MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5018837-90.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
IMPETRANTE: FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.
Advogados do(a) IMPETRANTE: FELIPE ZALTMAN SALDANHA - RJ175936, MARCELA TRIGO DE SOUZA - RJ127614-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 5ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5018837-90.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES IMPETRANTE: FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA. Advogados do(a) IMPETRANTE: FELIPE ZALTMAN SALDANHA - RJ175936, MARCELA TRIGO DE SOUZA - RJ127614-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA impetrado por FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. contra ato praticado pelo Juízo da 5ª Vara Criminal Federal de Guarulhos/SP, nos autos Petição Criminal nº 5003752-74.2022.4.03.6119, relacionada com a ação penal nº 0002483-61.2017.4.03.6119. Narra, em síntese, que nos autos da Petição Criminal nº 5003752-74.2022.4.03.6119, consolidou-se a multa diária de R$ 20.000,00, posteriormente majorada para R$ 30.000,00, em R$ 46.091.926,87 (quarenta e seis milhões noventa e um mil novecentos e vinte e seis reais e oitenta e sete centavos), em razão de alegado atraso no cumprimento de ordens que determinavam a quebra de sigilo de dados de perfil no Facebook e foi determinado ao Facebook Brasil o seu pagamento. Informa que, inicialmente, a autoridade coatora requisitou os seguintes dados: a) dados cadastrais do titular da conta; b) data de criação dos perfis; c) todos os logs de acesso realizados entre 20 de fevereiro e 05 de março de 2017 (contendo, inclusive, os números de IP de acesso, datas e horários GMT); d) últimos vinte logs de acesso (contendo, inclusive, os números de IP de acesso, datas e horários GMT). Sustenta que a Meta Platforms, Inc. (“Meta”) – controladora dos dados de usuários no Brasil –forneceu todos os dados requisitados inicialmente, mas que, posteriormente, a autoridade coatora determinou o fornecimento do conteúdo de comunicações, a saber: "conteúdo integral das caixas de mensagens, relação integral dos contatos do usuário, conteúdo integral das linhas do tempo (timeline) do usuário, inclusive com todas as postagens feitas por terceiros, fotos e vídeos carregados no perfil, com as respectivas informações de metadados e publicações realizadas na linha do tempo de outro usuário". Em resposta, a Meta, indicou a necessidade de utilização do devido processo legal previsto no Decreto no 3.810/2001 (Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federal do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América - MLAT), ocasião em que a autoridade impetrada encaminhou nova ordem judicial reiterando a apresentação do conteúdo de comunicações, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), posteriormente majorada para R$30.000,00 (trinta mil reais). Em razão disso, o Facebook Brasil impetrou o Mandado de Segurança nº 5022581-69.2018.4.03.0000. Nesse ínterim, a Meta seguiu com o envio de todos os dados requisitados, cumprindo com a decisão em 23/02/2022. Em 29/04/2022, o MPF deu início à execução da cobrança de valores tidos como devidos nos autos da "Petição Criminal" nº 5003752-74.2022.4.03.6119. Intimado a recolher o montante de R$ 46.091.926,87 (quarenta e seis milhões noventa e um mil novecentos e vinte e seis reais e oitenta e sete centavos), o impetrante apresentou seguro-garantia em 19/04/2023 e impugnação. Preliminarmente, aduz a necessidade de suspensão do feito até julgamento dos Embargos de Divergência nos 1.568.445/PR e 1.853.580/SC, já admitidos pela Corte Especial do e. STJ. Sustenta a impossibilidade de aplicação de astreintes ao terceiro colaborador, por alegado descumprimento de decisão judicial que determina o fornecimento de conteúdo em investigação criminal, o que é matéria controvertida perante o e. STJ, nos Embargos de Divergência nos 1.568.445/PR e 1.853.580/SC, em que se discute a violação e o correto entendimento a ser dado ao artigo 536, §1º, do CPC em casos análogos ao presente. Afirma que a Meta e o Facebook Brasil cumpriram integralmente com as ordens judiciais, mas por se tratar de empresa sediada nos Estados Unidos, se submete ao regime legal estadunidense e, por isso, havia a necessidade de utilização dos meios de cooperação jurídica internacional para obtenção do conteúdo de comunicações, com observância do MLAT. Considerou que em virtude da controvérsia jurídica discutida na ADC nº 51, a Meta, naquele momento, não se recusou, injustificadamente, a fornecer tais dados, havendo justa causa para as respostas iniciais da empresa, fundadas na necessidade de observância do rito do tratado. Assim, a multa deveria ser afastada ou, subsidiariamente, reduzida. Cita o art. 537, §1º do CPC e que a decisão que comina astreintes não preclui, não fazendo tampouco coisa julgada, podendo ser reduzido o valor ou a periodicidade ou, até mesmo, excluída. Aponta que considerando que a Meta sempre prestou tempestivos e arrazoados esclarecimentos para o não fornecimento inicial de parte dos dados requisitados e, posteriormente, cumpriu integralmente as ordens, não se justifica a imposição de elevada multa diante do cumprimento tardio, razão pela qual o ato coator deve ser afastado. Também sustenta que a multa teve caráter punitivo e dever ser diminuído o seu valor, citando casos análogos que tiveram a multa reduzida ou aplicada em valores inferiores ao discutido no presente caso. Ainda argumenta que é necessária a retificação do cômputo do montante da multa. Primeiro, deve ser observado