Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003093-25.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: PERALTA DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) APELADO: EMERSON CLIMACO - SP216523-A, MARCIA ROBERTA PERALTA PERDIZ PINHEIRO - SP144031-A, WENDEL VIEIRA DA SILVA - SP412584-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003093-25.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: PERALTA DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) APELADO: EMERSON CLIMACO - SP216523-A, MARCIA ROBERTA PERALTA PERDIZ PINHEIRO - SP144031-A, WENDEL VIEIRA DA SILVA - SP412584-A

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R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas pela UNIÃO FEDERAL e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS) em face da sentença que, em ação de procedimento comum, julgou procedente o pedido formulado para reconhecer à parte autora o direito de promover o afastamento das empregadas gestantes de suas atividades, efetuando-se o pagamento de salário-maternidade durante o período de emergência de saúde pública decorrente da Covid-19 e autorizando-se a compensação/dedução do valor dos salários-maternidade da base de cálculo das contribuições previdenciárias, nos termos do artigo 72, §1º da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3048/99 e artigo 86, da Instrução Normativa RFB nº 971/09.

A União Federal, em suas razões de apelação, alega, preliminarmente, a sua ilegitimidade passiva quanto ao pedido de pagamento de benefício previdenciário. No mérito, pede a reforma da sentença, sustentando a impossibilidade concessão do salário-maternidade fora das hipóteses legalmente previstas, bem como a necessidade de observância do disposto no art. 37, caput, (princípio da legalidade) c.c. os arts. 195, § 5º (precedência da fonte de custeio), e 201, caput (equilíbrio financeiro e atuarial), todos da CF/88. Argumenta ainda que a sentença não teria observado o disposto no art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), além da impossibilidade de compensação valores pagos a título benefício estendido sem previsão legal com contribuições incidentes sobre a folha de salários. Prequestiona a matéria suscitada, pede a antecipação da tutela recursal e o final provimento do recurso.

O INSS alega a incompetência da Justiça Federal para o julgamento da lide, ressaltando que a discussão acerca do afastamento da empregada gestante e suas consequências, dizem respeito ao próprio contrato de trabalho, à sua suspensão ou interrupção, questões que devem ser dirimidas pela Justiça do Trabalho. Além disso, argumenta que a empregadora sequer seria parte legítima para postular ou tutelar direitos trabalhistas ou previdenciários em favor da empregada gestante, bem como a ilegitimidade passiva do INSS. Quanto ao mérito, pede que “...seja reconhecido o direito de afastamento da gestante empregada apenas e tão somente após demonstrada a inviabilidade do trabalho remoto pela gestante ou, ainda, a adoção das outras medidas alternativas para afastar o contato social durante a pandemia”.

A parte autora apresentou contrarrazões.

É relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5003093-25.2022.4.03.6100

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

APELADO: PERALTA DISTRIBUIDORA DE ALIMENTOS LTDA

Advogados do(a) APELADO: EMERSON CLIMACO - SP216523-A, MARCIA ROBERTA PERALTA PERDIZ PINHEIRO - SP144031-A, WENDEL VIEIRA DA SILVA - SP412584-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator):

Inicialmente, julgo prejudicado o pedido de antecipação de tutela formulado pela União Federal, haja vista o presente julgamento.

Com a devida vênia, às luz das disposições do art. 10 do Regimento Interno deste E.TRF, o problema posto nos autos é essencialmente de direito público (logo, de competência das Turmas da Segunda Seção desta Corte) porque diz respeito a pedido de imputação ou ressarcimento de verbas salariais, formulado por empregador privado em face do poder público federal, quanto a pagamentos feitos em favor de empregadas gestantes no contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus. A meu ver, é secundária a maneira pela qual se dá a imputação ou ressarcimento (concessão de salário maternidade, compensação com contribuição previdenciária, pagamento em dinheiro ou outra via). Todavia, reconheço que restou consolidado o entendimento pela competência das Turmas da Primeira Seção, conforme decidido pelo Órgão Especial deste E.TRF, no Conflito de Competência Cível 5000154-39.2022.4.03.0000, Relator Desembargador Federal Antônio Cedenho, em 27/04/2022, posicionamento ao qual me curvo em favor da celeridade processual e da pacificação dos litígios.

