APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014229-55.2009.4.03.6102
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: CESAR HENRIQUE FERNANDES - SP259001
Advogado do(a) APELANTE: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A
APELADO: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE JARDINOPOLIS, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA, CARLOS HENRIQUE SAUD REIS, LUIS AUGUSTO SAUD REIS
Advogado do(a) APELADO: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A
Advogado do(a) APELADO: CESAR HENRIQUE FERNANDES - SP259001
Advogado do(a) APELADO: ANDERSON MESTRINEL DE OLIVEIRA - SP251231-A
Advogado do(a) APELADO: SILVIA APARECIDA DIAS GUERRA - SP125356-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014229-55.2009.4.03.6102 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE APELANTE: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA VELLUDO VEIGA - SP290242 APELADO: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE JARDINOPOLIS, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA, CARLOS HENRIQUE SAUD REIS, LUIS AUGUSTO SAUD REIS Advogado do(a) APELADO: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A OUTROS PARTICIPANTES: MBV R E L A T Ó R I O Apelações interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (Id. 98215108 – fls. 79/92), UNIÃO (Id. 98215108 – fls. 93/100) e MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS (Id. 98215108 – fls. 105/153) contra sentença que, em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, julgou improcedente o pedido com relação a DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DÁCIO COSTACURTA, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA., CARLOS HENRIQUE SAUD REIS e LUIS AUGUSTO SAUD REIS e parcialmente procedente relativamente a MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS (Id. 98215108– fls. 29/75). O autor sustenta, em síntese, que (Id. 98215108 – fls. 79/92): 1) a simples comparação das cláusulas do edital com os preceitos da lei de licitação é suficiente para demonstrar que o processo licitatório foi viciado. 2) o artigo 32, § 2º, da lei prevê que a apresentação do certificado de registro cadastral substitui os documentos relacionados à habilitação jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica e econômico-financeira. 3) o legislador, ao tornar obrigatória a exibição de documentos cuja apresentação é dispensada pela Lei 8.666, não permitiu eventual discricionariedade do aplicador da lei, mas fixou que o certificado de registro cadastral substitui os demais documentos. Os integrantes da comissão de licitação diminuíram as possibilidades de pessoas físicas e jurídicas participarem do certame, o que fere de morte o princípio da legalidade. 4) a administração pública é regida pelo princípio da legalidade estrita, cabe ao administrador realizar apenas os atos determinados pela lei e não é lícito modificar preceitos legais conforme sua conveniência/oportunidade. 5) a cláusula 4.1.5.2 exige a apresentação de documento de que a empresa não é considerada inidônea ou não tenha sido suspensa temporariamente, bem como se comprometa a comunicar a ocorrência de qualquer fato que venha a ser conhecido após o encerramento da licitação, exigência que se mostra descabida. 6) o licitante não pode ser obrigado a apresentar documento em que declara expressamente que informará eventual fato superveniente, pois tal condição está subentendida quando da apresentação da declaração de idoneidade. Tal exigência não se mostra razoável, é burocrática e pode obstar a participação de empresas na licitação. 7) a exigência foi utilizada como fundamento para excluir da licitação a empresa Trema Engenharia, a despeito de ter apresentado a declaração de idoneidade, e ficou evidente que a regra afetou diretamente o deslinde do certame, que foi encerrado com a adjudicação da empresa pertencente aos irmãos do ex-prefeito Mário Sérgio. 8) a inserção de cláusula para exigir documentação expressamente dispensada pela lei, longe de configurar mero excesso ou falha administrativa, teve papel decisivo para que outras concorrentes fossem retiradas do páreo e restasse apenas a empresa ligada ao ex-prefeito. 9) a cláusula 9.1 exige a apresentação do comprovante de retirada do edital mediante pagamento de R$ 35,00, o que afronta o disposto no artigo 32, § 5º, da Lei de Licitações, que prevê apenas o pagamento de taxa referente à reprodução gráfica do edital. 10) a conduta dos apelados, que elaboraram todas as cláusulas do edital, impediu que mais empresas participassem do certame licitatório por meio de exigência de documentos e comprovantes não previstos na Lei nº 8.666. 11) o edital elaborado pela comissão de licitação feriu frontalmente dispositivos da Lei de licitações e acarretou a inabilitação de vários concorrentes por descumprimento de exigências descabidas. No final, restaram apenas duas empresas habilitadas e a ganhadora, presidida por irmãos do prefeito, apenas venceu o certame por ter apresentado proposta de R$ 1.894,54 mais barata que a segunda colocada. O contrato foi aditado duas vezes, com majoração do preço e prazo necessário à execução da obra contratada, que não foi finalizada e a prestação de contas não apresentada. 12) a conduta dos apelados não se limitou a simples falha administrativa ou mera exigência burocrática, mas interferiu diretamente para que algumas empresas fossem inabilitadas e restasse apenas a empresa gerida pelos irmãos do ex-prefeito, motivo pelo qual a sentença deve ser reformada para que o pedido seja julgado procedente com relação a DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA, com fulcro no artigo 10, caput e inciso VIII, e artigo 11, caput, todos da Lei 8.429/92. 13) o ex-prefeito incorreu em várias irregularidades no certame licitatório e durante a execução das obras, até que o FNS enviou agentes para fazer a vistoria in loco, o que resultou na elaboração dos relatórios de verificação que ensejaram o não repasse das últimas parcelas do convênio ao município. 14) o FNS não teve outra opção que não a de suspender o envio das duas últimas parcelas, o que acarretou a execução de apenas 65% da construção. Como o ex-prefeito foi diretamente responsável pelos vícios que interromperam as obras, natural que seja compelido a restituir à União todos os valores recebidos por força do convênio. 15) independentemente de o objeto do convênio ter sido a reforma ou construção do hospital, é certo que a União se utilizou do erário para custear obra que não foi concluída, em razão de conduta atribuída ao apelado, motivo pelo qual deve ser compelido a devolver aos cofres públicos a totalidade dos recursos. 16) a não prestação de contas, como determinado pela cláusula 2ª, subcláusula II, itens 2.11 e 2.112, do convênio, é outro fundamento para a restituição integral dos valores recebidos. 17) embora o autor tenha pleiteado na inicial fossem os apelados condenados pelos danos morais causados em virtude de suas condutas, a sentença não se manifestou sobre o tema. A UNIÃO, em suas razões recursais, assevera que (Id. 98215108 – fls. 93/100): 1) o edital, elaborado pelos membros da comissão permanente de licitação, ao criar exigências não previstas em lei para a habilitação de concorrentes, contribuiu para que a empresa ENGE REIS CONSTRUTORA, cujos sócios eram irmãos do ex-prefeito, saísse vencedora do certame. 2) a vencedora deixou de cumprir os termos avençados, na medida em que não completou a reforma e incluiu obras não previstas, além de não ter prestado contas ou reembolsado o FNS. 3) houve irregularidades quanto à emissão das notas fiscais, que não apontaram o nome do convenente/executor e o número do convênio, com vista a dificultar o uso correto da verba pública. 4) a comissão de licitação, ao permitir que irmãos do ex-prefeito participassem da licitação com a consequente adjudicação, na condição de sócios da empresa ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA, ofendeu os princípios da impessoalidade e moralidade. 5) o conluio existente entre os corréus em prol do direcionamento da licitação acarretou dano ao erário e violou princípios administrativos, o que enseja a aplicação das penas decorrentes da Lei nº 8.429/92. 6) está claro que os requeridos tiveram conhecimento do esquema fraudulento e da burla ao processo licitatório e o fato de não terem observado os ditames legais configura negligência e evidencia, se não o dolo, ao menos a culpa. 7) o conjunto probatório documental dá suporte robusto às alegações contidas na inicial e demonstra, de forma irrefutável, que houve direcionamento da licitação e que os requeridos tinham conhecimento da ilicitude. MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS argui em preliminar a carência da ação e não incidência da Lei nº 8.429/92, com fundamento no posicionamento do STF de que os agentes políticos não estão sujeitos ao regime repressivo da lei. Quanto ao mérito, requer a reforma da sentença para que a ação seja julgada totalmente improcedente, com base nos seguintes argumentos (Id. 98215108 – fls. 105/153): 1) documentos demonstram que foi solicitada a inclusão de obras de ampliação ao projeto e plano de trabalho aprovados pelo Ministério da Saúde e que a fonte de tais valores era proveniente de recursos próprios, sem nenhuma relação com os valores repassados pela União, apesar de terem sido movimentados na mesma conta vinculada. 2) desde o início foi verificada a deficiência do hospital em relação a recursos humanos, para incrementar o atendimento, e leitos, o que demandava acréscimo no número de leitos cadastrados, reforma e ampliação do espaço existente, o que pode ser evidenciado pelas fotografias encartadas no plano de trabalho. 3) não há que se falar em inexistência de autorização para proceder à ampliação do hospital, cuja reforma foi custeada pelo Ministério da Saúde, pois a única exigência do ente federal para que fosse autorizada a inclusão das obras de ampliação no projeto de arquitetura foi atendida e o parecer posterior foi favorável à adequação do projeto para autorizar a sua execução. 4) o Ministério da Saúde, ao elaborar o Relatório de Verificação "In loco" n° 136-2/2008, atestou a inexistência de autorização para inclusão dos serviços de ampliação do objeto do convênio, quando ele próprio o fez por meio do Parecer CGIS/CIPE/SE/MS/N.° 6.986- D/2005, o que levou o juízo a erro. 5) a constatação de que os valores repassados pela União foram utilizados nas obras de ampliação é equivocada, pois foram custeadas exclusivamente por recursos transferidos pelo próprio município. 6) se o Ministério da Saúde não repassou a totalidade das parcelas previstas para as obras de reforma do hospital, não pode exigir que o município tivesse repassado a totalidade de sua contrapartida. 7) se o ente federal repassou efetivamente o valor de R$ 173.333,33 para os fins previstos no convênio de sua responsabilidade, não há que se falar em impropriedade, ilegalidade ou irregularidade do repasse proporcional pela prefeitura do valor correspondente a 20% (R$ 34.666,66). 8) como a prefeitura se responsabilizou, exclusivamente, pelos gastos decorrentes da ampliação, não havia razão para que aguardasse o repasse do Ministério para tanto, razão pela qual, no dia 15/06/2007, foi realizada a transferência do exato valor correspondente aos gastos com a ampliação (R$ 20.634,99). 9) o Ministério da Saúde ignorou o fato de ter autorizado a inclusão dos serviços de ampliação do hospital, assumidos integralmente pela prefeitura, e considerou que todos os valores depositados seriam voltados exclusivamente à reforma, pois pretendia que a prefeitura tivesse arcado com toda a contrapartida a que se comprometeu, sem que tivesse cumprido com a totalidade dos repasses a que a União se obrigou, o que não é razoável. 10) constou no relatório final que se tratava de prestação de contas parcial, justamente por compreender repasses parciais de ambas as partes e por se tratar de obra de ampliação de responsabilidade exclusiva da prefeitura, de modo que não havia razão para se aguardarem os repasses do ente federal para execução das obras correspondentes, como ocorreu. 11) o valor de R$ 20.634,99 foi repassado pela prefeitura com a finalidade de cumprir com a obrigação de ampliação do hospital assumida perante o Ministério da Saúde e utilizado para essa exclusiva finalidade, de modo que não subsiste o que restou afirmado na sentença de que o valor teria sido depositado na conta corrente vinculada ao convênio para as obras de reforma e indevidamente utilizado pelo município na ampliação. 12) a decisão que determinou a devolução de R$ 20.634,99 utilizados na ampliação do hospital merece reforma, porquanto a realização de tais obras foi previamente solicitada pela prefeitura e autorizada pelo Ministério e o valor oriundo de transferência do município, sem qualquer relação com os valores depositados pelo ente federal. 13) inexiste saldo remanescente, visto que todos os valores depositados na conta corrente vinculada ao convênio foram regularmente utilizados, como comprova o documento anexado. 14) os valores apurados pelo Parquet relativos aos rendimentos não auferidos pelo município, em razão da mora no investimento dos repasses, não lhe podem ser atribuídos, consideradas as atividades e atribuições inerentes ao cargo e uma vez que não manuseava as operações financeiras e por ter orientado o setor competente a seguir as regras do convênio, de modo que não pode ser responsabilizado pela inércia dos servidores responsáveis. 15) “nem se alegue que a ausência de aferição de investimentos em tais valores não causou qualquer prejuízo à execução da porcentagem de obras de reforma correspondentes às parcelas efetivamente repassadas pelo ente federal, tanto é que as noticias encartadas pelo Apelante às fls. 434/437 dos autos corroboram, inequivocamente, que o Hospital foi inaugurado com condições efetivas de funcionamento, inexistindo nos autos qualquer comprovação de que a ausência de aferição de tais rendimentos tivesse ensejado a não execução de quaisquer das parcelas repassadas e das respectivas previsões no Plano de Trabalho”. 16) não houve qualquer conduta de sua parte que se subsuma no artigo 10, como pretende o autor, visto que não ocorreu descumprimento da cláusula segunda, subcláusula II, item 2.13, do convênio, mas apenas mora, sem prejuízo, dolo, má-fé e desvio de verbas, o que não caracteriza improbidade. 17) não há prova de lesão ao erário, pois as únicas verbas cuja devolução foi determinada pela sentença foram depositadas na conta vinculada ao convênio e utilizadas em estrita observância ao plano de trabalho, inexistindo saldo a devolver: “tendo o valor em mora de aplicação valor irrisório se comparado ao montante da obra, não tendo significado qualquer perda ou prejuízo”. 18) não foi frustrada a licitude do processo licitatório, como reconhecido pela sentença, tampouco liberada verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influência de qualquer forma para a sua aplicação irregular, visto que a regularidade de sua aplicação foi reconhecida pela corte de contas paulista e pela própria decisão recorrida. Desse modo, não está configurada qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens do município. 19) não foi comprovado que os acusados praticaram atividade ilícita e que houve qualquer nulidade na licitação e contrato por supostos desvios de finalidade e abuso de poder ou mesmo ofensa aos princípios constitucionais da administração pública. 20) o prefeito não cometeu qualquer ato de improbidade, não infringiu qualquer princípio da administração pública e não cometeu crime de responsabilidade, razão pela qual devem ser afastadas tais acusações. 21) a ocorrência de relevantes prejuízos aos cofres públicos não foi confirmada pela prova produzida, registrada nos autos ou analisada pelo magistrado, que optou por reproduzir o relatório final de verificação do Ministério da Saúde para firmar seu convencimento, de modo que deve ser efetivado o exame do conjunto probatório completo. 22) foi comprovada a efetiva e adequada utilização das verbas repassadas pelo ente federal, de modo legal, regular, probo, frutífero e adequado à consecução dos objetivos firmados no convênio, com atendimento pleno e satisfatório à população e o hospital colocado em perfeito funcionamento. 23) a aplicação dos recursos foi fiscalizada pela prefeitura, União e sociedade, que usufruiu dos frutos, bem como pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, órgão competente para fiscalizar e julgar a regularidade dos contratos públicos e que não registrou qualquer irregularidade ou mesmo indício de malversação de verbas públicas ou desatendimento às leis de regência, fato ressaltado pelo julgador de origem. 24) ainda que tivesse ocorrido qualquer falha formal nos procedimentos que regulamentaram e deram legalidade ao contrato e à execução da obra, não poderia ser considerado como ato de improbidade ou malversação de dinheiro público, visto que está comprovado que todo o proveito da aplicação das verbas públicas foi revertido à população, com a vantagem de se revelar uma moderna, eficaz e econômica forma de atuação estatal no atendimento das necessidades dos administradores em relação à saúde pública. 25) não foi comprovada em nenhum momento a existência de dolo e muito menos de qualquer proveito econômico: “visto que comprovados os controles contábeis de aplicação das verbas aferidas para pagamento de despesas concernentes ao objeto do Convênio”. 26) foi demonstrado que o valor de R$ 20.634,99 não partiu do ente federal, mas do município, e foi efetivamente utilizado para as finalidades de ampliação. 27) as parcelas previstas no convênio foram repassadas parcialmente, de modo que o MPF não pode pretender a prestação de contas. Nada obstante, há documento que demonstra ter havido o encaminhamento, em 25/07/2008, da prestação de contas relativa às duas primeiras parcelas. 28) o convênio, após o segundo pedido de prorrogação, passou a estabelecer que o termo final para prestação de contas era 05/02/2008, o que foi observado, visto que o documento foi remetido ao ente federal em 25/07/2007, cinco meses antes do prazo final. 29) o Ministério solicitou apenas em dezembro de 2007 documentos adicionais para apreciação da prestação de contas e, em dezembro de 2008, realizou a verificação in loco, a fim de elaborar o relatório de apreciação da prestação de contas parcial, ou seja, descumpriu o prazo legal para resposta à prefeitura, fato que ensejou diversas consequências práticas, entre as quais a suspensão da obra e o decurso do prazo de vigência do convênio, sem que a prefeitura pudesse realizar quaisquer atos adicionais. 30) as contas foram prestadas parcialmente, como previsto na cláusula nona do convênio, e o ente federal deu azo ao atraso na resposta, de modo que as consequências da mora somente a ele podem ser atribuídas e jamais ao acusado, que comprovou ter apresentado a documentação necessária dentro do prazo previsto. 31) o magistrado sentenciante afirmou que o réu descumpriu o previsto no plano de trabalho por ter realizado obras de ampliação não previstas ou autorizadas pelo Ministério, utilizado R$ 20.634,00 dos recursos repassados pelo ente federal indevidamente para a ampliação do hospital, executado parcialmente, paralisado as obras e não realizado o pedido de prorrogação do prazo. Contudo, as afirmações não são verdadeiras. 32) houve autorização pelo ente federal para a realização das obras de ampliação, com a condição de que a prefeitura se responsabilizasse pelas despesas decorrentes, o que foi cumprido. Posteriormente, foi aprovado o projeto que contemplava a reforma e ampliação da obra. 33) os valores gastos na ampliação não faziam parte dos R$ 173.333,33, repassados pelo Ministério, e eram provenientes da transferência pela prefeitura, de modo que não há se falar em desvio de finalidade, pois a ampliação, que cabia integralmente ao município, foi integralmente realizada e a reforma, que dependia de repasses federais, foi executada na exata proporção dos valores repassados e os valores apenas deixaram de ser transferidos integralmente pela inércia do ente federal em responder à prestação de contas parcial no tempo normativo. 34) cabe destacar a confusão causada pelo Ministério ao elaborar o Relatório de Verificação In Loco n° 136-2/2008, pois ignorou o fato de ter autorizado a inclusão das obras de ampliação do hospital antes mesmo da aprovação final do projeto, com a condição de que o ente municipal se responsabilizasse pelas despesas decorrentes, o que de fato ocorreu. 35) o que agrava o panorama é não ter o Ministério respeitado o prazo de sessenta dias para responder à prestação de contas parcial da execução do convênio, o que, nos termos da cláusula nona do ajuste, era condição imprescindível para a liberação das demais parcelas. Não fosse isso, o objeto teria sido totalmente executado, sem necessidade de paralisação das obras ou pedido de prorrogação do prazo, o que representa verdadeira omissão que faz jus ao caráter reparatório. 36) “e o indeferimento da prorrogação de prazo do Convênio, pelo Ministério da Saúde, após a ocorrência dos fatos mencionados nessas razões, houve pedido de reconsideração pelo ente municipal, arguido mediante o OFÍCIO S.E n.° 410/2008, entregue ao Diretor Executivo do Fundo Nacional de Saúde em 04.08.08 (cópia em anexo), no qual invoca-se a previsão legal do inciso IV do art. 7º da já mencionada Instrução Normativa 01/1997, que autoriza a prorrogação de ofício quando houver atraso na liberação do recurso, tal qual ocorreu no caso em tela e é incontroverso diante da cronologia dos atos que ocorreram, devidamente comprovado nesses autos”. 37) a previsão legal de prorrogação de oficio é que ensejou a ausência de pedido tempestivo, considerada a demora de quase um ano para o ente federal responder à prestação de contas. Não agiu com dolo, culpa, má-fé, negligência ou inoperância, mas realizou todas as providências que estavam ao seu alcance e agiu nos estritos termos da legislação, de maneira que não pode responsabilizar-se pelas consequências decorrentes da inércia do próprio Ministério, que ensejou todos os apontamentos consignados na sentença. 38) a despeito da ausência de identificação do convênio nos demonstrativos de despesas, não há qualquer documento, alegação ou evidência de que a comprovação de gastos tenha sido superfaturada, desviada ou malversada, fato que não pode ser presumido. Nada obstante, todas as notas fiscais emitidas pela contratada contêm carimbo padrão que traz a numeração do convênio e identificação da prefeitura. 39) agiu de acordo com as possibilidades que lhe eram factíveis à época e dentro dos ditames legais. Se houve atraso no pedido de prorrogação de prazo, tal fato se deve única e exclusivamente à inércia do ente federal em responder à prestação de contas parcial. 40) as penalidades do artigo 12 da lei foram aplicadas de forma demasiada e desproporcional, sem observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ou sopesar as provas produzidas pelas demandadas. Não foi levada em consideração a previsão do parágrafo único, que dispõe que na fixação das penas o juiz deve observar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Contrarrazões apresentadas pelo acusado (Id. 98215108 – fls. 164/189), DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZFERNANDO GARCIA MORRES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA (Id. 98215108 – fls. 196/204 e 205/214), Ministério Público Federal (Id. 98215108 – fls. 255/261), UNIÃO (Id. 98215108 – fls. 264/270). O Procurador Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do recurso do MPF, para que MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos (Id. 98215108 – fls. 278/316 e Id. 98215109 – fls. 01/09). À vista das alterações substanciais da Lei nº 8.429/1992, promovidas pela Lei nº 14.230, publicada no DOU em 26/10/2021, as partes foram notificadas a apresentar eventual manifestação (Id. 210418325). O MPF manifestou-se pela não incidência das disposições introduzidas pela lei no caso concreto, visto que a Lei nº 14.230/2021 não traz disposições que prevejam sua aplicação retroativa, de modo que deve ser aplicada para os fatos ocorridos a partir da entrada em vigor, assim como em relação aos atos processuais praticados a partir desse momento (Id. 252074813). A UNIÃO afirma que as ações de improbidade administrativa em curso não devem ser materialmente afetadas pelas alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021, de modo que as demandas ajuizadas até a entrada em vigor devem ter a tipicidade dos ilícitos analisadas com base na norma vigente ao tempo da sua propositura (Id. 254203078). É o relatório.
