira, o cessionário possui legitimidade para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos, precisamente a hipótese dos autos. IV - O Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), criado pela Resoluções do Conselho da Administração do extinto Banco Nacional da Habitação, RC nº 25/67 e RC nº 36/69, com a finalidade de garantir limite de prazo para amortização da dívida aos adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação. Nos contratos vinculados ao fundo, ao término do prazo contratual, pode subsistir saldo devedor residual, em decorrência das condições de reajuste da prestação e amortização da dívida em contraste com a correção do saldo devedor. Nestas condições, se o contrato for vinculado ao fundo, e uma vez pagas todas as prestações a que inicialmente se obrigara o mutuário, os recursos do FCVS garantem a liquidação do saldo devedor junto ao credor mutuante. V - A respeito da legislação aplicável ao FCVS, a redação original do artigo 3º da Lei 8.100/90 dispunha  que o FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, inclusive os já firmados no âmbito do SFH. VI - A despeito da redação ser expressa, em respeito ao princípio da irretroatividade das leis, é pacífico o entendimento de que a parte final do dispositivo não deve ser aplicada, restando inequívoca a possibilidade de cobertura de mais de um saldos devedor pelo Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS, quando a celebração do contrato se deu anteriormente à vigência do art. 3º da Lei nº 8.100/90. VII - Cabe ressaltar que a quitação pelo FCVS de saldos devedores remanescentes de financiamentos adquiridos anteriormente a 5 de dezembro de 1990 (data da entrada em vigor da Lei nº 8.100/90) tornou-se ainda mais evidente com a conversão da Medida Provisória 1.981-54/00 na Lei nº 10.150/2000, que por meio de seu artigo 4º alterou a redação do artigo 3º da Lei nº 8.100/90, para destacar que o FCVS quitará somente um saldo devedor remanescente por mutuário ao final do contrato, exceto aqueles relativos aos contratos firmados até 5 de dezembro de 1990, ao amparo da legislação do SFH, independentemente da data de ocorrência do evento caracterizador da obrigação do FCVS. VIII - Deve-se acrescentar que, mesmo para aqueles mutuários que adquiriram mais de um imóvel numa mesma localidade, não há como se inferir que a vedação originalmente contida no artigo 9º, § 1º, da Lei nº 4.380/64, posteriormente revogada pela MP 2.197-43/01, teria como consequência a perda da cobertura do FCVS que foi contratualmente prevista. Não é admissível que a parte mutuante afirme o desrespeito ao referido dispositivo legal, apenas para o fim de negar a quitação do saldo devedor residual (consequência que, como visto, não é prevista na norma), reputando válidos os demais termos do negócio jurídico. Se as instituições financeiras defendem que os mutuários firmaram o contrato em desacordo com os comandos da lei, ocultando o financiamento anterior de imóvel situado na mesma localidade, compete-lhes promover a rescisão do contrato, pleiteando sejam imputadas aos mutuários as penalidades em tese cabíveis. Não lhes é lícito, contudo, reputar válido o contrato naquilo que lhes aproveita (o recebimento das prestações, por exemplo), e negar validade no que, em tese, lhes prejudica (a cobertura do saldo devedor pelo FCVS). Nesse sentido, corroborando os entendimentos supracitados, o Superior Tribunal de Justiça julgou Recurso Especial pelo rito do artigo 543-C do CPC (REsp 1.133.769/RN). IX - Caso em que a assinatura do contrato de mútuo original deu-se em 28/06/1985 e o contrato de assunção de dívida, "de gaveta", foi assinado em 06/10/1989, antes das datas limite fixadas no texto legal acima transcrito, 5 de dezembro de 1990 e 25 de outubro de 1996, demonstrando, portanto, o enquadramento na hipótese que permite a cobertura do saldo residual pelo FCVS. Assim, presentes os requisitos legais, deve ser mantida a sentença que reconheceu o direito dos autores. X - A CEF protesta que a efetivação da cobertura residual deve ser feita por meio de procedimento administrativo próprio. Eventual divergência entre as instituições financeiras, que figuram como fornecedoras na relação entabulada com a parte Autora, ou mesmo com a União, deverá ser discutida em ação própria, não servindo de óbice ao seu pleito. XI - Com efeito, caberia às corrés observar o princípio da concentração, nos termos positivados pelo art. 336 do CPC, segundo o qual incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir. XII - A pretensão de transformar o cumprimento de sentença em procedimento administrativo, sujeito a recusas não discutidas judicialmente, fragilizaria o julgamento do mérito da ação. Qualquer óbice ao cumprimento da condenação deverá ser apresentado ao juízo que conduzir o cumprimento da decisão. O pleito da apelante, desta forma, atenta contra os princípios da duração razoável do processo, da boa-fé e da cooperação entre as partes, positivados nos artigos 4º, 5º e 6º do CPC. XIII - Honorários já majorados pela decisão monocrática impugnada. XIV - Agravo interno improvido."

