APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001190-98.2017.4.03.6109
RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA
APELANTE: KAREL MARTINEZ PALOMINO, KATISLEIDYS RODRIGUEZ BENAVIDES
Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO KURTZ VON END BIANO - SP351203-A
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001190-98.2017.4.03.6109 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: KAREL MARTINEZ PALOMINO, KATISLEIDYS RODRIGUEZ BENAVIDES Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO KURTZ VON END BIANO - SP351203-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Cuida-se de ação de procedimento comum, com pedido de tutela antecipada de urgência, proposta por KAREL MARTINEZ PALOMINO e KATISLEIDYS RODRIGUEZ BENAVIDES em face da UNIÃO FEDERAL, visando à declaração de inexistência de relação jurídica válida que os submeta aos termos do negócio jurídico celebrado entre a UNIÃO FEDERAL, a OPAS e o Governo de CUBA, mediante o qual houve adesão ao “Programa Mais Médicos para o Brasil”, permitindo sua permanência no referido projeto, nas mesmas condições que os demais médicos estrangeiros, sem necessidade de firmar qualquer outro instrumento aditivo, seja com Governo Cubano e seus órgãos, seja com OPAS. Narram os autores terem aderido ao “Programa Mais Médicos para o Brasil”, em meados do ano de 2013, sendo designadas para exercer suas atividades na Comarca de Tietê/SP, pelo período de três anos. Contudo, apesar de a Lei nº 13.333, de 12 de setembro de 2016, ter prorrogado a revalidação dos diplomas de médicos intercambistas para fins de renovação à adesão ao “Programa Mais Médicos para o Brasil”, tal oportunidade não foi dada aos médicos cubanos. Sustentam que sua situação deveria se equiparar a dos médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para o exercício da medicina no exterior, nos termos do art.13, § 1º, II, da Lei nº 12.871/2013, vez que o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº.13.333/2016 prorrogou seus vistos de permanência no Brasil. Afirmam que os médicos cubanos não tiveram a oportunidade de solicitar a renovação de seu contrato de adesão ao “Programa Mais Médicos para o Brasil” junto ao sítio eletrônico oficial do próprio Ministério da Saúde, que se deu no mês de julho de 2016, razão pela qual “a causa de pedir está no tratamento desigual e anti-isonômico concedido aos médicos de nacionalidade cubana pela UNIÃO quando não permitiu que estes solicitassem a renovação de seus contratos através do site do Ministério da Saúde no mês de julho do ano de 2016, obrigando a renovação de seus contratos exclusivamente mediante a interferência do Governo de CUBA e da OPAS”. O pedido de liminar foi parcialmente deferido, "apenas para assegurar aos autores a renovação do contrato de trabalho no 'Programa Mais Médicos para o Brasil', nas mesmas condições impostas aos demais médicos nacionais e estrangeiros inscritos no programa, sem necessidade de firmar qualquer outro instrumento aditivo, seja com o Governo Cubano e seus órgãos, seja com a OPAS." Citada, a União contestou o feito. Alegou ser necessária a observância da Lei nº 12.871/2013, bem como a temporalidade da cooperação internacional e a restrição de vagas para médicos com perfil prioritário, vez que “não pode ser o Projeto Mais Médicos um instrumento de inserção de estrangeiros no Brasil, e mais ainda, um instrumento de retirada dos nacionais de seus países.” Instados a se manifestarem, em réplica, acerca da imunidade de jurisdição da Organização Panamericana de Saúde - OPAS alegada pela União Federal, os autores deixaram transcorrer o prazo in albis. O Juízo de origem excluiu a Organização Panamericana de Saúde - OPAS da lide, com fundamento no art. 485, VI, do Código de Processo Civil. A União ingressou petição nos autos para noticiar o cumprimento da decisão que concedeu a antecipação da tutela. A sentença julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. Honorários advocatícios fixados em 20% do valor atribuído à causa, nos termos do artigo 85, § 2º e § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC, por serem os autores beneficiários da assistência judiciária. Em apelação, os autores pleitearam a procedência do pedido. Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001190-98.2017.4.03.6109 RELATOR: Gab. 20 - DES. FED. MAIRAN MAIA APELANTE: KAREL MARTINEZ PALOMINO, KATISLEIDYS RODRIGUEZ BENAVIDES Advogado do(a) APELANTE: LEONARDO KURTZ VON END BIANO - SP351203-A APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Pretende-se nesta via recursal a reforma da sentença de improcedência dos pedidos formulados na inicial. Sustentam os apelantes que houve tratamento desigual entre os médicos cubanos e os de outras nacionalidades no Programa Mais Médicos; defendem a inaplicabilidade do Pacto de Bogotá, sob o fundamento que não se está questionando ato de governo estrangeiro; alegam que os pedidos não têm relação com o orçamento da União; por fim, requerem que os pagamentos feitos aos autores sejam promovidos sem a atuação da figura do intermediário. A sentença assim decidiu sobre a matéria: "Inicialmente observo que a parte autora foi integrada ao “Programa Mais Médicos para o Brasil”, instituído pela Lei nº.12.871/2013, em razão de acordo bilateral entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, tendo vista que os autores são de nacionalidade cubana. De acordo com a Lei nº. 12.871/2013, “A coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil ficará a cargo dos Ministérios da Educação e da Saúde, que disciplinarão, por meio de ato conjunto dos Ministros de Estado da Educação e da Saúde, a forma de participação das instituições públicas de educação superior e as regras de funcionamento do Projeto, incluindo a carga horária, as hipóteses de afastamento e os recessos” (Art. 13, §3º). Logo, deve a União fazer parte da lide, pelo que presente sua legitimidade passiva ad causam. