Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004018-20.2019.4.03.6102

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, DECIO LUIZ RIGOTTO

Advogado do(a) APELANTE: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

APELADO: DECIO LUIZ RIGOTTO, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Advogados do(a) APELADO: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A, JOSE LEVY TOMAZ - SP357526-N
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004018-20.2019.4.03.6102

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, DECIO LUIZ RIGOTTO

Advogado do(a) APELANTE: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

APELADO: DECIO LUIZ RIGOTTO, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Advogados do(a) APELADO: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A, JOSE LEVY TOMAZ - SP357526-N
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de embargos à execução fiscal opostos por Decio Luiz Rigotto, para discutir a cobrança multa administrativa por infração ambiental.

O juízo a quo julgou procedentes os embargos à execução fiscal, para declarar a nulidade do título executivo. O embargado foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da execução.

Interpostas apelações pelas partes, a sentença foi mantida, conforme decisão proferida nos termos do art. 932 do CPC (ID 276785648).

Em sede de Agravo Interno, sustenta o embargado a inaplicabilidade da caducidade de autorização para expropriação, prevista no art. 10 do Decreto Lei nº 3.365/41, às unidades de conservação federal.

O agravado apresentou resposta.

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004018-20.2019.4.03.6102

RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA

APELANTE: INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE, DECIO LUIZ RIGOTTO

Advogado do(a) APELANTE: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A
Advogado do(a) APELANTE: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

APELADO: DECIO LUIZ RIGOTTO, INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Advogados do(a) APELADO: JAIRO TAKEO AYABE - SP147528-A, JOSE LEVY TOMAZ - SP357526-N
Advogado do(a) APELADO: GUSTAVO DAIA DAMIAN - SP202443-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A apelação foi examinada pela decisão monocrática nos termos a seguir:

DA NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO Nº 023508-B 

Auto de Infração nº 023508-B, lavrado em 21/01/2014 pelo ICMBio, aplicou ao autuado DÉCIO LUZI RIGOTTO multa simples no valor de R$2.000,00 (dois mil reais), com fundamento no art. 84 do Decreto Federal nº 6.514/08, por introduzir dentro da área do Parque Nacional da Serra da Canastra espécie alóctone (braquiária) em uma área de 8,4731 hectares, na Fazenda Vale Formoso (Id 142592942).

Na mesma data, também foi lavrado o Auto de Infração nº 023506-B, para, com fundamento nos arts. 49 e 93 do Decreto Federal nº 6.514/08, aplicar multa no valor de R$108.000,00 (cento e oito mil reais) decorrente do dano ambiental causado pelo desmatamento de uma área de 8.47,31 hectares coberta por vegetação nativa (capim macega, capim flecha e outras espécies não identificadas) dentro de Unidade de Conservação de proteção integral. Registre-se que o Auto de Infração nº 023506-B não é objeto da Execução Fiscal nº 5002494-85.2019.4.03.6102.

No âmbito do Processo Administrativo nº 02143.0000022/2014-84, DÉCIO LUIZ RIGOTTO apresentou defesa, que não foi acolhida, tendo sido homologado o Auto de Infração nº 023508-B e mantida a multa aplicada, impondo-se, ainda, a obrigação de recuperar a área degradada. Decorrido o prazo legal, sem pagamento da multa, o crédito não tributário foi inscrito em Dívida Ativa da União sob a CDA nº 3.017.000705/17-01.

art. 84 do Decreto nº 6.514/2008 comina pena de multa variável de R$2.000,00 (dois mil reais) a R$100.000,00 (cem mil reais) caso materializada a conduta de “introduzir em unidade de conservação espécies alóctones”:

Art. 84. Introduzir em unidade de conservação espécies alóctones:

Multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo as áreas de proteção ambiental, as florestas nacionais, o as reservas extrativistas e as reservas de desenvolvimento sustentável, bem como os animais e plantas necessários à administração e às atividades das demais categorias de unidades de conservação, de acordo com o que se dispuser em regulamento e no plano de manejo da unidade.

§ 2º Nas áreas particulares localizadas em refúgios de vida silvestre, monumentos naturais e reservas particulares do patrimônio natural podem ser criados animais domésticos e cultivadas plantas considerados compatíveis com as finalidades da unidade, de acordo com o que dispuser o seu plano de manejo.

Decreto Federal nº 70.355, de 04 de julho 1972, criou o Parque Nacional da Serra da Canastra – PNSC, estabelecendo uma área de 200.000 ha (duzentos mil hectares), abrangendo 06 (seis) municípios do estado de Minas Gerias, sendo eles: São Roque de Minas, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Capitólio e Vargem Bonita. Para sua implementação, autorizou-se o Ministério da Agricultura, por meio de agência própria, "a promover as desapropriações necessárias" (art. 50), excluídas as terras "que tenham alto valor agricultável" (art. 40).