Advogado do(a) APELANTE: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A
Advogado do(a) APELADO: ANDERSON MESTRINEL DE OLIVEIRA - SP251231-A
Advogado do(a) APELADO: SILVIA APARECIDA DIAS GUERRA - SP125356-A
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA VELLUDO VEIGA - SP290242
DECLARAÇÃO DE VOTO A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA: Adotado o bem lançado relatório, verifico que o e. Relator rejeitou as preliminares arguidas, negou provimento às apelações interpostas pelo MPF e pela União e deu provimento ao recurso de Mario Sérigio Saud Reis, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, conforme fundamentação. Acompanho Sua Excelência quanto à questão meritória divirgindo, com a devida vênia, somente para não conhecer da remessa oficial. Isso porque entendo que a aplicação analógica das disposições do artigo 19 da Lei nº 4.717/65 - Lei da Ação Popular - somente deve se dar nos casos em que há a improcedência total da ação de improbidade, à vista da redação do indigitado dispositivo, verbis: Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (destaquei) Na espécie a ação foi parcialmente procedente relativamente a um dos demandados, o que, no meu entender, inviabiliza a reapreciação de toda a ação por força da remessa oficial, não se mostrando razoável limitar o reexame a parte dos demandados, considerando tratar-se, nestes autos, de matéria fática e que pode gerar reflexos para o demandado que, em tese, não estaria sujeito à aplicação do instituto processual. Ante o exposto, NÃO CONHEÇO da remessa oficial e, no mais, acompanho o e. Relator. É o voto.
Des. Fed. Wilson Zauhy:
Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir em parte quanto ao deslinde da causa.
O Ministério Público Federal (MPF), assistido pela União Federal e pelo Município de Jardinópolis/SP, intentou ação de improbidade administrativa em face de diversos particulares, objetivando a condenação dos réus pela suposta prática de atos descritos nos artigos 10 e 11 da Lei 8.429/1992, a LIA. Segundo a narração trazida na petição inicial, o Município de Jardinópolis/SP, representado pelo então Chefe do Poder Executivo, o Sr. Luiz Fernando Riul, encaminhou ao Ministério da Saúde um projeto de custeio da reforma e da ampliação do Hospital de Jardinópolis, no valor de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais), dos quais R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) ficariam a cargo do Ministério da Saúde, e R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais) ficariam sob a responsabilidade do Município.
Na sequência, o corréu Mario Sérgio, na condição de prefeito eleito do Município e procurador de Luiz Fernando Riul, firmou com o Ministério da Saúde o Convênio n. 3.463/2004, que tinha por objetivo “dar apoio técnico e financeiro para a reforma da unidade de saúde, visando ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde – SUS”. Pelos termos do convênio, os recursos ofertados pela União remontariam a R$ 320.000,00 (trezentos e vinte mil reais), ao passo que o aporte do Município ficaria em R$ 64.000,00 (sessenta e quatro mil reais). Assinado em 31.12.2004, o convênio foi sendo sucessivamente prorrogado, até que deixou de ser cumprido, pois foram repassadas ao Município apenas as duas primeiras parcelas previstas, que totalizaram R$ 173.333,33 (cento e setenta e três mil trezentos e trinta e três reais e trinta e três centavos).
Atribui-se ao corréu Mario Sérgio (i) o descumprimento do dever de prestação de contas final do convênio; (ii) irregularidades no processo licitatório de contratação da empresa que executaria a obra, haja vista que a empresa vencedora do certame tinha como sócios seus irmãos, tendo o gestor público não apenas homologado o processo licitatório, mas também adjudicado o objeto da licitação à empresa vencedora; (iii) o não cumprimento do plano de trabalho previsto no convênio; (iv) não aplicação dos recursos recebidos no mercado financeiro, enquanto não utilizados; (v) não emissão de notas fiscais com especificação do nome do convenente ou executor e o número do convênio. Em virtude dessas condutas, o MPF entende que Mário Sérgio estaria incurso nos artigos 10, caput e incisos VIII e IX, e 11, caput e incisos I e VI, da Lei 8.429/1992.
Os corréus Daniela, Luiz Fernando, Sandra, Anderson e Dácio eram integrantes da Comissão Permanente de Licitação do Município de Jardinópolis/SP ao tempo dos fatos, tendo o MPF imputado a eles a conduta de promover licitação em desacordo com a legislação específica. Vale ressaltar que o Parquet federal questiona não apenas o vínculo de parentesco dos sócios da empresa vencedora com o Prefeito, cuja proposta havia sido julgada pela Comissão de Licitação, mas também o próprio conteúdo do edital e os critérios de inabilitação das demais empresas envolvidas. Assim, o MPF entende que esses corréus estariam incursos na conduta de fraude à licitação, que se amolda aos artigos 10, caput e inciso VIII, e 11, caput, ambos da LIA.
Por fim, mediante aditamento da petição inicial, aos corréus Enge Reis Construtora Ltda e seus administradores, Luis Augusto e Carlos Henrique, atribui-se o fato de terem compactuado com a fraude à licitação, afrontando os princípios da moralidade e da impessoalidade, dentre outros. Desse modo, o MPF entende que a concorrência foi direcionada a favorecer a empresa ré, tornando-lhes aplicável o art. 11, caput, da Lei 8.429/1992.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado para, resolvendo o mérito com fulcro no art. 269, I, do então vigente CPC/1973, considerar não incursos nos atos de improbidade administrativa os integrantes da Comissão de Licitação, a empresa vencedora do certame licitatório e seus administradores. O magistrado a quo condenou apenas o réu Mario Sérgio Saud Reis, determinando a restituição à União do valor indevidamente utilizado na ampliação do Hospital, corrigido monetariamente e acrescido dos juros de mora desde a citação; a restituição dos rendimentos das aplicações financeiras que deveriam ter sido promovidas junto ao mercado financeiro, também com correção monetária e juros de mora desde a citação; o pagamento de multa civil, em favor da União, correspondente a duas vezes o valor do dano; a suspensão dos direitos políticos do réu pelo prazo de cinco anos; e a proibição da contratação do réu com o Poder Público ou o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual fosse sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.
Apelaram o MPF, a União e o réu Mário Sérgio. Em longo arrazoado, o MPF insiste na condenação de todos os réus, e indica que o juízo de primeira instância não analisou o requerimento de condenação dos réus em danos morais pela realização de atos de improbidade administrativa. A União apresenta semelhante insurgência.
Por seu turno, o réu Mario Sérgio, em peça recursal bastante ampla, argui em preliminar a carência da ação e a não incidência da Lei 8.429/1992, pois os agentes políticos não estariam sujeitos ao regime repressivo da LIA, mas sim às normas do Decreto-Lei 201/1967, que aborda os crimes de responsabilidade do prefeito municipal. No mérito recursal, reforça sua tese de que não poderia ser considerado incurso em qualquer ato de improbidade administrativa, lastreando-se, em apertado resumo, na ausência de provas da ocorrência de qualquer conduta ilícita. Foram apresentadas contrarrazões, e o MPF ofertou parecer opinando pelo provimento ao apelo do próprio Parquet federal, para que o réu fosse também condenado ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.
À vista das alterações substanciais decorrentes da Lei 14.230/2021, as partes foram intimadas para se manifestarem. O MPF se posicionou pela não incidência das disposições introduzidas pela Lei 14.230/2021 ao caso concreto, na medida em que o novel diploma legal não trouxe previsões a respeito de eventual aplicação retroativa, cabendo aplicá-lo, pois, apenas para os fatos ocorridos após a sua entrada em vigor. A União, por sua vez, esposa semelhante tese.
Em seu voto, o Des. Fed. André Nabarrete, relator do feito, rejeitou as preliminares arguidas pelo réu, mas deu provimento ao recurso de apelação de Mario Sérgio no mérito, afastando a condenação por improbidade administrativa estabelecida pelo juízo de primeira instância. Por consequência, Sua Excelência desproveu a remessa oficial e as apelações do MPF e da União.
O eminente Relator registrou que a remessa necessária deveria ser considerada no caso concreto, por entender aplicável o art. 19 da Lei 4.717/1965, por analogia. No mérito recursal, Sua Excelência destacou que Mario Sérgio poderia estar envolvido em uma ação de improbidade, mesmo que ocupasse, à época dos fatos, o cargo de prefeito municipal, ou seja, mesmo que fosse um agente político naquela ocasião. Para tanto, se utilizou do Tema 576 da repercussão geral, que está redigido da seguinte forma: “O processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-Lei 201/1967) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias”.
Dando prosseguimento ao seu voto, o eminente Relator salientou que a ação civil pública é instrumento adequado para obter a condenação de réus por atos de improbidade administrativa, e discorreu longamente sobre as mudanças empreendidas pela Lei 14.230/2021 à LIA, em especial sobre a necessidade de se comprovar o dolo, entendido como a vontade livre e consciente de alcançar os resultados ilícitos tipificados na lei (art. 1º, §2º, da LIA), como elemento subjetivo da conduta de improbidade em todas as suas modalidades.
O art. 11, V, da LIA, tipifica como ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública a conduta de frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial dos procedimentos licitatórios, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros. Analisando esse preceptivo legal, Sua Excelência não vislumbrou qualquer ilicitude na finalidade do prefeito, pois o art. 9º da então vigente Lei 8.666/1993 não trazia uma hipótese de impedimento direcionada aos irmãos do gestor público para participarem das licitações. Não havendo vedação legal, não haveria dolo de finalidade ilícita no caso concreto, ainda que a conduta adotada pelo gestor pudesse ser encarada como imoral ou socialmente reprovável.
Assentou o eminente Relator, ainda, que, após as alterações empreendidas pela Lei 14.230/2021, a LIA passou a conter um rol exaustivo de atos de improbidade administrativa por violação aos princípios que regem a Administração Pública, consoante se constata do seu art. 11. A nova lei revogou a hipótese de improbidade decorrente da violação à lei ou ao regulamento, o que também impediria, no seu entender, a condenação do prefeito municipal com base nessa situação.
Volvendo ao caso concreto, Sua Excelência asseverou que as verbas recebidas de fato não haviam sido aplicadas no mercado financeiro, mas pontuou, de outro lado, que a inobservância da cláusula contratual caracterizaria mera irregularidade, e não ato de improbidade, dada a ausência de comprovação do dolo. Quanto à não aplicação integral dos valores destinados ao hospital, Sua Excelência aduziu semelhantemente que a aplicação da verba pública em finalidade diversa da prevista inicialmente também caracterizaria mera irregularidade, e não improbidade. Esse, aliás, é o fio condutor de seu voto: o dolo não ficou comprovado, e à falta dessa demonstração, temos atos que podem ser tomados por comportamentos ilícitos, mas que não podem gerar a responsabilização por improbidade.
O voto do Relator não merece qualquer reparo quanto à análise do mérito recursal, posto que amparado nas importantes modificações promovidas pela Lei 14.230/2021 na Lei 8.429/1992. Em realidade, minha divergência diz respeito apenas e tão somente ao conhecimento da remessa oficial por Sua Excelência.
Explico-me.
Não há dúvidas de que a Lei 14.230/2021 buscou racionalizar o sistema repressivo da improbidade administrativa, trazendo critérios mais rígidos para que as gravosas sanções previstas pela Lei 8.429/1992 fossem aplicadas pelo Poder Judiciário. A preocupação do novo diploma legal restou evidenciada na redação que imprimiu ao art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, em que se estabelece o seguinte: “Aplicam-se ao sistema de improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.
Por aí já se percebe que a aplicação de sanções por atos de improbidade não pode ocorrer de qualquer forma ou sob qualquer pretexto. Antes, cabe ao Poder Judiciário observar, no exercício dessa tarefa, toda a pletora de direitos, garantias e princípios fundamentais que o Estado de Direito assegura às pessoas acusadas de determinado ato ilícito.
Ora, um dos mais basilares princípios que informam o Direito Sancionador é o da retroatividade da norma mais benéfica, com previsão expressa no art. 5º, XL, da Constituição Federal de 1988. Note-se que, embora esse preceptivo constitucional mencione a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu, sua incidência para o sistema da improbidade administrativa se revela também possível, na medida em que as normas previstas pela Lei 8.429/1992, de teor nitidamente sancionatório, assumem inegável gravidade para o acusado e reclamam, por conseguinte, uma semelhante cautela em sua aplicação.
A propósito, o C. STJ já destacava a possibilidade de se estender as normas de proteção do acusado na esfera penal para o sistema de responsabilização administrativa mesmo antes da edição da Lei 14.230/2021, conforme se constata do seguinte aresto jurisprudencial:
“DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE.
(...)
III - Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n. 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no art. 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente.
(...)
VI - Recurso em Mandado de Segurança parcialmente provido.” (grifei)
(RMS n. 37.031/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 8/2/2018, DJe de 20/2/2018.)
Nesse contexto, a Lei 14.230/2021 imprimiu uma modificação que claramente se reveste da condição de norma mais benéfica ao réu: cuida-se do art. 17-C, §3º, da LIA, de acordo com a qual a remessa necessária não será mais cabível nas ações judiciais que visem responsabilizar agentes públicos e terceiros por atos de improbidade administrativa.
A aplicação do art. 19 da Lei 4.717/1965, disciplinadora da ação popular, por analogia à ação de improbidade já era bastante controvertida mesmo antes da Lei 14.230/2021. Se, de um lado, o microssistema da tutela coletiva visava resguardar o interesse público em defesa do patrimônio social, de outro era inegável que estender essa norma ao sistema da improbidade revelava algumas dificuldades, ante o teor sancionatório da LIA. Visando dirimir a controvérsia, o C. STJ chegou a afetar o assunto ao rito dos recursos repetitivos, como se percebe de seu Tema 1.042:
“Definir se há – ou não – aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau.
Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador – frequentemente o Ministério Público – exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora”.
Neste momento, porém, fica evidente que a afetação do Tema 1.042 já não tinha uma razão de ser, na medida em que a própria lei passou a prever a impossibilidade de se submeter as ações de improbidade ao reexame necessário. Levando em consideração que a legislação passou a tratar especificamente sobre esse assunto, a Corte Superior cancelou o Tema 1.042 dos recursos repetitivos, não chegando nem mesmo a fixar um entendimento definitivo sobre tal aspecto.
Compreendendo o art. 17-C, §3º, da LIA uma regra mais benéfica ao réu, pode ela, inclusive, ser aplicada retroativamente aos acusados, na forma do entendimento do C. STJ, exemplificado no aresto acima transcrito. Por consequência, não poderia o eminente Relator, com todas as vênias, ter conhecido da remessa necessária com recurso ao art. 19 da Lei 4.717/1965, pois a própria Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a dispor diretamente sobre a questão, tratando-a em termos mais favoráveis aos réus.
Pelo exposto, divergindo em parte do eminente Relator, voto por não conhecer do reexame necessário, acompanhando, no mais, o voto de Sua Excelência, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014229-55.2009.4.03.6102
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
APELANTE: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIA VELLUDO VEIGA - SP290242
Advogado do(a) APELANTE: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A
APELADO: DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DACIO COSTA CURTA, MARIO SERGIO SAUD REIS, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE JARDINOPOLIS, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA, CARLOS HENRIQUE SAUD REIS, LUIS AUGUSTO SAUD REIS
Advogado do(a) APELADO: VICTOR ACETES MARTINS LOZANO - SP178750-A
Advogado do(a) APELADO: ANDERSON MESTRINEL DE OLIVEIRA - SP251231-A
Advogado do(a) APELADO: SILVIA APARECIDA DIAS GUERRA - SP125356-A
Advogado do(a) APELADO: FLAVIA VELLUDO VEIGA - SP290242
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
I) DO REEXAME NECESSÁRIO
Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65), verbis:
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014/73)
A Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, no artigo 17, § 19, inciso IV e artigo 17-C, § 3º, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e dado o interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021) caberá o seu reexame necessário, e para posteriores não, como no caso concreto em que a sentença foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 02/10/2014 (Id. 98215108 – fl. 101). Destacam-se, nesse sentido, precedentes desta Quarta Turma:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 14.230/2021. LEGITIMAÇÃO EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ADI NºS 7042 e 7043. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE PROVAS DE CONDUTAS IRREGULARES.
1. No julgamento das ADIs nºs 7042 e 7043, o E. Supremo Tribunal Federal restabeleceu “a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil”.
2. Na redação do Tema nº 1.119, não há qualquer menção acerca da incidência retroativa do reexame necessário. A despeito disto, aplica-se, na espécie, a teoria do isolamento dos atos processuais, nos termos do art. 14 do CPC.
3. Na época da prolação da sentença, vigorava o entendimento consolidado no julgamento do EREsp 1.220.667/MG, em que a C. Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria cabível a incidência do reexame necessário em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).
4. Como bem apontado na r. sentença, não consta da petição inicial quais foram as condutas praticadas pelos corréus FRANCISCO YUTAKA e LUIZ ROBERTO que contribuíram para a concretização das irregularidades acima enumeradas.
5. A inclusão dos corréus teve por fundamento exclusivo o fato de atuarem em cargos diretivos do CREA-SP, respectivamente Presidente e Superintendente de Fiscalização, e que, por estarem na cúpula da estrutura hierárquica administrativa, responderiam objetivamente pelos fatos questionados.
6. Ocorre que a imputação por ato de improbidade administrativa ostenta os atributos da responsabilidade subjetiva, ou seja, não basta a constatação do dano e a comprovação do nexo de causalidade para que os agentes sejam condenados, sendo imprescindível demonstrar o elemento volitivo de cada um dos agentes na concretização da violação ao erário público (art. 10) ou aos princípios administrativos (art. 11).
7. A petição inicial deve ser indeferida, nos termos do § 6º, do art. 17, da LIA, com redação anterior à Lei nº 14.230/2021, já que o CREA-SP não trouxe documentos hábeis a demonstrar os indícios de prática de atos de improbidade administrativa pelos corréus.
8. Reexame necessário improvido.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 0000571-26.2017.4.03.6120, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 09/02/2023, Intimação via sistema DATA: 13/02/2023) [ressaltado]
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PRELIMINAR. JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEITADA. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021. EXIGÊNCIA DA CONDUTA DOLOSA. DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA NORMA. are 843.989 rg/rp. REVOGAÇÃO DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 11 DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO COM BASE NO TEXTO REVOGADO. RESPONSABILIDADE DOS EMPREGADOS PÚBLICOS PELA LESÃO. AFASTADA. CONDUTA DOLOSA DO REPRESENTANTE LEGAL E PESSOA JURÍDICA CONTRATADA. CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NA LEI Nº 8.666/93. INCABÍVEL. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZADO. PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO MPF. RECURSO DOS ACUSADOS PROVIDO EM PARTE.