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) é a organização responsável pelo provimento de parte dos profissionais que atuam no “Programa Mais Médicos para o Brasil”, mediante convênio nos termos do art.26, da Lei nº.12.871/2013, in verbis: Art. 23. Para execução das ações previstas nesta Lei, os Ministérios da Educação e da Saúde poderão firmar acordos e outros instrumentos de cooperação com organismos internacionais, instituições de educação superior nacionais e estrangeiras, órgãos e entidades da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consórcios públicos e entidades privadas, inclusive com transferência de recursos. Em que pese a tese da parte autora de haver tratamento anti-isonômico, discriminatório e ofensa às regras trabalhistas, colocando os médicos cubanos em desvantagem em relação aos demais médicos intercambistas de outras nacionalidades, diante dos elementos apresentados pela União Federal em seu recurso de ID 2231839 tenho por rigor rever a decisão anterior, vez que não se trata de violação às regras trabalhistas ou discriminação, mas de convênio firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, tendo, por interveniente, organismo internacional destinado à seleção de pessoal (OPAS/OMS). De fato, não há falar em tratamento discriminatório ou anti-isonômico entre médicos cubanos e os demais intercambistas, pois nenhum dos médicos estrangeiros(dentre eles os cubanos) estão equiparados aos médicos brasileiros em preferência na seleção e ocupação de vagas no “Programa Mais Médicos para o Brasil”, conforme se observa do §1º, do art.13, da Lei nº.12.871/2016, in verbis: § 1º A seleção e a ocupação das vagas ofertadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil observarão a seguinte ordem de prioridade: I - médicos formados em instituições de educação superior brasileiras ou com diploma revalidado no País, inclusive os aposentados; II - médicos brasileiros formados em instituições estrangeiras com habilitação para exercício da Medicina no exterior; e III - médicos estrangeiros com habilitação para exercício da Medicina no exterior. Com efeito, a seleção e inserção dos médicos cubanos em relação aos demais estrangeiros foram feitas de forma diferente, vez que enquanto os estrangeiros não cubanos ingressaram de forma autônoma no “Programa Mais Médicos para o Brasil”, os profissionais cubanos foram incluídos através de acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, em âmbito de cooperação internacional, sendo certo que o acordo firmado entre eles deve ser respeitado, sob pena de gerar riscos indevidos no campo político e diplomático, além de colocar em rota de colisão interesses manifestados por Estados no exercício de sua Soberania, pois em tais relações vige o Princípio da Independência Nacional e da Não-intervenção, conforme se colhe do Pacto de Bogotá, em seu art.19: "Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro"), não cabendo, portanto, ao Poder Judiciário brasileiro intervir nas relações entre Cuba e seus cidadãos. Também não há que se falar que os médicos cubanos que trabalham ou trabalharam no “Programa Mais Médicos para o Brasil” devam ser amparados pelas leis e regras trabalhistas brasileiras, pois são eles funcionários do governo cubano prestando serviço no Brasil, sendo afastada a qualidade de empregado a todo o profissional que venha a desempenhar atividades no referido programa, conforme advertência expressa no art.17 da Lei nº.12.871/2013: “As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza”, razões essas que conduzem à conclusão que inexiste violação a direito trabalhista sob as regras e leis brasileiras e se há algum direito trabalhista a ser perseguido, este deve ser buscado fora da jurisdição brasileira, pois tratar-se-ia de demanda entre funcionários do governo de cuba com o governo de seu país. Ademais, há que se considerar a questão orçamentária do Governo Brasileiro, vez que o acordo bilateral entre países decorre de previsão de gastos a serem solvidos pela República Federativa do Brasil, assim, se referido acordo não foi renovado, pressupõe-se que o Governo Federal tomou tal decisão no âmbito da Lei Complementar nº.101/2000, com vistas ao equilíbrio orçamentário entre despesas e receitas. Assim, não há como eximir a parte autora de se sujeitar às regras do aludido acordo firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, a