Decreto Federal nº 74.447, de 21 de agosto de 1974, declarou de interesse social, para fins de desapropriação, imóveis rurais situados nos municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, para fins de Reforma Agrária, num total de 106.185,50 ha, localizada entre os meridionais de 46º15' e 47º00' a Oeste de Greenwich e os paralelos de 20º00' e 20º30' de latitude Sul.

A desapropriação por interesse social no Parque Nacional da Serra da Canastra - PNSC foi implementada em 71.525 ha, área denominada pelo Plano de Manejo 2005 como “Chapadão da Canastra” (norte), remanescendo 130.000 ha não regularizadas - “Chapadão da Babilônia” (sul) - para consecução dos 200.000 hectares estimados no Decreto Federal nº 70.355/1972 (Id 142592180).

Lei nº 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, instituiu o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e disciplinou as unidades de proteção integral, dentre elas, os Parques Nacionais:

Art. 7º As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:

I - Unidades de Proteção Integral;

II - Unidades de Uso Sustentável.

§ 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

Art. 8º O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:

I - Estação Ecológica;

II - Reserva Biológica;

III - Parque Nacional;

IV - Monumento Natural;

V - Refúgio de Vida Silvestre.

Especificamente em relação aos Parques Nacionais, enuncia o artigo 11 da Lei nº 9.985/2000:

Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

§ 1º  O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.

§ 2º A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento.

§ 3º A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da  unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.

§ 4º As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.

Dispõe o art. 15 da citada lei que a Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

 Em 19/09/2007, por meio de escritura pública de compra e venda, levada a registro em 10/12/2007 no Serviço Registral Imobiliário da Comarca de Cássia/MG, DÉCIO LUIZ RIGOTTO adquiriu 47,5% da área da Fazenda Vale Formosa, matrícula nº 17.750, localizada na região da Gurita, no município de Delfinópolis/MG, em área não regularizada no Parque Nacional da Serra da Canastra (Id 142592942 - Pág. 41/45). As áreas remanescentes de 47,5% e 5,0% pertencem, respectivamente, aos coproprietários Edosn Luis Rigotto e Fabrizzio Antônio de Oliveira.

A área da Fazenda “Vale Formoso”, propriedade de natureza privada, encontra-se situada dentro da área originária e não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra - PNSC. Trata-se, portanto, de propriedade particular incluída no plano de consecução do parâmetro fixado para a Unidade de Conservação de 200.000 ha, ainda não expropriada.

Não obstante o Parque Nacional da Serra da Canastra tenha sido criado por meio do Decreto nº 70.355/1972, com área total de 200.000 ha, e somente com a vigência da Lei nº 9.985/2000 adquirido o status de unidade de proteção integral, deve-se perquirir se a inexistência de regularização fundiária, com a emissão de decreto de desapropriação em relação à totalidade da área mencionada no citado decreto, afasta a condição de unidade de conservação.

A r. sentença, calcada no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/4; nos arts. 2º, I, e 11, §1º, da Lei nº 9.985/2000; e na jurisprudência firmada pelo C. STJ no julgamento do EREsp nº 191.656, demonstra claramente que, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos sem que tenha havido ato expropriatório, configura-se situação de caducidade do ato declaratório de utilidade pública, não havendo que se falar que a área privada objeto de autuação administrativa encontra-se dentro de Unidade de Conservação (Parque Nacional), insubsistindo, por conseguinte, a apontada infração administrativa (art. 84 do Decreto nº 6.514/2008). Vejamos:

“(...)

O Auto de Infração foi emitido em 21/01/2014 (Id 23298929, p. 07/09), quando de há muito já havia caducado a autorização para a expropriação, via desapropriação, da propriedade do embargante.

 Dessa forma, a Fazenda “Vale Formoso” não é integrante da Unidade de Conservação, não estando sujeita à Lei n. 9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.

 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, desde o julgamento do ERESP n. 191.656 em 23/07/2010, já assentou que, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos sem que tenha havido ato expropriatório ou esbulho possessório, por força do art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/41, configura-se situação de caducidade do ato declaratório de utilidade pública. Nesse sentido, em julgado mais recente:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CADUCIDADE DA DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA. PRAZO DE 5 ANOS. DECISÃO RECORRIDA NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. APLICAÇÃO DA SÚMULA 568/STJ.

I - Na origem, cuida-se de ação ordinária contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, objetivando a decretação de nulidade de procedimento administrativo e descontinuidade de multa, sob a alegação de ilegalidade/nulidade da dosimetria da multa e de ausência de reconhecimento das atenuantes, bem assim por vício de competência da autarquia ambiental. Na sentença, foi julgado parcialmente procedente os pedidos, sendo fixada o valor da multa em R$ 16.500,00 (dezesseis mil e quinhentos reais). No Tribunal, deu-se parcial provimento ao recurso do IBAMA, para permitir o majoramento da multa aplicada, a qual ficou estabelecida em R$ 33.000,00 (trinta e três mil reais).