Inicialmente, tratando-se de questão de ordem pública, reconheço a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, conforme passo a expor.

Discute-se, nos presentes autos, a possibilidade de equiparar os pagamentos realizados às empregadas gestantes afastadas ao salário-maternidade e compensá-los com as contribuições pagas à Previdência Social. Nesse cenário, foi a presente ação ajuizada em face do INSS e da União Federal.

Nesse contexto, o pedido veiculado na inicial não envolve, propriamente, a concessão de benefício previdenciário, mas a possibilidade de compensação tributária, razão pela qual deve ser afastada a preliminar suscitada pela União Federal. A Lei nº 11.457/2007 unificou a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária do Ministério da Previdência Social, criando a Secretaria da Receita Federal do Brasil. Assim, seu art. 2º da Lei nº 11.457/2007 prevê que compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais. Ainda, o §3º do mesmo dispositivo determina que as obrigações previstas na Lei nº 8.212/1991, relativas às contribuições sociais, serão cumpridas perante a SRFB. No mesmo sentido, o entendimento desta E. Corte Regional:

AÇÃO ORDINÁRIA. LEI Nº 14.151/2021. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO INSS. AFASTAMENTO DA EMPREGADA GESTANTE DO TRABALHO PRESENCIAL DURANTE A EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA. CORONAVÍRUS. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO NÃO ALTERA A NATUREZA DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE REMUNERAÇÃO. AUSÊNCIA DA CONDIÇÃO LEGAL PARA O PAGAMENTO DO SALÁRIO-MATERNIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DA INCOMPATIBILIDADE DO TRABALHO EM HOME OFFICE PARA AS EMPREGADAS GESTANTES.

1. Conforme corretamente consignando na sentença: “A preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo INSS merece ser acolhida, uma vez que cabe à empresa o pagamento do salário-maternidade à segurada empregada e à União Federal (Receita Federal) compete a responsabilidade pela arrecadação, cobrança, administração e fiscalização das contribuições previdenciárias que eventualmente serão objeto da compensação pretendida, de modo que indevida a presença do INSS no polo passivo”.

2. O artigo 1º da Lei nº 14.151/2021 determina que no período em que durar a situação emergencial decorrente do Coronavírus as empregadas gestantes sejam afastadas do trabalho presencial e fiquem à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.

 

3. Trata-se de situação excepcional causada pela pandemia da Covid19, de modo que eventual impossibilidade de exercício do teletrabalho em alguma área específica não tem o condão de alterar a natureza dos valores pagos a título de remuneração para o benefício previdenciário do salário-maternidade.

4. Não tendo ocorrido a condição prevista pelo artigo 71 da Lei nº 8.213/91 não há que se falar na responsabilização da autarquia previdenciária pelo pagamento da remuneração devida às empregadas gestantes.

5. Não há comprovação inequívoca de que há incompatibilidade do trabalho em home office para as empregadas gestantes da agravada e, ainda que assim não fosse, eventual incompatibilidade de desempenho da atividade laboral de empregadas gestantes em regime de teletrabalho deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação da autarquia previdenciária em ressarcir ao empregador o valor correspondente.

6. PARCIAL PROVIMENTO à apelação da União para julgar improcedente a demanda. Condenada a autora em verba honorária de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais), a ser dividida entre as rés.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5024988-76.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 29/09/2022, Intimação via sistema DATA: 30/09/2022)

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS DO TRABALHO PRESENCIAL NA FORMA DA LEI 14.151/2021. PEDIDO INICIAL QUE VISA À COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. RECURSO PROVIDO.

1. A demanda objetiva suprir a lacuna legislativa apresentada pela Lei nº 14.151/2021, que determinou o afastamento das empregadas gestantes por tempo indeterminado, em decorrência da pandemia de COVID-19, sem considerar os casos nos quais a realização de trabalho não presencial pela empregada gestante estaria obstada pela própria natureza da atividade laboral realizada.

