Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5317642-75.2020.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS

APELANTE: NORMANDO LUCAS CORDEIRO

Advogados do(a) APELANTE: EDGARD PAGLIARANI SAMPAIO - SP135327-N, LUCAS FIORI CURTI - SP423957-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

R E L A T Ó R I O

 

 

O Desembargador Federal Jean Marcos (relator):

 

Trata-se de ação proposta por NORMANDO LUCAS CORDEIRO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com conversão de atividade especial e averbação de período rural.

 

Proferida sentença (ID 141409678) julgando parcialmenteprocedente o pedido formulado na petição inicial, condenando a autarquia ré a conceder ao autor a aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data da citação (pois o autor não possuía os 35 anos de contribuição na data do indeferimento administrativo fls. 118 - somente preencheu os requisitos posteriormente), sendo os valores pretéritos atualizados monetariamente com juros de mora calculados de acordo com a nova redação do artigo 1º-F da lei 9.494/97, que foi dada pela lei 11.960/09, e deixando de reconhecer os períodos alegados na inicial como especiais, pelos motivos mencionados. Tendo em vista a sucumbência recíproca, as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa, serão divididos igualmente entre as partes, atentando-se para a isenção de custas quanto à ré.

 

Opostos embargos de declaração pelo autor (ID 141409681), estes foram julgados procedentes, com efeitos infringentes, para que fossem alterados o último parágrafo da fundamentação e a parte dispositiva da sentença, que passam a conter o seguinte texto: “Assim, considerando os períodos de trabalho, conforme documento de fls. 170, e o não reconhecimento de períodos especiais para consequente aplicação do fator de conversão, o autor não possui o tempo suficiente para a concessão do benefício pleiteado. Diante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na petição inicial, pelos motivos acima mencionados, condenando o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa, ressalvado o disposto no artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil, por ser o autor beneficiário da assistência judiciária gratuita. P.R.I.C.”

 

Em sua apelação (ID 141409693), o autor pede a reforma da sentença para reconhecer a atividade especial exercida nos períodos de 01/08/1984 a 13/03/1986 e 17/03/1986 a 06/10/1997 e, que o INSS seja condenado a averbá-los para fins previdenciários convertendo os períodos de atividade especial em comum mediante o coeficiente de 1,4, e somando-se ao período incontroverso, com condenação do INSS à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com termo inicial a partir da DER (23/02/2015), bem como ao pagamento dos atrasados corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora contados da citação e, invertida a sucumbência, aos honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor das prestações em atraso, sem aplicação da Súmula 111 do STJ. Alternativamente, pede a reafirmação da DER.

 

Sem contrarrazões do INSS (ID 141409707), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

 

O recurso foi recebido apenas no efeito devolutivo, quanto à implantação do benefício, e em ambos os efeitos em relação ao pagamento das quantias atrasadas (ID 151034092).

 

Houve prolação de acórdão em que a 7ª Turma decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer a especialidade dos períodos de 17/03/1986 a 31/08/1989 e de 01/08/1992 a 31/03/1995, convertendo-os em comum, e para condenar o INSS à implantação do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data da citação, e aos honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), observando-se que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora serão fixados de acordo com o mesmo Manual, sendo que a partir da promulgação da EC nº 113/2021 haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

 

O autor opôs embargos de declaração contra o referido acórdão, a fim de que seja sanada omissão quanto ao direito do autor ao melhor benefício, com reafirmação da DER para a data da citação do INSS (21/10/2019), que é a mesma data do termo inicial dos efeitos financeiros.

 

Em seus embargos de declaração (ID 272335587), sustentou o INSS a omissão do julgado quanto aos parâmetros fixados pelo STJ no Tema 995 o tocante a impossibilidade de implementação dos requisitos entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação, eis que a reafirmação da DER foi em 16/12/2017, após a conclusão do processo administrativo e antes do ajuizamento da ação ocorrido. Desse modo, uma vez que o tempo de contribuição reconhecido pelas instâncias ordinárias não foi submetido à autarquia por meio de novo requerimento administrativo, faltaria ao autor interesse de agir. Ainda conforme o entendimento firmado no Tema 995, os juros de mora serão devidos somente se a autarquia previdenciária deixar de implantar o benefício reconhecido judicialmente, sobre o qual houve reafirmação da DER, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, contando-se os juros a partir daí. Por fim, como não houve resistência à pretensão quanto ao período trabalhado após a finalização do processo administrativo, não deveria haver condenação em verba honorária.