II - Em relação à apontada negativa de vigência aos arts. 2º e 22, §7º, da Lei n. 9.985/00, e ao art. 10 do Decreto n. 3.365/41, o Tribunal a quo, na fundamentação do decisum, assim firmou entendimento (fls. 697-698): [...] No caso concreto, o IBAMA teria majorado a multa levando em conta que a área desmatada estaria localizada na zona de amortecimento da Estação Ecológica de Murici. Ocorre que a ESEC de Murici/AL foi criada por meio do Decreto S/N, de 28/05/2001. Todavia, ultrapassado mais de 5 (cinco) anos de sua criação, não houve qualquer iniciativa pelo Poder público, no sentido do apossamento, desapropriação ou demarcação da área, permanecendo até o presente momento no domínio pleno do particular. Com efeito, desponta indiscutível a incidência da figura da caducidade da declaração de utilidade pública, em obséquio ao previsto no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41, ante o escoamento do prazo quinquenal ali disciplinado, in verbis: [...] Da análise dos excertos colacionados do aresto vergastado, verifica-se que o entendimento adotado pelo Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de ser aplicável às unidades de conservação a prazo de caducidade de cinco anos previsto no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/41, como é o caso dos autos. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no AREsp 611.366/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 19/09/2017 e EREsp 191.656/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010.

III - Nos termos do enunciado n. 568 da Súmula desta Corte Superior e do art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, o relator está autorizado a decidir monocraticamente quando houver jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Assim, não há que se falar em ilegalidade relativamente a este ponto.

IV - Agravo interno improvido.

(STJ - AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – 1781924 2018.03.10624-5, FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/06/2019).

 A própria Lei n. 9.985/00 estabelece em seu art. 2º, I, que as Unidades de Conservação (UCs) são espaços territoriais instituídos pelo Poder Público, sob regime especial de Administração, sendo que, quanto ao Parque Nacional, esclarece ser de posse e domínio público, logo, as áreas particulares dentro de seus limites devem ser desapropriadas (art.11, § 1º, do mesmo diploma legal).

 Nessa senda, estando o imóvel objeto da infração administrativa não regularizado, entendo que não pode ser considerado como de área efetiva do PNSC, fazendo que não se sujeite às restrições da proteção como UC (Unidade de Conservação).

 Como a infração se baseou no art. 84 do Decreto 6.514/08, que prevê multa para aquele que introduzir espécies alóctones em Unidade de Conservação (UC), permanecendo o imóvel na esfera de propriedade particular e considerando a caducidade do Decreto Federal na parte que autorizou as desapropriações, não subsiste a infração administrativa, estando eivado o auto de infração por vício na fundamentação legal.

(...)”

Importante destacar que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de EDSON LUIS RIGOTTO,  DECIO LUIS RIGOTTO e FABRIZZIO ANTÔNIO DE OLIVEIRA imputando-lhes a prática de crime previsto no art. 40, caput, da Lei nº 9.605/98 c/c art. 16 do Código Penal, sob o argumento de que causaram dano ao Parque Nacional da Serra da Canastra e à área de preservação permanente situada no seu interior, em razão da supressão de vegetação nativa para formação de pasto e açude, tudo a descoberto de licença ambiental, em área de preservação permanente. O feito tramitou perante o juízo da Vara Federal da Subseção Judiciária de Passos/MG, que rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, III, do CPP.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, tendo o Tribunal Regional Federal da 1ª Região dado provimento ao recurso, para receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal (autos nº 0000271-58.2012.4.01.3804/MG).

Os réus interpuseram recurso especial em face do acórdão que recebeu a denúncia, tendo ele sido inadmitido. Em face da decisão de inadmissão do apelo especial, apresentaram recurso de agravo.

O C. Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso de agravo para prover o recurso especial interposto por  EDSON LUIS RIGOTTO,  DECIO LUIS RIGOTTO e FABRIZZIO ANTÔNIO DE OLIVEIRA em face de decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (AREsp 611366), que havia recebido a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal  em desfavor dos recorrentes, imputando-lhes o crime tipificado no art. 40 c/c art. 53, inciso I, ambos da Lei nº 9.605/96, e restabelecer a decisão de 1º grau que rejeitara a denúncia ante a atipicidade do fato.