2. No presente caso, pretende-se desonerar o empregador da situação criada pela Lei nº 14.151/2021, viabilizando-se a compensação dos valores despendidos a título de remuneração da empregada gestante afastada com contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários, conforme prevê o § 1º do artigo 72 da Lei nº 8.213/1991 ao dispor sobre o pagamento do salário-maternidade pelo empregador.

3. O pedido inicial não visa à concessão de benefício previdenciário à empregada gestante afastada, mas sim à compensação tributária.

4. A competência para arrecadação e fiscalização das contribuições previdenciárias objeto do pedido de compensação é da Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos termos dos artigos 2º e 3º da Lei nº 11.457/2007 e do artigo 33 da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pela Lei nº 11.941/2009.

5. Não tem legitimidade passiva o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), porquanto, desde o advento da Lei nº 11.457/2007, não é mais da referida autarquia a competência para arrecadar e fiscalizar as contribuições previdenciárias a cargo do empregador. Precedente.

6. Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5007166-07.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 18/08/2022, Intimação via sistema DATA: 25/08/2022)

Assim, de rigor a exclusão do INSS do polo passivo, haja vista a sua ilegitimidade passiva, com a reafirmação da competência da Justiça Federal, haja vista que não se discute nestes autos a relação empregado-empregador, ou seja, aspectos relacionados à relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça laboral conforme o disposto no art. 108 da CF.

Dito isso, passo ao exame do mérito.

As circunstâncias extraordinárias geradas pela pandemia exigiram esforços de todos os segmentos (privados e públicos) em favor da preservação da vida e da saúde, sem descuidar dos também relevantes aspectos da produção, distribuição e comercialização de bens e serviços.

Proposto o estado de calamidade (art. 84, XXVIII, da Constituição, Messagem nº 93, de 18/03/2020), sobreveio sua instauração pelo Congresso Nacional (art. 49, XVIII, da ordem de 1988, Decreto Legislativo n° 06, de 20/03/2020), motivando a Lei Complementar n ° 101/2000, a Lei Complementar nº 173/2020, e centenas de outros atos normativos, além de mudanças constitucionais (Emendas nºs 106/2020, 109/2021, 119/2022 e 121/2022). Todos esses atos foram editados em ambiente marcado por enormes incertezas, preocupações justificadas, perdas devastadoras de vidas humanas, expressivos impactos na dinâmica econômica privada e relevantes gastos públicos (nacionais e subnacionais). Ainda assim, as respostas foram dadas em cumprimento aos imperativos do Estado de Direito, de modo que o ordenamento jurídico pautou as tarefas extraordinárias do setor privado e dos entes estatais, evitando fragmentações que poderiam desorganizar o atendimento às necessidades emergenciais.

Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante. Essa Lei nº 14.151/2021 está assim redigida:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial.       (Redação dada pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 1º A empregada gestante afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, sem prejuízo de sua remuneração.       (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 2º Para o fim de compatibilizar as atividades desenvolvidas pela empregada gestante na forma do § 1º deste artigo, o empregador poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial.   (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 3º Salvo se o empregador optar por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º deste artigo, a empregada gestante deverá retornar à atividade presencial nas seguintes hipóteses:       (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

I - após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2;      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

II - após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização;      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

III - mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que lhe tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade de que trata o § 6º deste artigo;      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

IV -  (VETADO).      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 4º  (VETADO).      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 5º  (VETADO).      (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 6º Na hipótese de que trata o inciso III do § 3º deste artigo, a empregada gestante deverá assinar termo de responsabilidade e de livre consentimento para exercício do trabalho presencial, comprometendo-se a cumprir todas as medidas preventivas adotadas pelo empregador.     (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 7º O exercício da opção a que se refere o inciso III do § 3º deste artigo é uma expressão do direito fundamental da liberdade de autodeterminação individual, e não poderá ser imposta à gestante que fizer a escolha pela não vacinação qualquer restrição de direitos em razão dela.    (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.

É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia.

Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina. Assim, o Estado não pode ser obrigado ao pagamento dessas verbas trabalhistas devidas pelo empregador.

Note-se que, na tramitação do projeto que resultou na Lei nº 14.151/2021, foi rejeitada emenda propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade. E mesmo antes das alterações feitas pela Lei nº 14.311/2022, restava evidente que se tratava de obrigação do empregador custear o salário de sua empregada gestante, durante o período da pandemia.

Em suma, no exercício de sua competência normativa e valendo-se de suas atribuições discricionárias, o legislador federal deu encaminhamento consentâneo com os elementos que estiveram presentes na situação de calamidade gerada pela pandemia, distribuindo equitativamente os ônus temporários entre todos os envolvidos. Nesse contexto, o controle judicial é inviável porque não houve manifesta ou objetiva violação da discricionariedade política por parte do legislador.

No âmbito deste E.TRF já se formou entendimento pela validade das disposições da Lei nº 11.151/2021, como se nota nos seguintes julgados que trago à colação: 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS NA FORMA DA LEI 14.151/2021. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA PARA EQUIPARAÇÃO DA REMUNERAÇÃO PAGA AO SALÁRIO-MATERNIDADE E COMPENSAÇÃO COM CONTRIBUIÇÕES DEVIDAS SOBRE A FOLHA DE SALÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO.

(...)

3. No caso dos autos, não há fumus boni iuris. No intuito de preservar a saúde da gestante durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia de COVID-19, a Lei nº 14.151/2021 estabeleceu o afastamento compulsório das empregadas nessa condição, sem prejuízo de sua remuneração, mantendo-se à disposição do empregador para a realização de outras atividades por meio de trabalho remoto.

4. O texto legal vai ao encontro do quanto previsto no artigo 201, inciso II, da Constituição da República, ao instituir política pública de proteção à mãe e ao nascituro até que se estabeleça o controle sanitário da pandemia. 

5. Não obstante, a Lei nº 14.151/2021 é silente quanto ao término da situação excepcional. É igualmente silente quanto aos ônus decorrentes do afastamento compulsório das empregadas gestantes. Nesse contexto, recai sobre o empregador, exclusivamente, o ônus econômico do afastamento das empregadas gestantes.

6. Embora haja aparente omissão legislativa, deve-se considerar que, na tramitação do projeto de lei, foi apresentada emenda ao projeto, propondo a equiparação da remuneração das gestantes afastadas ao salário-maternidade, tendo sido a proposta foi rejeitada. Assim, não cabe ao Poder Judiciário suprir a decisão legislativa e atuar como legislador positivo.

7. É vedado o uso de analogia ou equidade para estender benefício tributário ou mesmo dispensar a cobrança de tributo, conforme determina o § 2º do artigo 108 do Código Tributário Nacional. Precedente.

8. Ausentes os requisitos ensejadores da concessão da tutela provisória de urgência, no caso.Precedente.

9. Agravo de instrumento provido.”

(TRF3. AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5000060-91.2022.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal Hélio Nogueira. Data do Julgamento: 12/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 18/05/2022)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA NACIONAL DECORRENTE DO NOVO CORONAVÍRUS. AFASTAMENTO DO TRABALHO PRESENCIAL DAS EMPREGADAS GESTANTES. ART. 1º DA LEI Nº 14.151/21. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO TELETRABALHO NÃO ALTERA A NATUREZA DO SALÁRIO-MATERNIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA PELO PAGAMENTO DA REMUNERAÇÃO DEVIDA ÀS EMPREGADAS GESTANTES IMPOSSIBILITADAS DE TRABALHAR REMOTAMENTE EM RAZÃO DA ÁREA DE ATUAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DEFINITIVA. ART. 170-A DO CTN. SÚMULA Nº 212/STJ. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.

(...)

2. Ao dispor sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, o artigo 1º da Lei nº 14.151/2021 determinou que no período em que durar a situação emergencial decorrente do Coronavírus as empregadas gestantes serão afastadas do trabalho presencial e ficarão à disposição dos respectivos empregadores para exercer suas atividades em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.