 

Sem contrarrazões.

 

Transcrevo a ementa do julgado recorrido (ID 269585494):

 

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. COMPROVAÇÃO EM PARTE. TEMPO SUFICIENTE. BENEFÍCIO DEVIDO. REAFIRMAÇÃO DA DER. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.

1 - Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.

2 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).

3 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais. Em outras palavras, até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de prova.

4 - Saliente-se, por oportuno, que a permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, guardando relação com a atividade desempenhada pelo trabalhador.

5 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.

6 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.

7 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.

8 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.

9 - Os períodos a serem analisados em função do recurso voluntário são de 01/08/1984 a 13/03/1986 e de 17/03/1986 a 06/10/1997.

10 - Quanto ao período de 01/08/1984 a 13/03/1986, laborado para “SEDAS SHOEI-BRATAC S.A.”, de acordo com a CTPS de ID 141409641 – Pág. 3, o autor ocupou o cargo de “engenheiro mecânico”, portanto, inviável o reconhecimento pretendido, uma vez que a atividade não encontra enquadramento nos Decretos que regem a matéria, bem como não há nos autos nenhum outro documento a fim de comprovar a especialidade desse período.

11 - Em relação ao período de 17/03/1986 a 06/10/1997, laborado para “COMPANHIA BRASILEIRA DE PETRÓLEO IPIRANGA”, de acordo com a CTPS de ID 141409641 – Pág. 3, o autor ocupou o cargo de “engenheiro”. O PPP de ID 141409647 – Pág. 42/43, menciona que as atribuições do autor nos períodos de 17/03/1986 a 31/08/1989 e de 01/08/1992 a 31/03/1995 são de “analisar óleo usado, combustíveis, atendimento à clientes, atendimento à força de vendas, serviço de filtragem, plano de lubrificação informatizado e treinamento”. Sendo assim, possível o reconhecimento da especialidade dos períodos de 17/03/1986 a 31/08/1989 e de 01/08/1992 a 31/03/1995.

12 - Conforme cópias da Reclamação Trabalhista ajuizada pelo autor, que correu perante a Segunda Vara do Trabalho de São José do Rio Preto/SP, houve o reconhecimento da existência de condições perigosas nas atividades desenvolvidas pelo requerente nos períodos acima reconhecidos, atestado por laudo técnico realizado por perito nomeado pelo Juízo (ID 141409647 – Pág. 17/20), sendo concedido o direito ao recebimento do adicional de periculosidade com anotação em CTPS. De acordo com o Expert, “o tempo de exposição aos agentes perigosos se dava durante as visitas às bases de São José do Rio Preto e aos clientes da rede, ou seja, em média 1 a 2 horas por visita”.

13 - Diretamente afeto ao caso em questão, os Decretos nº 53.831/64 (código 1.2.11 do quadro Anexo) e nº 83.080/79 (código 1.2.10 do Anexo I) elencam os hidrocarbonetos como agentes nocivos para fins de enquadramento da atividade como insalubre. Já os Decretos 2.172/97 e 3.048/99 estabelecem como agentes nocivos os derivados de petróleo (Anexos IV, itens 1.0.17). Além disso, também preveem os hidrocarbonetos alifáticos ou aromáticos são agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, permitindo, pois, o reconhecimento da condição especial do trabalho (Decreto nº 2.172/97, anexo II, item 13, e Decreto nº 3.048/99, anexo II, item XIII), independentemente do uso de EPI, devido à periculosidade do labor. Registro, ainda, que a comercialização de combustíveis consta do anexo V ao Decreto 3.048/99 (na redação dada pelo Decreto 6.957/2009) como atividade de risco, sob o código 4731-8/00, com alíquota 3 (máxima).