fim de permitir sua permanência no “Programa Mais Médicos para o Brasil”. Há que se destacar, de início, não existir vínculo empregatício entre os autores e a União Federal. Em verdade, as relações existentes ocorrem, de um lado, entre a OPAS/OMS e o Governo Brasileiro; de outro, entre os autores e a OPAS/OMS e o Governo de Cuba. A corroborar essa afirmação, verifica-se que a seleção daqueles que vêm para o programa é feita pela OPAS e pelo Governo Cubano, não havendo qualquer ingerência do Governo Brasileiro. Outro ponto importante é que os autores vieram ao Brasil por meio de acordo de cooperação internacional que trata de médicos intercambistas, para desenvolverem, por tempo certo e preestabelecido, atividades de pesquisa, ensino e extensão, razão pela qual lhes foi dispensada a apresentação do diploma validado pelos órgãos competentes no Brasil. Não se trata de trabalho médico. Cuida-se de acordo de natureza diplomática que não admite a interferência do Poder Judiciário no que diz respeito ao mérito da questão, haja vista que do ponto de vista legal não se vislumbra qualquer desrespeito à ordem jurídica pátria. Nesse diapasão, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal: "RE no RECURSO ORDINÁRIO Nº 213 - DF (2019/0024798-0) [...] É o relatório. O recurso extraordinário não comporta admissão. (RE no RECURSO ORDINÁRIO Nº 213 - DF (2019/0024798-0) DECISÃO - Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – Publicada em 11/03/2020) No que se refere às alegadas condições diferenciadas em relação à atuação dos autores em comparação com a de outros intercambistas, não cubanos, esta certamente se dá em razão dos termos e dos moldes em que foi firmado o acordo de cooperação internacional, o qual reflete a vontade política de ambas as partes e não pode ser modificado unilateralmente pelo Governo Brasileiro, sob pena de, ao contrário do que se alega, caracterizar a interferência de que cuida o art. 19 do Pacto de Bogotá, que assim estabelece: "Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro." Do contrário, o Brasil estaria interferindo na sistemática adotada pelo Governo Cubano para participar do Programa Mais Médicos, no que se refere aos seus nacionais. Os critérios foram previamente estabelecidos e aceitos pelas partes voluntariamente, não se afigurando possível, agora, questionar a sua validade, até porque, do ponto de vista legal brasileiro, como dito, irregularidade alguma há no acordo de cooperação firmado. A respeito das questões levantadas pelos apelantes, destaca-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MÉDICOS INTERCAMBISTAS. LEIS 12.871/2013 E 13.333/2016. CONTRATOS INDIVIDUAIS. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA. DESCABIMENTO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO INTERNO DOS ESTRANGEIROS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Inicialmente, é importante ressaltar que o presente Recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3 do STJ, segundo o qual, aos recursos interpostos com fundamento no Código Fux (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo Código. 2. A contratação de médicos cubanos no âmbito do programa federal instituído pela Lei 12.871/2013 é efetivada com a intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS/ONU), conforme acordos internacionais celebrados e mantidos entre os Chefes de Estado do Brasil e de Cuba com o mencionado organismo internacional. 3. É sabido que o controle judicial no campo político e diplomático é restrito, não cabendo ao Poder Judiciário intervir em ato discricionário da administração pública, salvo na hipótese de flagrante violação dos princípios da legalidade e da isonomia, circunstâncias que não se vislumbram no caso. Sobre o tema, é importante notar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.035/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO MELLO, Relator p/ acórdão Min.ALEXANDRE DE MORAES, reconheceu a constitucionalidade da Medida Provisória 621/2013, convertida na Lei 12.871/2013. 4. Relativamente aos critérios de renovação dos contratos, os dispositivos das Leis 12.871/2013 e 13.333/2016 são claros e objetivos no sentido de que, após o término do prazo estipulado na legislação de regência, o profissional que deseja continuar trabalhando como médico no Brasil deverá providenciar a revalidação de seu diploma de graduação no País. 5. A legislação de regência do Programa Mais Médicos expôs, de maneira clara, os critérios para adesão e participação na ação governamental, não sendo viável ao Poder Judiciário sindicá-los no juízo meritório de conveniência e oportunidade - substituindo, ao mesmo tempo, o papel dos Poderes Legislativo e Executivo na condução das relações diplomáticas brasileiras. 6. Tampouco é possível a análise detida dos fatores de descrímen para as especificidades do regime de contratação dos médicos cubanos - que parecem, em um juízo de cognição sumário, ser orientados justamente pela soberania do Estado Brasileiro na esfera diplomática. Desta forma, seria no mínimo temerário concluir, de antemão, pela existência de violação do princípio da isonomia. Assim já decidiu, a propósito, a Segunda Turma desta Corte Superior: Ag 1.433.756/DF, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 9.4.2018. 