Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004034-47.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: MARIA HELENA GALHARDO

Advogado do(a) APELANTE: DANIEL MELLO DOS SANTOS - MT11386-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SIMONE HENRIQUES PARREIRA - ES9375-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004034-47.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: MARIA HELENA GALHARDO

Advogado do(a) APELANTE: DANIEL MELLO DOS SANTOS - MT11386-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) APELADO: SIMONE HENRIQUES PARREIRA - ES9375-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de ação ajuizada por Maria Helena Galhardo em face da Caixa Econômica Federal - CEF, na qual pleiteia a indenização por danos materiais no valor de R$ 52.339,83 (cinquenta e dois mil, trezentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos), bem assim por danos morais, no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), em razão de vícios construtivos no imóvel localizado no Residencial Reinaldo Busanelli, Campo Grande/MS, construído por meio do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, do Programa Minha Casa Minha Vida.

Distribuídos os autos ao Juízo Federal da 4ª Vara de Campo Grande/MS, foi prolatada sentença que retificou o valor da causa, reduzindo-o, com base no princípio da razoabilidade, para R$ 62.339,83 (sessenta e dois mil, trezentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos) - dos quais R$ 10.000,00 (dez mil reais) foram fixados a título de danos morais - e, após, extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inc. IV, do CPC. O pedido de justiça gratuita foi deferido.

Inconformada, apelou a parte autora, sustentando, em síntese, que o valor da causa corresponde ao proveito econômico pretendido, sendo ilegal a sua alteração de ofício. Aduz, outrossim, que "o único parâmetro a ser utilizado, sem que haja contrariedade às regras elementares de fixação de competência, é o valor da causa estabelecido pela parte apelante na peça de ingresso e não aquele resultante da mitigação ex officio, retirando-lhe, assim, o direito de ser julgada e processada pelo Juízo competente”. Acresce que "somente a parte lesada é capaz de mensurar o sofrimento, a tristeza e a humilhação sofrida e, por consequência, de definir o valor que entende ser capaz de reparar o dano moral sofrido, embora a quantificação da indenização por danos morais não possua o escopo de delimitar o valor econômico dos bens atingidos, uma vez que se trata de direito extrapatrimonial". Pugna pela cassação da sentença e retorno dos autos ao Juízo de Origem, para regular prosseguimento.

Com fulcro no art. 485, §7º, do CPC, a sentença foi mantida, por seus próprios fundamentos, seguindo-se a citação do réu (ID 276127892).

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004034-47.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

APELANTE: MARIA HELENA GALHARDO

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V O T O

 

 

 

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): O apelo autoral preenche o pressuposto de admissibilidade e merece ser conhecido.

Consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, é cabível a modificação do valor da causa de ofício, sempre que este for estimado em montante manifestamente incompatível com o conteúdo econômico da demanda:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. ALTERAÇÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior é uníssona em admitir a adequação do valor dado à causa, de ofício, quando houver discrepância entre o valor atribuído à causa e o benefício econômico pretendido. Precedentes.

(...)

4. Agravo regimental a que se nega provimento."

(AgRg no AREsp nº 291.856, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, v.u., j. 05/08/2014, DJe 12/08/2014, grifos meus)

Devem, assim, ser repelidas as manobras artificiosas com o escopo de inflar o valor da causa, somente para impedir o deslocamento da competência para os Juizados Especiais Federais.

Nesse sentido, esta Primeira Turma tem adotado o entendimento segundo o qual, na hipótese de cumulação de pedidos de proveito material e moral, o valor da indenização a título de danos morais deve ser fixado sem excesso, adequando-se aos parâmetros consolidados pela jurisprudência, que, em casos da espécie, o vem estimando em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, in verbis (destaquei):

"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. VALOR DA CAUSA. ALTERAÇÃO DE OFÍCIO PELO JUIZ. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PERÍCIA TÉCNICA. ART. 12 DA LEI 10.259/2001. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. Trata-se de ação ajuizada em face da Caixa Econômica Federal - CEF com o fito de obter indenização por danos morais e materiais, em razão de supostos vícios de construção em unidade residencial do "Programa Minha Casa Minha Vida".