14 - À vista do conjunto probatório, possível o reconhecimento da especialidade nos períodos de 17/03/1986 a 31/08/1989 e de 01/08/1992 a 31/03/1995.

15 - Conforme planilha anexa, a soma do período de atividade especial reconhecido nesta demanda aos períodos incontroversos constantes do CNIS (ID 141409650), verifica-se que o autor contava, na data do requerimento administrativo (23/02/2015 – ID 141409647 – Pág. 57), com 34 anos, 4 meses e 10 dias, tempo insuficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, porque não preenche o tempo mínimo de contribuição de 35 anos.

16 - Na esteira da tese firmada pelo STJ no Tema Repetitivo nº 995, é possível a reafirmação da DER para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias.

17 - Observa-se que a parte autora continuou a desempenhar atividades laborativas, segundo extrato do CNIS (ID 141409650), sendo certo que em 16/12/2017 (DER reafirmada), contava com 35 anos de contribuição, o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). Vale dizer que restou demonstrado o direito adquirido do segurado à concessão do benefício pelas regras anteriores à EC nº 103/2019.

18 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação, momento em que consolidada a pretensão resistida, e que restaram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício vindicado.

19 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.

20 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

21 - A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

22 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente.

23 - Apelação da parte autora parcialmente provida.

 

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 


VOTO

 

O Desembargador Federal Jean Marcos (relator):

Consigno que os embargos de declaração têm por finalidade atacar um dos vícios apontados pelo artigo 1.022 do CPC (obscuridade, contradição ou omissão), e, em alguns casos excepcionais, em caráter infringente, para correção de erro material manifesto ou de nulidade insanável, pois que são apelos de integração, e não de substituição.

Ambos os embargos de declaração tratam do tema da reafirmação da DER. Enquanto o autor pede a alteração da data da reafirmação para o dia da citação do INSS, em homenagem ao seu direito ao melhor benefício, a autarquia sustenta falta de interesse de agir, já que a reafirmação da DER ocorreu entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação. Logo, esse período não teria sido submetido à autarquia por meio de novo requerimento administrativo. Pelo mesmo motivo, não seriam devidos honorários advocatícios ou juros de mora.

Computando-se os períodos de atividades especiais reconhecidos administrativa e judicialmente convertidos em tempo de serviço comum, acrescidos dos períodos constantes do CNIS, até a data do requerimento administrativo, verifica-se que a parte autora não possuía o tempo necessário para concessão do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição integral.

 

Em razão disso, o acórdão embargado determinou a utilização do período laborado posteriormente ao requerimento administrativo, nos termos da recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos Recursos Especiais n. 1.727.062/SP, 1.727.069/SP e 1.727.064/SP, afetados como representativos de controvérsia, uniformizando o entendimento da matéria relativa à reafirmação da DER, no Tema Repetitivo n. 995. Firmou-se a tese seguinte:

 

É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.

 

Quanto ao marco inicial da reafirmação da DER, entendo que vale a data do implemento dos requisitos, que pode ocorrer na pendência ou após a finalização do processo administrativo, ou mesmo após o ajuizamento da ação. Todavia, da mesma forma que cabe ao segurado a decisão de quando ocorrerá seu desligamento das atividades, desde que cumpridas as condições de sua aposentadoria, também compete a ele decidir pela melhor data para reafirmação da DER, justamente pela possibilidade de opção por um cálculo mais vantajoso.

 

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 995, decidiu pela possibilidade de reafirmação da DER, inclusive após o ajuizamento da ação, o que não exige o afastamento de sua aplicação naqueles casos em que os requisitos foram cumpridos após o encerramento do processo administrativo e antes da propositura da ação.

Conforme o disposto no artigo 6º da Constituição Federal, as ações previdenciárias tratam de questões de direito social fundamental. Portanto, as normas aplicáveis ao caso devem receber uma interpretação tendente à efetivação daqueles direitos, desde que respeitados os demais princípios constitucionais. Assim, apenas a título de exemplo, o STJ não tem considerado como extra ou ultra petita a decisão que concede benefício diverso daquele postulado na inicial (STJ, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, AgRg no REsp 1305049, DJe de 08-05-2012). Isso ocorre porque deve ser considerado como pedido o do melhor benefício a que o segurado teria direito, ainda que, como no caso em discussão, sua concessão dependa da concretização dos requisitos após o início ou o término do processo administrativo.