Ponderou o relator Ministro Nefi Cordeiro que, embora o fato objeto da ação penal tenha se reportado a danos praticados em área de preservação permanente situada no interior do Parque Nacional da Serra da Canastra, em razão da supressão de vegetação nativa para formação de pasto e açude, no interior da denominada Fazenda “Vale Formoso”, no município de Delfinópolis/MG, no ano de 2008, o local onde ocorreram os fatos era área particular, pois ainda não fora objeto de decreto de desapropriação, sendo que o decreto já teve sua caducidade ante o decurso do prazo de cinco anos desde a sua edição que declarou a área como uma Unidade de Conservação Federal, in verbis:

“(...)

De plano, importante consignar a diferença entre as Áreas de Preservação Permanente (APP's), as quais já seguem definidas e estabelecidas pela legislação específica em razão de sua condição geográfica, das Unidades de Conservação Federal (UCF's), instituídas por meio de Decreto Presidencial.

No caso concreto, ao que consta da sentença e do acórdão, embora conste da peça acusatória tratar-se de plantio de capim napier às margens de curso d'água afluente do ribeirão Babilônia, não se discute referida condição, porquanto nem sequer consta dos autos qualquer informação ou comprovação de se tratar de área ao redor de nascente ou olho d'água, ainda que intermitente, com raio mínimo de cinquenta metros de tal forma que projeta, em cada caso, a bacia hidográfica contribuinte, como prevê a Resolução CONAMA n. 3/2002.

Discute-se, aqui, na verdade, sua condição de Unidade de Conservação Federal, instituída por Decreto Federal.

Sabe-se que o art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará.

Na hipótese, o Decreto Federal foi editado em 1972.

Todavia, a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, "criadas no papel", acabam não se transformando em realidade concreta.

Da peça acusatória consta que FABRIZZIO ANTÔNIO DE OLIVEIRA, EDSON LUIS RIGOTTO e DÉCIO LUIS RIGOTTO teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d'água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada "Fazenda Vale Formoso", Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral - fls. 07/12).

Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição).

Assim, considerando que o Decreto Federal, conforme acima exposto, já teve sua caducidade superada há tempos, não vejo como limitar o direito de propriedade conferido constitucionalmente aos ora agravantes.

Referida limitação seria atentatória à mencionada garantia constitucional, bem como ao direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF. Nessa linha, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ESTAÇÃO ECOLÓGICA JURÉIA-ITATINS.

DESAPROPRIAÇÃO. MATAS SUJEITAS À PRESERVAÇÃO PERMANENTE. VEGETAÇÃO DE COBERTURA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. Desapropriação. Cobertura vegetal sujeita a limitação legal. A vedação de atividade extrativista não elimina o valor econômico das matas preservadas, nem lhes retira do patrimônio do proprietário. 2. Impossível considerar essa vegetação como elemento neutro na apuração do valor devido pelo Estado expropriante. A inexistência de qualquer indenização sobre a parcela de cobertura vegetal sujeita a preservação permanente implica violação aos postulados que asseguram os direito de propriedade e a justa indenização (CF, artigo 5º, incisos XXII e XXIV). 3. Reexame de fatos e provas técnicas em sede extraordinária. Inadmissibilidade. Retorno dos autos ao Tribunal de origem para que profira nova decisão, como entender de direito, considerando os parâmetros jurídicos ora fixados. Recurso extraordinário conhecido em parte e, nesta, provido. (RE 267817, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 29/10/2002, DJ 29-11-2002 PP-00042 EMENT VOL-02093-03 PP-00523) Destarte, uma vez que decorridos muito mais de 5 anos desde a edição do Decreto que declarou a área uma Unidade de Conservação Federal, sem que a respectiva desapropriação tenha se concretizado, não há como, em observância aos direitos constitucionais supracitados, imputar aos proprietários da terra a prática do delito ambiental em referência (art. 40 da Lei n. 9.605/98). Nesse sentido, a decisão do Juízo de 1ª instância (fls. 122/136):

- A increpação escorada na Lei de Crimes Ambientais, artigo 40, causação de "danos diretos e irreversíveis a unidade de conservação", ressente-se de fôlego.

Basta dizer que "a propriedade é privada e está localizada na área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra", na dicção da agência ambiental (f. 21).

A região da Serra da Canastra, radicada no sudoeste de Minas Gerais, no bioma do cerrado, contempla a nascente do Rio São Francisco e relevantes espécies de fauna e da flora. Ao limiar da década de 70, pela primeira vez, fora suspensa a navegabilidade no Velho Chico, mercê de severa seca a assolar a região e do desmatamento sem critérios oriundo da construção da represa de Furnas na região.