- Ressalte-se que se trata de caso de remessa obrigatória, embora a Lei nº 7.347/1985 silencie a respeito, uma vez que, por interpretação sistemática das ações de defesa dos interesses difusos e coletivos, conclui-se aplicável analogicamente o artigo 19 da ação popular (Lei nº 4.717/65). Precedentes.
- Não se desconhece que a Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021, prevê, no artigo 17, § 19, inciso IV e artigo 17-C, § 3º, o não cabimento do reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução do mérito nas ações de improbidade. Contudo, por se tratar de norma processual e dado o interesse público, as disposições devem ser aplicadas às sentenças proferidas a partir da publicação da norma. Assim, o que baliza o cabimento da confirmação da sentença pelo tribunal é a data da sentença, ou seja, para decisões proferidas antes da publicação da nova lei (26/10/2021), caberá o seu reexame necessário, como no caso concreto, em que a sentença foi publicada em 20/09/2018 (Id. 126752861 – fl. 135). Para decisões posteriores à nova lei, não caberá a remessa oficial.
(...)
- Remessa oficial e apelação do MPF parcialmente providas.
- Recurso dos acusados provido em parte.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0005714-08.2012.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 14/12/2022, DJEN DATA: 16/12/2022)
Cabe salientar que a doutrina e jurisprudência sempre consideraram que a data da publicação da sentença é que fixa a necessidade de submissão da decisão ao reexame necessário. Portanto, deve-se levar em consideração a data do decisum e não a do ajuizamento da ação. Nesse sentido, o Enunciado nº 311 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “(arts. 496 e 1.046) A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença ou, ainda, quando da prolação da sentença em audiência, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica as remessas determinadas no regime do art. 475 do CPC/1973. (Grupo: Direito intertemporal e disposições finais e transitórias; redação alterada no V FPPC-Vitória e no VII FPPC-São Paulo)” e a Nota Técnica nº 003/2017, de 27/02/2018, do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal: “(...) O Código de Processo Civil de 20154 definiu novos parâmetros de valor para o reexame obrigatório das sentenças (§ 3º do art. 4965), afastando o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas decisões que a condenem ou garantam proveito econômico à outra parte em valores inferiores a mil salários mínimos. A data da publicação das sentenças tem sido considerada fator determinante para se definir sobre a aplicabilidade das normas do novo Código de Processo Civil em tema de remessa necessária (...)”. Destacam-se mais:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INSS. PROVIMENTO PARCIAL. DESERÇÃO AFASTADA. RETORNO AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA JULGAMENTO DA APELAÇÃO. CONSEQUÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS. ARTIGO 475, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Tendo sido o recurso especial parcialmente provido para afastar a deserção, o retorno dos autos ao Tribunal de origem para julgamento da apelação é mera consequência lógica do julgado, não se caracterizando como omissão.
2. O STJ já firmou o entendimento de que o instante da prolação da sentença é o próprio para se verificar a necessidade de sua sujeição ao duplo grau, daí porque, quando se tratar de sentença ilíquida, deve ser considerado o valor da causa atualizado.
3. Em se tratando especificamente de prestação continuada, para efeito do disposto no art. 475, § 2º, do CPC, a remessa necessária será incabível, também, se o valor das prestações vencidas, quando da prolação da sentença, somado ao das doze prestações seguintes não exceder a sessenta salários mínimos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp n. 1.000.102/PR, relator Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 29/6/2009, DJe de 3/8/2009.)
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. SENTENÇA ILÍQUIDA. VALOR ATUALIZADO DA CAUSA INFERIOR A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO-CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. A necessidade de sujeição da sentença ao duplo grau deve ser verificada no instante de sua prolação. Tratando-se de sentença ilíquida, deve ser considerado o valor da causa atualizado.
Precedentes.
2. Recurso especial conhecido e improvido.
(REsp n. 866.329/SP, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 3/4/2008, DJe de 9/6/2008.)
RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO BASEIA-SE EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE. RECURSO NÃO ABRANGE TODOS. NÃO CONHECIMENTO. ENUNCIADO N.º 283 DA SÚMULA DO STF. ARTIGO 475, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. VALOR DA CONDENAÇÃO OU DO DIREITO CONTROVERTIDO INFERIOR A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. INEXIGIBILIDADE. MOMENTO OPORTUNO. PROLAÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
1. Enunciado n.º 283 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles".
2. Configurado o reexame necessário como condição de eficácia da sentença, o momento adequado para verificar se esta já está apta a produzir seus efeitos ou se carece da implementação de alguma condição é justamente no momento de sua prolação.
3. Cabe ao juiz prolator da sentença constatar se está presente, ou não, alguma hipótese de incidência de reexame necessário, devendo, para tanto, aferir também se o valor da condenação ou do direito controvertido é, naquele momento, superior ao limite de sessenta salários mínimos.
4. Líquido o quantum apurado em sentença condenatória, este valor será considerado para exame do limite em apreço. Ilíquido o valor da condenação ou, ainda, não havendo sentença condenatória, utiliza-se o valor da causa atualizado como critério. Se assim não fosse, esvaziar-se-ia o conteúdo do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil, determinando o reexame necessário todas as vezes em que ilíquido o valor da condenação.
5. Em verdade, aguardar a liquidação da sentença para constatar se foi atingido, ou não, de fato, o valor limite de sessenta salários mínimos implicaria nítida violação ao artigo 475, § 2º, da lei de rito, uma vez que restaria inócuo o escopo da norma em restringir a amplitude do reexame necessário.
6. Analisar se o valor apurado na sentença é, ou não, superior a sessenta salários mínimos importaria reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de recurso especial: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" (Enunciado n.º 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça).
7. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 655.046/SP, relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, julgado em 14/3/2006, DJ de 3/4/2006, p. 430.)
PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. ART. 535 DO CPC. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PRECLUSÃO. JUROS. REMESSA NECESSÁRIA. AUTARQUIA. APLICABILIDADE A PARTIR DE 13.06.1997. MOMENTO DE AFERIÇÃO DO CABIMENTO. DATA DE PROLAÇÃO DA SENTENÇA. PRECEDENTES.
1 O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional exige a demonstração da alegada divergência na forma dos arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ, isto é, com o cotejo analítico dos julgados, indicando-se as circunstâncias de fato e de direito que os assemelham ou identificam. Na hipótese dos autos, inexiste cotejo analítico entre os julgados e, tampouco, similitude fática.
2. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282/STF.
3. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta. Precedentes:
EDcl no AgRg no EREsp 254949/SP, Terceira Seção, Min. Gilson Dipp, DJ de 08.06.2005; EDcl no MS 9213/DF, Primeira Seção, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21.02.2005; EDcl no AgRg no CC 26808/RJ, Segunda Seção, Min. Castro Filho, DJ de 10.06.2002.
4. À época da prolação da sentença, em 17.02.1997 (fls. 537), e da remessa da apelação ao Tribunal de origem, em 30.03.1997 (fls. 561), não havia norma legal prevendo a aplicabilidade da remessa necessária às autarquias, comando que só veio a ser incluído pelo art. 10 da MP 1561-1/97, vigente desde 13.06.1997.
5. A jurisprudência desta Corte assentou entendimento de que o cabimento do reexame necessário é analisado quando da prolação da sentença, já que condição de eficácia dessa. Precedentes: AgRg no REsp 661874/RS, 5ª T., Min. Laurita Vaz, DJ de 03.10.2005; REsp 723394/RS, 6ª T., Ministro Nilson Naves, DJ de 14.11.2005 e REsp 576698/RS, 5ª T., Ministro Gilson Dipp, DJ de 01.07.2004.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp n. 815.752/SP, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 4/4/2006, DJ de 17/4/2006, p. 186.)
A jurisprudência contemporânea do Superior Tribunal de Justiça, posterior à alteração do instituto pela Lei nº 14.230/2021, tem reconhecido que os pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa julgados improcedentes estão sujeitos ao reexame necessário por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ou analógica da Lei da Ação Popular (artigo 19). Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIA ELEITA ADEQUADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211/STJ. ENTENDIMENTO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA N. 83/STJ.
I - Trata-se de ação rescisória objetivando a desconstituição do acórdão proferido pela 13ª Câmara Cível no Processo n. 1.0471.03.012281-9/009. No Tribunal a quo, a ação foi julgada improcedente.
II - Quanto à matéria constante nos arts. 10 e 496 do CPC/15, verifica-se que o Tribunal a quo, em nenhum momento, abordou as questões referidas nos dispositivos legais, mesmo após a oposição de embargos de declaração apontando a suposta omissão. Nesse contexto, incide, na hipótese, a Súmula n. 211/STJ, que assim dispõe:
"Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo."
III - Gize-se, por oportuno, que a falta de exame de questão constante de normativo legal apontado pelo recorrente nos embargos de declaração não caracteriza, por si só, omissão quando a questão é afastada de maneira fundamentada pelo Tribunal a quo, ou ainda, não é abordada pelo Sodalício, e o recorrente, em ambas as situações, não demonstra, de forma analítica e detalhada, a relevância do exame da questão apresentada para o deslinde final da causa.
IV - O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, a qual é firme no sentido de que as sentenças de improcedência de pedidos formulados em ação civil pública por ato de improbidade administrativa sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário, seja por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 475 do CPC/1973), seja pela aplicação analógica do Lei da Ação Popular (art. 19 da Lei n. 4.717/65). Nesse mesmo sentido. AgInt no REsp 1612579/RR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020; (AgInt no REsp 1817056/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 20/11/2019; REsp 1733729/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 17/12/2018.
V - Dessa forma, aplica-se, à espécie, o enunciado da Súmula n. 83/STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." Ressalte-se que o teor do referido enunciado aplica-se, inclusive, aos recursos especiais interpostos com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
VI - Agravo interno improvido.
(STJ, AgInt no AREsp n. 1.541.937/MG, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 20/5/2022.)
II) DA CARÊNCIA DA AÇÃO
2.1) DA APLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE A AGENTES POLÍTICOS
O artigo 1º da Lei nº 8.429/92, na sua redação original, previa que os atos de improbidade praticados por agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional ou o patrimônio de entidade que recebesse subvenção de órgão público seriam punidos na forma estabelecida pela norma. Por sua vez, o artigo 2º considerava como agente público todo aquele que exercia, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas referidas entidades. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o tema 576 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: "o processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias" (STF, RE 976566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019)
De acordo com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, é admitida a responsabilização de agentes políticos nos termos da lei de improbidade e aplicação das respectivas sanções: “e não ocorre, desse modo, bis in idem nem incompatibilidade entre a responsabilização política e a criminal” (AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Destaca-se, mais:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. JUSTA CAUSA. RECEBIMENTO DA INICIAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO STJ. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. BIS IN IDEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. AGENTE POLÍTICO. LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO. DECRETO-LEI N. 201/1967. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUTÔNOMA EM FACE DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - O acórdão recorrido está em consonância com orientação desta Corte segundo a qual, na fase de recebimento da inicial da ação civil pública de improbidade administrativa, deve-se verificar a presença de indícios da prática de ato ímprobo, ou, fundamentadamente, as razões de sua não apresentação, à luz do princípio do in dubio pro societate.
III - Rever o entendimento do tribunal de origem, reconhecendo a inadequação da via eleita por existir ação penal correlata, baseada nos mesmos fatos (bis in idem) e com pedido de ressarcimento ao erário, deduzido nos mesmos termos da presente lide, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 07 desta Corte.
IV - Este Tribunal Superior firmou entendimento segundo o qual o conceito de agente público estabelecido no art. 2º da Lei n. 8.429/1992 abrange os agentes políticos, como prefeitos e vereadores, não havendo bis in idem, nem incompatibilidade entre a responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei n. 201/1967, com a responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa e respectivas sanções civis (art. 12 da LIA).
Precedentes.
V - O acórdão recorrido observou a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal, bem como nesta Corte, segundo a qual, por não possuir natureza penal ou administrativa, a ação de improbidade é autônoma em relação a tais instâncias, não configurando óbice ao processamento da presente demanda a existência de ação penal em trâmite. Precedentes.
VI - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VII - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VIII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.947.699/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 3/11/2021, DJe de 8/11/2021.)
2.2) DA ADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA
É de se reconhecer a adequação da via processual eleita, posto que as condutas narradas na inicial amoldam-se à tipificação prevista nos artigos 10 e 11 da LIA, como indicado pelo autor na inicial, estão sujeitas às sanções estabelecidas pelo artigo 12, bem como ao ressarcimento integral do dano. A jurisprudência tem reconhecido o cabimento da ação civil pública: “que tenha como fundamento a prática de ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. Também mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, porque sustentada nas disposições da Lei n. 8.429/92" (REsp 757.595/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA)" (REsp 1.516.178/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015)” (STJ, (AgInt nos EDcl no AREsp n. 437.764/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/2/2018, DJe de 12/3/2018). Cabe citar, ainda:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DEFERIMENTO DE LIMINAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. UTILIZAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA ATO DE IMPROBIDADE. CABIMENTO.
1 A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso.
2. A característica da ação civil pública está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza mutifária legitimação , dentre outras, a do Ministério Público como o órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.
3. A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.
4. Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é lícito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime porque a conduta do Prefeito interessa à toda a comunidade local mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de noveis demandas.
5. As consequências da ação civil pública quanto aos provimento jurisdicional não inibe a eficácia da sentença que pode obedecer à classificação quinária ou trinária das sentenças.
6. A fortiori, a ação civil pública pode gerar comando condenatório, declaratório, constitutivo, autoexecutável ou mandamental.
7. Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.
8. A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.
9. A doutrina do tema referenda o entendimento de que "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular. (...)
Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais.
Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334) 10. Precedentes:REsp 805.080/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 06/08/2009; REsp 820.162/MT, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 31/08/2006 p. 249; REsp 516.190/MA, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2007, DJ 26/03/2007 p. 219; REsp 510150/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 29/03/2004 p. 173.
(...)
18. Recurso especial parcialmente conhecido, porém, desprovido.
(REsp n. 1.085.218/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 6/11/2009.)
2.3) DO INTERESSE PROCESSUAL
A ação civil pública é meio processual adequado para a reparação de eventual lesão ao patrimônio público, decorrente de ato de imoralidade administrativa. Segundo o STJ, nos termos do artigo 1º, IV, da Lei nº 7.347/85: “a ação civil pública se mostra como instrumento processual hábil para defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, tal como o é o dano ao erário e a afronta aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, objeto desta ação. Portanto, evidente a adequação da via processual utilizada pelo Parquet” (STJ, AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Para a Corte Superior: "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular. (...) Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334)” (REsp n. 1.085.218/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 6/11/2009.).
III) DOS FATOS E PROCESSAMENTO
Ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter a responsabilização de MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA pela prática de atos de improbidade descritos no artigo 10, caput e incisos VIII e XI, e artigo 11, caput e incisos I e VI, da Lei n.º 8.429/92, aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, do referido estatuto e condenação ao ônus da sucumbência (Id. 98218883– fls. 09/84).
O autor afirma que MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, quando do exercício do mandato de prefeito municipal de Jardinópolis/SP, descumpriu mandamentos constitucionais, disposições das Leis nº 8.429/92 e nº 8.666/93 e diversos termos do Convênio nº 3463/2004, SIAFI 521289, celebrado entre o município e o Fundo Nacional de Saúde, notadamente: “a) cláusula segunda, subcláusula II, item 2.4 - prestar contas dos recursos alocados pela CONCEDENTE e dos rendimentos e das aplicações financeiras, conforme a Cláusula Nona deste instrumento, nos termos da legislação vi gente; combinada com a cláusula nona, Parágrafo Segundo - A prestação de contas final, relativa aos recursos recebidos deverá ser apresentada ao órgão CONCEDENTE até 60 (sessenta) dias após o término de vigência do convênio b) cláusula segunda, subcláusula II, item 2.10 - promover as licitações que forem necessárias para a aquisição de materiais ou insumos a serem utilizados na execução do objeto avençado, de acordo com a legislação específica; c)cláusula segunda, subcláusula II, itens 2.11 - Restituir o valor transferido pelo CONCEDENTE acrescido de juros legais, na forma da legislação aplicável aos débitos para com a Fazenda Nacional, a partir da data de seu recebimento, nos seguintes casos: (...) e 2.11.2 – Quando não for apresentada, no prazo estabelecido, a prestação de contas, salvo quando decorrente de caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovado; d) cláusula segunda, subcláusula II, item 2.13 - Aplicar obrigatoriamente no mercado financeiro os recursos recebidos do CONCEDENTE, enquanto não forem empregados em sua finalidade (...); e) cláusula quinta - O CONVENENTE, para o atingimento do objeto avençado, obriga-se a cumprir o Plano de Trabalho Aprovado, especialmente elaborado para este fim, o qual passa a fazer parte integrante deste instrumento, independentemente de sua transcrição; f) cláusula sexta - As faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas, relativas à execução físico -financeira do objeto avençado, deverão ser emitidos em nome do CONVENENTE ou do EXECUTOR, se for o caso, devidamente identificados com o número deste Convênio; g) cometimento, em tese, do crime de responsabilidade”.
Aduz que os requeridos DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPDINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA, membros da comissão permanente de licitação, descumpriram as seguintes cláusulas do convênio: “a) cláusula segunda., subcláusla II, item 2.10 - promover as licitações que forem necessárias para a aquisição de materiais ou insumos a serem utilizados na execução do objeto avençado, de acordo com a legislação específica; b) cometimento, em, tese, do crime previsto no artigo 90 da Lei 8.666/93”.
Relata que o Município de Jardinópolis/SP, representado pelo chefe do executivo LUIZ FERNANDO RIUL, encaminhou ao Ministério da Saúde projeto para custeio da reforma e ampliação do Hospital de Jardinópolis, no valor de R$ 560.000,00, que o Ministério da Saúde arcaria com R$ 400.000,00 e a prefeitura com R$ 160.000,00, solicitação justificada pelas sérias necessidades financeiras da entidade, única que atendia cidadãos por meio do Sistema Único de Saúde e que nem sempre estava em funcionamento em virtude de carências de recursos e existência de dívidas com pessoal. O Convênio nº 3.463/2004 SIAFI nº 521289 tinha como objeto: “dar apoio técnico e financeiro para REFORMA DE UNIDADE DE SAÚDE, visando ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde - SUS" e foi firmado pelo município representado pelo então chefe do executivo LUIZ FERNANDO RIUL, que constituiu como procurador o prefeito eleito para o mandato subsequente. A vigência seria de trezentos e sessenta dias, contados da data da assinatura, e os recursos financeiros seriam de R$ 320.000,00 por parte da União e R$ 64.000,00 a título de contrapartida do município. Por solicitação do Prefeito MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, foi assinado o primeiro termo de prorrogação, para alterar o prazo de vigência de 26/12/2005 para 21/12/2006 e prorrogar o prazo para prestação de contas para 19/02/2007. No Relatório de Verificação in loco nº 78-1/2006, foi recomendada celeridade na execução do objeto pactuado, que não se havia iniciado quando da visita dos servidores do Ministério. O terceiro termo de prorrogação foi firmado por solicitação de MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, ou seja, o prazo de vigência prorrogado de 21/12/2006 para 07/12/2007 e a prestação de contas alterada de 19/02/2007 para 05/02/2008.
Diz que o Ministério efetuou o repasse do valor de R$ 173.333,00 em duas parcelas, uma de R$ 100.000,00, em 30/12/2005, e outra de R$ 73.333,33, em 12/06/2006. O município apresentou prestação de contas parcial, referente ao período de execução das parcelas recebidas e juntou documentos pertinentes. Menciona que, de acordo com o relatório de verificação, foram constatadas irregularidades na execução do objeto, motivo pelo qual não foram repassadas as parcelas subsequentes e as demais não foram liberadas, considerada a expiração do prazo de vigência do convênio, que ocorreu em 07/12/2007. Acresce que não houve a prestação de contas e que a Diretoria Executiva do Fundo Nacional da Saúde informou ter solicitado à Divisão de Convênios do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde de São Paulo que notificasse a entidade para que efetivasse a restituição integral dos recursos, conforme informações prestadas pelo Diretor Executivo do FNS no Oficio 1.311 MS/SE/FNS. A Diretoria Executiva do FNS, por meio do Ofício nº 4330 MS/SE/FNS, informou ter tomado medidas para a obtenção do ressarcimento dos valores ou apresentação de justificativas pela entidade, o que não surtiu efeito, motivo pelo qual notificou a Divisão de Convênios de Ministério da Saúde no Estado de São Paulo para que encaminhasse a documentação imprescindível à tomada de contas especial.