Por essa razão, entendo que não há falta de interesse de agir do autor ou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que o novo tempo de contribuição poderia ser acessado pelo próprio INSS, através do CNIS, sem necessidade de juntada de nova documentação. Além disso, a autarquia teve oportunidade de se manifestar sobre a pretensão posta em juízo, bem como sobre as modificações de fato e de direito que ocorreram até então. E o próprio ajuizamento da ação já demonstra a reiteração da pretensão de obtenção do benefício, o que afasta a necessidade de novo requerimento administrativo, contribuindo, inclusive, com o princípio da economia processual, na medida em que se evita a rediscussão da matéria tanto na esfera administrativa quanto na judicial.

Portanto, no caso em tela, entendo que o benefício previdenciário deverá ser concedido a partir da citação, momento em que angularizada a relação processual e em que o INSS teve conhecimento da pretensão.

Desse modo, computando-se os períodos de atividades especiais reconhecidos nos autos, acrescidos dos períodos incontroversos até a data em que a parte autora preencheu os requisitos (21/10/2019 – reafirmação da DER na data da citação), totaliza-se o tempo necessário para a concessão da aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98), conforme planilha ao final do voto. O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).

Sobre os juros de mora, o STJ fixou o seguinte entendimento, no julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo nº 1.727.063:

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITO MODIFICATIVO.

1. Embargos de declaração opostos pelo INSS, em que aponta obscuridade e contradição quanto ao termo inicial do benefício reconhecido após reafirmada a data de entrada do requerimento.

2. É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.

3. Conforme delimitado no acórdão embargado, quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos.

4. O prévio requerimento administrativo já foi tema decidido pelo Supremo Tribunal Federal, julgamento do RE 641.240/MG. Assim, mister o prévio requerimento administrativo, para posterior ajuizamento da ação, nas hipóteses ali delimitadas, o que não corresponde à tese sustentada de que a reafirmação da DER implica na burla do novel requerimento.

5. Quanto à mora, é sabido que a execução contra o INSS possui dois tipos de obrigações: a primeira consiste na implantação do benefício, a segunda, no pagamento de parcelas vencidas a serem liquidadas e quitadas pela via do precatório ou do RPV. No caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirão, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, embutidos no requisitório de pequeno valor.

6. Quanto à obscuridade apontada, referente ao momento processual oportuno para se reafirmar a DER, afirma-se que o julgamento do recurso de apelação pode ser convertido em diligência para o fim de produção da prova.

7. Embargos de declaração acolhidos, sem efeito modificativo.

(STJ, 1ª Seção, EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 1727063/SP, j. 19.05.2020, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES – grifei)”.

 

 

 

 

Já quanto à sucumbência, o Superior Tribunal de Justiça definiu, em recurso repetitivo, que a condenação do INSS ao pagamento de verba honorária depende de prova de sucumbência, consistente na oposição específica à reafirmação de DER. Veja-se:

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

1. Embargos de declaração opostos pelo segurado do INSS, em que aponta obscuridade quanto ao momento processual oportuno em que se realizará a reafirmação da data de entrada do requerimento.

2. A tese delimitada como representativa da controvérsia é a seguinte: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.

3. A reafirmação da DER é dada às instâncias ordinárias, vale dizer, primeiro e segundo graus de jurisdição.

4. Omissão quanto ao ônus da sucumbência não há, posto que foi definido que haverá sucumbência se o INSS opuser-se ao pedido de reconhecimento de fato novo, hipótese em que os honorários de advogado terão como base de cálculo o valor da condenação, a ser apurada na fase de liquidação, computando-se o benefício previdenciário a partir da data fixada na decisão que entregou a prestação jurisdicional.

5. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ, 1ª Seção, EDcl no REsp n. 1.727.063/SP, DJe de 21/5/2020, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES – grifei).

