Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5033747-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: VOGEL SOLUCOES EM TELECOMUNICACOES E INFORMATICA S.A.

Advogado do(a) APELADO: ROSIRIS PAULA CERIZZE VOGAS - MG96702-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5033747-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: VOGEL SOLUCOES EM TELECOMUNICACOES E INFORMATICA S.A.

Advogado do(a) APELADO: JORGE VINICIUS SALATINO DE SOUZA - MG100323-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de remessa oficial e de apelação interposta pela União contra sentença que concedeu a segurança, a fim de reconhecer à impetrante os seguintes direitos: (i) apurar e recolher o IRPJ, em razão da adesão ao Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT, sem as limitações impostas pelos Decretos nºs 5/1991, 349/1991 e 10.854/2021; (ii) compensação dos valores indevidamente recolhidos a tal título nos últimos 05 (cinco) anos contados do ajuizamento da presente demanda, observado o art. 170-A do CTN e as disposições da Lei 11.457/2007. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009.

 

Em suas razões recursais, a União alega, em síntese, que:

(i) embora a redação original do caput do art. 1º da Lei 6.321/76 tenha estabelecido que a dedução do dobro dos gastos com o PAT recairia sobre o “lucro tributável”, as normas posteriores (arts. 5º e 6, I, da Lei 9.532, de 1997) inovaram o mundo jurídico e derrogaram a norma originária nesse ponto, estabelecendo que a dedução deve recair sobre o imposto devido;

(ii) Assim, o benefício fiscal objeto de controvérsia nestes autos (dedução dos gastos com o PAT) recai sobre “o imposto devido”, e não sobre o “lucro tributável”;

(iii) a partir da leitura conjunta dos arts. 1°, caput, e 2°, caput, da Lei n° 6.321, de 1976, que o Legislativo delegou ao Executivo a prerrogativa de regulamentar o benefício fiscal de dedução das despesas com o PAT, de forma a priorizar os trabalhadores de baixa renda;

(iv) É dizer, ao Executivo cabe delimitar o conceito de trabalhador de baixa renda, para fins de fruição da benesse fiscal, bem como limitar a fruição da benesse às despesas incorridas com esses trabalhadores, já que a lei é expressa ao determinar a priorização desses trabalhadores;

(v) Há, assim, autorização legislativa para que o Executivo possa, por meio de decreto, estabelecer regras que garantam o atendimento prioritário os trabalhadores mais vulneráveis, evitando, assim, que o programa se afaste de seu objetivo, que é melhorar as condições nutricionais dos trabalhadores de baixa renda;

(vi) Portanto, não há que se falar em ofensa ao princípio da legalidade, já que a atuação do Poder Executivo se deu dentro do espaço de conformação criado pelo Legislativo ao determinar a priorização dos trabalhadores de baixa renda.

 

Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

 

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo prosseguimento do feito sem sua intervenção.

 

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5033747-92.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

APELADO: VOGEL SOLUCOES EM TELECOMUNICACOES E INFORMATICA S.A.

Advogado do(a) APELADO: JORGE VINICIUS SALATINO DE SOUZA - MG100323-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

A sentença deve ser mantida.

 

A Lei 6.321/1976, que instituiu o PAT (Programa de Alimentação ao Trabalhador), estabelece em seu art. 1º que as pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de apuração do imposto sobre a renda, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base em programas de alimentação do trabalhador previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Previdência.

 

Portanto, a teor da disposição legal, a dedução realizada para fins de Imposto de Renda em relação ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) deve incidir sobre o lucro tributável, e não diretamente sobre o imposto de renda devido. Por outro lado, consoante observado na sentença, de acordo com disposição de natureza legal posterior, concernente ao disposto nos arts. 5º e 6º, I, ambos da Lei 9.532/1997, a limitação da dobra deve obedecer ao limite de 4% (quatro por cento) do imposto de renda devido:

 

Art. 5º A dedução do imposto de renda relativa aos incentivos fiscais previstos no art. 1º da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976, no art. 26 da Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, e no inciso I do art. 4º da Lei nº 8.661, de 1993, não poderá exceder, quando considerados isoladamente, a quatro por cento do imposto de renda devido, observado o disposto no § 4º do art. 3º da Lei nº 9.249, de 1995.