Narra terem ocorrido irregularidades no processo licitatório e que o certame foi realizado na modalidade tomada de preços, pretensamente para cumprir o objeto do convênio. O edital estabeleceu como critério de julgamento o menor preço global, como classificação a ordem crescente dos preços propostos e aceitáveis e o sorteio em sessão pública, na presença de todos os licitantes, em caso de empate. O prazo para retirada do edital foi marcado para 19/06/2006 e designado o dia 27/06/2006 para a entrega de envelopes de documentos e propostas, bem como abertura. As datas foram modificadas, com a prorrogação do dia de retirada do documento e recolhimento da caução para 28/06/2006 e abertura dos envelopes e encerramento para 06/07/2006. Após análise dos documentos apresentados, a comissão de licitação resolveu habilitar as empresas GSS Incorporadora Ltda. e Enge Reis Construtora Ltda. e inabilitar as empresas Trema Engenharia Ltda. por ter apresentado declaração de empresa inidônea em desacordo com o edital, VCM Comércio e Construções Ltda. pela ausência de assinatura nas declarações de que não era inidônea, não tinha sido penalizada e não empregava menores de dezoito anos e Romp Construtora Ltda. pelo descumprimento do subitem 4.1 do edital, não autenticação do contrato social, da certidão negativa de débitos municipais e declaração de falência ou concordata, não comprovação da regularidade com a Receita estadual e não apresentação de documentos acerca da qualificação técnica. Aberto o prazo recursal, não houve notícia de que algum licitante tivesse apresentado recurso. Em 24/07/2006, foram abertos os envelopes com as propostas perante os membros da comissão e o julgamento teve como critério o menor preço global. A empresa Enge Reis Construtora LTDA. apresentou proposta de R$ 378.905,00, com prazo de execução de treze meses, a GSS Incorporadora LTDA. propôs prazo idêntico de execução e o valor de R$ 380.799,54 e a primeira, que tinha no seu quadro societário os irmãos do então Prefeito Mário Sérgio Saud Reis, sagrou-se vencedora. Na mesma data, houve a devolução dos envelopes lacrados às empresas consideradas inabilitadas, mas apenas a notificação da Romp Construtora estava rubricada e com a data do recebimento. MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS adjudicou o objeto licitado à Enge Reis Construtora LTDA. e o Contrato n° TP017/2006 foi assinado em 26/07/2006. No dia 25/10/2006 foi firmada a cláusula que aditou o contrato de execução de serviços para adicionar o valor de R$ 11.621,60, com base nas justificativas e planilhas apresentadas pela Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos. Em 27/11/2006, foi avençada outra cláusula aditiva, para acrescentar o valor de R$ 9.013,39, com base nas justificativas e planilhas apresentadas pelo órgão municipal.
Alega que, de acordo com o Ofício nº 1.311 MS/SE/FNS, houve prestação de contas apenas com relação às duas primeiras parcelas, que não foi aprovada em virtude da constatação de irregularidades/impropriedades nas execuções. Ocorreu uma série de infringências com relação à obrigação de apresentação de contas finais, de modo que o Ministério poderia ter exigido a devolução dos valores. MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS não apresentou a prestação de contas final e as irregularidades, como o saldo de contrapartida não utilizado no objeto do pacto, só foram constatadas por meio da verificação in loco. O certame não foi realizado conforme a legislação vigente e desrespeitou o princípio da impessoalidade e as normas da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública.
Ressalta que o artigo 32, parágrafo 2º, da norma prevê que o certificado de registro cadastral substitui os documentos relacionados à habilitação jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica e econômico-financeira, contudo o edital previa que a apresentação de certificado de registro de fornecedor, emitido pela prefeitura, dispensaria a entrega dos documentos referentes à habilitação jurídica e CNPJ, o que se mostrou desfavorável aos licitantes, visto que a previsão legal dispensava a apresentação de documentos entregues por ocasião do cadastramento e aumentava as possibilidades de interessados participarem do processo licitatório, conteúdo que violou o princípio da legalidade, visto que o procedimento legal não foi adotado. O edital foi assinado por DANIELA APARECIDA DA SILVA, presidente da comissão permanente de licitação, que tinha como componentes os servidores LUIZ FERNARDO GARCIA MORAES, SARDRA MARIA SPADINI DE FARIA e ANDERSON FARIA ORIOLI. A Trema foi inabilitada, entre outras empresas, por ter apresentado declaração de que não era considerada inidônea em desacordo com o edital, exigência não prevista no rol dos documentos exigidos pela Lei nº 8.666/93. A comissão resolveu inabilitar a participante, apesar de ter efetivamente apresentado a declaração. Salienta que, ainda que fosse razoável exigir o documento, a participante não poderia ter sido inabilitada por não ter: “conseguido desvendar o que era realmente exigido no ato convocatório”. O artigo 43, parágrafo 5º, da Lei nº 8.666/93 estabelece que o concorrente pode ser desclassificado em razão de fato superveniente ou conhecido após o julgamento e que declarar tal situação é um dever do licitante, mas não pode ser obrigado a tanto com a cominação de desclassificação. “Mais grave, ainda, é exigir que a declaração, além de informar que a empresa não fora declarada inidônea, contenha o compromisso de prestar informação de fatos supervenientes, o que já resta subentendido”. A exigência ilegal e a consequente inabilitação restringiram o número de licitantes e foram habilitadas apenas duas empresas, o que diminuiu e até anulou a abrangência da licitação e do número de propostas examinadas, de modo que o interesse público restou prejudicado. Outra irregularidade verificada, asseverou, consistiu na exigência, para a visita técnica, de apresentação de comprovante de que o participante havia retirado o edital por meio do recolhimento do valor de R$ 35,00 aos cofres da fazenda pública municipal, com a cominação de não habilitação, o que viola a disposição contida no artigo 32, parágrafo 5º, da lei, que prevê apenas o pagamento de taxa referente à reprodução gráfica do documento, sem considerar imprescindível a retirada do edital para fins de participação no certame, e contraria a obtenção do maior número possível de licitantes e de propostas válidas.
Enfatiza que o procedimento licitatório violou a impessoalidade, pois o quadro societário da empresa vencedora era constituído pelos irmãos de MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, prefeito em exercício à época. O julgamento das propostas foi feito pela comissão e a homologação e adjudicação assinadas pelo prefeito. A contratação afrontou os princípios da moralidade e impessoalidade, considerado o vínculo familiar existente entre os sócios da empresa e o administrador municipal. O Diretor-Executivo do FNS informou que as medidas que seriam tomadas consistiam no encaminhamento de requerimento à Divisão de Convênios do Núcleo Estadual do Ministério da Saúde em São Paulo, para que notificasse o município a fim de que promovesse a restituição integral dos valores, acrescidos dos rendimentos financeiros, mas não foi noticiada a devolução de quaisquer valores.
Sustenta que, de acordo com o Relatório de Verificação in loco n° 136-2/2008, os recursos referentes ao primeiro repasse foram aplicados no mercado financeiro vinte e dois dias após o recebimento e, quanto ao segundo, oito dias após. O convênio dispõe que devem ser aplicados, obrigatoriamente, os recursos recebidos no período em que não foram utilizados. Desse modo, o acusado MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS deveria ter devolvido o valor de R$ 691,64, devidamente corrigido, correspondente àquilo que não foi auferido em virtude da não aplicação dos recursos, conforme cálculo constante do relatório.
Argumenta que o plano de trabalho aprovado demonstra que o objeto se restringia à reforma de unidade de saúde, mas no projeto de arquitetura apresentado pelo município constavam áreas de ampliação, que o prefeito declarou ser de inteira responsabilidade do hospital. Contudo, foram utilizados recursos do convênio para ampliação física do hospital, segundo relatado no relatório de verificação, o que viola a cláusula quinta e evidencia que o plano de trabalho não foi observado.
Informa que a perda do prazo para prorrogação do convênio lesou o interesse público, porquanto a prefeitura se comprometeu a efetivar o objeto pactuado e atingir o percentual de 100%, mas somente foram executados 65% do previsto, o que viola as disposições constitucionais, leis e normas regulamentares que tratam das verbas públicas, sintetizadas no manual de convênios elaborado pelo Tribunal de Contas da União.
Especifica que o relatório de verificação relata que a documentação comprobatória das despesas está parcialmente identificado com o número e título do convênio. Da análise dos documentos apresentados pela Enge Reis constata-se que não há a devida identificação do pacto e há indicação grosseira e inadequada. A falha na indicação correta indica mais uma conduta ilegítima, que impossibilita a comprovação segura da aplicação da verba pública. Acrescenta que informações extraídas dos ofícios do município e do FNS demonstram que não houve o cumprimento das recomendações contidas no Relatório 136-2/2008.
Manifesta-se no sentido de que MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, no exercício do seu mandato como prefeito, dolosamente atuou contra os fins e objetivos legítimos da administração e o interesse público da coletividade por ter utilizado indevidamente verbas públicas oriundas do Convênio nº 3.463/2004, o que caracteriza crime de responsabilidade, previsto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 201/1967 e o sujeita à pena de três meses a três anos de detenção, perda do cargo e inabilitação para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo de cinco anos. As condutas de DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ADERSON ADRIOLI e DÁCIO COSTACURTA, contrárias ao interesse público e ordenamento jurídico, configuram a figura tipificada no artigo 90 da Lei nº 8.666/93, com pena de detenção de dois a quatro anos e multa. Assevera que, diante do conjunto de provas coletadas, não há se falar em cometimento de erro casual ou ausência de habilidade do gestor municipal e que ficou indubitavelmente comprovado o desvio intencional de conduta de MÁRIO SÉRGIO em detrimento da União, em razão da prática de condutas divorciadas das atribuições intrínsecas de seu mandato e descumprimento de diversos termos do convênio. Quanto aos demais réus, fica patente a conduta intencional de praticarem atos contrários às disposições legais e princípios concernentes à administração pública, notadamente do processo licitatório. Salienta que eventual aprovação das contas pelo TCU não representa nenhum óbice à fiscalização do Parquet, nem da tutela jurisdicional que se pretende com a ação.
Conclui que os acusados violaram ainda os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência e que atos cometidos por Mário Sérgio se amoldam à previsão contida no artigo 10, caput e incisos VIII e IX, e artigo 11, caput e incisos I e VI, da Lei nº 8.429/92 e que as condutas praticadas pelos demais acusados estão tipificadas no artigo 10, caput e inciso VIII, e artigo 11, caput, da mesma lei.
A inicial foi instruída com cópia da Tutela Coletiva - Inquérito Civil nº 1.34.010.000713/2006-14, da Procuradoria da República no Estado de São Paulo, instaurado com a finalidade de colheita de maiores informações sobre: “supostos atos de improbidade administrativa cometidos pelo Prefeito Municipal de Jardinópolis em virtude de suspeita contratação de empresa de propriedade de parentes para executar obra no município” (Id. 98215098 ao Id. 98213772).
Notificados, os requeridos apresentaram manifestação prévia e documentos (Id. 98218883– fls. 123/161 e 162/182 e Id. 98216992 – fls. 03/25).
O juiz de primeiro grau indeferiu o pedido de assistência judiciária gratuita aos requeridos, rejeitou a preliminar de inépcia da inicial, falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva, recebeu a inicial e deferiu o ingresso do Município de Jardinópolis como assistente litisconsorcial do MPF (Id. 98218883 – fls. 183/189). Posteriormente, acatou o pedido de ingresso da União na qualidade de assistente simples do Ministério Público Federal (Id. 98218883 – fl. 269).
DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPDINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA (Id. 98218883 – fls. 205/235), MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS (Id. 98218883 – fls. 236/250), ENGE REIS CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA LTDA. (Id. 98218883 – fls. 290/320) e LUIS HENRIQUE SAUD REIS e CARLOS AUGUSTO SAUD REIS (Id. 98216992 – fls. 41/94) apresentaram contestação e documentos.
Na audiência de instrução realizada no dia 16/04/2013, os acusados MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, DÁCIO COSTACURTA, LUIZ AUGUSTO SAUD REIS e CARLOS HENRIQUE SAUD REIS foram interrogados (Id. 98216992 – fls. 162/184). Na de 20/06/2013, foram colhidos os depoimentos das testemunhas MARCELO JANZANTTI LAPENTA, SEBASTIÃO PÉRSIO FURLAN, ANDRÉ LUIS BERTINI e VIVIAN VAMAGUCHI (Id. 98213777 – fls. 193/202), a testemunha ROSANA APARECIDA CASTANHA foi ouvida na ocorrida em 19/06/2013 (Id. 98213777 – fls. 226/229) e CÁSSIO PINHEIRO GONÇALVES em 02/10/2013 (Id. 98213777 – fls. 257/260).
O Ministério Público (Id. 98213777 - fls. 263/270), a UNIÃO (Id. 98213777 - fls. 271/277) e os acusados (Id. 98213777 - fl. 288, Id. 98213778 – fls. 01/08 e Id. 98215108 – fls. 03/11 e 14/20) apresentaram alegações finais.
Sobreveio sentença que julgou a ação improcedente com relação a DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARL SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DÁCIO COSTACURTA, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA., CARLOS HENRIQUE SAUD REIS e LUIS AUGUSTO SAUD REIS e parcialmente procedente relativamente a MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, para o fim de condená-lo a restituir à União integralmente o valor indevidamente utilizado na ampliação do Hospital de Jardinópolis (RS 20.634,99) e o valor referente aos rendimentos das aplicações que deveriam ter sido efetivadas no mercado financeiro (R$ 691,61), corrigidos monetariamente desde o repasse das verbas e acrescido de juros de mora a contar da citação, ao pagamento de multa civil em favor da União, correspondente a duas vezes o valor do dano, no valor de R$ 42.653,20, atualizada nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal até o efetivo pagamento, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, proibição de contratar com o poder público ou o receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo mesmo prazo, e ao pagamento das custas e verba honorária em favor dos autores, fixada em R$ 6.000,00, a teor do disposto nos artigos 20 do CPC e 19 da Lei nº 7.347/85.Id. 98215108 – fls. 29/75).
IV) DO CASO CONCRETO
4.1) DAS CONDUTAS PRATICADAS
O autor alega que ocorreram violações a diversas cláusulas do Convênio nº 3463/2004 (Id. 98215098 – fls. 40/47), a seguir discriminadas.
4.1.1) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA SEGUNDA, SUBCLÁUSULA II, ITEM 2.4 C/C COM A CLÁUSULA NONA, PARÁGRAFO SEGUNDO
Referidas cláusulas obrigam o convenente a, verbis: “prestar contas dos recursos alocados pela CONCEDENTE e dos rendimentos e das aplicações financeiras, conforme a Cláusula Nona deste instrumento, nos termos da legislação vigente”. “A prestação de contas final, relativa aos recursos recebidos deverá ser apresentada ao órgão CONCEDENTE até 60 (sessenta) dias após o término de vigência do convênio”
MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS alega em contestação que (Id. 98218883 – fls. 236/250):
1) o município apresentou prestação de contas parciais, em 25/07/2007, dos valores até então aplicados na consecução do objeto do convênio por força da cláusula nona do pacto e, posteriormente, foi obrigado a suspender a obra até a apreciação e aprovação pelo órgão competente, visto que a liberação da parcela remanescente estava condicionada à regularidade das contas parciais prestadas.
2) o órgão concedente teria de concluir a análise das contas até 23/09/2007, considerado o disposto no artigo 31 da Instrução Normativa nº 01/1997 da Secretaria do Tesouro Nacional.
3) considerada a falta de pronunciamento sobre as contas e o descumprimento do artigo 31 da IN e do parágrafo segundo da cláusula oitava do convênio, fez junto à Divisão de Convênios, em 03/12/2007, pedido de prorrogação do pacto, antes da sua expiração, ocasião em que informou que as contas parciais estavam pendentes de pronunciamento pelo órgão.
4) por meio do Ofício nº 1426/MS/SE/DICON/SP, de 08/07/2009, quase um ano após a prestação das contas parciais, foi informado sobre a sua não aprovação, ao fundamento de que o município não havia cumprido o prazo contratual e teria solicitado a prorrogação de forma intempestiva, o que acarretou o indeferimento do pedido e rescisão do ajuste.
5) em momento algum negligenciou as ações que lhe competiam, visto que requereu a prorrogação da vigência do convênio antes de seu encerramento.
O juiz a quo reconheceu que o ex-prefeito Mário Sérgio descumpriu normas conveniadas, o que impunha sua responsabilização nos termos do artigo 11 da Lei de Improbidade por não ter prestado contas dos recursos alocados pela concedente e dos rendimentos e aplicações financeiras, como previsto na cláusula segunda, subcláusula II, item 2.4 do convênio. Considerou preponderante que a prestação de contas foi realizada de forma meramente parcial (Id. 98215108 – fls. 29/75).
No caso concreto, verifica-se que a prestação de contas relativa ao repasse das parcelas 1 e 2, no valor de R$ 100.000,00 e R$ 73.333,33, respectivamente, foi apresentada em 25/07/2007 (Id. 98215095 - fls. 162/170). A Divisão de Convênios e Gestão analisou as contas, conforme Despacho nº 391/SAAP/DICON/SP), e concluiu que a documentação não era suficiente para a emissão de pronunciamento técnico acerca da execução física do convênio, pois se referia basicamente à execução financeira (Id. 98215097 - fls. 91/97). A documentação complementar foi encaminhada em 21/12/2007, conforme Ofício nº 727/2007 (Id. 98215097 fls. 100/144).
O artigo 11, VI, da LIA caracteriza como ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, a não prestação de contas com vista a ocultar irregularidades, nos casos em que o acusado esteja obrigado a fazê-lo.
Por sua vez, a Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º).
O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS, ESPECIALMENTE O DA LEGALIDADE. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO REALIZADO SEM A COMPLETA OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. FALTA DE PLANILHA DE PREÇOS. PEDIDO INICIAL QUE SEQUER APONTA A OCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO NEM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO AGENTE. CAPITULAÇÃO DO FATO EXCLUSIVAMENTE NA REGRA DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. MERA IRREGULARIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE MÁ-FÉ E DE QUALQUER INTENÇÃO NO MALFERIMENTO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. REVALORAÇÃO JURÍDICA DAS PREMISSAS ADOTADAS NO ARESTO. MERO DESATENDIMENTO A UM PRINCÍPIO (NO CASO, O DA LEGALIDADE), SEM QUALQUER DEMONSTRAÇÃO DO DOLO, MESMO NA SUA ACEPÇÃO DE DOLO GENÉRICO. PROVIMENTO DOS RECURSOS.
1. A orientação jurisprudencial sedimentada no Superior Tribunal de Justiça estabelece que a configuração do ato de improbidade por ofensa a princípio da administração depende da demonstração do chamado dolo genérico.
2. O acórdão recorrido, embora repita que houve o cometimento de ato de improbidade, consigna, sem nenhum constrangimento, que não houve: a) má-fé; b) intenção (elemento subjetivo) de frustrar a competitividade do certame; c) malferimento ao princípio da isonomia; e d) dano ao erário (até porque esse não foi fundamento do pedido inicial). E, para concluir pelo alegado cometimento da improbidade administrativa, assenta, de forma literal, conforme acima já exposto, que tal ocorre pela mera afronta ao princípio da legalidade, porquanto o fato de não terem tido os recorrentes a intenção, "por si só, não tem o condão de afastar a responsabilidade dos recorridos por suas condutas omissivas conscientes de que não podiam dar cabo daquela Tomada de Preços, em face da ilegalidade nela existente".
3. Na esteira da lição deixada pelo eminente e saudoso Ministro Teori Albino Zavascki, "não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10" (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/9/2011).
4. Ora, a admitir-se a conclusão do aresto impugnado, somente não seria improbidade administrativa um mero fato descumpridor de determinado princípio constitucional, quando a conduta do agente estivesse acobertada por alguma excludente típica do Direito Penal. Dito de outro modo: apenas a atuação inconsciente e involuntária (hipótese mesmo de um não ato), em uma típica expressão do Direito Penal pátrio (tomada de empréstimo para o Direito Administrativo), é que não configuraria um ato de improbidade. Expandindo-se o argumento, poder-se-ia dizer que qualquer nomeação feita por determinado agente público que viesse a ser invalidada, no futuro, por descumprimento de um requisito legal, seria ipso facto, consoante a decisão recorrida, um ato de improbidade, visto que a nomeação somente poderia ter-se dado por um ato consciente e voluntário.