 

 

 

 

Considerando a fixação do termo inicial do benefício na data da citação, os juros de mora devem incidir sobre as parcelas vencidas somente após decorrido o prazo de 45 dias para o INSS implantar o benefício ora concedido, em conformidade com o entendimento assentado pelo Superior Tribunal de Justiça no EDcl no REsp 1727063.

Ademais, o INSS não se opôs ao pedido de reafirmação de DER, motivo pelo qual é indevida a sua condenação ao pagamento de verba honorária.

Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.

 

Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947, até a edição da EC 113/2021, a partir de quando será aplicada exclusivamente a taxa Selic.

 

Por fim, consigno que, para fins de prequestionamento, é suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não vislumbrando qualquer afronta às questões jurídicas ora suscitadas.

 

Ante o exposto, CONHEÇO dos embargos opostos, porque tempestivos, e DOU PROVIMENTO aos embargos de declaração DA PARTE AUTORA, para fixar como marco inicial da reafirmação da DER a data da citação, bem como para deixar consignado o direito do autor à opção pelo melhor benefício. E DOU PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração do INSS apenas para fixar os juros de mora e afastar a condenação em honorários advocatícios na forma acima explicitada.

É o voto.

 

 

 

 

CONTAGEM DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

TEMPO DE SERVIÇO COMUM (com conversões)

Data de Nascimento

08/09/1959

Sexo

Masculino

DER

23/02/2015

Reafirmação da DER

21/10/2019

 

Nome / Anotações

Início

Fim

Fator

Tempo

Carência

1

SEDAS SHOEI BRATAC S A

01/08/1984

13/03/1986

1.00

1 anos, 7 meses e 13 dias

19

2

COMPANHIA BRASILEIRA DE PETROLEO IPIRANGA

17/03/1986

31/08/1989

1.40 Especial

3 anos, 5 meses e 14 dias + 1 anos, 4 meses e 17 dias = 4 anos, 10 meses e 1 dias

42

3

COMPANHIA BRASILEIRA DE PETROLEO IPIRANGA

01/09/1989

31/07/1992

1.00

2 anos, 11 meses e 0 dias

35

4

COMPANHIA BRASILEIRA DE PETROLEO IPIRANGA

01/08/1992

31/03/1995

1.40 Especial

2 anos, 8 meses e 0 dias + 1 anos, 0 meses e 24 dias = 3 anos, 8 meses e 24 dias

32

5

COMPANHIA BRASILEIRA DE PETROLEO IPIRANGA

01/04/1995

06/10/1997

1.00

2 anos, 6 meses e 6 dias

31

6

AUTÔNOMO

01/08/1998

31/08/1998

1.00

0 anos, 1 meses e 0 dias

0

7

EMPRESÁRIO / EMPREGADOR

01/09/1998

30/11/1999

1.00

1 anos, 3 meses e 0 dias

12

8

RECOLHIMENTO

01/12/1999

31/12/1999

1.00

0 anos, 1 meses e 0 dias

1

9

(PREC-PMIG-DOM) RECOLHIMENTO

01/01/2000

31/01/2000

1.00

0 anos, 1 meses e 0 dias

1

10

RECOLHIMENTO

01/02/2000

31/05/2000

1.00

0 anos, 4 meses e 0 dias

4

11

RECOLHIMENTO

01/06/2000

31/03/2003

1.00

2 anos, 10 meses e 0 dias

34

12

RECOLHIMENTO

01/04/2003

28/02/2005

1.00

0 anos, 0 meses e 0 dias (Ajustada concomitância)

0

13

TIJUCO VOTUPORANGA COMERCIO E SERVICOS LTDA

01/04/2003

31/08/2019

1.00

16 anos, 5 meses e 0 dias Período parcialmente posterior à DER

197

 

Marco Temporal

Tempo de contribuição

Carência

Idade

Pontos (Lei 13.183/2015)

Até a data da EC nº 20/98 (16/12/1998)

16 anos, 0 meses e 0 dias

160

39 anos, 3 meses e 8 dias

inaplicável

Pedágio (EC 20/98)

5 anos, 7 meses e 6 dias

Até a data da Lei 9.876/99 (28/11/1999)