 

Na espécie, consta da matrícula 68.859 do 8º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo, referente ao "apartamento nº 13, localizado no 1º andar do Bloco 01, integrante do Conjunto Residencial Parque do Estado, situado à Avenida Miguel Stefano, nº 1973, na Água Branca", que o mesmo foi transmitido, por instrumento particular de venda e compra de 21/03/1983 a "Percival Tirapeli e sua mulher Laura Carneiro Pereira Tirapeli", e segundo o registro "2/68.859" que estes "deram o imóvel matriculado, em primeira e especial hipoteca, a favor da SEULAR - Associação de Poupança e Empréstimo" (ID 280831238, f. 1/2).

No registro "7/68.859" da mesma matrícula consta, ainda, que por instrumento particular de venda e compra de 21/06/1985, os antigos proprietários transmitiram o imóvel a "Denise Ferraz Soares (...) e Rui Ferraz de Albuquerque" (idem, f. 3).

Verifica-se na averbação "8/68.859" que "Denise Ferraz Soares e Rui Ferraz de Albuquerque", com "a concordância da credora, BCN - SEULAR Crédito Imobiliário S/A" sub-rogaram-se "nas obrigações decorrentes da dívida hipotecária a que se referem o registro nº 2 desta matrícula", permanecendo "inalterada a caução/averbação sob nº 4, em favor do Banco Nacional da Habitação, que comparece como interveniente no aludido instrumento particular".

Registre-se que no instrumento particular de venda e compra com substituição do devedor hipotecário, de 21/06/1985, constou na cláusula sétima, parágrafo quarto, que "juntamente com as prestações mensais, os compradores pagarão os prêmios dos seguros estipulados pelo BNH para o Sistema Financeiro da Habitação, no valor e nas condições previstas nas cláusulas da apólice que estiverem em vigor na época dos seus vencimentos, bem como a parcela relativa à Taxa Mensal de Cobrança e Administração (TCA) permitida, e a contribuição mensal ao Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) conforme valores indicados, respectivamente, nos subitens 7.1, 7.2, 7.3 e 7.4, sendo o encargo mensal inicial resultante da soma da prestação contratual com os acessórios, o valor referido no subitem 7.5" (ID 280831235, f. 5).

Por sua vez, no ofício enviado pelo Bradesco, em 27/10/2020, apontou-se que (ID 280831237):

 

"Informamos-lhe que o financiamento habitacional foi concedido à V. Sa. em 21/03/1983, para aquisição do imóvel residencial sito AVENIDA MIGUEL STEFANO, Nº 1973, APARTAMENTO Nº 13, LOCALIZADO NO 1º ANDAR DO BLOCO 01, INTEGRANTE DO “CONJUNTO RESIDENCIAL PARQUE DOS ESTADO”, ÁGUA FUNDA, NO 42º SUBDISTRITO – JABAQUARA/SP no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, com cláusula de cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS do eventual saldo devedor residual, tendo em vista que, de acordo com as cláusulas contratuais, assinado pelos compradores, constava a ciência de que a condição de ser proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de imóvel residencial no mesmo município da unidade habitacional objeto do financiamento, implicaria na obrigatoriedade de alienar o imóvel anterior, no prazo de 180 dias.

Ocorre que, contratamos a presente operação com cobertura do FCVS, baseados em suas declarações, porém com a implantação do Cadastro Nacional de Mutuários-CADMUT, foi detectado que ao firmar o contrato em referência, a Sra. já era proprietária junto ao cônjuge de outros imóveis residenciais no mesmo município, situados na RUA TAMANDARÉ Nº 272, APARTAMENTO 131 C – SÃO PAULO/SP financiados em 08/12/1975, com CIA REAL CRED. IMOBILIÁRIO, tornando o financiamento firmado com o Bradesco S.A., irregular perante o Órgão Gestor do FCVS (Caixa Econômica Federal), a qual não se responsabilizará pelo saldo devedor residual oriundo do financiamento com o Banco Bradesco S/A. (...)"