5. Ademais, é sabido que meras irregularidades não sujeitam o agente às sanções da Lei n. 8.429/1992. Precedente: REsp 1.512.831/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).
6. "Assim, para a correta fundamentação da condenação por improbidade administrativa, é imprescindível, além da subsunção do fato à norma, estar caracterizada a presença do elemento subjetivo. A razão para tanto é que a Lei de Improbidade Administrativa não visa punir o inábil, mas sim o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. [...] Precedentes: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015; REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015; AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015; AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014" (REsp 1.508.169/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).
7. Recursos especiais conhecidos e providos, para reformar o acórdão recorrido e restabelecer a sentença de primeiro grau”.
(STJ, 2ª Turma, REsp 1.573.026/SE, j. 08/06/2021, DJe 17/12/2021, Rel. Min. OG FERNANDES).
Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, ao comentar sobre as alterações do artigo 1º da LIA, faz as seguintes observações: “Seguindo a proposta didática da Lei o § 1º, basicamente, define como sendo atos de improbidade as condutas dolosas descritas nos arts. 9º ao 11º da Lei. Os três primeiros parágrafos, assim, já “dão o recado”, passando a mensagem e a tônica da nova Lei, pois modificam substancialmente a caracterização do ato de improbidade, excluindo a possibilidade de ato de improbidade culposo, o que se revela como um dos pontos mais sensíveis e relevantes da Lei em comento, pois terá o condão de alterar de forma substancial a forma como se tutela a improbidade administrativa. (...)A alteração, conforme já falado, traz equilíbrio, a partir do momento que deixa de tratar da mesma forma aquele que pratica ato de forma negligente, desleixada, imprudente, daquele que intencionalmente lesa o erário” (Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 44-45). A jurista, ao tratar do dolo específico como requisito para caracterização do ato de improbidade, faz a seguinte análise: “Há de se ter em mente que o dolo, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, poderá e deverá ser tratado como não apenas a vontade livre e consciente, mas a vontade livre e consciente de praticar os atos de tal maneira, que vão além do ato praticado sem cuidado, sem cautela, e sim com a ausência de cuidado deliberadas de lesarem o erário. Então dolo específico, especialmente para fins de caracterização de ato de improbidade, é o ato eivado de má-fé. O erro grosseiro, a falta de zelo com a coisa pública, a negligência, podem até ser punidos em outra esfera, de modo que não ficarão necessariamente impunes, mas não mais caracterizarão atos de improbidade (...) Conforme dito, portanto, da mesma forma que a má-fé passa a ser elemento essencial para caracterização do ato de improbidade, a boa-fé também deverá ser levada em consideração para a excludente da caracterização” (Ibidem, p. 46).
Desse modo, o ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Confira-se:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido”.
(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]
Marçal Justen Filho ao comentar sobre a nova redação do inciso VI do artigo 11 da LIA faz a seguinte observação: “Uma ressalva introduzida consiste na disponibilidade de condições para o sujeito prestar contas. Essa hipótese destina-se a afastar a improbidade especificamente nos casos em que as condições precárias quanto ao exercício da função pública dificultam o cumprimento do dever em questão. Por outro lado, foi acrescida previsão envolvendo dolo específico. É indispensável que o sujeito tenha consciência de que a sua conduta omissiva infringe o dever de prestar contas e atue voluntariamente de modo a deixar de cumprir tal dever. Mais do que isso, é necessário que o sujeito atue visando ocultar irregularidades. Nesse ponto é indispensável destacar que a previsão legal não exige a existência de irregularidades nas contas. O dispositivo exige o elemento subjetivo consistente na intenção de ocultar irregularidades. Mesmo que tais irregularidades inexistam, a infração se verifica se o sujeito omite a prestação de contas na suposição da existência delas” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 121-122).
Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto ao tecerem comentários sobre o mesmo dispositivo, salientam que: “Na disciplina do art. 11, VI, da Lei 8.429/92 há a previsão de hipótese normativa consistente na violação, pelo agente público, do dever de prestar contas. Todo aquele que gere dinheiro ou administra bens públicos tem o dever de prestar contas de forma regular, nos termos do art. 70, da Constituição Federal e art. 48, da Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas agora há dois elementos essenciais exigidos pelo legislador: a-) desde que disponha das condições para isso; e b-) com vistas a ocultar irregularidades. (...) O outro é a intenção, que no caso seria ocultar algum ilícito”. Torna-se assim necessário: a-) a ausência de regular prestação de contas; b-) dever do agente público em prestar contas; c-) dolo, vontade de não prestar contas visando ocultar ilegalidades; e d-) que o agente disponha de meios para a prática do ato. Aqui o cuidado também deve ser para não conceituar qualquer atraso como ato de improbidade” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 161 e 162).
Portanto, para a configuração do tipo previsto é necessária a comprovação de que as contas não foram prestadas por quem era obrigado a fazê-lo e dispunha de meios para tanto, bem como a intenção de agente de não praticar o ato e ocultar ilegalidades.
No caso concreto, nada obstante a não demonstração do dolo ou má-fé, as contas foram prestadas relativamente aos valores efetivamente recebidos. O próprio autor informa que o município apresentou a prestação de contas parcial, referente ao período de execução das parcelas 1 e 2 do repasse, e que as demais parcelas não foram liberadas em virtude da expiração do prazo de vigência do convênio. Portanto, está justificada a apresentação da prestação de contas parcial, de maneira que não configurado qualquer ato ímprobo por parte do ex-prefeito.
4.1.2) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA SEGUNDA, SUBCLÁUSULA II, ITEM 2.10.
De acordo com o pacto, o convenente comprometeu-se a: “Promover as licitações que forem necessárias para a aquisição de materiais ou insumos a serem utilizados na execução do objeto avençado, de acordo com a legislação específica”.
DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPDINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA, membros da comissão de licitação, alegaram em contestação que (Id. 98218883 – fls. 205/219):
1) o princípio da impessoalidade está estritamente ligado aos da isonomia e do julgamento objetivo e que inexiste qualquer vedação legal à participação do irmão do prefeito no certame, mormente ao rol elencado no artigo 9º da Lei de Licitações.
2) a inobservância do postulado deve ser analisado no caso concreto, para que seja comprovado que a empresa pertencente a parente do prefeito obteve vantagens capazes de influenciar o resultado final da licitação, o que não ocorreu, e que a exigência da documentação para habilitação jurídica, qualificação técnica e econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do artigo 7° da Constituição Federal era exigida praxe e atendia a lei de licitações, como foi observado em outros editais de licitações anexados.
3) o Procurador Geral do Departamento Técnico da Administração proferiu parecer em que se manifestou pela legalidade do edital e da minuta contratual, motivo pelo qual o presidente do colegiado prorrogou a data de abertura e encerramento para apresentação das propostas, em atendimento ao disposto no parágrafo 3º do artigo 21 da Lei de Licitações.
4) os membros da comissão não praticaram qualquer ato concreto, conforme previsão do artigo 6º da lei, razão pela qual a inobservância do princípio da impessoalidade deve recair exclusivamente na autoridade superior, que teve a faculdade de homologar e/ou adjudicar, optar pela segunda colocada ou revogar o ato, segundo sua conveniência e oportunidade.
5) no desenvolvimento de seu trabalho, não causaram qualquer prejuízo à administração pública, visto que classificaram a licitante que apresentou a melhor proposta e por estarem vinculados ao instrumento convocatório por critérios objetivos previstos no edital.
6) não ocorreu qualquer impugnação ao edital por parte dos licitantes, qualquer cidadão ou Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e a comissão deveria julgar de acordo com as regras do edital, em obediência ao princípio do julgamento objetivo, previsto no artigo 45 da lei.
7) a substituição do registro cadastral emitido por outro órgão ou entidade pública é mera faculdade da administração, como previsto no artigo 32, parágrafo 3º, da lei, e o procedimento era de determinação obrigatória pelo chefe do poder público, razão pela qual inexiste qualquer ilegalidade na exigência do CRC da prefeitura.
8) não há qualquer ilegalidade na assinatura do edital de chamamento apenas pela presidente, considerada a inexistência de previsão legal, nada obstante a sistemática tenha sido apreciada pela Procuradoria Jurídica do Município, que opinou favoravelmente ao prosseguimento.
9) a empresa Trema deixou de apresentar a declaração de que não tinha sido penalizada com a suspensão temporária e: “não foi apenas a parte final do item 4.1.5.2 do edital que deixou de declarar, ou seja, a comunicação de ocorrência futura, e sim questão de grande relevância”.
10) não há ilegalidade no que se refere à visitação técnica, considerado o disposto no inciso III do artigo 30.
11) inexistiu qualquer sanção ao licitante que não retirasse o edital, pois não havia necessidade de sua aquisição, visto que poderia ser consultado na sede do paço municipal ou no sítio da prefeitura.
12) não poderiam integrar a lide, pois quem promove a licitação é a administração pública, que adotou o procedimento previsto no artigo 23, inciso I, alínea “b”, da lei. Nada obstante, a Procuradoria Jurídica Municipal se manifestou pelo seu prosseguimento, dado que o edital e minuta contratual preenchiam os requisitos legais.
13) são partes ilegítimas, porquanto a adjudicação e homologação foram exaradas pelo prefeito municipal.
14) o Tribunal de Contas aplicou a Mário Sérgio Saud Reis, então prefeito e único e legal responsável, a devida penalidade.
Em sua defesa, MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS afirma, resumidamente, que (Id. 98218883 – fls. 236/250):
a) a exigência do certificado de registro cadastral de que trata o artigo 32, § 2º, da Lei nº 8.666/93 é uma faculdade da administração pública e não uma obrigação, como dispõe o § 3º do mesmo dispositivo;
b) a empresa Trema foi inabilitada por não ter presentado declaração de idoneidade nos termos exigidos pelo edital e não se insurgiu contra sua inabilitação por meio do recurso cabível.
c) a vencedora do certame e contratada para realizar o serviço, que tinha como integrantes em seu quadro societário os irmãos do réu Mário Reis, concorreu em grau de igualdade com os demais licitantes, sem que tenha ocorrido qualquer afronta aos princípios norteadores da administração pública ou regras legais, dada a inexistência de vedação à contratação;
d) não pode ser ignorado o fato de que o município é pequeno e não dispõe de outras empresas do ramo da construção civil, o que fez com que o preço proposto pela vencedora pudesse ser o melhor, porquanto teve seus custos reduzidos em relação aos demais concorrentes sediados em outras cidades.
e) a exigência de retirada do edital para que a visita técnica fosse realizada não causou qualquer prejuízo aos participantes, tanto que muitas empresas realizaram a visita técnica. Ademais, não houve nos autos qualquer impedimento por esse motivo de empresas que pretendiam realizar a visita técnica e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, nas decisões exaradas nos TCs - 029407/026/2007 e 001871/006/2006, relevou falhas dessa natureza.
ENGE REIS CONSTRUTORA E IMOBILIÁRIA LTDA. sustenta, em sua defesa, que o vínculo de parentesco não pode ser tomado como pressuposto para se detectar favorecimento na escolha da melhor proposta e não serve de estribo para se invocar, em toda e qualquer situação, ofensa aos princípios da impessoalidade, moralidade, igualdade, legalidade e correlatos. Enfatiza que é preciso que seja provado, de forma contundente, que o vínculo prejudicou o dever de absoluta neutralidade do procedimento licitatório. Diz que não há previsão legal que impeça a participação em processo licitatório de pessoas com relação de parentesco com o ente licitante e que tal impedimento acarretaria ampliação do rol previsto no artigo 9º da Lei nº 8.666/93, em evidente ofensa ao princípio da legalidade. Relata que participou de todas as etapas do processo licitatório, cumpriu todas as exigências contidas no edital e apresentou o melhor preço para a realização da obra e que não houve apresentação de recurso por nenhuma das participantes, seja para questionar as regras do edital ou contestar a vencedora (Id. 98218883 – fls. 290/320).
Para LUIS HENRIQUE SAUD REIS e CARLOS AUGUSTO SAUD REIS o vínculo de parentesco não pode ser considerado pressuposto para indicar favorecimento na escolha da melhor proposta ou servir de fundamento para invocar a ofensa aos princípios da administração pública, pois deve ser provado que houve prejuízo ao dever de absoluta neutralidade do procedimento. Ressaltam que não há previsão legal que impeça a participação de pessoas com relação de parentesco com o ente licitante no processo licitatório e que o impedimento ampliaria o rol previsto no artigo 9º da lei, em evidente ofensa ao princípio da legalidade. Afirmam que a Enge Reis participou de todas as etapas da licitação, cumpriu as exigências editalícias e apresentou o melhor preço para realização da obra e não ficou demonstrada qualquer irregularidade de sua parte no procedimento. Salientam que nenhuma das empresas participantes apresentou recurso para questionar as regras do edital ou contestar a empresa vencedora. Alegam que não ocorreu violação aos princípios inerentes à administração, considerada a regularidade do certame, ausência de contraposição em relação ao mesmo ou a execução da obra, consonância com os preços praticados e orçados e ausência de prejuízo ao erário. Informam que as contas relativas à obra foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em virtude da regularidade da documentação. Salientam que não há prova de ocorrência de ações que tivessem por finalidade o enriquecimento licito das denunciadas ou que os acréscimos realizados eram dispensáveis. Enfatizam que o TCE do Estado reconheceu a validade dos argumentos do prefeito municipal e considerou regulares as contas apresentadas, o que fulmina as denúncias contra os contratante e pessoa jurídica que representam (Id. 98216992 – fls. 41/94).
Segundo o magistrado, a contratação de empresa pertencente a parentes do prefeito não representa em si violação aos princípios da administração pública e que se faz necessário analisar se os atos de improbidade cometidos por Mário Sérgio são também atribuíveis à empresa vencedora do certame. Enfatiza que a ENGE foi constituída em 1991, tempos antes da gestão do acusado Mário Sérgio frente à prefeitura, o que afasta a suspeita de criação com o objetivo de fraudar a licitação. Menciona que a empresa comprovou experiência prévia na área da construção civil, apresentou diversos contratos com a administração pública e demonstrou capacidade técnica justificadora de sua participação na reforma do hospital. Enfatizou que não havia nos autos prova de conluio entre Mário Sérgio e seus irmãos e que não estava demonstrada a prática de atos de improbidade administrativa pelos réus ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA, CARLOS HENRIQUE SAUD REIS e LUIS AUGUSTO SAUD REIS, de modo que julgou improcedente a ação em relação a eles (Id. 98215108 – fls. 29/75). Considerou que as empresas Trema Engenharia Ltda., VCM Comércio e Construções Ltda. e Romp Construtora Ltda. foram desabilitadas em virtude de apresentação de documentos em desacordo com o edital, mediante decisão fundamentada, o que permite concluir que a comissão de licitação atuou dentro dos parâmetros impostos pelo edital. Reconheceu que as obrigações impostas pelo edital estavam em conformidade com o princípio da razoabilidade e que não estava evidenciado o direcionamento, como destacado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que enfatizou em sua decisão que a licitação apresentou quinze interessados e cinco inscritos, o que demonstra que a publicidade da disputa foi garantida. Assim, reputou inviável a condenação de DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DÁCIO COSTACURTA por atos de improbidade administrativa.
De acordo com o artigo 11, inciso V, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública: “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. O artigo 11, § 1º, estabelece, verbis: “§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”.
Marçal Justen Filho, ao tratar do dispositivo, faz a seguinte análise: “A frustração consiste em ação ou omissão que se revela como causalmente adequada a impedir o atingimento de resultado contemplado pela ordem jurídica e inerente ao processo administrativo existente. A frustração pode ser produzida por diversas vias. Algumas delas envolvem condutas ativas, tal como o fornecimento de informações a determinado terceiro. Outras são de cunho omissivo, tal como a ausência de providencia indispensável à preservação da integridade do procedimento. A ofensa à imparcialidade se verifica quando o agente público toma partido em favor de algum sujeito ou interesse (legítimo ou não), abandonando uma atuação impessoal e propiciando vantagens diferenciadas que beneficiam indevidamente a terceiros. O dispositivo alude ao caráter concorrencial inerente aos processos de concurso público, de chamamento e de licitação. Em todos esses casos, há uma finalidade consistente em promover diferenciação entre competidores, segundo critérios objetivos predeterminados. A frustração do caráter concorrencial ocorre quando o agente público adota condutas ativas ou omissivas que propiciam vantagens indevidas a um ou alguns dos possíveis interessados, de modo a comprometer a competição justa e igualitária entre eles. O elemento subjetivo consiste em dolo específico. Trata-se não apenas da consciência quanto à antijuridicidade da violação à imparcialidade e da vontade de produzir a frustração indevida da competitividade, mas do intento de obter benefício para si mesmo ou para terceiro. O benefício pretendido não necessita ser nem direto, nem patrimonial. Nem é necessário que o intento seja efetivamente satisfeito. Basta a vontade orientada a tais desígnios. O elemento subjetivo também se verifica presente quando o agente público atuar para beneficiar terceiro. É irrelevante a motivação do agente público. Configura-se o tipo subjetivo inclusive na hipótese em que o agente beneficia indevidamente um determinado concorrente visando causar prejuízo para outro. (...) Configura-se improbidade ainda que o agente público produza o benefício para o terceiro visando a prejudicar o seu inimigo (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 121-122). Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto, ao tecerem comentários acerca do mesmo dispositivo, salientam que: “O ato de frustrar concurso público, chamamento ou procedimento licitatório comporta várias acepções, seja quando não realiza tal modalidade de contratação na forma correta, seja quando adotadas regras que violem os Princípios da igualdade jurídica ou da Imparcialidade da Administração Pública. Mas o legislador exigiu mais, que a ação ou omissão: a-) ofenda à imparcialidade; e b-) vise obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros. Mas o benefício não pode ter sido obtido, pois se o foi, haverá a incidência do art. 9º, inciso I, da Lei de Improbidade. Revelam-se necessários: a-) atuação do agente visando frustrar a licitude do Concurso Público, chamamento ou procedimento licitatório ou deixar de adotar as cautelas necessárias ofendendo à imparcialidade; b-) dolo, ou seja ciência de que o ato é ilegal; e c-) vise obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros (mas não recebido)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 161).
Conclui-se que o tipo previsto exige que a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório seja dolosa, viole a imparcialidade e beneficie o próprio agente ou terceiros. Ressalta-se a necessidade de comprovação do dolo com finalidade ilícita por parte do agente.
Primeiramente cabe destacar que, diferentemente do afirmado pela UNIÃO, não está comprovado o conluio entre os corréus para o redirecionamento da licitação ou que tinham ciência do esquema fraudulento e burla ao processo licitatório.
O artigo 9º da Lei nº 8.666/93 trata das hipóteses de impedimentos à participação no procedimento licitatório, verbis:
Art. 9o Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:
I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;
II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;
III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.
§ 1o É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.
§ 2o O disposto neste artigo não impede a licitação ou contratação de obra ou serviço que inclua a elaboração de projeto executivo como encargo do contratado ou pelo preço previamente fixado pela Administração.
§ 3o Considera-se participação indireta, para fins do disposto neste artigo, a existência de qualquer vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista entre o autor do projeto, pessoa física ou jurídica, e o licitante ou responsável pelos serviços, fornecimentos e obras, incluindo-se os fornecimentos de bens e serviços a estes necessários.
§ 4o O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos membros da comissão de licitação.
Verifica-se que o dispositivo veda a participação do servidor ou dirigente de órgão contratante, mas não de parentes do gestor público. Conclui-se que a participação dos irmãos do ex-prefeito no certame, embora moralmente questionável, não configura ato de improbidade. Nessa acepção, a Controladoria-Geral da União, ao tratar das vedações de participação em licitações por relações de parentesco com o servidor do órgão contratante na Nota Técnica nº 850/2021/CGUNE/CRG (Nota_Tecnica_850_2021_CGUNE_CRG.pdf), firmou a seguinte orientação:
“a) de forma geral, a relação de parentesco de servidor/empregado público com sócio de empresa que venha a participar de licitação realizada junto ao seu próprio órgão de lotação, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a instauração de PAD, exigindo, além disso, evidências de utilização de poderes inerentes ao seu cargo ou função com o objetivo de influenciar o resultado do certame ou mesmo de provas de comprometimento da competitividade pela verificação de ações voluntárias que tenham por finalidade o êxito na concorrência em razão do referido vínculo;
b) o conhecimento de vinculação societária do servidor de uma entidade pública com empresa por esta contratada traz a necessidade de apuração por meio da instauração do devido processo disciplinar, de modo a dirimir dúvidas acerca da prática de suposta conduta ilícita do envolvido no correspondente procedimento licitatório;
c) a existência de prévia consulta do servidor/empregado em razão de possível conflito de interesses à unidade competente deve ser levada em conta quando do juízo de admissibilidade de instauração de processos disciplinares para a jurisprudência”.