Art. 6º Observados os limites específicos de cada incentivo e o disposto no § 4º do art. 3º da Lei nº 9.249, de 1995, o total das deduções de que tratam:

I - o art. 1º da Lei nº 6.321, de 1976 e o inciso I do art. 4º da Lei nº 8.661, de 1993, não poderá exceder a quatro por cento do imposto de renda devido;

 

Estabelecidas as balizas legais, impende deixar assente que a restrição do referido benefício efetuada mediante normas infralegais por certo está eivada de ilegalidade, pois extrapola os limites estabelecidos em lei, de modo a violar o disposto no art. 99 do CTN, segundo o qual o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

 

No caso concreto, a controvérsia inclui a inovação trazida pelo Decreto 10.854/2021, que alterou a redação do art. 645, § 1º, do Decreto 9.580/2018, para limitar a aplicabilidade da dedução das despesas do PAT aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos (salvo nas hipóteses de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva), limitando-a também à parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo:

 

Art. 186.  O Decreto nº 9.580, de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 645.  ...

§ 1º  A dedução de que trata o art. 641:

I - será aplicável em relação aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos e poderá englobar todos os trabalhadores da empresa beneficiária, nas hipóteses de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva; e

II - deverá abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo.

 

A norma infralegal em apreço, a exemplo de outras anteriores da mesma natureza, culminou por extrapolar os limites legais. Isso porque a Lei 6.321/1976 determina em seu art. 2º apenas que os programas de alimentação a que se refere o art. 1º deverão conferir prioridade ao atendimento dos trabalhadores de baixa renda, não autorizando, entretanto, que os patamares salariais dos trabalhadores sejam utilizados como parâmetro para limitar a dedução das despesas mediante mero ato regulamentar.

 

Nesse sentido, o seguinte precedente desta Terceira Turma:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. TUTELA PROVISÓRIA. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR – PAT. DEDUÇÃO DO LUCRO TRIBUTÁVEL. DECRETO º 10.854/2021. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. PROBABILIDADE DO DIREITO. PERIGO NA DEMORA.

1.Embora fosse sempre desejável uma tutela exauriente e definitiva contemporânea à exordial, a realidade é que a instrução processual, a formação do convencimento e o exercício do contraditório demandam tempo. Quando esse tempo é incompatível com o caso concreto, tutelas de cognição sumária, posto que sofrem limitações quanto à profundidade, são necessárias.

2.No caso das tutelas provisórias de urgência , requerem-se, para sua concessão, elementos que evidenciem a probabilidade do direito, perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e a ausência de perigo de irreversibilidade da decisão.

3.O Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT, benefício fiscal previsto pela Lei nº 6.321/76, deve ser deduzido do lucro tributável, conforme disposto em seu artigo 1º.

4.O Decreto nº 10.854/2021, assim como os Decretos nos 78.676/76, 05/91, 3.000/99 e 9.580/2018, extrapolou sua função regulamentar, sem respaldo legal, ao impor limites à aplicação do benefício, desrespeitando, assim, os princípios da estrita legalidade e da hierarquia das leis.

5.Presente a probabilidade do direito alegado, acrescido do perigo da demora, consubstanciada no indevido recolhimento da exação, impondo a parte a morosa via do solve et repete.

6.Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5000272-15.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR, julgado em 15/07/2022, Intimação via sistema DATA: 22/07/2022)

 

Ainda que a atual redação do art. 1º da Lei 6.321/1976 inclua ao final a expressão na forma e de acordo com os limites dispostos no decreto que regulamenta esta Lei, o respectivo decreto não pode extrapolar os limites que lhe são inerentes, o que ocorreu também no caso do art. 186 do Decreto 10.854/2021.

 

Nesse sentido, vale destacar precedente da 6ª Turma deste Tribunal:

 

APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IRPJ. DESPESAS COM O PAT. LEI  6.321/76 E DECRETO 10.854/21. EXTRAPOLOU DO PODER REGULAMENTAR, INOVANDO NO ORDENAMENTO JURÍDICO AO IMPOR CONDIÇÕES NÃO PREVISTAS EM LEI. RECURSO E REEXAME DESPROVIDOS. 

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5001966-65.2022.4.03.6128, Rel. Desembargador Federal LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, julgado em 21/10/2022, Intimação via sistema DATA: 25/10/2022)

 

Dessa forma, deve prevalecer o incentivo fiscal concedido nos termos da Lei 6.321/1976, sem as alterações ilegais estabelecidas pelo Decreto 05/1991 e por quaisquer outros atos infralegais que restrinjam o benefício instituído em lei.