2. Segundo o art. 292, § 3º do CPC, o juiz poderá corrigir de ofício o valor da causa, quando verificar que este não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor. Precedentes. 3. No caso em apreço, o juízo a quo verificou que a indenização por dano moral pleiteada em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) era muito superior ao valor concedido pelos Tribunais Regionais Federais em casos similares, de no máximo R$ 10.000 (dez mil reais).

4. Além disso, com relação aos danos materiais, consignou que, embora a autora tenha apresentado o valor de R$ 33.674,67 como devido, não o comprovou através de orçamento ou notas fiscais, quando, ao que parece, os danos indicados não demonstram ser de grande monta.

5. Havendo a devida adequação do valor da causa, deve ser observada a competência absoluta dos Juizados Especiais Federais, considerando que o valor da causa na hipótese dos autos não ultrapassa o limite estabelecido pelo art. 3º da Lei nº 10.259/01. 6. No que tange à alegação de necessidade de realização de perícia técnica, cumpre asseverar que o artigo 12 da Lei nº 10.259/2001 não afasta a possibilidade de produção de prova pericial no âmbito dos Juizados Especiais Federais. 7. Apelação desprovida."

(ApCiv 5009986-41.2022.4.03.6000, Rel. Des. Federal Nelton Agnaldo dos Santos, DJEN 14/06/2023)

"CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE TERRENO E CONSTRUÇÃO DE BEM IMÓVEL. FINANCIAMENTO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA ATUANDO COMO AGENTE PROMOTOR DE POLÍTICA PÚBLICA NO ÂMBITO DA HABITAÇÃO POPULAR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. COBRANÇA INDEVIDA DE TAXA DE OBRA. RESSARCIMENTO. IMÓVEL NÃO ENTREGUE NO PRAZO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. MULTA PUNITIVA INVERSA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO CDC. LUCROS CESSANTES INDEVIDOS. PROGRAMA DO GOVERNO FEDERAL PARA MORADIA QUE INSTITUI ÓBICE À EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DO IMÓVEL ANTES DA QUITAÇÃO DO MÚTUO. NÃO CARACTERIZADO DANO MATERIAL NA MODALIDADE LUCROS CESSANTES. PRECEDENTE DISTINGUISHING DO C. STJ.

1. A CEF possui responsabilidade no que concerne aos problemas de atraso na entrega do imóvel em questão pois, in casu, a instituição financeira não se limitou a atuar como agente financeiro no "Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Apoio à Produção - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso FGTS"; ao contrário, operou como agente executor de política federal de promoção de moradia popular e fiscalizador do andamento da obra, razão pela qual, além de ser parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, também é responsável pelo atraso na entrega do imóvel.

2. Da análise do instrumento contratual observa-se que a construção do empreendimento Condomínio Residencial das Amoreiras, do qual faz parte a unidade imobiliária adquirida pelo autor, recebeu subsídios do Governo Federal por intermédio do Programa "Minha Casa, Minha Vida", funcionando a Caixa Econômica Federal como agente operador do programa, atuando com controle técnico, financeiro e operacional sobre o andamento da construção do empreendimento, conforme estabelece as cláusulas segunda, terceira e quarta.

3. O contrato prova de modo claro e inequívoco o papel central da CEF na consecução do empreendimento e do cronograma de obras, não havendo como afastar sua responsabilidade pelos danos advindos de atraso na entrega do imóvel.

4. Aplica-se o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que possui legitimidade passiva a Caixa Econômica Federal para responder, nos casos em que não atua apenas como agente financeiro, "por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda (...)" (AgInt no REsp 1646130/PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/08/2018, DJe 04/09/2018).