Destacam-se os resultados de consultas formuladas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia e Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo:
CONSULTA – LICITAÇÃO– CONTRATAÇÃO DE PARENTES PRÓXIMOS DE SERVIDORES OU AGENTES POLÍTICOS – INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA NA LEI 8666/93 – POSSIBILIDADE EM TESE – DEMONSTRAÇÃO DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
1) Responde-se ao questionamento do consulente no sentido de que, em que pese ser possível, em tese, a contratação de parentes próximos de servidores ou agentes políticos, por meio da participação em procedimento licitatório, entende-se que a hipótese não prescinde da observância dos princípios da moralidade, isonomia, impessoalidade e da maior competitividade possível, sendo recomendável que, nessa espécie de contratação, o gestor deve demonstrar, nos autos do procedimento licitatório, de forma consistente, que foram respeitados esses princípios, de modo a se afastarem possíveis questionamentos sobre a ocorrência de influências nocivas na condução dos certames.
2) Precedentes sobre o questionamento apresentado: Consultas n. 646988 (15/12/2001), 448548 (08/10/1997), 162259 (15/05/1994) e 113730 (30/09/1993).
(TC/MG – Pleno – Processo nº 862735 – Relator Conselheiro Sebastião Helvecio – data da sessão: 18/04/2012 – data da publicação: 15/04/2013)
SERVIÇO ESPECIALIZADO NA ÁREA DA SAÚDE. CREDENCIAMENTO. SERVIÇO ESPECIALIZADO. CONTRATAÇÃO DE PARENTE EM PRIMEIRO GRAU DE GESTOR MUNICIPAL.
1. Pode-se concluir que a Lei nº 8.666/93, especificamente no artigo 9º, III, expressamente não veda à participação de parente em primeiro grau de gestor municipal em licitações, o que não afasta, na casuística, a análise de elementos que possam caracterizar privilégio e favorecimento da empresa, em violação aos princípios da isonomia, moralidade e da impessoalidade; 2. A nova Lei de Licitação n° 14.133/21, por sua vez, no seu art. 14, inciso IV, é mais precisa com relação a vedação da participação daquele que seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau de dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização, ou na gestão do contrato.
(TCM/BA – Processo nº 20458e21 – Parecer nº 02166-21 – Assessora Jurídica Cristina Borges dos Santos - data do parecer: 22/11/2021).
AS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS (ESTABELECIMENTOS EMPRESARIAIS) CUJO SÓCIO OU PROPRIETÁRIO É CÔNJUGE OU COMPANHEIRO DE SERVIDOR PÚBLICO QUE ATUA NA CHEFIA DO ÓRGÃO CONTRATANTE NÃO ESTÁ IMPEDIDO DE PARTICIPAR DE LICITAÇÃO E FIRMAR CONTRATO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SALVO LEGISLAÇÃO MUNICIPAL EM CONTRÁRIO. PORÉM, O SERVIDOR CUJO CÔNJUGE É SÓCIO OU PROPRIETÁRIO DE SOCIEDADE QUE LICITA E/OU CONTRATA COM A ADMINISTRAÇÃO É IMPEDIDO DE PARTICIPAR, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DE PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DE LICITAÇÃO, CONTRATAÇÃO E EXECUÇÃO CONTRATUAL QUE ENVOLVAM SEU CÔNJUGE, INDEPENDENTE DO REGIME DE BENS.
(TC/ES – Pleno- Processo nº 08763/2018-9 – Relator Conselheiro Sebastião Carlos Ranna de Macedo – data da sessão: 05/02/2019 – data da disponibilização: 08/04/2019)
No mesmo sentido:
Licitação. Impedimento de participação de parentes de servidor público integrante de órgão promotor da licitação. Infração aos princípios da moralidade e isonomia configurada quando evidenciados favoritismo espúrio ou influência indevida. LICITAÇÃO. PARENTESCO IMPROCEDÊNCIA.
1. Entende-se que o impedimento de participação nas licitações de parentes de servidor público integrante do órgão promotor do certame é de ordem relativa e não absoluta, de modo que a infração aos princípios da moralidade e da isonomia (bens jurídicos tutelados pela norma) restará efetivamente configurada quando as circunstâncias do caso concreto evidenciarem o favoritismo espúrio ou a influência indevida do agente público em favor de seu parente, o que não está comprovado nos autos.
(TC/PI - Denúncia. Processo TC/020629/2017 – Relator: Cons. Substituto Delano Carneiro da Cunha Câmara. Primeira Câmara. Decisão unânime. Acórdão nº 1.785/2018 publicado no DOE/TCE-PI º 212/18)
Quanto à alegação de que o processo licitatório foi viciado e que o edital elaborado feriu dispositivos da Lei de Licitações, considerada a exigência de apresentação de documentos dispensados pela Lei nº 8.666/93 e outras descabidas, cabe mencionar que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na sessão ocorrida em 28/03/2012, reconheceu que, nada obstante a ausência de publicação e divulgação do edital em jornal de grande circulação e no Diário Oficial da União, o certame teve boa e ampla publicidade e a instrução processual demonstrou não ter havido prejuízo à competitividade. Salientou que, embora não seja adequada a exigência de comprovação da retirada do instrumento convocatório para efeito de visita técnica, houve uma disputa salutar, porquanto não houve cobrança da distribuição do edital e as inabilitações ocorreram por desacertos das próprias licitantes e não em decorrência dessa exigência. Considerou que a Assessoria Técnica Unidade de Engenharia nada obstou quanto aos aspectos de sua competência e a assessoria econômica verificou a compatibilidade dos preços contratados com os praticados no mercado. Por fim, mencionou não ter identificado hipótese de favorecimento, lesão ao erário e má-fé administrativa nos atos praticados (Id. 98216992 fls. 198/204).
O inciso I do artigo 11 da LIA, na redação anterior, estabelecia como ato de improbidade, que violava os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Entretanto, o dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. De acordo com a nova redação, constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, a ação ou omissão dolosa que viola os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas nos seus incisos, entre os quais não se encontra a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento.
Marçal Justen Filho, ao comentar sobre a revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA, faz a seguinte observação: “O inc. I do art. 11 referia-se ao desvio de finalidade. A tipificação do desvio de finalidade como hipótese de improbidade administrativa implicava desnaturação do instituto. Não significa admitir a validade ou o descabimento de punição a condutas eivadas de desvio de finalidade. Atos praticados com desvio de finalidade comportam sancionamento severo, em diversas órbitas. Mas não se enquadram no instituto da improbidade, ressalvadas hipóteses diferenciadas, em que estejam presentes elementos peculiares à referida figura. A revogação do dispositivo foi orientada pela preocupação de evitar a banalização da improbidade administrativa. As razões que justificam a revogação do inc. II do art. 11 são semelhantes àquelas que nortearam a revogação do inc. I do mesmo artigo. Trata-se também nesse caso de afastar a identificação entre ilegalidade e improbidade. O retardamento ou a omissão indevidos na prática de ato de ofício são condutas sancionáveis por diversos meios, mas que não se confundem com a improbidade administrativa” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 118-119).
A abolição do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato, de modo que a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Nessa acepção, destaco:
APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Pretensão direcionada a ex-prefeito do Município de Nipoã.
1. Improbidade administrativa. Gastos excessivos com combustível nos exercícios de 2014 e 2015 e falhas nas licitações realizadas para a aquisição do produto no referido período. Sentença de parcial procedência.
2. Processo licitatório realizado no ano de 2014 que não observou pesquisa de preços. Pregão Presencial efetivado no ano de 2015, cuja cotação preliminar de preços ocorreu em dia anterior à sessão pública. Prejuízo ao erário no gasto excessivo, não se falando em superfaturamento de preços. Pregões que foram regularmente publicados, havendo competição entre os interessados. Dolo não configurado sob esse aspecto. Comportamento negligente, mas ausência de má-fé com relação às discrepâncias apontadas.
3. Excesso de gastos com combustíveis nos anos de 2014 e 2015 comprovados. Ao menos não justificadas com fatos novos ou supervenientes. Significativa elevação de consumo que corresponde no ano de 2013 a R$438.252,16 e passou a R$706.140,22 em 2014 e R$909.874,92 no ano de 2015. Alegação no sentido de que houve aumento da frota, o que justificaria a elevação dos gastos. Inocorrência. Municipalidade que possuía 41 veículos no ano de 2014 e passou a ter 44 veículos em 2015, quantia insuficiente para justificar o consumo excessivo no importe de R$98.317,82. Situação que foi identificada pelo Tribunal de Contas, que alertou o ex-Prefeito em diversas oportunidades acerca do gasto desordenado com combustível.
4. Controle de percurso e quilometragem de parte da frota que vinha sendo realizado e que poderia ter sido observado com relação aos demais veículos públicos. Laudo elaborado pelo CAEX que apontou ausência no controle de abastecimentos, de quilometragem e horas de uso.
5. Desvio de finalidade evidenciada. Dever indissociável da função pública exercida, que nasce da própria Carta Constitucional, das Leis nº 8.429/92 e 4.320/64. Responsabilidade que recai sobre o gestor da Municipalidade que tem o dever de zelar pelo dinheiro público, inerente à sua função o controle e fiscalização das contas desembolsadas sob o seu mandato. Negligência configurada no trato do dinheiro público. Despreparo na condução da faina do cargo.
6. Violação ao artigo 10, inciso X, da Lei nº 8.429/92. Ato de improbidade administrativa caracterizado de forma culposa. Redação originária.
7. Superveniência da Lei n. 14.203/2021 que, em seu artigo 1º, §4º estabelece ao sistema de improbidade a aplicação dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador. Retroatividade da norma mais benéfica, por disposição específica da mesma (art. 1.º §4.º). Supressão das modalidades culposas. Atos de improbidade administrativa somente dolosos, não verificados na espécie. Ausência de má-fé no trato com o dinheiro público ou obtenção de vantagem. Negligência durante a gestão.
8. Sentença reformada. Decreto de improcedência da ação. Recurso provido.
(TJSP, 9ª Câmara de Direito Público, Apelação Cível 1001594-31.2019.8.26.0369, j. 10/11/2021, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu). [ressaltado]
Nada obstante, ainda que cláusulas do convênio tivessem sido descumpridas, o dolo e a má-fé não estão demonstrados, o que afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. No mesmo sentido, destacam-se:
PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido
(TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Município de Fernandópolis – Alegação de prática de ato com desvio de finalidade pelo Prefeito Municipal, Chefe de Gabinete, Assessor e Gerente municipal, que causou prejuízo aos cofres municipais, no valor de R$ 4.300,00, ao receberem verbas públicas do erário a título de adiantamento de viagem à cidade de São Paulo, ocorrida nos dias 26 a 28 de julho de 2018, sob o pretexto da necessidade de tratarem de assuntos de interesse do Município no Palácio dos Bandeirantes, mas que, na realidade, a viagem ocorreu com o fim de participarem da convenção estadual partidária realizada, evento estritamente particular e sem qualquer interesse para o Município de Fernandópolis – Inexistência do alegado desvio de finalidade, eis que a finalidade do ato atendeu ao interesse público específico, que, na hipótese, era o agendamento de compromissos para tratar de assuntos de interesse público local (busca, pelo Chefe do Executivo, por contratos e recursos públicos em prol do Município) - Muito embora não tenha ocorrido a visita à sede do Governo Estadual, fato que a princípio justificou o adiantamento de despesas para viagem, o Prefeito Municipal, acompanhado de servidor público, dirigiram-se à Assembleia Legislativa do Estado para atenderem a compromissos oficiais e de interesse da Municipalidade – Ilegalidade não caracterizada - Inobservância das formalidades estabelecidas para adiantamento de despesas de viagem que configurou mera irregularidade – E ainda que se cogitasse da ilegalidade do referido ato, não haveria que se falar na presença do elemento subjetivo qualificador (dolo ou má-fé) necessário ao reconhecimento de todo e qualquer ato de improbidade - Condutas praticadas pelos réus que não autorizam concluir, de maneira alguma, que foram gravemente desonestos – Atendimento da finalidade pública que denota a boa-fé dos réus - Sentença de procedência parcial reformada para julgar improcedente o pedido. Recurso dos réus provido. Recurso do autor desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1004691-60.2020.8.26.0189; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2022; Data de Registro: 04/05/2022)
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Ação de improbidade administrativa ajuizada em decorrência de suposta licitação direcionada para a aquisição de notebooks superfaturados pelo Município de Rio Claro, mediante conluio entre agentes públicos municipais e particulares - elementos fático-probatórios colacionados aos autos que não evidenciam tenham os réus deliberadamente aumentado o valor para a aquisição dos notebooks, com o objetivo de causar prejuízo ao Erário ou de proporcionar o enriquecimento ilícito da licitante vencedora – indicação de aparelhos cujos preços não são os melhores dentre aqueles existentes no mercado que, por si só, não caracteriza conduta ímproba, mas sim possível inabilidade do administrador público – Lei nº 14.230/2021 que, ao alterar a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de que os réus tenham agido de forma dolosa, com o objetivo de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei, afastando a possibilidade de ato de improbidade administrativa culposo - sentença de procedência parcial mantida, diante impossibilidade de reformatio in pejus. Recurso do Ministério Público desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 0019260-71.2012.8.26.0510; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de Rio Claro - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 15/12/2022)
4.1.3) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA SEGUNDA, SUBCLÁUSULA II, ITENS 2.11 E 2.11.2
O convênio previa que a prefeitura deveria: “Restituir o valor transferido pelo CONCEDENTE acrescido de juros legais, na forma da legislação aplicável aos débitos para com a Fazenda Nacional, a partir da data de seu recebimento, nos seguintes casos: (...) e 2.11.2 - Quando não for apresentada, no prazo estabelecido, a prestação de contas, salvo quando decorrente de caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovado”.
Para o acusado MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, a determinação de restituição dos valores repassados pela União é injusta e ilegal, pois os valores destinados foram adequadamente aplicados. Salienta que a devolução de qualquer valor deve ser efetuada pelo município, que se beneficiou com parte da obra realizada e que inexiste disposição legal que estabeleça que o ressarcimento dos valores repassados por força de convênio, cujas contas não foram aprovadas, deva recair sobre a pessoa física do prefeito em lugar do município beneficiado (Id. 98218883 – fls. 236/250).
Para o magistrado sentenciante, ainda que a prestação de contas não tenha sido adequadamente apresentada, não há como considerar que, em razão de tal circunstância, a lesão ao erário deva corresponder ao valor integral das verbas federais repassadas, pois foram utilizadas em alguma medida na reforma do hospital. Desse modo, considerou indevida a pretensão de devolução do valor de R$ 173.333,33 e pagamento da multa civil correspondente. Quanto ao montante de R$ 10.188,59, relativo ao saldo da contrapartida não utilizado no objeto do convênio, reconheceu que sua devolução é devida, mas que compete ao município promovê-la e não os réus (Id. 98215108 – fls. 29/75).
Segundo o apelante MPF, o ex-prefeito foi diretamente responsável pelos vícios que interromperam a obra, utilizou-se do erário federal para custear obra não concluída e deixou de prestar contas, como determinado pela cláusula 2ª, subcláusula II, itens 2.11 e 2.112 do convênio, de modo que deve ser compelido a restituir à União todos os valores recebidos.
Como já mencionado, está demonstrada a aplicação regular da verba na reforma do hospital e a regularidade da prestação de contas parcial apresentada. Nada obstante, não foi mencionado que tenha ocorrido prejuízo ou perda patrimonial. Como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Desse modo, o agente não será condenado ao ressarcimento, nos casos em que ocorrer a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não acarretarem perda patrimonial. Segundo Marçal Justen Filho: “o agente público tem o dever de examinar a presença dos requisitos exigidos por lei para a contratação direta. Isso significa que somente se configura a improbidade do inc. VIII quando o agente público adotar interpretação infringente da disciplina da contratação sem licitação. O tema envolve tanto erro de direito quanto erro de fato. Pode haver situação em que o agente público adotou interpretação equivocada, mas razoável. Em outros casos, o sujeito pode ter reputado que estavam presentes, no caso concreto, os requisitos para a contratação direta, sem que tal efetivamente ocorresse. Em todas essas hipóteses, inexistirá a improbidade se não for comprovado o dolo” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 102). Segundo o § 1ª do artigo 17-C da LIA: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, destacam-se:
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – Ação de improbidade administrativa ajuizada em decorrência de suposta licitação direcionada para a aquisição de notebooks superfaturados pelo Município de Rio Claro, mediante conluio entre agentes públicos municipais e particulares - elementos fático-probatórios colacionados aos autos que não evidenciam tenham os réus deliberadamente aumentado o valor para a aquisição dos notebooks, com o objetivo de causar prejuízo ao Erário ou de proporcionar o enriquecimento ilícito da licitante vencedora – indicação de aparelhos cujos preços não são os melhores dentre aqueles existentes no mercado que, por si só, não caracteriza conduta ímproba, mas sim possível inabilidade do administrador público – Lei nº 14.230/2021 que, ao alterar a Lei nº 8.429/1992, estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de que os réus tenham agido de forma dolosa, com o objetivo de alcançar o resultado ilícito tipificado na lei, afastando a possibilidade de ato de improbidade administrativa culposo - sentença de procedência parcial mantida, diante impossibilidade de reformatio in pejus. Recurso do Ministério Público desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 0019260-71.2012.8.26.0510; Relator (a): Paulo Barcellos Gatti; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de Rio Claro - 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2022; Data de Registro: 15/12/2022)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade administrativa – Município de Fernandópolis – Alegação de prática de ato com desvio de finalidade pelo Prefeito Municipal, Chefe de Gabinete, Assessor e Gerente municipal, que causou prejuízo aos cofres municipais, no valor de R$ 4.300,00, ao receberem verbas públicas do erário a título de adiantamento de viagem à cidade de São Paulo, ocorrida nos dias 26 a 28 de julho de 2018, sob o pretexto da necessidade de tratarem de assuntos de interesse do Município no Palácio dos Bandeirantes, mas que, na realidade, a viagem ocorreu com o fim de participarem da convenção estadual partidária realizada, evento estritamente particular e sem qualquer interesse para o Município de Fernandópolis – Inexistência do alegado desvio de finalidade, eis que a finalidade do ato atendeu ao interesse público específico, que, na hipótese, era o agendamento de compromissos para tratar de assuntos de interesse público local (busca, pelo Chefe do Executivo, por contratos e recursos públicos em prol do Município) - Muito embora não tenha ocorrido a visita à sede do Governo Estadual, fato que a princípio justificou o adiantamento de despesas para viagem, o Prefeito Municipal, acompanhado de servidor público, dirigiram-se à Assembleia Legislativa do Estado para atenderem a compromissos oficiais e de interesse da Municipalidade – Ilegalidade não caracterizada - Inobservância das formalidades estabelecidas para adiantamento de despesas de viagem que configurou mera irregularidade – E ainda que se cogitasse da ilegalidade do referido ato, não haveria que se falar na presença do elemento subjetivo qualificador (dolo ou má-fé) necessário ao reconhecimento de todo e qualquer ato de improbidade - Condutas praticadas pelos réus que não autorizam concluir, de maneira alguma, que foram gravemente desonestos – Atendimento da finalidade pública que denota a boa-fé dos réus - Sentença de procedência parcial reformada para julgar improcedente o pedido. Recurso dos réus provido. Recurso do autor desprovido.
(TJSP; Apelação Cível 1004691-60.2020.8.26.0189; Relator (a): Oscild de Lima Júnior; Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Foro de Fernandópolis - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/05/2022; Data de Registro: 04/05/2022)
PROCESSO CIVIL – Entrada em vigor da Lei 14.230/21 - Aplicação as ações em andamento - Inteligência de seu artigo 1º, § 4º - Direito Administrativo Sancionador. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Improbidade Administrativa - Contas desaprovadas pelo TCE no período compreendido entre 2000 e 2005 - Repasse de duodécimos ao Legislativo além do limite permitido e inexistência de segregação contábil do FUSSBE que, embora constituam irregularidades administrativas não são condutas aptas a justificar a aplicação da LIA – Ausência de dolo – Artigo 1º, § 1º da Lei 14.230/01 - Improbidade administrativa não configurada – Precedentes - R. sentença mantida. Recurso improvido
(TJSP; Apelação Cível 0005734-58.2010.8.26.0655; Relator (a): Carlos Eduardo Pachi; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 17/12/2021; Data de Registro: 17/12/2021)
4.1.4) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA SEGUNDA, SUBCLÁUSULA II, ITEM 2.13
Segundo o trato, caberia ao convenente: “Aplicar obrigatoriamente no mercado financeiro os recursos recebidos do CONCEDENTE, enquanto não forem empregados em sua finalidade (...)”.
MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS alega em contestação que a questão merece ser apreciada com base no princípio da razoabilidade, visto que o período em que os recursos não foram aplicados é reduzido e perfaz vinte e dois dias quanto ao primeiro repasse e oito dias em relação ao segundo, e que a situação não ocorreu por conduta dolosa, mas por descuido do setor de contabilidade do município (Id. 98218883 – fls. 236/250).
O juiz a quo considerou cabível a devolução do montante referente aos rendimentos de recursos que deveriam ter sido aplicados no mercado financeiro, no importe de R$ 691,61, como demonstrado no Relatório de Verificação in loco nº 136-2/2008, considerada a não produção de prova pela defesa em contrário e a previsão da cláusula segunda, subclasse II, item 2.13 do Convênio nº 3.463/2004 (Id. 98215108 – fls. 29/75).
É fato incontroverso que as verbas recebidas não foram aplicados no mercado financeiro no período em que não empregados em sua finalidade, como estabelecia o convênio. Contudo, como salientado, a inobservância de cláusula contratual caracteriza mera irregularidade e não ato de improbidade, dada a não comprovação do dolo (artigo 10, § 1º, e artigo 17-C, § 1ª, da LIA).
4.1.5) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA QUINTA
Consoante o ajustamento: “O CONVENENTE, para o atingimento do objeto avençado, obriga-se a cumprir o Plano de Trabalho Aprovado, especialmente elaborado para este fim, o qual passa a fazer parte integrante deste instrumento, independentemente de sua transcrição”.
MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, em contestação, afirma que o plano de trabalho, enquanto possível o prosseguimento da obra, foi cumprido à risca e que a ampliação do hospital não interferiu no plano de trabalho, pois não foi custeada com recursos oriundos do convênio, mas do próprio município (Id. 98218883 – fls. 236/250).
Para o magistrado, o acusado não cumpriu o plano de trabalho previsto no pacto, porquanto o convênio estabelecia como objeto a reforma da unidade e não contemplava as áreas de ampliação, como mencionado no Parecer CGIS/SE/MS n° 6986-B 2005. Salientou que foram utilizados R$ 20.634,00 dos recursos repassados indevidamente na ampliação do hospital e executados apenas 65% do objeto, as obras foram paralisadas e a prefeitura não pediu a prorrogação do prazo, o que ocasionou a extinção do pacto, sem a finalização das obras, como demonstrado no relatório de verificação. Enfatizou que houve o descumprimento do plano de trabalho pelo uso do repasse para finalidade diversa da prevista e decurso do prazo estabelecido sem a finalização da obra e regular prestação de contas. Esclarece que a utilização irregular da verba está suficientemente demonstrada no relatório de verificação e que não foi produzida prova convincente pela defesa em sentido contrário. Concluiu que as verbas utilizadas na ampliação do hospital deveriam ser restituídas à União, uma vez que o objeto do convênio não foi integralmente observado, considerada a aplicação de parte dos recursos na ampliação do hospital que não fora prevista. Desse modo, considerou devido o ressarcimento do valor indevidamente utilizado na ampliação do hospital (R$ 20.634,99) (Id. 98215108 – fls. 29/75).
É inquestionável que os recursos transferidos pela UNIÃO foram integralmente aplicados na entidade. Relativamente ao remanejamento dos valores destinados à reforma do hospital para sua ampliação, cabe pontuar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba pública em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Confira-se:
DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DE VERBAS PROVENIENTES DE CONVÊNIO CELEBRADO COM FNDE EM FINS DIVERSOS, PORÉM AINDA PÚBLICOS. INOCORRÊNCIA DE DANO REAL AO ERÁRIO. ABSOLVIÇÃO DO EX-GESTOR. IMPROVIMENTO DAS APELAÇÕES.
1. Trata-se de ação civil por improbidade administrativa ajuizada pelo Município de Fagundes em face de ex-prefeito, o qual teria aplicado recursos de convênio firmado com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE - em finalidade diversa da acordada: ao invés da aquisição de veículos de transporte escolar, mobiliário escolar e computador iterativo, os recursos teriam sido integralmente utilizados para saldar outras despesas da edilidade, como o cumprimento da obrigação relativa à folha de pagamento;
2. A sentença a quo, considerando tratar-se de mera irregularidade, haja vista a utilização das verbas para finalidades ainda públicas, absolveu o réu, consignando que a conduta não teria a gravidade suficiente para enquadrar-se como ato de improbidade administrativa, pelo que recorrem o MPF e o FNDE;
3. A ausência de prestação das contas, de um lado, é arguição que não se sustenta. A norma que prevê a obrigatoriedade de prestar contas visa à tutela da informação acerca da correta aplicação dos recursos repassados. In casu, a destinação das verbas já é conhecida: foram aplicadas em despesas diversas da municipalidade, o que é, aliás, o cerne do presente debate;
4. É incontroversa a aplicação dos recursos provenientes de convênio com o FNDE em fim diverso daquele ajustado. Sucede, porém, que a finalidade também pública dada ao dinheiro, denotando falta de malícia ou desonestidade por parte do gestor, desfalca o gesto da má-fé necessária às condenações por improbidade, da qual não se cogita quando o cenário for, "apenas", de incompetência administrativa;
5. Apelações improvidas.
(TRF5 - AC - Apelação Civel - 587349 0000135-17.2013.4.05.8201, Segunda Turma, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, DJE – Data :20/05/2016 - Página::30.)
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-GESTORES. RECURSOS DESTINADOS AO PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL - PETI/2004. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ÍMPROBA. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A condenação dos apelantes deu-se com base no Relatório da CGU, o qual concluiu pela impossibilidade de formação de opinião sobre a procedência ou não da denúncia de irregularidades na aplicação de recursos federais repassados ao Município, ante a ausência de documentação relativa ao período apontado.
2. Os atos de improbidade administrativa não se confundem com simples ilegalidades administrativas ou inaptidões funcionais. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei 8.429/1992, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público.
3. A despeito das irregularidades apontadas, não resta comprovado, de modo inequívoco, que os apelantes agiram com desonestidade ou má-fé, a fim de desviar recursos públicos ou aplicá-los em finalidades diversas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, exercício 2004. 4. Apelação provida.
(TRF1, ACR 0059895-82.2009.4.01.3500, QUARTA TURMA, JUIZ FEDERAL SAULO JOSÉ CASALI BAHIA (CONV.), e-DJF1 20/02/2019 PAG.)
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRELIMINARES NÃO TRATADAS PELA DECISÃO AGRAVADA - NÃO CONHECIMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - MEDIDA LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS - PREVISÃO NA LEI 8.429/92 - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DESFAZIMENTO OU DILAPIDAÇÃO DOS BENS - PREFEITO E SECRETÁRIO MUNICIPAL - SUPOSTO DESVIO DE VERBA REPASSADA PELO ESTADO COM BASE EM CONVÊNIO - UTILIZAÇÃO PARA FINALIDADE DIVERSA - PAGAMENTO DE OUTRAS DESPESAS MUNICIPAIS - ILEGALIDADE QUE, APARENTEMENTE, NÃO IMPLICA PREJUÍZO AO ERÁRIO - NÃO CABIMENTO DA MEDIDA - RECURSO DESPROVIDO.
- O agravo de instrumento leva ao conhecimento do Tribunal a decisão interlocutória alvo da insurgência, e a tanto deve se limitar a decisão do recurso.
- O deferimento de liminar de indisponibilidade de bens no bojo de ação civil pública por ato de improbidade administrativa encontra previsão no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal e no artigo 7º. da lei 8.429/92, e se recomenda, em razão do princípio da supremacia do interesse público, quando, em exame preliminar, se verifica a existência de indício do ato ímprobo, causador de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao erário público.
- Não se verifica, aparentemente, a ocorrência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, se o ato improbo narrado diz respeito a possível desvio de finalidade no uso de verba repassada pelo Estado, com base em convênio, ao Município, e se o próprio autor aponta a utilização da verba desviada para o custeio de outras despesas públicas.
(TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.19.120937-8/001, Relator(a): Des.(a) Moreira Diniz , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 31/10/2019, publicação da súmula em 01/11/2019)
O descumprimento do plano de trabalho e aplicação da verba em finalidade diversa caracterizam meras irregularidades que, desprovidas da comprovação do dolo, não configuram ato de improbidade, como estabelecem o § 1º do artigo 10 e § 1ª do artigo 17-C da LIA.
4.1.6) DA VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA SEXTA
Quanto à execução físico-financeira, o ajuste estabelecia, verbis: “As faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas, relativas à execução físico -financeira do objeto avençado, deverão ser emitidos em nome do CONVENENTE ou do EXECUTOR, se for o caso, devidamente identificados com o número deste Convênio”.
O magistrado considerou procedente a alegação de que não foram emitidas faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas em nome do convenente ou executor, como estabelecia a cláusula sexta do convênio. Descreve que o relatório de verificação menciona que a documentação comprobatória das despesas estava parcialmente identificada com o número e título do convênio e que análise das notas fiscais emitidas demonstra que algumas tinham identificação do município, mas não indicavam o número do convênio e outras sequer apontavam o município como parte. Reconheceu a responsabilidade do réu Mário Sergio, a quem competia fiscalizar e recusar a apresentação de notas fiscais com irregularidades, em respeito ao pacto (Id. 98215108 – fls. 29/75).
A cláusula segunda, item 2.5, do convênio determinava que a convenente deveria: “Manter arquivada a documentação comprobatória das despesas realizadas, devidamente identificada com o número do Convênio, ficando à disposição dos órgãos de controle interno e externo, pelo prazo de 05 (finco) anos, contados da aprovação da prestação ou tomada de contas, do gestor do órgão CONCEDENTE, relativa ao exercício da concessão”. Por sua vez, a cláusula sexta estabelecia que: “As faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas, relativas à execução físico-financeira do objeto avençado, deverão ser emitidos em nome do CONVENENTE ou do EXECUTOR, se for o caso, devidamente identificados com o número deste Convênio” (Id. 98215098 – fls. 40/47).
De acordo com o Relatório de Verificação “In Loco” nº 136-2/2008, elaborado pela Divisão de Convênios e Gestão da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, foi constatada a seguinte impropriedade/irregularidade, entre outras: “A documentação comprobatória das despesas realizadas está parcialmente identificada com o número e título do convênio”. Desse modo, foi apresentada a seguinte recomendação: “A convenente deverá identificar a documentação referente a execução do convénio com número e título do mesmo, após encaminhar cópia da documentação identificada a esta Dicon/SP” (Id. 98215098 - 207/216).
A despeito da violação de cláusulas do pacto concernentes à identificação das despesas, o dolo e a má-fé não ficaram demonstrados, o que afasta a aplicação da LIA. Segundo o Ministro Teori Zavascki, no voto proferido no RESP 827.455/SP, verbis: “ (...) Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. (...) A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (STJ, REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010). Segundo Rafael de A. Araripe Carneiro: “não há mais espaço para a aplicação indiscriminada da lei em toda e qualquer infração normativa. Pelo contrário: a partir dos contornos dados pela Lei nº 14.230/2021, houve o oferecimento de parâmetros que distinguem (i) o ato ímprobo, (ii) a ilegalidade e (iii) a má política pública. Isso tudo para realçar que a tutela da probidade só sucede na ocorrência de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados” (coordenadores Mendes, Gilmar Ferreira e Carneiro, Rafael de A. Araripe. Nova lei de improbidade administrativa: inspirações e desafios. São Paulo: Almedina, 2022, p. 115).
Os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa e evidenciar a existência de ilegalidades ou irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, mas não caracterizam ato de improbidade. Nessa acepção, destacam-se mais:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDIBILIDADE.
1. A ação de improbidade administrativa, de matriz constitucional (art.37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza especialíssima, qualificada pelo singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas - físicas ou jurídicas - que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se beneficiam com o ato de improbidade. Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória.
2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min. João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006).
3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade.
4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente provido.
Demais recursos providos.
(REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010.)
No mesmo sentido:
REMESSA NECESSÁRIA - NÃO CONHECIMENTO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR - SOBRESTAMENTO DO FEITO - REJEIÇÃO - DANO AO ERÁRIO - LEI Nº 14.230/21 - DOLO NÃO DEMONSTRADO - ATO ÍMPROBO DESCARACTERIZADO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Não se submete à remessa necessária a sentença proferida em ação de improbidade administrativa(art. 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/92).
2. Rejeita-se a preliminar de sobrestamento do feito, em consonância com a decisão proferida pelo STF no ARE 843989/PR(Tema 1199), segundo a qual "não se afigura recomendável o sobrestamento dos processos nas instâncias ordinárias", estando a suspensão restrita aos "Recursos Especiais nos quais suscitada, ainda que por simples petição, a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021".
3. A existência de meras irregularidades administrativas não enseja, por si só, a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, porquanto imprescindível que seja demonstrado o dolo na conduta dos requeridos.
4. Inexistindo comprovação de que os réus teriam agido com dolo ou má-fé, não há que se falar em improbidade administrativa.
5. Sentença mantida.
6. Recurso não provido.
(TJMG - Apelação Cível 1.0693.09.094109-9/001, Relator(a): Des.(a) Raimundo Messias Júnior , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 29/11/2022)
Apelação Cível – Administrativo – Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em fade de ex-prefeito do Município de Lucélia e servidor público municipal visando o reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa com a consequente condenação por ato de improbidade e sujeição às sanções do art. 12, II, da Lei Federal nº 8.429/92 e devolução dos valores – Pretensão fundada em suposto pagamento indevido do adicional de insalubridade ao servidor - Sentença de improcedência – Recurso pelo MP – Desprovimento de rigor. 1. De proêmio, na forma do assentado pelo C. STF no Tema nº 1.199, anote-se que a nova Lei Federal nº 14.230/2021 se aplica aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado - Assim, em virtude da revogação expressa do texto anterior deverá o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente – Em suma: necessária a comprovação de que teriam os agentes públicos envolvidos agido com dolo. 2. No caso em apreço não restaram evidenciados seja o dolo, seja a ocorrência dano ao erário ou ainda o locupletamento dos agentes públicos envolvidos – Pagamento do adicional de insalubridade que seria devido em razão do exercício da função de motorista no setor de Assistência Social, ainda que em concomitância com desempenho em outro setor – Prova testemunhal segura no sentido da concomitância – Pagamento retroativo da vantagem que também não se mostrava descabido de plano – Atos de improbidade que não restaram suficientemente configurados e provados, impondo-se a improcedência – Precedentes da Corte. 3. Condenação do MP nas custas, despesas processuais e honorários advocatícios – Descabimento – Inteligência do art. 18 da Lei Federal nº 7.347/85 – Precedentes do C. STJ. Sentença mantida - Apelação do MP desprovida.
(TJSP; Apelação Cível 1001041-45.2021.8.26.0326; Relator (a): Sidney Romano dos Reis; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro de Lucélia - 2ª Vara; Data do Julgamento: 01/12/2022; Data de Registro: 01/12/2022)
À vista do decidido, declaro prejudicado o pedido do MPF de condenação dos acusados pelos danos morais causados.
V) DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito as preliminares, dou provimento à apelação de MARIO SERGIO SAUD REIS para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido e nego provimento à remessa oficial e às apelações do MPF e UNIÃO, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REMESSA OFICIAL. NÃO CONHECIMENTO. ARTIGO 19 DA LEI Nº 4.717/65. APLICAÇÃO ANALÓGICA. INVIABILIDADE. PRELIMINARES. AFASTAMENTO. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
1. A remessa oficial não comporta conhecimento. A aplicação analógica das disposições do artigo 19 da Lei nº 4.717/65 - Lei da Ação Popular - somente deve se dar nos casos em que há a improcedência total da ação de improbidade, à vista da redação do indigitado dispositivo, verbis: Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo. Na espécie a ação foi parcialmente procedente relativamente a um dos demandados, o que, no meu entender, inviabiliza a reapreciação de toda a ação por força da remessa oficial, não se mostrando razoável limitar o reexame a parte dos demandados, considerando tratar-se, nestes autos, de matéria fática e que pode gerar reflexos para o demandado que, em tese, não estaria sujeito à aplicação do instituto processual.
2. De início. não há que se excogitar de carência da ação. O artigo 1º da Lei nº 8.429/92, na sua redação original, previa que os atos de improbidade praticados por agente público contra a administração direta, indireta ou fundacional ou o patrimônio de entidade que recebesse subvenção de órgão público seriam punidos na forma estabelecida pela norma. Por sua vez, o artigo 2º considerava como agente público todo aquele que exercia, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas referidas entidades. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o tema 576 da Repercussão Geral, fixou a seguinte tese jurídica: "o processo e julgamento de prefeito municipal por crime de responsabilidade (Decreto-lei 201/67) não impede sua responsabilização por atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/1992, em virtude da autonomia das instâncias" (STF, RE 976566, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/09/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-210 DIVULG 25-09-2019 PUBLIC 26-09-2019)
3. De acordo com o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça, é admitida a responsabilização de agentes políticos nos termos da lei de improbidade e aplicação das respectivas sanções: “e não ocorre, desse modo, bis in idem nem incompatibilidade entre a responsabilização política e a criminal” (AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Precedente.
4. Por outro lado, é de se reconhecer a adequação da via processual eleita, posto que as condutas narradas na inicial amoldam-se à tipificação prevista nos artigos 10 e 11 da LIA, como indicado pelo autor na inicial, estão sujeitas às sanções estabelecidas pelo artigo 12, bem como ao ressarcimento integral do dano. A jurisprudência tem reconhecido o cabimento da ação civil pública: “que tenha como fundamento a prática de ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. Também mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, porque sustentada nas disposições da Lei n. 8.429/92" (REsp 757.595/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA)" (REsp 1.516.178/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 30/06/2015)” (STJ, (AgInt nos EDcl no AREsp n. 437.764/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/2/2018, DJe de 12/3/2018). Precedente.
5. A ação civil pública é meio processual adequado para a reparação de eventual lesão ao patrimônio público, decorrente de ato de imoralidade administrativa. Segundo o STJ, nos termos do artigo 1º, IV, da Lei nº 7.347/85: “a ação civil pública se mostra como instrumento processual hábil para defesa de qualquer interesse difuso ou coletivo, tal como o é o dano ao erário e a afronta aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, objeto desta ação. Portanto, evidente a adequação da via processual utilizada pelo Parquet” (STJ, AgInt no REsp n. 1.856.755/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 22/6/2020, DJe de 26/6/2020.). Para a Corte Superior: "A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto à aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular. (...) Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade à ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, às quais por igual tendem à defesa de interesses meta-individuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei 8.429/92 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n.º 7.347/85)" (Alexandre de Moraes in "Direito Constitucional", 9ª ed. , p. 333-334)” (REsp n. 1.085.218/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe de 6/11/2009.).
6. No mérito, verifica-se que se trata de ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter a responsabilização de MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARIA SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI e DÁCIO COSTACURTA pela prática de atos de improbidade descritos no artigo 10, caput e incisos VIII e XI, e artigo 11, caput e incisos I e VI, da Lei n.º 8.429/92, aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos II e III, do referido estatuto e condenação ao ônus da sucumbência (Id. 98218883– fls. 09/84). E, apreciando a lide, sobreveio sentença que julgou a ação improcedente com relação a DANIELA APARECIDA DA SILVA, LUIZ FERNANDO GARCIA MORAES, SANDRA MARL SPADINI DE FARIA, ANDERSON FARIA ORIOLI, DÁCIO COSTACURTA, ENGE REIS CONSTRUTORA LTDA., CARLOS HENRIQUE SAUD REIS e LUIS AUGUSTO SAUD REIS e parcialmente procedente relativamente a MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, para o fim de condená-lo a restituir à União integralmente o valor indevidamente utilizado na ampliação do Hospital de Jardinópolis (RS 20.634,99) e o valor referente aos rendimentos das aplicações que deveriam ter sido efetivadas no mercado financeiro (R$ 691,61), corrigidos monetariamente desde o repasse das verbas e acrescido de juros de mora a contar da citação, ao pagamento de multa civil em favor da União, correspondente a duas vezes o valor do dano, no valor de R$ 42.653,20, atualizada nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal até o efetivo pagamento, suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, proibição de contratar com o poder público ou o receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo mesmo prazo, e ao pagamento das custas e verba honorária em favor dos autores, fixada em R$ 6.000,00, a teor do disposto nos artigos 20 do CPC e 19 da Lei nº 7.347/85.Id. 98215108 – fls. 29/75).