7. A plausibilidade do direito invocado não se mostra evidente para ensejar a antecipação de tutela pretendida, considerando sobretudo o fato de o Governo de Cuba ter anunciado, no dia 14.11.2018, o fim de sua participação no programa Mais Médicos no Brasil, comunicando a decisão à Diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam a iniciativa. 8. Agravo Interno dos Estrangeiros a que se nega provimento." (AgInt no Ag 1433738/ES AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2017/0034052-7 – Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO - PRIMEIRA TURMA – Julgado em 18/11/2019 – Publicado no DJe 26/11/2019) "PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO PROFERIDA POR JUIZ FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO. ART. 1.027, II, "B", DO CPC/2015. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR O AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO. MÉDICOS INTERCAMBISTAS. LEIS N. 12.871/2013 E N. 13.333/2016. CONTRATOS INDIVIDUAIS. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA. DESCABIMENTO. DELIBERAÇÃO DA COORDENADORIA DO PROGRAMA "MAIS MÉDICOS" DO BRASIL. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE RAZÕES DO ALEGADO DISCRÍMEN. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. DESCABIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 1. O art. 109, II e III, da Constituição Federal, consigna que compete ao juiz federal processar e julgar, em primeiro grau, as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e município ou pessoa domiciliada ou residente no país, devendo o recurso ordinário interposto nessa causa ser dirigido diretamente ao STJ. 2. Nos termos do disposto pelo art. 1.027, II, "b", do Código de Processo Civil de 2015, compete ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento de agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória, proferida por juiz federal de primeira instância, em processo em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, município ou pessoa residente ou domiciliada no País. 3. A Lei n. 12.871/2013 dispensou a revalidação do diploma e previu a concessão de visto temporário ao médico intercambista durante os três primeiros anos de participação no programa e a Lei n. 13.333/2016 prorrogou por 3 (três) anos o prazo de dispensa da revalidação do diploma e do visto temporário, mas nada dispôs sobre a renovação automática dos contratos individuais. 4. Os critérios estabelecidos na legislação de regência acima citada são claros e objetivos, sendo certo, ainda, competir à Coordenadoria do Programa "Mais Médicos" do Brasil a deliberação sobre a continuidade ou não dos profissionais no desempenho de suas atividades no território nacional, resolvendo-se a questão pela conveniência e oportunidade da Administração Pública. 5. Ainda que se houvesse de invocar a teoria dos motivos determinantes, como bem ressaltado pela decisão de primeiro grau, no caso em exame sequer "está claro nos autos a razão pela qual não fora oportunizada aos médicos cubanos a possibilidade de renovação do vínculo ao Programa Mais Médicos" e, dessa forma, ainda nem é possível antever as razões do suposto discrímen, motivo pelo qual "seria temerário presumir em juízo de cognição sumária a ofensa ao princípio da isonomia, não havendo, portanto, substrato para que o Judiciário controle a legitimidade do ato". 6. Agravo de instrumento não provido." (Ag 1433756/DF AGRAVO DE INSTRUMENTO 2017/0049977-4 – Ministro OG FERNANDES - SEGUNDA TURMA – Julgado em 03/04/2018 – Publicado no DJe 09/04/2018 RSTJ vol. 250 p. 271) Quanto à questão orçamentária, merece destaque trecho da sentença, que tratou da matéria de forma clara e objetiva, observado o entendimento jurisprudencial a respeito do assunto, cuja fundamentação integra minhas razões de decidir: "Ademais, há que se considerar a questão orçamentária do Governo Brasileiro, vez que o acordo bilateral entre países decorre de previsão de gastos a serem solvidos pela República Federativa do Brasil, assim, se referido acordo não foi renovado, pressupõe-se que o Governo Federal tomou tal decisão no âmbito da Lei Complementar nº.101/2000, com vistas ao equilíbrio orçamentário entre despesas e receitas. Nesse mesmo sentido: "AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.433.933 - DF (2017/0331161-9) RELATORA: MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES AGRAVANTE: OSCAR IZAGUIRRE RODRIGUEZ ADVOGADOS: ANDRE DE SANTANA CORREA - DF025610 DIEGO BACELAR LIPARIZI - DF033397 AGRAVADO: UNIÃO AGRAVADO: REPÚBLICA DE CUBA AGRAVADO: ORGANIZAÇÃO PAN - AMERICANA DE SAÚDE - OPAS DECISÃO Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por OSCAR IZAGUIRRE RODRIGUEZ, em 15/12/2017, com fulcro nos artigos 1.015, I, 1.019, I e 1.027 do CPC, contra decisão da Juíza da 17ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, em sede de Ação Ordinária, indeferiu o pedido de tutela de urgência, sob os seguintes fundamentos: "Neste juízo de cognição sumária, não vislumbro a existência do fumus bom juris. Isso porque, ao que