o art. 219 do CPC, contando-se o prazo para cumprimento da ordem judicial em dias úteis. Segundo, deve ser afastada a correção monetária, pois os valores seguem sendo majorados, convertendo-se em natureza punitiva. Terceiro, deve ser excluído do cálculo o período de 03/10/2018 a 26/10/2021, correspondente à 813 (oitocentos e treze) dias úteis da multa diária, porque o cumprimento extemporâneo das ordens judiciais se deu por inércia do MPF e da autoridade coatora, que não reiteraram os pedidos de fornecimento dos dados faltantes, durante o processamento do MS nº 5022581-69.2018.4.03.0000. O impetrante aponta o valor recalculado em R$ 2.910.000,00 (dois milhões e novecentos e dez mil). Discorre sobre sua tese, junta jurisprudência que entende lhe favorecer e, preliminarmente, requer o sobrestamento da cobrança da multa diária até julgamento final dos Embargos de Divergência nº 1.568.445/PR e 1.853.580/SC, já admitidos pelo STJ, que irão definir o correto entendimento a ser dado para o artigo 536, § 1º, do CPC em casos análogos ao que ensejou o Ato Coator (fixação de multa cominatória a terceiro colaborador), evitando-se, assim, a prolação de eventuais decisões conflitantes. No mérito, seja concedida a segurança para reconhecer a ilegalidade do ato coator, com a revogação da multa imposta. Subsidiariamente: (i) requer-se seja reduzido o valor da multa por alegado descumprimento, dada a desproporcionalidade da medida; (ii) limitar o máximo a título de consolidação da multa imposta como astreintes, quanto decidido pelo Exmo. Min. Relator Antonio Saldanha Palheiro do e. STJ, em caso similar a este (RMS nº 61148/SC–2019/0177514-8), no valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais), de modo a garantir a uniformidade das decisões judiciais (artigo 926 do CPC); ou, ainda, (iii) seja retificado o cômputo da multa, considerando-se as circunstâncias do caso em apreço. Intimado, comprovou o recolhimento das custas. Não houve pedido de liminar. A autoridade impetrada prestou suas informações, noticiando a suspensão dos atos executórios pelo prazo de 60 dias, em razão da apresentação de seguro garantia no valor correspondente à multa (ID 278194011). O Exmo. Procurador Regional da República, João Francisco Bezerra de Carvalho, manifestou-se pela denegação da segurança (ID 278306892). Em ID 280957418, o impetrante requer sejam afastados os argumentos apresentados pelo Parecer ministerial para que seja concedida a segurança nos termos pedidos. Juntou parecer elaborado pelo Ilustre Professor Doutor Arruda Alvim (ID 280957419). É o relatório.
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5018837-90.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES IMPETRANTE: FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA. Advogados do(a) IMPETRANTE: FELIPE ZALTMAN SALDANHA - RJ175936, MARCELA TRIGO DE SOUZA - RJ127614-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE GUARULHOS/SP - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Cumpre mencionar que o anterior MS 5022581-69.2018.4.03.0000, foi impetrado pelo FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA (atual META PLATFORMS, INC.), visando a revogação da incidência da multa diária e reconhecer a impossibilidade de aplicação da penalidade em face da IMPETRANTE, em razão (i) da existência de procedimento legal específico para obtenção dos dados e (ii) da ilegalidade na incidência de multa-diária no âmbito do processo penal a quem não é parte na relação processual. Subsidiariamente, requer-se: (i) a suspensão da multa diária até que até que a Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 51, seja julgada pelo Supremo Tribunal Federal; (ii) a diminuição do valor imposto como multa-diária com base no limite previsto pelo artigo 77, §5º, do Código de Processo Civil de 10 (dez) salários mínimos; (iii) a diminuição do valor imposto como multa-diária para que seja proporcional, razoável às circunstâncias do caso tratado e isonômico, levando-se em consideração principalmente o cumprimento da ordem judicial dentro dos limites técnicos e jurídicos. Esta E. Quinta Turma, por unanimidade, denegou a segurança. Interposto Recurso Ordinário, o STJ, em decisão proferida em 09/02/2021, negou provimento ao recurso. O impetrante requereu a desistência do mandado de segurança, o que foi homologado e o trânsito em julgado ocorreu em 13/04/2021. O Ministério Público Federal requereu o cumprimento da multa (ID 276788074) e o Juízo de origem proferiu a seguinte decisão em 15/06/2022 (ID 276788075): O Ministério Público Federal, com fundamento no art. 3º do Código de Processo Penal c.c art. 523 do Código de Processo Civil, requereu CUMPRIMENTO DA MULTA c.c. pedido de indisponibilidade de bens em face do FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA (atualmente renomeada para META PLATFORMS, INC.), inscrita no Cadastro das Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda sob o n. 13.347.016/0001-17, com sede na Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 700, 5° Andar, Itaim Bibi, CEP 04542-000, São Paulo. Sustentou que, no curso do inquérito policial n. 0002483-61.2017.4.03.6119, este juízo, em 24/07/2018, determinou que a empresa META/FACEBOOK prestasse informações de interesse das investigações no prazo de 5 dias, sob pena de multa diária de 20.000,00 (vinte mil reais), o que não foi cumprido. Assim, diante da negativa no fornecimento de tais informações, acatando pedido do MPF, em 09/08/2018, essa multa foi majorada para R$ 30.000,00 (trinta mil reais), tendo a empresa tomado conhecimento desta decisão em 30/08/2018. Frisou que a