 

O contribuinte poderá realizar a compensação administrativa após o trânsito em julgado da ação (art. 170-A do CTN), com atualização dos valores mediante aplicação da taxa Selic (art. 39, § 4º, da Lei 9.250/1995) e observância do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996 e demais dispositivos vigentes na data da propositura da ação. Deve ser observada a prescrição quinquenal. É ressalvado ao contribuinte o direito de proceder a essa compensação em conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (REsp 1.137.738/SP – Tema 265 dos recursos repetitivos).

 

Em relação à correção monetária, pacífico é o entendimento segundo o qual se constitui mera atualização do capital, e visa restabelecer o poder aquisitivo da moeda, corroída pelos efeitos nocivos da inflação, de forma que os créditos do contribuinte devem ser atualizados monetariamente desde a data do recolhimento indevido (Súmula STJ 162) até a data da compensação, com a aplicação da taxa Selic, conforme consignado acima, afastada a aplicação de qualquer outro índice a título de juros e de correção monetária.

 

A análise e exigência da documentação necessária, bem como os critérios para a efetivação da compensação cabem ao Fisco, nos termos da legislação de regência, observando-se a revogação do parágrafo único do art. 26 da Lei 11.457/2007, pelo art. 8º da Lei 13.670 de 30 de maio de 2018, que também incluiu o art. 26-A da Lei 11.457/2007, elucidando a aplicabilidade do disposto no art. 74 da Lei 9.430/1996.

 

No caso concreto, a sentença foi proferida em conformidade com os entendimentos detalhados acima.

 

Em face do exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação da União.

 

É como voto.



E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO AO TRABALHADOR (PAT). LEI 6.321/1976. BENEFÍCIO FISCAL. RESTRIÇÃO MEDIANTE NORMAS DE NATUREZA INFRALEGAL (DECRETOS 05/1991, 349/1991 E ART. 186 DO DECRETO 10.854/2021). ILEGALIDADE. ART. 99 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.

1. A Lei 6.321/1976, que instituiu o PAT (Programa de Alimentação ao Trabalhador), estabelece em seu art. 1º que as pessoas jurídicas poderão deduzir do lucro tributável, para fins de apuração do imposto sobre a renda, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base em programas de alimentação do trabalhador previamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Previdência.

2. A teor da disposição legal, a dedução realizada para fins de Imposto de Renda em relação ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) deve incidir sobre o lucro tributável, e não diretamente sobre o imposto de renda devido. Por outro lado, consoante observado na sentença, de acordo com disposição de natureza legal posterior, concernente ao disposto nos arts. 5º e 6º, I, ambos da Lei 9.532/1997, a limitação da dobra deve obedecer ao limite de 4% (quatro por cento) do imposto de renda devido.

3. Estabelecidas as balizas legais, impende deixar assente que a restrição do referido benefício efetuada mediante normas infralegais por certo está eivada de ilegalidade, pois extrapola os limites estabelecidos em lei, de modo a violar o disposto no art. 99 do CTN, segundo o qual o conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.

4. A controvérsia inclui inovação trazida pelo Decreto 10.854/2021, que alterou a redação do art. 645, § 1º, do Decreto 9.580/2018, para limitar a aplicabilidade da dedução das despesas do PAT aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos (salvo nas hipóteses de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva), limitando-a também à parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo.

5. A norma infralegal em apreço, a exemplo de outras anteriores da mesma natureza, culminou por extrapolar os limites legais. Isso porque a Lei 6.321/1976 determina em seu art. 2º apenas que os programas de alimentação a que se refere o art. 1º deverão conferir prioridade ao atendimento dos trabalhadores de baixa renda, não autorizando, entretanto, que os patamares salariais dos trabalhadores sejam utilizados como parâmetro para limitar a dedução das despesas mediante mero ato regulamentar. Precedente da 3ª Turma do TRF3.

6. Ainda que a atual redação do art. 1º da Lei 6.321/1976 inclua ao final a expressão na forma e de acordo com os limites dispostos no decreto que regulamenta esta Lei, o respectivo decreto não pode extrapolar os limites que lhe são inerentes, o que ocorreu também no caso do art. 186 do Decreto 10.854/2021. Precedente da 6ª Turma do TRF3.

7. Deve prevalecer o incentivo fiscal concedido nos termos da Lei 6.321/1976, sem as alterações ilegais estabelecidas pelo Decreto 05/1991 e por quaisquer outros atos infralegais que restrinjam o benefício instituído em lei.

8. Remessa oficial e apelação da União improvidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.