tudo indica, as condições de trabalho a que o autor está submetido, bem como a forma de sua contraprestação, foi ajustada em acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, bem como por intermédio de contrato de trabalho firmado entre cada um dos autores e La Sociedad mercantil cubana comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S.A., os quais, em princípio, não podem ser analisados somente à luz da legislação interna. Com efeito, nos termos do art. 4" da CF/88, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da independência nacional e da não-intervenção, não cabendo ao Poder Judiciário brasileiro intervir nas relações entre Cuba e seus cidadãos, contrariando as condições estabelecidas em um acordo firmado entre Brasil e Cuba, sob pena de se gerar responsabilização internacional do Estado brasileiro. Ressalte-se, ainda, o reconhecimento de incompatibilidade do acordo firmado entre os Governos cubano e brasileiro e a Constituição brasileira poderia ensejar a invalidação do ajuste, o que redundaria na invalidez da própria adesão do autor ao Programa, o que não lhe garantiria o direito de permanecer no País. Ante o exposto, INDEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA"(fls. 17/18e). O agravante aduz, inicialmente que a relação firmada entre os médicos cubanos, os gestores do"Programa Mais Médicos"- OPAS e os Governos Brasileiro e Cubano consiste em"simples locação de mão de obra"(fl. 4e), nos termos dos artigos 1º, III, V, VI, 2º, III e 14 da Lei 12.871/2013. Afirma que desconhecia a real extensão do programa aderido, o qual consistiu, na verdade, em" exploração de mão-de-obra a baixo custo "(fl. 6e), pois a remuneração seria muito inferior àquela recebida por médicos intercambistas de outras nacionalidades. Aponta ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Postula tutela de urgência, para que:" (...) seja declarada a inexistência de relação jurídica válida que submeta a parte Autora, ora Agravante, aos termos do arranjo jurídico celebrado entre a União Federal e a Opas para beneficiar o Governo de Cuba, (...) permitindo sua permanência no referido projeto, nas mesmas condições que os demais médicos estrangeiros, sem necessidade de firmar qualquer outro instrumento aditivo "(...); Seja assegurado, até decisão final de mérito, a mantença da parte Autora, ora Agravante, no 'Programa Mais Médicos para o Brasil', nas mesmas condições, ou seja, atendendo à mesma comunidade com as mesmas condições de trabalho dos demais médicos aderentes ao projeto, sejam nacionais ou estrangeiros, garantindo o recebimento do valor total da chamada bolsa formação, ou seja, R$ 10.482,93 (dez mil, quatrocentos e oitenta e dois reais e noventa e três centavos), valor idêntico ao que recebem os demais médicos estrangeiros" (fls. 11/12e). A irresignação não merece acolhimento. Nos termos do art. 288, § 2º, do RISTJ, o relator está autorizado a apreciar, monocraticamente, a liminar e a própria tutela de urgência. A concessão de tutela provisória de urgência, na nova ordem processual, encontra-se regulada no art. 300 do CPC/2015: "Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão. No caso em exame, resta inequívoca a ausência dos requisitos previstos no art. 300, caput, do Código de Processo Civil. Com efeito, a concessão de tutela de urgência pressupõe a demonstração do periculum in mora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional, sob pena de sua ineficácia, se deferida a medida apenas a final, bem como do fumus boni iuris, consistente na plausibilidade jurídica do direito alegado. Não se verifica, no caso, a presença dos requisitos autorizadores para a concessão da medida pretendida, eis que não restaram evidenciados, de forma concreta, o alegado fumus boni iuris, diante dos fundamentos expendidos na decisão recorrida, nem tampouco o periculum in mora, mormente ante a inviabilidade de se suspender ou invalidar o pacto firmado em sede de cognição sumária, o qual tem respaldo em lei e em contrato de ampla divulgação e sem previsão de prorrogação automática. Além disso, não restou demonstrado qualquer perigo na demora da análise final da ação ordinária. No mesmo sentido: Ag 1.433.756/DF, Relator o Ministro Og Fernandes, DJe de 22/11/2017; Ag 1433903, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 02/02/2018 e Ag 1433921/SP, Relatora a Ministra Regina Helena Costa, DJe de 24/11/2017. Desse modo, ao menos em uma análise perfunctória, não vislumbro a presença dos requisitos autorizadores da medida antecipatória, sem prejuízo de futuro reexame da matéria. Ante o exposto, ausente, em princípio, o fumus boni iuris e o periculum in mora, com fundamento no art. 288, § 2º, do RISTJ, indefiro, pois, o pedido de medida antecipatória, sem prejuízo de melhor exame da controvérsia quando do julgamento do recurso. Vista aos agravados, nos termos do art. 1.019, II, do CPC. I." (STJ - Ag: 1433933 DF 2017/0331161-9, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES. DJ: 02/04/2018). Insta assinalar que "reveste-se de plena legitimidade jurídico-constitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação ‘per relationem', que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República." A remissão feita pelo magistrado - referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) - constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir" (AI 825.520 AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma). No mesmo sentido: AgInt no AREsp nº 919.356, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe: 27/02/2018; AgInt no REsp 1.624.685/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 16/12/2016; AgInt no AREsp 1178297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, 07/08/2018, DJe 13/08/2018. Dessarte, de rigor, a manutenção da sentença. Honorários recursais fixados em 1% sobre o valor da causa (art. 85, § 11, do CPC), observados os benefícios da gratuidade da justiça. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
DECISÃO
Extrai-se dos autos que o acórdão recorrido negou provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança à seguinte fundamentação (fls. 307/315):
O recorrente visa prorrogar sua participação no Programa Mais Médicos para o Brasil ao alegar que possui direito a um tratamento igual aos demais médicos também integrantes nesse programa social.
De fato, o recorrente indica que a contratação de médicos estrangeiros deve ser realizada à luz da cooperação técnica entre instituições com base em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei n. 12.871/2013. A rigor, não há disposições constitucionais determinando a contratação de estrangeiros pelo Poder Público no âmbito da saúde pública. Ademais, tem-se que o termo cooperação em atos administrativos deve ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações internacionais. Assim, o termo "cooperação" não pode se restringir às especificidades do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta significado muito maior, trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma expressa do art. 4º, IX, da CF/1988. Confira-se:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
[...] IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
Não se desconhece que a República Federativa do Brasil possui, como fundamentos, a dignidade da pessoa humana e os valores do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF/1988). Porém, não é possível reconhecer desrespeito a esses princípios (postulados) no caso dos autos.
De fato, cabe ao Poder Público zelar para que todos os indivíduos, nacionais ou estrangeiros, sejam tratados como pessoas titular de seus direitos fundamentais. Como salientado por Bernardo Fernandez, cabe destacar as concepções de que o ser humano: I) não pode ser instrumentalizado; II) deve ter o direito de fazer suas escolhas essenciais de vida; e III) deve ter condições materiais básicas para vida (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 11ª Edição. Salvador: JusPODIVM, 2019. p. 339).
Ademais, tem-se que "o valor social do trabalho impõe a abstenção do Estado no que concerne à concessão de privilégios econômicos a uma pessoa ou grupo." (FERNANDES, Op. cit. p. 340).
Porém, não se observa desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana ou do valor social do trabalho. Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais, que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado.
O valor da remuneração líquida do médico cooperado não denota violação do princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente aderiu espontaneamente aos termos previstos junto à OPAS.
Cabe ressaltar que o Brasil é um Estado Democrático soberano nos termos do art. 1º, I, da CF/1988. Isso quer dizer que possui capacidade de editar suas próprias normas, sua própria ordem jurídica, de tal modo que qualquer regra heterônoma só possa valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição (MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 34ª Edição. São Paulo: Atlas.
p. 18). Nesses termos, as deliberações políticas e legislativas do Estado Brasileiro devem ser observadas na formulação e manutenção de políticas públicas inclusive no âmbito da saúde pública.
No caso dos autos, a Lei n. 12.871/2013 criou o "Programa Mais Médicos" com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde. Sem ignorar os desafios presentes na saúde pública brasileira, cabe ressaltar que o art. 13 e seguintes da Lei n. 12.871/2013 instituiram o "Projeto Mais Médicos para o Brasil", no qual foi possibilitada a contratação de médicos estrangeiros.
Entre as disposições pertinentes ao "Projeto Mais Médicos para o Brasil", a inexistência de direito adquirido para os médicos estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública foi expressamente prevista. A propósito, os arts. 17 e 18, § 3º, ambos da Lei n. 12.871/2013, que assim dispõem:
Art. 17. As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza.
Art. 18. O médico intercambista estrangeiro inscrito no Projeto Mais Médicos para o Brasil fará jus ao visto temporário de aperfeiçoamento médico pelo prazo de 3 (três) anos, prorrogável por igual período em razão do disposto no § 1º do art. 14, mediante declaração da coordenação do Projeto.
[...] § 3º É vedada a transformação do visto temporário previsto neste artigo em permanente.