empresa ingressou com mandado de segurança contra a decisão deste juízo (autos n. 5022581-69.20 18.4.03.000), sendo, todavia, indeferido o pedido de tutela antecipada, havendo, ainda, informações de que, em momento seguinte, desistiu da demanda, homologada pelo STJ. Destacou que, atendendo a este juízo, o MPF apresentou valor estimado da multa que estaria correndo desde o dia 6/9/2018 até 5/10/2021. Na ocasião, chegou-se ao montante de R$ 33.780.000,00 (trinta milhões e setecentos e oitenta mil reais). Consignou que a empresa só apresentou as informações requeridas em 23/2/2022, de modo que descumpriu a ordem até o dia 22/02/2022. Dessa forma, a empresa descumpriu a ordem judicial entre 6/9/2018 a 22/2/2022, resultando numa multa total de R$ 37.377.000,00 (trinta e sete milhões e trezentos e setenta e sete mil reais). Nesse contexto, sustentou que a decisão que fixou a multa é apta a ser considerada como título executivo de obrigação certa, líquida e exigível, justificando, inclusive, a indisponibilidade dos bens para a satisfação da multa executada, em face do poder geral de cautela do juiz e da contumácia da empresa requerida em, deliberadamente, não cumprir a decisão judicial. Ao final, requereu: a) remessa dos autos ao Contador Judicial para realizar o (re) cálculo/confirmação dos valores totais, devidos pela empresa em questão; b) concessão, inaudita altera parte, a tutela de urgência requerida, para o fim de indisponibilizar bens da META PLATFORMS, INC, preferencialmente dinheiro e, subsidiariamente, faturamento, em valores suficientes a satisfazer os dias de mora no cumprimento da ordem judicial (multa vencida), que perfaz R$ 37.377.000,00 (trinta e sete milhões e trezentos e setenta e sete mil reais); c) após a análise do pedido de urgência, nos termos do art. 523, do Código de Processo Civil, a intimação da executada para pagar, no prazo de 15 dias, o débito em execução; d) em caso de não pagamento, aplicação ao montante em execução a multa de 10% sobre o valor atualizado, devendo ser expedido mandado de penhora e avaliação; e) vincular os presentes autos como autos suplementares aos autos do Inquérito Policial n. 0002483-61.2017.4.03.6119. Deu à causa o valor de R$ 37.377.000,00 (trinta e sete milhões e trezentos e setenta e sete mil reais). Em síntese o relatório. Decido. Inicialmente, consigno que nos autos do inquérito policial de n. 0002483-61.2017.403.6119, no dia 18 de maio de 2018, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo (fls. 96/97, dos autos físicos): “DECRETO o afastamento do sigilo telemático do perfil do usuário do Facebook "German Chukwu" (https://www.facebook.com/german.frank1) e DETERMINO à empresa FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA, no prazo de 10 (dez) dias, que encaminhe a este juízo as seguintes informações:a) Conteúdo integral das caixas de mensagens do usuário;b) Relação integral dos contatos do usuário;c) Conteúdo integral das linhas do tempo (timeline) do usuário, inclusive com todas as postagens feitas por terceiros;d) Fotos e vídeos carregados no perfil, com as respectivas informações de metadados;e) Publicações realizadas na linha do tempo de outros usuários; Fica a empresa advertida que deverá preservar sigilo absoluto da ordem judicial. Dê-se ciência da presente decisão ao Ministério Público Federal e à autoridade policial representante.” Na mesma data a empresa FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA foi intimada a cumprir a ordem judicial, mediante envio de e-mail (fls. 99 dos autos físicos). No dia 07/06/2018 a empresa FACEBOOK encaminhou e-mail em resposta ao ofício encaminhado, negando-se a cumprir a ordem judicial, ao argumento de que haveria necessidade de procedimento de cooperação jurídica internacional (fls. 103/104 dos autos principais). Diante disso, ante a recalcitrância em cumprir a ordem judicial, este juízo, no dia 24/07/2018, acatando manifestação ministerial (fls. 107/108, dos autos físicos), proferiu decisão com a seguinte determinação direcionada à empresa FACEBOOK. “Assim, defiro o pedido formulado pelo Ministério Público Federal para que a empresa FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA apresente as informações requisitadas por meio do ofício 326/2018 (AJPO), de 17 de maio de 2018, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).CÓPIA DESTA DECISÃO SERVIRÁ COMO OFÍCIO PARA O FIM DESCRITO, QUE DEVERÁ SEGUIR INSTRUÍDO COM CÓPIA DO OFÍCIO DE FLS. 98.Ciência ao Ministério Público Federal. Intime-se”. Na mesma data, dia 24/07/2018, a empresa FACEBOOK foi intimada dessa decisão via e-mail (fls. 112/113, dos autos físicos). No dia 25/07/2018 a empresa FACEBOOK respondeu ao e-mail encaminhado, especificando o número de registros obtido junto à empresa (fls. 115 dos autos físicos). No dia 31/07/2018, advogados constituídos pela empresa FACEBOOK apresentaram petição instruída com documentos reiterando fundamentos sobre a impossibilidade técnica de cumprir a decisão judicial (fls. 118/181, dos autos físicos). Apreciando esse pedido da defesa da empresa FACEBOOK, no dia 09/08/2018, este juízo proferiu decisão com o seguinte dispositivo (fls. 184/188, dos autos físicos): “Destarte, pelas razões de fato e de direito já expostas na decisão de fls. 109/111, bem como pela renitência da empresa requisitada, majoro a multa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia, que começará a incidir a partir do quinto dia da ciência desta decisão, acaso não atendida a determinação deste juízo nos termos já requisitados, sem prejuízo das multas que já estão a incidir desde o decurso do prazo