Deslizou-se, daí, à criação do Parque Nacional da Serra da Canastra - PNSC, através do Decreto 70.355, de 03-04-1972. Fun- damentalmente integrado pelo Chapadão da Canastra (norte) é pelo Chapadão da Babilônia (sul), o Parque referia "uma área estimada em 200.000 ha (duzentos mil hectares)" (art. 10). Para sua implementação, autorizou-se o Ministério da Agricultura, por meio de agência própria, "a promover as desapropriações necessárias" (art. 50), excluídas as terras "que tenham alto valor agricultável" (art. 40).

[...] Consolidada a área do Parque Nacional da Serra da Canastra em 71.525 ha (Chapadão da Canastra), na área excluída (Chapadão da Babilônia:

aproximadamente 130.000 hectares), não expropriada, persistiram a agricultura e pecuária de subsistência, práticas já seculares.

Sucedeu, porém, a agregação de novas atividades, dentre elas, o turismo ecológico e a extração mineral, a ensejar a expedição de licenças ambientais de todos os matizes por agências estatais.

Em 2005, depois de dilatada gestação, novo Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra foi dado a lume, explicitando a situação fundiária regularizada da área já expropriada (Chapadão da Canastra: 71.525 ha), correspondente ao Parque demarcado hoje em operação, e a necessidade de regularização quanto ao Chapadão da Babilônia (130.000 ha), para consecução dos 200.000 hectares estimados ao limiar. As atividades na área assim designada não regularizada somente poderiam ser conspurcadas ou embargadas ao depois da indenização das propriedades/posses. Disseram-no, àquele ensejo, prepostos do Executivo:

[...] O propalado desiderato expansionista teria como desdobramento jurídico natural a ultimação, a instâncias do Executivo, de providências tendentes à expropriação da área não regularizada (composta por propriedades particulares), via desapropriação amigável ou judicial, sob pagamento de justa e prévia inidenização em dinheiro aos proprietários (Decreto-Lei 3.365, de 21-06-1941;

Constituição Federal, art. 5º, XXIV).

Todavia, ao invés de palmilhar a liturgia legal, a desaguar em ponderável dispêndio orçamentário com a quitação de indenizações, o Executivo ordenou às suas agências e prepostos a adoção de posturas conducentes a sufocar e aniquilar tantos quantos estivessem na área não regularizada: paralisação, desconstituição e sobrestamento de atos administrativos já expedidos, realização de fiscalizações permeadas por rigor euremático, imposição diuturna de embargos, interdições e multas, etc. A partir daí, uma constelação de ações vem aportando em juízo. A linha de ação ultimada pelo Executivo foi externada ao ensejo de Relatório firmado pelo "Grupo de Trabalho Interministerial, instituído pelo Decreto de 24 de janeiro de 2006, relativo ao Parque Nacional da Serra da Canastra", verbis:

[...] Assim alinhavado o contexto fático subjacente à espécie, resta espancar, a miúdo e por inteiro, o proceder protagonizado (pelo aparelho estatal com o escopo de incorporar ao Parque Nacional da Serra da Canastra a área remanescente, Chapadão da Babilônia, integrada por propriedades particulares. Cuida-se de atos de violência institucional, escamoteados sob a capa duma legalidade amalgamada à luz de impressões e concepções mío- pes. A diretriz legal a ser cumprida - repita-se - é a deflagração de medidas expropriatórias, sob prévia e justa indenização. Aí, precisamente, o cânone da legalidade a que também inexoravelmente se vincula o poder público e seus prepostos. Fora daí, tem-se, unicamente, atos espoliativos perpetrados pelo Estado, cuja gravidade mais ganha corpo em razão de quem os protagoniza. Neste terreno, aliás, a legitimidade de atuação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - Instituto Chico Mendes, à luz da legislação reitora (Lei 11.516/2007, art. 1º, I), confina-se aos limites da área do Parque efetivamente implantada e regularizada, isto é, aos 71.525 hectares: quanto à área não regularizada, juridicamente estranha ao conceito de Unidade de Conservação, não lhe é dado legalmente fiscalizar, atuar ou autuar. Mesmo a ingerência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA na porção de área não regularizada se atrela à concreta existência de situação afeta a atribuições federais (Lei 7.735/89, art. 2º), inferidas à luz do catálogo constitucional (CF, artigos 20 e 21). Fora daí, prevalece a atribuição residual, assaz mais abrangente, sob a alçada dos Estados-membros e municípios.

Como as restrições impostas às propriedades particulares situadas dentro do Parque almejado transpõem às raias de meras limitações administrativas, traduzindo aniquilação ao direito dominial, a formal desapropriação é inexorável, sob pena se legitimar o confisco. Há, por isto, categórica previsão legal a respeito: Lei 9.985/2000, art. 11, §1º. Sem regular expropriação, é inconcebível a existência de Unidade de Conservação, em qualquer esfera. Ausente a transposição do bem particular ao domínio público, tem-se, unicamente, promessa ou propósito declarado de criá-la, inidônea, por si e em si, a espargir efeitos jurídicos. Em definitivo, nenhuma Unidade de Conservação pode se erigir à custa de atos espoliativos infligidos a particulares.