16 anos, 11 meses e 12 dias

171

40 anos, 2 meses e 20 dias

inaplicável

Até a DER (23/02/2015)

32 anos, 2 meses e 7 dias

354

55 anos, 5 meses e 15 dias

inaplicável

Até a reafirmação da DER (21/10/2019)

36 anos, 8 meses e 14 dias

408

60 anos, 1 meses e 13 dias

96.8250

Competências descartadas para fins de carência (4)

Vínculo

Competência

Recolhimento

Motivo do descarte

#6

08/1998

27/01/1999

Recolhida em atraso em 27/01/1999 (vencia em

15/09/1998) e antes do primeiro recolhimento

tempestivo como contribuinte individual

Art. 27, inc. II, da Lei 8.213/91 c/c arts. 82 e 83 da

Portaria DIRBEN/INSS Nº 991/2022 e Tema 192 TNU

#7

09/1998

27/01/1999

Recolhida em atraso em 27/01/1999 (vencia em

15/10/1998) e antes do primeiro recolhimento

tempestivo como contribuinte individual

Art. 27, inc. II, da Lei 8.213/91 c/c arts. 82 e 83 da

Portaria DIRBEN/INSS Nº 991/2022 e Tema 192 TNU

#7

10/1998

27/01/1999

Recolhida em atraso em 27/01/1999 (vencia em

16/11/1998, prorrogado para o primeiro dia útil

cf. art. 216, inc. II, do Decreto 3.048/99) e antes

do primeiro recolhimento tempestivo como

contribuinte individual

Art. 27, inc. II, da Lei 8.213/91 c/c arts. 82

e 83 da Portaria DIRBEN/INSS Nº 991/2022

e Tema 192 TNU

#7

11/1998

27/01/1999

Recolhida em atraso em 27/01/1999 (vencia

em 15/12/1998) e antes do primeiro recolhimento

tempestivo como contribuinte individual

Art. 27, inc. II, da Lei 8.213/91 c/c arts. 82 e 83 da

Portaria DIRBEN/INSS Nº 991/2022 e Tema 192 TNU

 

 

 

 

 

 



EMENTA

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO CARACTERIZADA. REAFIRMAÇÃO DA DER. POSSIBILIDADE. FALTA DE INTERESSE DE AGIR NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS DO AUTOR CONHECIDOS E ACOLHIDOS. EMBARGOS DO INSS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS.

1. Consigno que os embargos de declaração têm por finalidade atacar um dos vícios apontados pelo artigo 1.022 do CPC (obscuridade, contradição ou omissão), e, em alguns casos excepcionais, em caráter infringente, para correção de erro material manifesto ou de nulidade insanável, pois que são apelos de integração, e não de substituição.

2. Verifico a presença da omissão alegada em sede recursal. É possível a utilização do período laborado posteriormente ao ajuizamento da presente ação, nos termos da recente decisão da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, nos Recursos Especiais n. 1.727.062/SP, 1.727.069/SP e 1.727.064/SP, afetados como representativos de controvérsia, uniformizando o entendimento da matéria relativa à reafirmação da DER, no Tema Repetitivo n. 995.

3. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 995, decidiu pela possibilidade de reafirmação da DER, inclusive após o ajuizamento da ação, o que não exige o afastamento de sua aplicação naqueles casos em que os requisitos foram cumpridos após o encerramento do processo administrativo e antes da propositura da ação.

4. Correção de acórdão para determinar ao INSS a implantação da aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/88, art. 201, § 7º, inc. I, com redação dada pela EC 20/98). O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei 9.876/99, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei 8.213/91, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei 13.183/2015).

5. Embargos de declaração da parte autora conhecidos e providos para fixar como marco inicial da reafirmação da DER a data da citação, bem como para deixar consignado o direito do autor à opção pelo melhor benefício. Embargos de declaração do INSS conhecidos e parcialmente providos apenas para fixar os juros de mora e afastar a condenação em honorários advocatícios na forma explicitada.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu CONHECER dos embargos opostos, porque tempestivos, e DAR PROVIMENTO aos embargos de declaração DA PARTE AUTORA E DAR PARCIAL PROVIMENTO aos embargos de declaração do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.