3. Trata-se à evidência, de situação excepcional causada pela pandemia da Covid19 e que busca proteger a gestante da possibilidade de contágio da grave enfermidade mediante a substituição das atividades presenciais pelo regime de teletrabalho ou trabalho remoto. Nestas condições, eventual impossibilidade de exercício do teletrabalho em alguma área específica não tem o condão de alterar a natureza dos valores pagos a título de remuneração para benefício previdenciário, in casu, o salário-maternidade.

4. Anoto, por relevante, que nos termos do artigo 71 da Lei nº 8.213/91 “O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade”. Nestas condições, não tendo ocorrido a condição legal para o pagamento do benefício em questão, não há que se falar na responsabilização da autarquia previdenciária pelo pagamento da remuneração devida às empregadas gestantes que, em razão da área de atuação, estão impossibilitadas de trabalhar remotamente, como pretende a agravada.

5. No caso concreto, não há comprovação inequívoca, ao menos em análise própria deste momento processual, de que há incompatibilidade do trabalho em home office para as empregadas gestantes da agravada. Ainda que assim não fosse, registro que eventual incompatibilidade de desempenho da atividade laboral de empregadas gestantes em regime de teletrabalho deve ser objeto de debate no âmbito da relação de trabalho, não gerando qualquer obrigação da autarquia previdenciária em ressarcir ao empregador o valor correspondente.

6. Por fim, quanto ao pedido de autorização para compensação ou restituição de valores em sede de tutela antecipada, registro que tal procedimento encontra expressa vedação legal no artigo 170-A do CTN, segundo o qual “É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial” (negritei).

7. Cabe observar também que o C. STJ firmou o entendimento, sedimentado na Súmula nº 212, que desautoriza o acolhimento do pedido de liminar nos termos em que formulado pela impetrante, ao anotar que “A compensação de créditos tributários não pode ser deferida em ação cautelar ou por medida liminar cautelar ou antecipatória”.

8. Agravo provido para indeferir a tutela de urgência pleiteada pela agravada nos autos de origem. Agravo interno prejudicado.

(TRF3. AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP 5026689-39.2021.4.03.0000. Primeira Turma. Relator: Desembargador Federal WILSON ZAUHY. Data do Julgamento: 03/05/2022. Data da Publicação/Fonte: Intimação via sistema, 09/05/2022)

No caso dos autos, pretende-se o afastamento das empregadas gestantes da empresa autora de suas atividades, diante da impossibilidade de realização do trabalho remoto, pagando-lhes o equivalente ao salário-maternidade, com o reconhecimento do direito à compensação, pela parte autora, do montante pago (correspondente ao salário-maternidade) às mesmas empregadas ao tempo de duração da pandemia de Covid-19, nos termos do artigo 72, §1º, da Lei nº 8.213/1991.

 Conforme exposto, a restrição ou mesmo a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser atribuída ao Estado, inexistindo base legal para que seja obrigado a ressarcir o empregador dos ônus temporários e decorrentes de situação excepcional.

Ante o exposto, julgo prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal formulado pela União Federal, rejeitando a matéria preliminar suscitada, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo INSS, extinguindo o feito sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VI, do CPC, em relação à mencionada autarquia e dou provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação da União Federal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte autora.

Reconhecida a ilegitimidade passiva “ad causam” do INSS e reformada a sentença em relação à União Federal, nos termos do art. 85 do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária, a ser partilhada entre as rés, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

 

É o voto.

 

 



E M E N T A

DIREITO TRABALHISTA. DIREITO PÚBLICO. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. ESTADO DE CALAMIDADE. EMPREGADA GESTANTE. TELETRABALHO. LEI Nº 14.151/2021. IMPUTAÇÃO OU RESSARCIMENTO PELO PODER PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. LICENÇA-MATERNIDADE. DESCARACTERIZAÇÃO. DISTRIBUIÇÃO TEMPORÁRIA DE ÔNUS.

- Prejudicado o pedido de antecipação de tutela recursal. Preliminar da União Federal rejeitada.