Assim, o recorrente não pode visar a sua permanência no "Projeto Mais Médicos para o Brasil" a partir da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social.
O princípio da isonomia não foi maculado em face de novo Edital impedindo a admissão do ora recorrente, pois cabe ao Poder Executivo suprir as vagas na ordem de preferência estabelecida no art. 13, § 1º, da Lei n. 12.871/2013. O recorrente não se encontra em igualdade com outros médicos estrangeiros cuja contratação pode se realizar pessoalmente, sem a intervenção de uma organização internacional.
O art. 13, § 3º, da Lei n. 12.871/2013 confirma a discricionariedade da coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (exercida pelos Ministérios da Educação e da Saúde) para o funcionamento desse programa social. A esse respeito, não cabe ao Judiciário intervir no juízo de discricionariedade, salvo para a defesa dos parâmetros da legalidade. Nesse sentido, mutatis mutandis:
(...)
Conforme a fundamentação exposta, não houve evidência de violação de normas e princípios constitucionais e legais. Afinal, cabe a coordenação dispor da melhor forma os critérios para o funcionamento do programa social. Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal (e-STJ fls. 233/235):
7. Ao contrário dos médicos brasileiros e médicos estrangeiros de outras nacionalidades, as condições de trabalho a que os médicos cubanos participantes do programa mais médicos estão submetidos, bem como a forma de sua contraprestação, não foram ajustadas e contratadas diretamente com a União, mas sim por meio de acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, bem como por intermédio de contrato de trabalho firmado entre cada um dos autores e La Sociedad mercantil cubana comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S.A., o que afasta a alegação de quebra de isonomia, haja vista não tratar-se de situações idênticas.
[...] 8. Com efeito, nos termos do art. 4º da CF/88, a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da independência nacional e da não-intervenção, não cabendo ao Poder Judiciário brasileiro intervir nas relações entre Cuba e seus cidadãos, contrariando as condições estabelecidas em um acordo firmado entre Brasil e Cuba, sob pena de se gerar responsabilização internacional do Estado brasileiro.
9. Acertada a decisão combatida, também, no que se refere à impossibilidade de intervenção judicial sob pena de violação à Separação dos Poderes. Ocorre que somente se admite a intervenção do Judiciário na discricionariedade da Administração na condução de políticas públicas e programas de governo em casos excepcionais, e para resguardar o interesse social, senão vejamos:
[...] In casu, não se verifica nem o caráter de excepcionalidade nem o interesse social, haja vista tratar-se apenas do interesse pessoal do autor ora recorrente.
Da leitura das razões do apelo extremo, verifica-se que não foram impugnados todos os fundamentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça para negar provimento ao recurso ordinário, que concluiu, em suma, pela inexistência de direito adquirido para os médicos estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública, dado o disposto nos arts. 17 e 18, § 3º, ambos da Lei n. 12.871/2013; pelo não cabimento de intervenção pelo Poder Judiciário no juízo de discricionariedade do Poder Executivo, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes; e pela aplicação nas relações internacionais do princípio da independência nacional e da não-intervenção.
Dessarte, não há como deixar de aplicar ao caso a Súmula 283/STF, que dispõe que "é inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."
A propósito, cumpre trazer à baila os seguintes acórdãos do Pretório Excelso:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS FUNDAMENTOS EM QUE SE ASSENTOU O ATO DECISÓRIO QUESTIONADO - SUBSISTÊNCIA AUTÔNOMA DA DECISÃO - SÚMULA 283/STF - SUCUMBÊNCIA RECURSAL - (CPC, ART. 85, § 11) - NÃO DECRETAÇÃO, NO CASO, ANTE A AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA NA ORIGEM - AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. - Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em vários fundamentos, impõe-se, ao recorrente, o dever de impugnar todos eles, de maneira necessariamente abrangente, sob pena de, em não o fazendo, sofrer a consequência processual da inadmissibilidade do recurso extraordinário (Súmula 283/STF), eis que a existência de fundamento inatacado revela-se apta a conferir, à decisão recorrida, condições suficientes para subsistir autonomamente.
(RE 1216430 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 20/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2020 PUBLIC 03-02-2020) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE UM DOS FUNDAMENTOS SUFICIENTES DO ACÓRDÃO RECORRIDO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - É deficiente a fundamentação do recurso extraordinário cujas razões não atacam todos os fundamentos suficientes do acórdão recorrido.
Incidência da Súmula 283/STF. II- Agravo a que se nega seguimento.
(ARE 1223742 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 12-02-2020 PUBLIC 13-02-2020) Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, V, do Código de Processo Civil, não admito o recurso extraordinário."