Há de se conciliar a proteção ambiental (CF, art. 225) com o direito de propriedade (idem, art. 5º, XXII e XXIV). É dizer, ao proprietário privado ou cerceado de usar e usufruir do bem há de se assegurar prévia e justa indenização. A premência do desafio de implementar o Parque Nacional da Serra da Canastra, tal e como planeado ao exórdio, não pode se metamorfosear em passaporte à atuação desligada da lei, nem servir de álibi ao piso-teio de regras plasmadas no Estado de Direito:

[...] Efetivamente, é inarredável a preservação do meio ambiente, direito de terceira dimensão, de natureza transindividual. A ausência de providências efetivas a respeito poderá comprometer o futuro da humanidade. A salvaguarda, contudo, não pode ser levada às últimas consequências, nem fazer tábula rasa do arcabouço normativo. A vertente bussolar, neste terreno, há de ser a realidade dos fatos, em ordem a garantir o "meio ambiente humano", igualmente erigido a princípio fundamental na Carta da República (CF, art. 1º, III).

Aliás, a implementação da totalidade do Parque Nacional da Serra da Canastra, tal e como estimado ao prelúdio (200.000 hectares), pelos desdobramentos que enfeixa, é objeto de iniciativas e tratativas em diversas esferas, inclusive na legislativa (Projetos de Lei 147/2010 e 148/2010, em trâmite no Senado da República; Projetos de Lei 1.448/2007 e 1.517/2007, em curso na Câmara dos Deputados).

Na espécie versada, o local onde ocorreu o suposto delito ambiental escapa aos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha). Ele se insere no contexto das denominadas áreas não regularizadas, propriedades particulares incluídas no plano de consecução do parâmetro estimado para a Unidade de Conservação (200.000 ha), ainda não expropriadas. Nesta conjuntura, é incabível se cogitar da existência de "unidade de conservação", palco dos danos ambientais propalados, máxime no terreno criminal.

E, juridicamente inexistente "unidade de conservação", elemento objetivo-descritivo do tipo, sucumbe a imputação sob foco (art. 40), de pertinência adjungida à área do Parque efetivamente implantada (71.525 hectares) e consectários.

II - NESTAS CONDIÇÕES, à vista da fundamentação expendida, rejeito a denúncia de f. 90-91, com esteio no Código de Processo Penal, art. 395, III.

Fica afastada, portanto, a tipicidade do fato no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98).

Ante o exposto, dou provimento ao agravo para, provendo o recurso especial, restabelecer a decisão de 1º Grau.”

Em face da aludida decisão monocrática, o Ministério Público Federal interpôs recurso de agravo regimental, tendo a Sexta Turma do C. STJ negado provimento ao recurso. A decisão transitou em julgado em 16/10/2017 (AgRg no AGRAVO EM RECURSO ESPCIAL nº 611.366/MG).

Eis o teor da ementa do julgado (destaquei):

PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 40 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. UNIDADE DE CONSERVAÇÃO FEDERAL. DECRETO FEDERAL EDITADO EM 1972. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA NUNCA CONSUMADA. CADUCIDADE DO DECRETO ORIGINAL. PERMANÊNCIA DA ÁREA SOB PROPRIEDADE DO PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE DE SE LIMITAR O DIREITO DE PROPRIEDADE CONFERIDO CONSTITUCIONALMENTE. TIPICIDADE AFASTADA QUANTO AO DELITO DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1.Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra - Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público.

2. Firmou este Tribunal compreensão de que, por se tratar de área de preservação permanente de domínio da União, embora em propriedade privada, seria considerado de interesse do ente federal, nos termos do que dispõe o art. 20, III, da CF/88.

3. Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, "criadas no papel", acabam não se transformando em realidade concreta.

4. O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará.

5. Da peça acusatória consta que os acusados teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d'água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada "Fazenda Vale Formoso", Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral).

6. Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição).

7. Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF.

8. Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98).

9. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 611.366/MG, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/9/2017, DJe de 19/9/2017.)

 

Não obstante serem autônomas e independentes as esferas penal, cível e administrativa  (art. 935 CC e art. 66 CPP), quando, na instância penal for negada a autoria do delito ou ficar patente a inexistência do fato em discussão, o desfecho do caso deve repercutir na seara administrativa. Nessa toada, se na esfera penal o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do AgRg no AREsp n. 611.366/MG, firmou a existência da caducidade do decreto, afastando a tipicidade material da conduta imputada a DÉCIO LUIZ RIGOTTO e aos coproprietários da Fazenda “Vale Formoso” em relação ao crime previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98, na esfera administrativa não se vislumbra, por conseguinte, a prática da infração descrita no art. 84 do Decreto nº 6.514/2008, na medida em que aludida área privada, não regularizada, não se encontrava em unidade de conservação.