anteriormente estabelecido. CÓPIA DESTA DECISÃO SERVIRÁ COMO OFÍCIO PARA O FIM DESCRITO, QUE DEVERÁ SEGUIR INSTRUÍDO COM CÓPIA DO OFÍCIO DE FLS. 98.Ciência ao Ministério Público Federal. Intime-se”. Na mesma data, dia 09/08/2018 a secretaria do juízo encaminhou e-mail intimando a empresa FACEBOOK da decisão proferida (fls. 189 dos autos físicos). No dia 18/08/2018, o representante legal da empresa FACEBOOK foi pessoalmente intimado desta decisão (fls. 198). E no dia 30/08/2018, advogados da empresa FACEBOOK foram, ainda, intimados pessoalmente da decisão proferida, quando compareceram na secretaria do juízo (fls. 194 dos autos físicos). Juntou-se aos autos decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região nos autos do Mandado de Segurança n. 50022581-69.2018.4.03.0000, na qual foi indeferida medida liminar buscada pela empresa no sentido de se eximir de sua responsabilidade (fls. 232/239). Em petição protocolizada no dia 28/05/2021 o MPF informa ao juízo que a empresa FACEBOOK ainda não havia cumprido a determinação judicial e requereu majoração da multa para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) (fls. 517/524, dos autos físicos). Antes de decidir, este juízo determinou a digitalização dos autos e inclusão no sistema PJE (fls. 525 dos autos principais). Nos autos eletrônicos daquele inquérito policial (de n. 0002483-61.2017.403.6119), em decisão proferida no dia 21/01/2022 (ID n. 240338738), este juízo indeferiu o pedido de habilitação da empresa META/FACEBOOK e determinou a intimação pessoal do responsável legal da empresa para que cumprisse a determinação legal no prazo de 5 dias, sob pena de majoração da multa para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), destacando que permaneciam presentes as razões de fato e de direito que motivaram as decisões anteriores, apontando como termo inicial da medida em 01/01/2017 e termo final 18/05/2018. Intimado desta decisão, no dia 03 de fevereiro de 2022 (ID n. 241611221 – autos n. 0002483-61.2017.403.6119), a empresa META/FACEBOOK forneceu os dados requisitados em 23/02/2022, conforme documentos por ela mesma juntado aos autos eletrônicos (ID n. 244156984) e certidão dos autos (ID n. 244505253). Nesse contexto, foram distribuídos os presentes autos no PJE (processo de n. 5003752-74.2022.4.03.6119) para execução da multa imposta ao FACEBOOK e atos correlatos. Nestes autos, instado a se manifestar, o MPF destacou que a empresa META/FACEBOOK descumpriu a ordem judicial de 06/09/2018 a 22/02/2022, estimando um valor de R$ 37.377.000,00 (trinta e sete milhões e trezentos e setenta e sete mil reais) e requereu as medidas para imediata execução. Pois bem. Inicialmente, consigno que a multa aplicada, decorrente do descumprimento da ordem judicial, constitui título judicial apto à execução definitiva, independentemente do desfecho das medidas buscadas no inquérito em que fora fixada, devendo, inclusive, seguir o rito do processo civil previsto nos artigos 523 e seguintes do Código de Processo Civil. No que se refere à legitimidade do Ministério Público Federal a tanto, decorre da norma prevista no artigo 178, inciso I, do Código de Processo Civil, haja vista inquestionável interesse público e social. Nesse sentido, ademais, a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Confira-se. (...) O MPF destacou que a empresa META/FACEBOOK descumpriu a ordem judicial de 06/09/2018 a 22/02/2022, estimando um valor de R$ 37.377.000,00 (trinta e sete milhões e trezentos e setenta e sete mil reais) e requereu as medidas para imediata execução. Contudo, contrariando o entendimento do MPF, observo que a empresa META/FACEBOOK teve ciência da decisão judicial que estabeleceu a multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia de atraso no dia 24/07/2018 (conforme fls. 112/113 dos autos físicos). Assim, o termo inicial dessa multa é o dia 29/07/2018, quinto dia após a intimação. Dos autos observa-se, ainda, que no dia 18/08/2018 o representante legal da empresa META/FACEBOOK teve ciência da decisão judicial que majorou essa multa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de atraso no dia 24/07/2018 (conforme fls. 198 dos autos físicos). Assim, o termo inicial dessa multa é o dia 23/08/2018, quinto dia após a intimação. Essa decisão, por sua vez, só foi cumprida pela empresa META/FACEBOOK no dia 23/02/2022, sendo, pois, o termo final. Em resumo temos os seguintes marcos temporais: a) multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia, com início em 29/07/2018 e final em 22/08/2018; b) multa de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia, com início em 23/08/2018 e final em 23/02/2022. No que se refere o pleito de bloqueio de bens de forma imediata, inaudita autera parts, nos termos em que requerido pelo MPF, é caso de indeferimento. A despeito da recalcitrância da empresa META/FACEBOOK, verifica-se dos autos o cumprimento da decisão judicial. No contexto dos autos, em que se tem em vista empresa internacional, sabidamente de grande porte e com larga capacidade financeira, tal medida teria, sobretudo, efeito constritivo, o que não mais se faz necessário, sem prejuízo de nova análise no caso de não haver cumprimento espontâneo dentro do prazo estabelecido em lei (artigo 523 e seguintes do CPC c.c. artigo 3º do Código de Processo Penal). Assim, pelo exposto: a) DEFIRO, em parte, o pedido do MPF, para determinar o encaminhamento dos autos ao contador judicial para a realização do cálculo da multa aplicada, nos termos sobrescrito; b) INDEFIRO o pedido de tutela de urgência consistente na indisponibilidade de bens da