7. No caso concreto, alega a autoria da presente ação que ocorreram violações a diversas cláusulas do Convênio nº 3463/2004. Quanto à alegada violação da cláusula segunda, subcláusula II, item 2.4 c/c cláusula nova, parágrafo segundo, o Juízo a quo reconheceu que o ex-prefeito Mário Sérgio descumpriu normas conveniadas, o que impunha sua responsabilização nos termos do artigo 11 da Lei de Improbidade por não ter prestado contas dos recursos alocados pela concedente e dos rendimentos e aplicações financeiras, como previsto na cláusula segunda, subcláusula II, item 2.4 do convênio. Considerou preponderante que a prestação de contas foi realizada de forma meramente parcial (Id. 98215108 – fls. 29/75). No caso concreto, verifica-se que a prestação de contas relativa ao repasse das parcelas 1 e 2, no valor de R$ 100.000,00 e R$ 73.333,33, respectivamente, foi apresentada em 25/07/2007 (Id. 98215095 - fls. 162/170). A Divisão de Convênios e Gestão analisou as contas, conforme Despacho nº 391/SAAP/DICON/SP), e concluiu que a documentação não era suficiente para a emissão de pronunciamento técnico acerca da execução física do convênio, pois se referia basicamente à execução financeira (Id. 98215097 - fls. 91/97). A documentação complementar foi encaminhada em 21/12/2007, conforme Ofício nº 727/2007 (Id. 98215097 fls. 100/144).
8. O artigo 11, VI, da LIA caracteriza como ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, a não prestação de contas com vista a ocultar irregularidades, nos casos em que o acusado esteja obrigado a fazê-lo. Por sua vez, a Lei nº 14.230/2021 passou expressamente a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º). O artigo 1º, § 2º, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, prevê a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º do mesmo dispositivo exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o § 1º do artigo 17-C estabelece que: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Nesse sentido, a jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a LIA não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Precedente.
9. O ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Precedente.
10. Nos termos dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários colacionados nos autos, para a configuração do tipo previsto é necessária a comprovação de que as contas não foram prestadas por quem era obrigado a fazê-lo e dispunha de meios para tanto, bem como a intenção de agente de não praticar o ato e ocultar ilegalidades. No caso concreto, nada obstante a não demonstração do dolo ou má-fé, as contas foram prestadas relativamente aos valores efetivamente recebidos. O próprio autor informa que o município apresentou a prestação de contas parcial, referente ao período de execução das parcelas 1 e 2 do repasse, e que as demais parcelas não foram liberadas em virtude da expiração do prazo de vigência do convênio. Portanto, está justificada a apresentação da prestação de contas parcial, de maneira que não configurado qualquer ato ímprobo por parte do ex-prefeito.
11. No que diz respeito à violação da cláusula segunda, subcláusula II, item 2.10, o convenente comprometeu-se a: “Promover as licitações que forem necessárias para a aquisição de materiais ou insumos a serem utilizados na execução do objeto avençado, de acordo com a legislação específica”. De acordo com o artigo 11, inciso V, da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública: “frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros”. O artigo 11, § 1º, estabelece, verbis: “§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”. Marçal Justen Filho, ao tratar do dispositivo, faz a seguinte análise: “A frustração consiste em ação ou omissão que se revela como causalmente adequada a impedir o atingimento de resultado contemplado pela ordem jurídica e inerente ao processo administrativo existente. A frustração pode ser produzida por diversas vias. Algumas delas envolvem condutas ativas, tal como o fornecimento de informações a determinado terceiro. Outras são de cunho omissivo, tal como a ausência de providencia indispensável à preservação da integridade do procedimento. A ofensa à imparcialidade se verifica quando o agente público toma partido em favor de algum sujeito ou interesse (legítimo ou não), abandonando uma atuação impessoal e propiciando vantagens diferenciadas que beneficiam indevidamente a terceiros. O dispositivo alude ao caráter concorrencial inerente aos processos de concurso público, de chamamento e de licitação. Em todos esses casos, há uma finalidade consistente em promover diferenciação entre competidores, segundo critérios objetivos predeterminados. A frustração do caráter concorrencial ocorre quando o agente público adota condutas ativas ou omissivas que propiciam vantagens indevidas a um ou alguns dos possíveis interessados, de modo a comprometer a competição justa e igualitária entre eles. O elemento subjetivo consiste em dolo específico. Trata-se não apenas da consciência quanto à antijuridicidade da violação à imparcialidade e da vontade de produzir a frustração indevida da competitividade, mas do intento de obter benefício para si mesmo ou para terceiro. O benefício pretendido não necessita ser nem direto, nem patrimonial. Nem é necessário que o intento seja efetivamente satisfeito. Basta a vontade orientada a tais desígnios. O elemento subjetivo também se verifica presente quando o agente público atuar para beneficiar terceiro. É irrelevante a motivação do agente público. Configura-se o tipo subjetivo inclusive na hipótese em que o agente beneficia indevidamente um determinado concorrente visando causar prejuízo para outro. (...) Configura-se improbidade ainda que o agente público produza o benefício para o terceiro visando a prejudicar o seu inimigo (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 121-122). Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto, ao tecerem comentários acerca do mesmo dispositivo, salientam que: “O ato de frustrar concurso público, chamamento ou procedimento licitatório comporta várias acepções, seja quando não realiza tal modalidade de contratação na forma correta, seja quando adotadas regras que violem os Princípios da igualdade jurídica ou da Imparcialidade da Administração Pública. Mas o legislador exigiu mais, que a ação ou omissão: a-) ofenda à imparcialidade; e b-) vise obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros. Mas o benefício não pode ter sido obtido, pois se o foi, haverá a incidência do art. 9º, inciso I, da Lei de Improbidade. Revelam-se necessários: a-) atuação do agente visando frustrar a licitude do Concurso Público, chamamento ou procedimento licitatório ou deixar de adotar as cautelas necessárias ofendendo à imparcialidade; b-) dolo, ou seja ciência de que o ato é ilegal; e c-) vise obter benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros (mas não recebido)” (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, GOMES JUNIOR, Luís Manoel; FAVRETO, Rogério. Comentários à nova lei de improbidade administrativa: lei 8.429/92, com as alterações da lei 11.230/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 161).
12. Conclui-se que o tipo previsto exige que a conduta de frustrar o caráter concorrencial do procedimento licitatório seja dolosa, viole a imparcialidade e beneficie o próprio agente ou terceiros. Ressalta-se a necessidade de comprovação do dolo com finalidade ilícita por parte do agente.
13. Diferentemente do afirmado pela UNIÃO, não está comprovado o conluio entre os corréus para o redirecionamento da licitação ou que tinham ciência do esquema fraudulento e burla ao processo licitatório.
14. O artigo 9º da Lei nº 8.666/93 trata das hipóteses de impedimentos à participação no procedimento licitatório, sendo certo que o dispositivo veda a participação do servidor ou dirigente de órgão contratante, mas não de parentes do gestor público. Conclui-se que a participação dos irmãos do ex-prefeito no certame, embora moralmente questionável, não configura ato de improbidade. Nessa acepção, a Controladoria-Geral da União, ao tratar das vedações de participação em licitações por relações de parentesco com o servidor do órgão contratante na Nota Técnica nº 850/2021/CGUNE/CRG (Nota_Tecnica_850_2021_CGUNE_CRG.pdf), firmou a seguinte orientação: “a) de forma geral, a relação de parentesco de servidor/empregado público com sócio de empresa que venha a participar de licitação realizada junto ao seu próprio órgão de lotação, por si só, não é fundamento suficiente para justificar a instauração de PAD, exigindo, além disso, evidências de utilização de poderes inerentes ao seu cargo ou função com o objetivo de influenciar o resultado do certame ou mesmo de provas de comprometimento da competitividade pela verificação de ações voluntárias que tenham por finalidade o êxito na concorrência em razão do referido vínculo; b) o conhecimento de vinculação societária do servidor de uma entidade pública com empresa por esta contratada traz a necessidade de apuração por meio da instauração do devido processo disciplinar, de modo a dirimir dúvidas acerca da prática de suposta conduta ilícita do envolvido no correspondente procedimento licitatório; c) a existência de prévia consulta do servidor/empregado em razão de possível conflito de interesses à unidade competente deve ser levada em conta quando do juízo de admissibilidade de instauração de processos disciplinares para a jurisprudência”.
15. Quanto à alegação de que o processo licitatório foi viciado e que o edital elaborado feriu dispositivos da Lei de Licitações, considerada a exigência de apresentação de documentos dispensados pela Lei nº 8.666/93 e outras descabidas, verifica-se que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, na sessão ocorrida em 28/03/2012, reconheceu que, nada obstante a ausência de publicação e divulgação do edital em jornal de grande circulação e no Diário Oficial da União, o certame teve boa e ampla publicidade e a instrução processual demonstrou não ter havido prejuízo à competitividade. Salientou que, embora não seja adequada a exigência de comprovação da retirada do instrumento convocatório para efeito de visita técnica, houve uma disputa salutar, porquanto não houve cobrança da distribuição do edital e as inabilitações ocorreram por desacertos das próprias licitantes e não em decorrência dessa exigência. Considerou que a Assessoria Técnica Unidade de Engenharia nada obstou quanto aos aspectos de sua competência e a assessoria econômica verificou a compatibilidade dos preços contratados com os praticados no mercado. Por fim, mencionou não ter identificado hipótese de favorecimento, lesão ao erário e má-fé administrativa nos atos praticados (Id. 98216992 fls. 198/204).
16. O inciso I do artigo 11 da LIA, na redação anterior, estabelecia como ato de improbidade, que violava os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Entretanto, o dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. De acordo com a nova redação, constitui ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, a ação ou omissão dolosa que viola os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das condutas descritas nos seus incisos, entre os quais não se encontra a prática de ato que tenha objetivo proibido em lei ou regulamento. A abolição do dispositivo está em consonância com as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato, de modo que a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Precedente.
17. Nada obstante, ainda que cláusulas do convênio tivessem sido descumpridas, o dolo e a má-fé não restaram demonstrados, o que afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”.
18. Quanto à violação da cláusula segunda, subcláusula II, itens 2.11 e 2.11.2, o convênio previa que a prefeitura deveria: “Restituir o valor transferido pelo CONCEDENTE acrescido de juros legais, na forma da legislação aplicável aos débitos para com a Fazenda Nacional, a partir da data de seu recebimento, nos seguintes casos: (...) e 2.11.2 - Quando não for apresentada, no prazo estabelecido, a prestação de contas, salvo quando decorrente de caso fortuito ou de força maior, devidamente comprovado”.
19. Para o acusado MÁRIO SÉRGIO SAUD REIS, a determinação de restituição dos valores repassados pela União é injusta e ilegal, pois os valores destinados foram adequadamente aplicados. Salienta que a devolução de qualquer valor deve ser efetuada pelo Município, que se beneficiou com parte da obra realizada e que inexiste disposição legal que estabeleça que o ressarcimento dos valores repassados por força de convênio, cujas contas não foram aprovadas, deva recair sobre a pessoa física do prefeito em lugar do município beneficiado (Id. 98218883 – fls. 236/250). Para o magistrado sentenciante, ainda que a prestação de contas não tenha sido adequadamente apresentada, não há como considerar que, em razão de tal circunstância, a lesão ao erário deva corresponder ao valor integral das verbas federais repassadas, pois foram utilizadas em alguma medida na reforma do hospital. Desse modo, considerou indevida a pretensão de devolução do valor de R$ 173.333,33 e pagamento da multa civil correspondente. Quanto ao montante de R$ 10.188,59, relativo ao saldo da contrapartida não utilizado no objeto do convênio, reconheceu que sua devolução é devida, mas que compete ao município promovê-la e não os réus (Id. 98215108 – fls. 29/75). Segundo o apelante MPF, o ex-prefeito foi diretamente responsável pelos vícios que interromperam a obra, utilizou-se do erário federal para custear obra não concluída e deixou de prestar contas, como determinado pela cláusula 2ª, subcláusula II, itens 2.11 e 2.112 do convênio, de modo que deve ser compelido a restituir à União todos os valores recebidos. Como já mencionado, está demonstrada a aplicação regular da verba na reforma do hospital e a regularidade da prestação de contas parcial apresentada. Nada obstante, não foi mencionado que tenha ocorrido prejuízo ou perda patrimonial. Como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Desse modo, o agente não será condenado ao ressarcimento, nos casos em que ocorrer a inobservância de formalidades legais ou regulamentares que não acarretarem perda patrimonial. Segundo Marçal Justen Filho: “o agente público tem o dever de examinar a presença dos requisitos exigidos por lei para a contratação direta. Isso significa que somente se configura a improbidade do inc. VIII quando o agente público adotar interpretação infringente da disciplina da contratação sem licitação. O tema envolve tanto erro de direito quanto erro de fato. Pode haver situação em que o agente público adotou interpretação equivocada, mas razoável. Em outros casos, o sujeito pode ter reputado que estavam presentes, no caso concreto, os requisitos para a contratação direta, sem que tal efetivamente ocorresse. Em todas essas hipóteses, inexistirá a improbidade se não for comprovado o dolo” (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 102). Segundo o § 1ª do artigo 17-C da LIA: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade”. Precedentes.
20. No que tange à alegada violação da cláusual segunda, subcláusula II, item 2.13, tem-se que, conforme o contrato, caberia ao convenente: “Aplicar obrigatoriamente no mercado financeiro os recursos recebidos do CONCEDENTE, enquanto não forem empregados em sua finalidade (...)”. O juiz a quo considerou cabível a devolução do montante referente aos rendimentos de recursos que deveriam ter sido aplicados no mercado financeiro, no importe de R$ 691,61, como demonstrado no Relatório de Verificação in loco nº 136-2/2008, considerada a não produção de prova pela defesa em contrário e a previsão da cláusula segunda, subclasse II, item 2.13 do Convênio nº 3.463/2004 (Id. 98215108 – fls. 29/75). É fato incontroverso que as verbas recebidas não foram aplicados no mercado financeiro no período em que não empregados em sua finalidade, como estabelecia o convênio. Contudo, como salientado, a inobservância de cláusula contratual caracteriza mera irregularidade e não ato de improbidade, dada a não comprovação do dolo (artigo 10, § 1º, e artigo 17-C, § 1ª, da LIA).
21. Quanto à também alegada violação à Cláusula Quinta do contrato em questão, verifica-se que, nos termos do ajustamento, “O CONVENENTE, para o atingimento do objeto avençado, obriga-se a cumprir o Plano de Trabalho Aprovado, especialmente elaborado para este fim, o qual passa a fazer parte integrante deste instrumento, independentemente de sua transcrição”. Para o magistrado, o acusado não cumpriu o plano de trabalho previsto no pacto, porquanto o convênio estabelecia como objeto a reforma da unidade e não contemplava as áreas de ampliação, como mencionado no Parecer CGIS/SE/MS n° 6986-B 2005, tendo salientado que foram utilizados R$ 20.634,00 dos recursos repassados indevidamente na ampliação do hospital e executados apenas 65% do objeto, as obras foram paralisadas e a prefeitura não pediu a prorrogação do prazo, o que ocasionou a extinção do pacto, sem a finalização das obras, como demonstrado no relatório de verificação. Enfatizou que houve o descumprimento do plano de trabalho pelo uso do repasse para finalidade diversa da prevista e decurso do prazo estabelecido sem a finalização da obra e regular prestação de contas. Esclarece que a utilização irregular da verba está suficientemente demonstrada no relatório de verificação e que não foi produzida prova convincente pela defesa em sentido contrário. Concluiu que as verbas utilizadas na ampliação do hospital deveriam ser restituídas à União, uma vez que o objeto do convênio não foi integralmente observado, considerada a aplicação de parte dos recursos na ampliação do hospital que não fora prevista. Desse modo, considerou devido o ressarcimento do valor indevidamente utilizado na ampliação do hospital (R$ 20.634,99). É inquestionável que os recursos transferidos pela UNIÃO foram integralmente aplicados na entidade, sendo que, relativamente ao remanejamento dos valores destinados à reforma/ampliação do hospital, de se considerar que a jurisprudência tem reconhecido que a aplicação de verba pública em finalidade diversa da ajustada não caracteriza ato de improbidade, mas mera irregularidade, considerada a destinação pública dada aos recursos. Precedentes.
22. O descumprimento do plano de trabalho e aplicação da verba em finalidade diversa caracterizam meras irregularidades que, desprovidas da comprovação do dolo, não configuram ato de improbidade, como estabelecem o § 1º do artigo 10 e § 1ª do artigo 17-C da LIA.
23. Quanto à execução físico-financeira, a Cláusula Sexta do ajuste estabelecia, verbis: “As faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas, relativas à execução físico -financeira do objeto avençado, deverão ser emitidos em nome do CONVENENTE ou do EXECUTOR, se for o caso, devidamente identificados com o número deste Convênio”. O magistrado considerou procedente a alegação de que não foram emitidas faturas, notas fiscais, recibos e outros documentos de despesas em nome do convenente ou executor, como estabelecia a cláusula sexta do convênio. Descreve que o relatório de verificação menciona que a documentação comprobatória das despesas estava parcialmente identificada com o número e título do convênio e que análise das notas fiscais emitidas demonstra que algumas tinham identificação do município, mas não indicavam o número do convênio e outras sequer apontavam o município como parte. Reconheceu a responsabilidade do réu Mário Sergio, a quem competia fiscalizar e recusar a apresentação de notas fiscais com irregularidades, em respeito ao pacto (Id. 98215108 – fls. 29/75). A cláusula segunda, item 2.5, do convênio determinava que a convenente deveria: “Manter arquivada a documentação comprobatória das despesas realizadas, devidamente identificada com o número do Convênio, ficando à disposição dos órgãos de controle interno e externo, pelo prazo de 05 (finco) anos, contados da aprovação da prestação ou tomada de contas, do gestor do órgão CONCEDENTE, relativa ao exercício da concessão”. De acordo com o Relatório de Verificação “In Loco” nº 136-2/2008, elaborado pela Divisão de Convênios e Gestão da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, foi constatada a seguinte impropriedade/irregularidade, entre outras: “A documentação comprobatória das despesas realizadas está parcialmente identificada com o número e título do convênio”. Desse modo, foi apresentada a seguinte recomendação: “A convenente deverá identificar a documentação referente a execução do convénio com número e título do mesmo, após encaminhar cópia da documentação identificada a esta Dicon/SP” (Id. 98215098 - 207/216). A despeito da violação de cláusulas do pacto concernentes à identificação das despesas, o dolo e a má-fé não ficaram demonstrados, o que afasta a aplicação da LIA. Segundo o Ministro Teori Zavascki, no voto proferido no RESP 827.455/SP, verbis: “ (...) Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. (...) A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (STJ, REsp n. 827.445/SP, relator Ministro Luiz Fux, relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010). Segundo Rafael de A. Araripe Carneiro: “não há mais espaço para a aplicação indiscriminada da lei em toda e qualquer infração normativa. Pelo contrário: a partir dos contornos dados pela Lei nº 14.230/2021, houve o oferecimento de parâmetros que distinguem (i) o ato ímprobo, (ii) a ilegalidade e (iii) a má política pública. Isso tudo para realçar que a tutela da probidade só sucede na ocorrência de lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados” (coordenadores Mendes, Gilmar Ferreira e Carneiro, Rafael de A. Araripe. Nova lei de improbidade administrativa: inspirações e desafios. São Paulo: Almedina, 2022, p. 115).
24. De se concluir, portanto, que os atos praticados poderiam configurar a conduta negligente e culposa e evidenciar a existência de ilegalidades ou irregularidades administrativas, sujeitas à responsabilização funcional, mas não caracterizam ato de improbidade. Precedentes.
25. À vista do decidido, resta prejudicado o pedido do MPF de condenação dos acusados pelos danos morais causados.
26. Remessa oficial não conhecida. Preliminares rejeitadas. Apelação de Mário Sérgio Saud Reis provida. Apelações do MPF e da UNIÃO improvidas.