E M E N T A
ADMINISTRATIVO. PROGRAMA MAIS MÉDICOS. LEIS 12.871/2013 E 13.333/2016. MÉDICOS INTERCAMBISTAS. CONTRATOS INDIVIDUAIS. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA. DESCABIMENTO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Ação proposta visando à declaração a nulidade de relação jurídica válida dos autores, médicos cubanos, referente aos termos do negócio jurídico celebrado entre a União Federal, a OPAS e o Governo de CUBA, por meio do qual houve sua adesão ao “Programa Mais Médicos para o Brasil”, assegurando a permanência no referido projeto, nas mesmas condições que os demais médicos nacionais e estrangeiros, sem necessidade de firmar qualquer outro instrumento aditivo, seja com o Governo Cubano e seus órgãos, respeitando-se o princípio de Isonomia.
2. A contratação de médicos cubanos no âmbito do programa federal instituído pela Lei 12.871/2013 é efetivada com a intermediação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS/ONU), conforme acordos internacionais celebrados e mantidos entre os Chefes de Estado do Brasil e de Cuba, bem assim com o mencionado organismo internacional.
3. É sabido que o controle judicial no campo político e diplomático é restrito, não cabendo ao Poder Judiciário intervir em ato discricionário da administração pública, salvo na hipótese de flagrante violação dos princípios da legalidade e da isonomia, circunstâncias que não se vislumbram no caso. Sobre o tema, é importante notar que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 5.035/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Mello, Relator p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, reconheceu a constitucionalidade da Medida Provisória 621/2013, convertida na Lei 12.871/2013.
4. Relativamente aos critérios de renovação dos contratos, os dispositivos das Leis 12.871/2013 e 13.333/2016 são claros e objetivos no sentido de que, após o término do prazo estipulado na legislação de regência, o profissional que deseja continuar trabalhando como médico no Brasil deverá providenciar a revalidação de seu diploma de graduação no País.
5. Não se há falar em tratamento anti-isonômico, discriminatório e ofensa às regras trabalhistas, mas de cumprimento de convênio firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, tendo por interveniente organismo internacional destinado à seleção de pessoal (OPAS/OMS). Ademais, os médicos estrangeiros (dentre eles os cubanos) não estão equiparados aos médicos brasileiros em preferência na seleção e ocupação de vagas no “Programa Mais Médicos para o Brasil”, conforme se observa do § 1º do art.13 da Lei nº.12.871/2016.
6. A seleção e inserção dos médicos cubanos em relação aos demais estrangeiros foram feitas de forma diferente, vez que, enquanto os estrangeiros não cubanos ingressaram de forma autônoma no “Programa Mais Médicos para o Brasil”, os profissionais cubanos foram incluídos por meio de acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, em âmbito de cooperação internacional, sendo certo que o acordo firmado entre eles deve ser respeitado, sob pena de gerar riscos indevidos no campo político e diplomático, além de colocar em rota de colisão interesses manifestados por Estados no exercício de sua Soberania, pois em tais relações vige o Princípio da Independência Nacional e da Não-intervenção, conforme se colhe do Pacto de Bogotá, em seu art.19: "Nenhum Estado ou grupo de Estados tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro"). Não cabe, portanto, ao Poder Judiciário brasileiro intervir nas relações entre Cuba e seus cidadãos.
7. Os médicos cubanos que trabalham ou trabalharam no “Programa Mais Médicos para o Brasil” não encontram amparo nas leis e regras trabalhistas brasileiras, pois são funcionários do governo cubano prestando serviço no Brasil, sendo afastada a qualidade de empregado a todo o profissional que venha a desempenhar atividades no referido programa, conforme advertência expressa no art. 17 da Lei nº 12.871/2013: “As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza”.
8. Ademais, há que se considerar a questão orçamentária do Governo Brasileiro, vez que o acordo bilateral entre países decorre de previsão de gastos a serem solvidos pela República Federativa do Brasil, assim, se referido acordo não foi renovado, pressupõe-se que o Governo Federal tomou tal decisão no âmbito da Lei Complementar nº 101/2000, com vistas ao equilíbrio orçamentário entre despesas e receitas.
9. Autores vieram ao Brasil por meio de acordo de cooperação internacional que trata de médicos intercambistas, para desenvolverem, por tempo certo e preestabelecido, atividades de pesquisa, ensino e extensão, dispensando-lhes a apresentação do diploma validado pelos órgãos competentes no Brasil. Não se trata de trabalho médico. Cuida-se de acordo de natureza diplomática que não admite a interferência do Poder Judiciário no que diz respeito ao mérito da questão, haja vista que do ponto de vista legal não se vislumbra qualquer desrespeito à ordem jurídica pátria.
10. Precedentes do C. STF e C. STJ.
11. Apelação não provida.