empresa META/FACEBOOK. Com o retorno dos autos do contador judicial, dê-se vista dos autos ao MPF para ciência e manifestação. Após, tornem os autos conclusos. (destaque do original). A contadoria judicial apresentou seus cálculos no valor total corrigido até setembro de 2022 de R$46.091.926,87 (quarenta e seis milhões, noventa e um mil, novecentos e vinte e seis reais e oitenta e sete centavos) (ID 276788079). Após manifestação do MPF, em 17/01/2023, o Juízo impetrando proferiu a decisão de ID 276788062 tida como ato coator, cujo dispositivo está abaixo transcrito: DEFIRO o pedido do MPF e determino a intimação pessoal da empresa FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA (atualmente renomeada para META PLATFORMS, INC.) por meio de seu representante legal, para que promova o recolhimento do montante devido no prazo de 15 (quinze) dias. Não tendo sido recolhida a quantia fixada, dê-se vista dos autos ao MPF para apresentar os cálculos atualizados, acrescidos da multa de 10% (dez por cento), nos termos do artigo 523, § 1º, do Código de Processo Civil. Decorrido o prazo para pagamento, fica facultado ao MPF a indicação de bens passíveis de penhora. Expeça-se o necessário, para intimação da empresa. Ciência ao MPF. O impetrante ofereceu seguro garantia no valor de R$59.919.504,93 (ID 276788076) e apresentou impugnação (ID 276788077). Conforme informações da autoridade impetrada, considerando que a empresa FACEBOOK apresentou seguro garantia no valor correspondente à multa (Apólice nº 054952023005407750005286, prestada pela Zurich Minas Brasil Seguros S.A., no valor de R$ 59.919.504,93 (cinquenta e nove milhões, novecentos e dezenove mil quinhentos e quatro reais e noventa e três centavos)), que corresponde ao valor da execução promovida pelo MPF, acrescido de 30% (trinta por cento), nos termos do artigo 835, §2º do CPC (ID. 283619336), que, com segurança, garante aos interesses da execução, deferiu-se o pedido da interessada para determinar a suspensão dos atos executórios pelo prazo de 60 (sessenta dias) (ID 278194011). Neste writ, o impetrante reiterou parte das alegações contidas no Mandado de Segurança nº 5022581-69.2018.4.03.0000, assim reitero as razões de decidir sobre a alegada ilegalidade na imposição de multa à impetrante. Com efeito, não merecem prosperar as alegações defensivas no sentido de que seria necessária a aplicação do procedimento de cooperação internacional previsto no Decreto n. 3.810/2001 (que trata de Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federal do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América). Insta consignar que, além de a empresa ter obrigação de prestar as informações requisitadas, ela não pode se eximir de cumprir a legislação vigente no país em que atua, devendo se sujeitar às leis brasileiras, sendo desnecessária a aplicação do procedimento de cooperação internacional previsto no Decreto n. 3.810/2001 para a obtenção de dados requisitados pelo Juízo. Tampouco merecem acolhida as alegações no sentido de que as informações armazenadas pelo Facebook estariam exclusivamente sujeitas à legislação vigente nos Estados Unidos da América do Norte, uma vez que a impetrante é pessoa jurídica de direito privado que exerce suas atividades em território nacional e, diante disso, deve se sujeitar à legislação brasileira, especialmente no que tange às determinações judiciais que visam a apuração de delitos ocorridos em território nacional, o que implica obrigatoriamente na aplicação da Lei Penal Brasileira, nos termos do artigo 5º do Código Penal. Com efeito, não se mostram viáveis as alegações da impetrante quando pretende sobrepor a organização interna da pessoa jurídica de direito privado ao ordenamento jurídico pátrio, uma vez que suas atividades em território nacional somente podem ser admitidas quando em consonância com o direito brasileiro. O cumprimento de ordem judicial deve ser observado por pessoa jurídica situada no Brasil, caso aqui seja cometido o delito, não podendo invocar proteção da legislação estrangeira para se eximir desse dever. Ademais, determina o art. 11 da Lei nº 12.965, de 23/04/2014 (Marco Civil da Internet - MCI) e seus parágrafos, que os provedores de conexão e de aplicação, categoria na qual estão estabelecidas as redes sociais, que operam no território nacional, deverão obedecer às leis brasileiras, sendo que a pessoa jurídica sediada no exterior que oferte serviço ao público brasileiro e sua filial no Brasil respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações previstas nessa lei. Além disso, está disposto no art. 10, §§ 1º, 2º e 3º da referida Lei, que os provedores de acesso e de aplicação em atuação no território nacional são obrigados a guardar os dados e registros de conexão e acesso a aplicações da internet, os dados pessoais e o conteúdo das comunicações privadas e a disponibilizá-los às autoridades judiciais brasileiras sempre que lhes forem requisitadas. Quanto à alegação de que em virtude da controvérsia jurídica discutida na ADC nº 51, o FACEBOOK/META justificou o não fornecimento inicial de parte dos dados requisitados, pois seria necessário aguardar a decisão do STF na referida ADC, tal argumento não se mostra razoável, pois, não se suspende a persecução penal enquanto o tribunal superior analisa teses contrárias ao que já se observa na jurisprudência pátria. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. QUESTÕES NÃO ANALISADAS PELO EG. TRIBUNAL DE ORIGEM. INVIABILIDADE DE EXAME POR ESTA CORTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA. POSSIBILIDADE JURÍDICA CONFIGURADA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO VERIFICAÇÃO. RECALCITRÂNCIA E CAPACIDADE DA EMPRESA DEMONSTRADAS. RECURSO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) VII - No que diz respeito ao argumento de que a questão acerca da criptografia está sendo discutida pelo col. Supremo Tribunal Federal, determinada a quebra, a criptografia ou qualquer outro meio utilizado para garantir o sigilo, devem ser afastados, uma vez que, até que o col. Supremo Tribunal profira decisão em contrário, vige o disposto na Lei n. 12.965/14, que no seu art. 10, § 1º, excepciona a privacidade, à vista de decisão judicial. Não há que se falar, portanto, em suspensão do feito até que o col. STF profira decisão definitiva sobre a questão. (...) (STJ - AgRg no RMS: 56706 RS 2018/0038442-1, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 05/06/2018, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/06/2018) Por outro lado, não houve na referida ADC qualquer provimento, ainda que liminar, no sentido de suspender os feitos que corriam em instâncias diversas. O mesmo pode-se dizer da necessidade de se aguardar a decisão dos Embargos de Divergência nº 1.568.445/PR e 1.853.580/SC, já admitidos pelo STJ, quanto à imposição a terceiros descumpridores de decisão judicial e que não integram o processo. Precedentes do STJ pontuam que a pendência de julgamento de embargos de divergência não é fato que implique no sobrestamento dos feitos, à mingua de previsão legal. Somente se ordenado pela Seção a suspensão de julgamento dos demais feitos é que, em tese, ter-se-ia hipótese para a suspensão" (EDcl no AgRg no REsp n. 1.390.228/RS, Segunda Turma, relator Ministro Humberto Martins, DJe de 17/8/2015). Nesse passo, plenamente possível ao Juízo criminal cominar multa diária pelo descumprimento de obrigação imposta ao destinatário direto da ordem judicial, conforme se extrai dos artigos 234 do Código de Processo Penal e 378 e 380, ambos do Código de Processo Civil, estes últimos aplicáveis ao caso por força do artigo 3º do Código de Processo Penal, e com fundamento nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 9.296/1996. Nesse particular, os elementos dos autos indicam que, em 17.05.2018, o Juízo da 5ª Vara Federal de Guarulhos/SP deferiu pedido do Ministério Público Federal, formulado nos autos nº 0002483-61.2017.403.6119 para determinar a quebra do sigilo dos dados telemáticos de usuário do Facebook, tendo determinado à impetrante, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., por meio do ofício n. 326/2018, que prestasse as informações e fornecesse os dados requeridos no prazo de 10 (dez) dias. Em 24.07.2018, o Juízo da 5ª Vara Federal de Guarulhos/SP reiterou a determinação judicial determinou à impetrante, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., que prestasse as informações e fornecesse os dados requeridos no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Na mesma data a empresa foi intimada via email. Por fim, em 09.08.2018, em razão do não cumprimento das determinações judiciais e, diante da "renitência da empresa requisitada", a autoridade impetrada majorou a multa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia e na mesma data a secretaria do Juízo encaminhou email, intimando a empresa FACEBOOK. Como bem observou o Juízo de origem, a empresa META/FACEBOOK teve ciência da decisão judicial que estabeleceu a multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia de atraso no dia 24/07/2018. Assim, o termo inicial dessa multa é o dia 29/07/2018, quinto dia após a intimação. No dia 18/08/2018 o representante legal da empresa META/FACEBOOK teve ciência da decisão judicial que majorou essa multa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia de atraso. Assim, o termo inicial dessa multa é o dia 23/08/2018, quinto dia após a intimação. Essa decisão, por sua vez, foi cumprida pela empresa META/FACEBOOK no dia 23/02/2022, sendo, pois, o termo final. Em resumo, o Juízo impetrado fixou os seguintes marcos temporais: a) multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por dia, com início em 29/07/2018 e final em 22/08/2018; b) multa de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia, com início em 23/08/2018 e final em 23/02/2022. Os cálculos da pena de multa imposta atualizado até setembro/2022, no montante de R$ 46.091.926,87 (quarenta e seis milhões, noventa e um mil, novecentos e vinte e seis reais e oitenta e sete centavos) (ID 276788079). Conforme o cálculo judicial, a correção monetária foi aplicada pelos índices das ações condenatórias em geral e sem incidência de juros moratórios, conforme itens 4.1.6 e 4.2.1.1 do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal aprovado pela Resolução nº 784/2022 do Conselho da Justiça Federal - CJF. Também não há que se falar em observância do art. 219 do CPC, computando-se somente os dias-úteis, pois o parágrafo único do dispositivo prevê que o disposto neste artigo se aplica somente aos prazos processuais, o que não é o caso das multas por dia de atraso. Por sua vez, não merece guarida a exclusão do período de 03/10/2018 a 26/10/2021, correspondente ao lapso temporal em que o Mandado de Segurança nº 5022581-69.2018.403.0000 tramitou. O feito não possui efeito suspensivo, bem como no seu bojo não foi proferida decisão que determinasse tal efeito. Por fim, não se aplica ao caso o entendimento proferido pelo STJ no RMS nº 61148/SC–2019/0177514-8), para consolidar a multa no valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). Primeiro porque o que foi fixado pela Corte Superior foi o importe de R$50.000,00 por