5. O contrato celebrado entre as partes destina-se à aquisição de terreno e à construção de uma unidade habitacional no prazo de 10 meses. Durante a fase de construção é devido o pagamento de juros de obra (ou taxa de construção) até a entrega do imóvel, que no caso dos autos deveria ocorrer em 20/05/2013 de acordo com o instrumento contratual, entretanto o “Habite-se” foi emitido somente em 26/12/2016, configurando-se o atraso e autorizando-se o ressarcimento dos danos causados ao autor.

6. Devem ser restituídos os pagamentos efetuados efetivamente pelo autor a título de taxa de construção (juros de obra) pagos em período posterior à data de entrega do imóvel. Sobre as parcelas a serem restituídas devem incidir juros de mora contados a partir da citação.

7. A relação estabelecida entre as partes configura-se de consumo, sendo regida pelo Código de Defesa do Consumidor, devendo as cláusulas contratuais serem interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

8. Na ausência de estipulação de multa moratória em favor do consumidor, deve ser cominada à vendedora a mesma prevista no contrato para o caso de atraso nos pagamentos, a fim de se manter o equilíbrio contratual (artigo 4.º, III do CDC) e assegurar a igualdade na contratação (artigo 6.º, II do CDC).

9. Configura-se abusiva a cláusula que estabelece sanção em caso de atraso ou descumprimento de obrigação somente em desfavor do consumidor. Neste sentido, entendimento do STJ no REsp 1.614.721/DF e 1.631.485/DF: “Tema 971: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.”

10. Assim, a ré deve pagar a multa prevista contratualmente em caso de inadimplemento do comprador tendo em vista que a indenização por danos materiais possui caráter reparatório, compensando-se o promissário comprador pelo tempo de indisponibilidade injusta de seu imóvel.

11. Os autores pleiteiam indenização a título de lucros cessantes à ordem de 1% do valor do imóvel referente aos frutos que poderia ter auferido com aluguel caso o imóvel tivesse sido entregue na data contratada. Também alega prejuízo sofrido com a desvalorização do imóvel tendo em vista a formação de uma favela próxima ao empreendimento, presumindo um valor de mercado do imóvel de 50% superior ao que é hoje caso a construtora tivesse realizado a contento o empreendimento idealizado.

12. Não se desconhece os precedentes do Superior Tribunal de Justiça pela ocorrência de presunção de lucros cessantes em virtude de atraso na entrega de obra.

13. O próprio C. STJ fixou um diferencial (distinguishing) para os casos dos programas habitacionais “Minha Casa Minha Vida”, cujas balizas de contratação não permitem a exploração econômica do imóvel, dado o incentivo financeiro do governo federal ao contratante comprador.

14. Constitui óbice ao comprador a locação do imóvel antes da quitação do mútuo, destinando-se o bem exclusivamente à moradia própria e da família do comprador-mutuário, diante das restrições do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida.

15. Descabe falar em prejuízo de ordem material na modalidade lucros cessantes.

16. Especificamente quanto ao dano moral, anoto que o artigo 5º, inciso X da Constituição Federal garante, expressamente, a todos que sofram violação do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra, a indenização por danos morais.

17. Dano moral, de acordo com a melhor doutrina e com o entendimento sedimentado nas cortes superiores, é a lesão a direito da personalidade. Em outros termos: corresponde a toda violação ao patrimônio imaterial da pessoa no âmbito das suas relações de direito privado.

18. Não se confunde, no entanto, e nem poderia, sob pena de banalização do instituto, com acontecimentos cotidianos que, apesar de incomodarem, não têm aptidão para atingir, de forma efetiva, direitos da personalidade. A despeito de conhecer a tese do C. STJ no sentido de que o mero descumprimento contratual de atraso na entrega de obra não gera, em regra, danos morais, entendo que, no presente caso, os elementos dos autos evidenciam que a não entrega do imóvel dentro do prazo estipulado maculou a esfera extrapatrimonial do autor, que somente recebeu o imóvel 3 (anos) após a data prevista no contrato.