Nessa esteira, em que o fato que motivou a penalidade administrativa resultou em reconhecimento da atipicidade material do delito imputado na seara criminal a autonomia e independência das esferas há que ceder espaço para que exista coerência entre as decisões sancionatórias, mormente em razão de o direito administrativo sancionador – como in casu, em que houve aplicação de multa decorrente do exercício do Poder de Polícia da autarquia federal – se aproximar muito do direito penal, compreendendo uma extensão do jus puniendi estatal.

Confiram-se:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. PRÁTICA DE CRIME DOLOSO. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. REPERCUSSÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. PARECER ACOLHIDO.

1. Embora não se possa negar a independência entre as esferas - segundo a qual, em tese, admite-se repercussão da absolvição penal nas demais instâncias apenas nos casos de inexistência material ou de negativa de autoria -, não há como ser mantida a incoerência de se ter o mesmo fato por não provado na esfera criminal e por provado na esfera administrativa. Precedente.

2. Em hipóteses como a dos autos, em que o único fato que motivou a penalidade administrativa resultou em absolvição no âmbito criminal, ainda que por ausência de provas, a autonomia das esferas há que ceder espaço à coerência que deve existir entre as decisões sancionatórias.

3. Recurso provido a fim de determinar o cancelamento da falta grave apurada no procedimento administrativo disciplinar e de todos os efeitos dela decorrentes.

(RHC n. 33.827/RJ, SEXTA TURMA, DA MINHA RELATORIA, DJe 12/12/2014)

 

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ANOTAÇÃO DE FALTA GRAVE. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO PELO CRIME QUE ENSEJOU A ANOTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).

II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.

III - Esta Corte possui entendimento no sentido de que "muito embora se reconheça a independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, não pode subsistir o reconhecimento de falta disciplinar de natureza grave decorrente do suposto cometimento de crime diante da posterior absolvição." Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar a decisão do juízo de primeiro grau que determinou a anotação de falta grave pelo cometimento de crimes pelos quais o paciente restou absolvido, determinando-se ao Juízo da Execução que reaprecie o pedido de progressão de regime prisional do paciente, à luz do art. 112 da Lei de Execução Penal.

(HC n. 289.123/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 11/06/2015)

 

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal.

De acordo com o art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015, os honorários sucumbenciais serão fixados em percentuais aplicados sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Entretanto, em determinados casos, a aplicação de tal regra implica a fixação de honorários advocatícios com valor ínfimo ou excessivo, mormente quando o valor do proveito econômico é inestimável ou irrisório ou o valor da causa se apresenta muito baixo.

Portanto, como exceção à regra geral, para tais hipóteses, deve ser aplicado o art. 85, § 8º do CPC/2015, que autoriza a fixação dos honorários por apreciação equitativa, observando-se os requisitos dos incisos do § 2º do mesmo artigo, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Com efeito, a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que, em regra, não se mostra possível em recurso especial a revisão do valor fixado a título de honorários advocatícios , pois tal providência exigiria novo exame do contexto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado pela Súmula 7/STJ. Todavia, o óbice da referida súmula pode ser afastado em situações excepcionais, quando for verificado excesso ou insignificância da importância arbitrada, ficando evidenciada ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (AgRg no REsp 1569968/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 26/02/2018).

No caso em testilha, os honorários foram fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa (execução), na forma do art. 85, §3º, do CPC. Coleta-se dos autos que, em 10/04/2017, o crédito exequendo perfazia o valor de R$3.656,66 (Id 142592943 - Pág. 71). Os parâmetros adotados pelo MM. Juiz Federal encontram-se em conformidade com a legislação processual, não havendo que se falar em desproporcionalidade da medida, tampouco em honorários notadamente ínfimos e que atentam contra o exercício profissional.

A fixação de honorários no montante requerido pelo apelante, em R$4.479,19 (Id 142592960 - Pág. 17) representa expressão econômica que ultrapassa o próprio crédito exequendo, o que não se coaduna com a finalidade da norma processual.

Frise-se que a adoção dos fundamentos constantes da sentença recorrida (técnica de julgamento "per relationem") não configura ofensa ao art. 93, IX, da CF/88 e ao art. 1.022 do CPC, tendo amparo em remansosa jurisprudência das Cortes Superiores e neste Tribunal Regional (STF: AI 825.520-AgR-ED/SP, ARE 791.637-AgR/DF, Rcl 3.430/RN, Rcl 6.425/SP e Rcl 6.955/RO; STJ: REsp 1699002, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 10/11/2017; RMS 50.400/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 02/05/2017, DJe 10/05/2017 e AREsp 1118622, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 31/10/017; TRF3: 4ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5012923-83.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 03/09/2021, DJEN DATA: 14/09/2021).