- Acolhimento da preliminar de extinção do feito por ilegitimidade passiva do INSS, com a reafirmação da competência da Justiça Federal, haja vista que não se discute nestes autos aspectos relacionados à relação de trabalho, a atrair a competência da Justiça laboral conforme o disposto no art. 108 da CF.

- Sem prejuízo de suas atribuições pertinentes à saúde, a União Federal se serviu de sua competência legislativa privativa para tratar de direito do trabalho (art. 21, I, da Constituição) e editou a Lei nº 14.151/2021 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), segundo a qual, durante o período de pandemia decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante (ainda não totalmente imunizada) permanecerá afastada da atividade de laboral presencial, devendo ficar à disposição do empregador para atividades em seu domicílio (por teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma a distância, admitida a alteração das funções durante esse período extraordinário), para o qual terá direito à sua remuneração paga pelo contratante. 

- Logo, a Lei nº 14.151/2021 (antes e depois da Lei nº 14.311/2022) tem conteúdo de direito do trabalho, atende à estrita legalidade (art. 22, I, e também ao art. 201, II, ambos da ordem de 1988) e representa regra especial para situação distinta da previsão geral do art. 394-A da CLT, não se revelando como empréstimo compulsório, imposto extraordinário ou nova contribuição social (art. 148, I, art. 154 e art. 195, §4º, todos da Constituição), muito menos aumento de exação já existente que ampare pleito de compensação de indébito, o que afasta argumentos quanto a aspectos tributários. A empregada gestante está habilitada para o trabalho (desde que não presencial) e fica à disposição do empregador, razão pela qual não há amparo para a concessão indiscriminada de benefício previdenciário de salário-maternidade (art. 71, art. 71-A, art. 71-B e art. 71-C, da Lei nº 8.213/1991, Convenção nº 103 da OIT e Decreto nº 10.088/2019), e nem se trata de transferência do ônus do Estado para o setor privado.

- É verdade que há ampla diversidade de tarefas decorrentes das relações de emprego, perfis e qualificações pessoais distintas entre gestantes, além de ambientes muito diferentes em cada domicílio, tornando presumivelmente bastante heterogênea a efetiva realização de teletrabalho ou de outra forma a distância. Também é crível que, em casos específicos, seja inviável qualquer trabalho não presencial realizado por empregadas gestantes. Contudo, a redução ou a excepcional inviabilidade do trabalho realizado por empregadas gestantes não pode ser imputada ao Estado, que tão somente adotou medidas trabalhistas legítimas de preservação de todos os interesses envolvidos no extraordinário período da pandemia. 

- Não tivesse o poder público arcado com expressivas obrigações financeiras nesse período emergencial, e transferido ao setor privado todo e qualquer obrigação para com seus empregados (incluindo as gestantes), seria possível invocar violação à isonomia, mas não como fez a Lei nº 14.151/2021, que se contextualiza de modo juridicamente adequando, necessário e solidário ao ambiente temporário para o qual se destina. Assim, o Estado não pode ser obrigado ao pagamento dessas verbas trabalhistas devidas pelo empregador.

- No caso dos autos, pretende-se o afastamento das empregadas gestantes da empresa autora de suas atividades, diante da impossibilidade de realização do trabalho remoto, pagando-lhes o equivalente ao salário-maternidade, com o reconhecimento do direito à compensação, pela parte autora, do montante pago (correspondente ao salário-maternidade) às mesmas empregadas ao tempo de duração da pandemia de Covid-19, nos termos do artigo 72, §1º, da Lei nº 8.213/1991.

- Acolhida preliminar de ilegitimidade passiva do INSS. Rejeitada preliminar da União. Pedido de antecipação de tutela prejudicado. Apelação da União Federal e remessa necessária providas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, julgar prejudicado o pedido de antecipação da tutela recursal formulado pela União Federal, rejeitando a matéria preliminar suscitada, acolher a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo INSS, extinguindo o feito sem resolução do mérito nos termos do art. 485, VI, do CPC, em relação à mencionada autarquia e dar provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação da União Federal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.