 

Neste cenário, inexistindo controvérsia em relação à quitação das parcelas devidas pelos mutuários e ao fato de que o financiamento foi concedido em 21/03/1983 e que os instrumentos particulares de compra e venda forma firmados em 21/06/1985 e 21/06/1985, em datas, portanto, anteriores a 05/12/1990, resta evidenciada, à luz da jurisprudência, a possibilidade de cobertura do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, sendo de rigor a baixa do gravame hipotecário incidente sobre tal imóvel.

No tocante à verba honorária, certo que constitui direito do advogado, sendo devida pelo vencido ao patrono da parte vencedora, conforme expressamente disposto no caput do artigo 85 do CPC, pelo que improcede o genérico pedido de isenção da apelante.

Quanto à alegação de inobservância dos limites legais, cumpre destacar que a verba de sucumbência, fixada na origem de 10% sobre o valor da causa, encontra-se dentro das margens legais de arbitramento, previstas no § 2º, do artigo 85, do CPC, revelando-se, ademais, adequada e suficiente à remuneração pela atuação da defesa, à luz dos critérios legais de grau de zelo profissional, natureza e importância da causa, e lugar, trabalho e tempo exigido, sem implicar oneração excessiva da parte contrária nem atentado ao princípio da equidade.

Dada a sucumbência recursal da apelante, cumpre acrescer, a teor do § 11 do artigo 85, CPC, condenação adicional de 5% sobre o valor atualizado da causa.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.



E M E N T A

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. SFH. FCVS. PLURALIDADE DE IMÓVEIS. QUITAÇÃO E SALDO RESIDUAL. COBERTURA GARANTIDA. RESTRIÇÃO DA LEI 8.100/1990. IRRETROATIVIDADE. DIREITO À LIBERAÇÃO DA HIPOTECA. VERBA HONORÁRIA. 

1. O Fundo de Compensação de Valores Salariais - FCVS foi criado em 1967 para garantir ao mutuário limite de prazo para amortizar dívida junto ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH, assegurando às instituições financeiras ressarcimento de eventuais saldos devedores residuais de financiamentos habitacionais. Assim, ao término do prazo contratual, e pagas todas as prestações devidas, no caso de ser apurado eventual saldo devedor residual, em decorrência de discrepância entre reajuste da prestação e cálculo do saldo devedor, nos contratos cobertos pela garantia, o FVCS responde pela liquidação do saldo remanescente do financiamento imobiliário concedido ao mutuário.

2. A vedação de aquisição de mais de um imóvel financiado pelo SFH, prevista no artigo 9º, § 1º, da Lei 4.380/1964, foi revogada pela MP 2.197-43/2001. A redação original do artigo 3º da Lei 8.100/1990, que previa que o FCVS somente poderia liquidar um saldo devedor por mutuário, foi alterada pelo artigo 4º da Lei 10.150/2000, conversão da MP 1.981-54/2000, que excluiu da vedação contratos firmados até 05/12/1990 no regime do SFH.

3. No cenário dos autos, inexistindo controvérsia em relação à quitação das parcelas devidas pelos mutuários e ao fato de que o financiamento foi concedido em 21/03/1983 e que os instrumentos particulares de compra e venda forma firmados em 21/06/1985 e 21/06/1985, em datas, portanto, anteriores a 05/12/1990, resta evidenciada, à luz da jurisprudência, a possibilidade de cobertura do saldo residual do segundo financiamento pelo FCVS, sendo de rigor a baixa do gravame hipotecário incidente sobre tal imóvel.

4. No tocante à verba honorária, certo que constitui direito do advogado, sendo devida pelo vencido ao patrono da parte vencedora, conforme expressamente disposto no caput do artigo 85 do CPC, pelo que improcede o genérico pedido de isenção. Quanto ao montante, fixado em 10% sobre o valor da causa, observou margens legais de arbitramento, previstas no § 2º, do artigo 85, do CPC, revelando-se, ademais, adequada e suficiente à remuneração pela atuação da defesa, à luz dos critérios legais de grau de zelo profissional, natureza e importância da causa, e lugar, trabalho e tempo exigido, sem implicar oneração excessiva da parte contrária nem atentado ao princípio da equidade. Dada a sucumbência recursal da apelante, cumpre acrescer, a teor do § 11 do artigo 85, CPC, condenação adicional de 5% sobre o valor atualizado da causa.

5. Apelação desprovida. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.