De rigor, portanto, manter a r. sentença recorrida.

Ante o exposto,  nos termos do artigo 932, inciso IV, do Código de Processo Civil, nego provimento aos recursos de apelação interpostos por DÉCIO LUIZ RIGOTTO e INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBio, mantendo integralmente a r. sentença recorrida”.

Verifica-se não ter havido nos autos alteração substancial capaz de influir na decisão proferida, adotando-se, pois, os seus fundamentos como razão de decidir. 

Nesse sentido, reveste-se "de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação 'per relationem' que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República", sendo certo que a "remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). 

Na mesma esteira: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. 

Assim, a decisão monocrática deve ser mantida.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.



E M E N T A

 

 

AGRAVO INTERNO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA – HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 932 DO CPC – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – MULTA AMBIENTAL – ATO DECLARATÓRIO DE UTILIDADE PÚBLICA – CADUCIDADE – PRAZO DE 05 ANOS – AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 

1. O Auto de Infração nº 023508-B, lavrado em 21/01/2014 pelo ICMBio, aplicou ao autuado DÉCIO LUZI RIGOTTO multa simples no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fundamento no art. 84 do Decreto Federal nº 6.514/08, por introduzir dentro da área do Parque Nacional da Serra da Canastra espécie alóctone (braquiária) em uma área de 8,4731 hectares, na Fazenda Vale Formoso (Id 142592942).

2. O Decreto Federal nº 70.355, de 04 de julho 1972, criou o Parque Nacional da Serra da Canastra – PNSC, estabelecendo uma área de 200.000 ha (duzentos mil hectares), abrangendo 06 (seis) municípios do estado de Minas Gerias, sendo eles: São Roque de Minas, Sacramento, Delfinópolis, São João Batista do Glória, Capitólio e Vargem Bonita. Para sua implementação, autorizou-se o Ministério da Agricultura, por meio de agência própria, "a promover as desapropriações necessárias" (art. 50), excluídas as terras "que tenham alto valor agricultável" (art. 40).

3. O Decreto Federal nº 74.447, de 21 de agosto de 1974, declarou de interesse social, para fins de desapropriação, imóveis rurais situados nos municípios de Vargem Bonita, Sacramento e São Roque de Minas, para fins de Reforma Agrária.

4. A Lei nº 9.985/2000, que regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Constituição Federal, instituiu o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e disciplinou as unidades de proteção integral, dentre elas, os Parques Nacionais.

5. Dispõe o art. 15 da citada lei que a Área de Proteção Ambiental é constituída por terras públicas ou privadas, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.

6. Em 19/09/2007, por meio de escritura pública de compra e venda, levada a registro em 10/12/2007 no Serviço Registral Imobiliário da Comarca de Cássia/MG, DÉCIO LUIZ RIGOTTO adquiriu 47,5% da área da Fazenda Vale Formosa, matrícula nº 17.750, localizada na região da Gurita, no município de Delfinópolis/MG, em área não regularizada no Parque Nacional da Serra da Canastra (Id 142592942 - Pág. 41/45). As áreas remanescentes de 47,5% e 5,0% pertencem, respectivamente, aos coproprietários Edosn Luis Rigotto e Fabrizzio Antônio de Oliveira.

7. A área da Fazenda “Vale Formoso”, propriedade de natureza privada, encontra-se situada dentro da área originária e não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra - PNSC. Trata-se, portanto, de propriedade particular incluída no plano de consecução do parâmetro fixado para a Unidade de Conservação de 200.000 ha, ainda não expropriada.

8. Não obstante o Parque Nacional da Serra da Canastra tenha sido criado por meio do Decreto nº 70.355/1972, com área total de 200.000 ha, e somente com a vigência da Lei nº 9.985/2000 adquirido o status de unidade de proteção integral, deve-se perquirir se a inexistência de regularização fundiária, com a emissão de decreto de desapropriação em relação à totalidade da área mencionada no citado decreto, afasta a condição de unidade de conservação.

9. A r. sentença, calcada no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/4; nos arts. 2º, I, e 11, § 1º, da Lei nº 9.985/2000; e na jurisprudência firmada pelo C. STJ no julgamento do EREsp nº 191.656, demonstra claramente que, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos sem que tenha havido ato expropriatório, configura-se situação de caducidade do ato declaratório de utilidade pública, não havendo que se falar que a área privada objeto de autuação administrativa se encontra dentro de Unidade de Conservação (Parque Nacional), insubsistindo, por conseguinte, a apontada infração administrativa (art. 84 do Decreto nº 6.514/2008).

10. Agravo interno improvido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.