dia, valor acima daqueles aqui impugnados. Segundo, o julgamento do citado RMS não possui efeito erga omnes. Contudo, especificamente ao caso aqui posto em análise, o valor da multa diária deverá ser fixada de modo proporcional, sendo certo que, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a revisão do valor fixado pelas instâncias de origem a título de multa diária, de forma excepcional, quando se mostrar irrisório ou exorbitante. A propósito, cita-se o seguinte precedente: PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DA DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TESE DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. INTIMAÇÃO ELETRÔNICA EXPEDIDA. PUBLICAÇÃO NO DJE. DESNECESSIDADE DE NOVA INTIMAÇÃO APÓS PEDIDO DE VISTA. INTELECÇÃO DOS ARTS. 101, 105, II, 107 E 153, PAR. ÚN., DO RITRF-4. ORDEM JUDICIAL. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. RECORRENTE. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE E-MAIL. DESCUMPRIMENTO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA E DE AUSÊNCIA DE OBRIGAÇÃO JURÍDICA. IMPROCEDÊNCIA. RECORRENTE CONTROLADA POR EMPRESA QUE EM TESE POSSUIRIA OS DADOS. TRANSFERÊNCIA RESERVADA QUE NÃO CONFIGURA QUEBRA DE SIGILO. POSSIBILIDADE. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. DESNECESSIDADE. EMPRESA QUE PRESTA SERVIÇOS NO BRASIL. CONTA DE E-MAIL UTILIZADA EM TERRITÓRIO NACIONAL. CIDADÃO BRASILEIRO. CRIMES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA BRASILEIRA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ARTS. 536 E 537 DO CPC. PRESERVAÇÃO DA AUTORIDADE E DIGNIDIDADE DA JURISDIÇÃO. LEGALIDADE. REVISÃO DO VALOR. IMPOSSIBILIDADE. SUCESSIVOS DESCUMPRIMENTOS. AUSÊNCIA DE DESPROPORCIONALIDADE. ELEVADO CAPITAL DA EMPRESA. IMPOSSIBILIDADE DE ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. NÃO DEMONSTRADA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIÁVEL. EXECUÇÃO VIA BACENJUD. POSSIBILIDADE. EFETIVIDADE DA MEDIDA. ÓBICE DA LIMINAR CONCEDIDA NA ADC 51/DF. INAPLICABILIDADE AO CASO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] VIII - A multa por descumprimento de ordem judicial, prevista nos arts. 536 e 537 do CPC (art. 461, § 5º, do CPC de 1973), aplicável no âmbito penal por força do art. 3º do CPP, apresenta natureza jurídica sancionatória/coercitiva e tem por objetivo assegurar a força imperativa das decisões judiciais, protegendo a eficiência da tutela do processo e dos interesses públicos envolvidos. Não tem por objetivo punir, ressarcir ou compensar, diga-se, não tem a finalidade de indenizar a parte, tampouco de expropriar o devedor. IX - O art. 139, IV, do CPC/2015 autoriza o Juiz a determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. X - Devidamente configurada a desobediência de ordem judicial, legítima a imposição de multa. Carece de fundamento a afirmativa de que a multa teria sido baseada unicamente no instituto da contempt of court do direito anglo-saxônico, visto que, por um lado, há normas jurídicas nacionais que amparam a multa por descumprimento de ordem judicial, e, por outro, o acórdão recorrido apenas citou que a multa aplicada aproxima-se mais do instituto, cuja finalidade é, justamente, resguardar a dignidade, a efetividade e a autoridade da jurisdição. XI - A multa cominada, que alcança R$ 6.320.000,00, de fato tem elevado valor. Nota-se, porém, que a multa diária foi arbitrada inicialmente em R$ 10.000,00, tendo sido majorada para R$ 50.000,00 e R$ 200.000,00 apenas após sucessivos descumprimentos da ordem judicial pela recorrente durante largo período. Por conseguinte, não há flagrante ilegalidade ou teratologia que justifique a revisão do valor fixado, sobretudo porque a recorrente não demonstrou, mediante prova pré-constituída, a alegada impossibilidade financeira de fazer frente ao valor. Não admitindo a ação de mandado de segurança dilação probatória, o direito líquido e certo suscitado deveria ter sido comprovado de plano. [...] Agravo regimental desprovido. (AgRg no RMS 63.200/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 6/10/2020, DJe 16/10/2020.) In casu, o Juízo de primeiro grau num primeiro momento impôs multa diária de R$20.000,00 (vinte mil reais). Com o novo descumprimento aumentou a multa diária para o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), perfazendo um total de R$46.091.926,87 (quarenta e seis milhões, noventa e um mil, novecentos e vinte e seis reais e oitenta e sete centavos) atualizado em setembro de 2022, após o período de descumprimento de 29/07/2018 a 23/02/2022. O balizamento do valor deve seguir critérios de razoabilidade e proporcionalidade, como a efetividade da tutela judicial, a vedação ao enriquecimento sem causa, o valor da obrigação principal, o tempo de cumprimento e a capacidade econômica e de resistência do devedor. Neste aspecto, verifico a presença dos requisitos para a concessão parcial da segurança neste item. O montante fixado se mostra desproporcional. Apesar do número de dias em atraso, não se verifica a consonância com as particularidades do caso concreto, considerando-se que o valor da multa deve motivar o imediato cumprimento da determinação judicial, em comparação ao patrimônio da impetrante, que é de conhecimento público. Assim, em relação à proporcionalidade da multa, reduzo o valor diário da multa para R$10.000,00 (dez mil reais). Ademais, o impetrante informou que o valor da multa está assegurado com garantia em apólice especifica (ID 276788076). Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA para reduzir o valor diário da multa para R$10.000,00 (dez mil reais). É o voto.
E M E N T A
PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DOS DADOS TELEMÁTICOS DE USUÁRIO DO FACEBOOK. MULTA IMPOSTA EM RAZÃO DE DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1.Os elementos dos autos indicam que, em 17.05.2018, o Juízo impetrado deferiu pedido do Ministério Público Federal, para determinar a quebra do sigilo dos dados telemáticos de usuário do Facebook, tendo determinado à impetrante, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., por meio do ofício n. 326/2018, que prestasse as informações e fornecesse os dados requeridos no prazo de 10 (dez) dias.
2.Em 24.07.2018, o Juízo reiterou a determinação judicial determinou à impetrante, Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., que prestasse as informações e fornecesse os dados requeridos no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
3.Por fim, em 09.08.2018, em razão do não cumprimento das determinações judiciais e, diante da "renitência da empresa requisitada", a autoridade impetrada majorou a multa para R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por dia.
4.Não merecem prosperar as alegações defensivas no sentido de que seria necessária a aplicação do procedimento de cooperação internacional previsto no Decreto n. 3.810/2001 (que trata de Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal entre o Governo da República Federal do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América), bem como de que seria necessário aguardar o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 51/DF, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.
5.Insta consignar que, além de a empresa ter obrigação de prestar as informações requisitadas, ela não pode se eximir de cumprir a legislação vigente no país em que atua, devendo se sujeitar às leis brasileiras, sendo desnecessária a aplicação do procedimento de cooperação internacional previsto no Decreto n. 3.810/2001 para a obtenção de dados requisitados pelo Juízo.
6.Tampouco merecem acolhida as alegações no sentido de que as informações armazenadas pelo Facebook estariam exclusivamente sujeitas à legislação vigente nos Estados Unidos da América do Norte, uma vez que a impetrante é pessoa jurídica de direito privado que exerce suas atividades em território nacional e, diante disso, deve se sujeitar à legislação brasileira, especialmente no que tange às determinações judiciais que visam a apuração de delitos ocorridos em território nacional, o que implica obrigatoriamente na aplicação da Lei Penal Brasileira, nos termos do artigo 5º do Código Penal.
7.Com efeito, não se mostram viáveis as alegações da impetrante quando pretende sobrepor a organização interna da pessoa jurídica de direito privado ao ordenamento jurídico pátrio, sendo certo ademais, que qualquer inviabilidade técnica para o cumprimento da ordem judicial, que não restou demonstrada, deverá ser superada pela impetrante, uma vez que suas atividades em território nacional somente podem ser admitidas quando em consonância com o direito pátrio.
8.Ademais, quanto à alegação de que seria necessário aguardar a decisão do STF na referida ADC, tal pleito não se mostra razoável, pois, como mencionado na decisão impugnada, "a identificação de grupos criminosos não se sujeita a suspensão de prazos, não sendo razoável deixar a sociedade à deriva enquanto o tribunal superior analisa teses contrárias ao que já se observa na jurisprudência pátria".
9.Nesse passo, plenamente possível ao Juízo criminal cominar multa diária pelo descumprimento de obrigação imposta ao destinatário direto da ordem judicial, conforme se extrai dos artigos 234 do Código de Processo Penal e 378 e 380, ambos do Código de Processo Civil, estes últimos aplicáveis ao caso por força do artigo 3º do Código de Processo Penal, e com fundamento nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 9.296/1996.
10.Com efeito, o cumprimento de ordem judicial deve ser observado por pessoa jurídica situada no Brasil, caso aqui seja cometido o delito, não podendo invocar proteção da legislação estrangeira para se eximir desse dever.
11. Conforme o cálculo judicial, a correção monetária foi aplicada pelos índices das ações condenatórias em geral e sem incidência de juros moratórios, conforme itens 4.1.6 e 4.2.1.1 do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal aprovado pela Resolução nº 784/2022 do Conselho da Justiça Federal - CJF.
12. Não há que se falar em observância do art. 219 do CPC, computando-se somente os dias-úteis, pois o parágrafo único do dispositivo prevê que o disposto neste artigo se aplica somente aos prazos processuais, o que não é o caso das multas por dia de atraso.
13. Não merece guarida a exclusão do período correspondente ao lapso temporal em que anterior Mandado de Segurança tramitou. O feito não possui efeito suspensivo, bem como no seu bojo não foi proferida decisão que determinasse tal efeito.
14. Não se aplica ao caso o entendimento proferido pelo STJ no RMS nº 61148/SC–2019/0177514-8), para consolidar a multa no valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). O que foi fixado pela Corte Superior foi o importe de R$50.000,00 por dia, valor acima daqueles aqui impugnados. O julgamento do citado RMS não possui efeito erga omnes.
15. O valor da multa diária deverá ser fixada de modo proporcional, sendo certo que, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, admite-se a revisão do valor fixado pelas instâncias de origem a título de multa diária, de forma excepcional, quando se mostrar irrisório ou exorbitante.
16. O balizamento do valor deve seguir critérios de razoabilidade e proporcionalidade, como a efetividade da tutela judicial, a vedação ao enriquecimento sem causa, o valor da obrigação principal, o tempo de cumprimento e a capacidade econômica e de resistência do devedor.
17. Reduzido o valor diário da multa para R$10.000,00 (dez mil reais).
18. Segurança parcialmente concedida.