19. E nem menciono o puído argumento do "sonho da casa própria", porém, não há como se desvencilhar da repercussão causada ao adquirente pelo atraso substancial na entrega de imóvel, pois adia planos, frustra expectativas, e impõe ao comprador transtornos que ultrapassam o mero aborrecimento.

20. Portanto, de rigor o pagamento de indenização a título de danos morais, sendo que o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) arbitrado pelo magistrado em primeiro grau atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

21. Recurso de apelação da parte autora parcialmente provido. Recurso de apelação da CEF desprovido."

(ApCiv 5002462-66.2017.4.03.6000, Rel. Des. Federal Hélio Nogueira, j. em 03/09/2021, DJEN 09/09/2021)

"CIVIL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CONSTRUTORA E DA CEF. AFASTADA RESPONSABILIDADE DA CAIXA SEGURADORA. AUSÊNCIA DE COBERTURA.  INAPLICABILIDADE DO CDC. DANOS VERIFICADOS EM PERÍCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO DE REPAROS. DANOS MORAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. O contrato objeto dos autos é regulado pelas normas da Lei nº 10.188/2001, que instituiu o Programa de Arrendamento Residencial - PAR para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra. Trata-se, portanto, de um programa de governo destinado a ampliar o acesso das populações mais carentes à moradia.

2. Esta Eg. Turma já firmou entendimento no sentido de não se aplicarem, nas relações jurídicas estabelecidas nos autos, as normas do Código de Defesa do Consumidor. (AC n.º 0001849-64.2009.4.03.6113/SP, Desembargador Federal Hélio Nogueira, D.J. 09/09/2019).

3. Deve ser mantida a sentença no ponto em que afastou a responsabilidade da seguradora, na medida em que “há expressa exclusão de cobertura securitária quanto àqueles causados por má utilização, falta de conservação, uso ou desgaste do imóvel, assim como não há cobertura quanto a defeitos decorrentes de "vícios intrínsecos", tais como defeitos de projeto.

4. Afastada a alegação de negativa injustificada de cobertura por parte da Caixa Seguradora, já que não restou configurado quaisquer dos riscos de natureza material elencados na apólice de seguro firmado entre as partes.

5. O contrato de arrendamento não dá margem de dúvidas quanto à obrigatoriedade da CEF de entregar o imóvel em perfeitas condições de uso e conservação, tanto que poderá exigir do arrendador que sejam tomadas as providências necessárias à preservação e à manutenção do imóvel, objeto de contrato.

6. A construtora, por sua vez, terá responsabilidade por vícios redibitórios quando comete erros de projeto, utiliza materiais inadequados, ou quando a execução da obra, por qualquer razão que lhe possa ser imputada, compromete seu resultado final causando danos no imóvel. Sua responsabilidade decorre, portanto, da garantia da construção (artigo 1245 CC/1916 - artigo 618 CC/2002). Além disso, conforme bem apontado pela sentença, “afastada a aplicação do CDC, entendo deva ser aplicado o comando contido no artigo 931 do Código Civil vigente, segundo o qual "os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação".

7. Precedentes C. STJ.

8. Presentes concorrentemente os três fatores indispensáveis à responsabilização civil, quais sejam: a omissão ilícita estatal, a efetiva ocorrência dos danos, e a relação de causalidade entre o dano e a conduta culposa da construtora, já que das provas produzidas infere-se de forma clara a manifesta imprudência e negligência quanto à execução da obra, além de evidente falha de projeto no que diz respeito à captação e escoamento da água.

9. Com efeito, demonstrada a ocorrência de vícios de construção no empreendimento em apreço (fissuras, vazamentos, infiltrações), são responsáveis a Caixa e a Construtora Apelante, para promoverem a reparação dos danos respectivos. 

10. O pedido relativo à danos materiais especificamente, diz respeito à desvalorização do imóvel.

11. Não obstante a efetiva constatação de vícios na construção do imóvel, a questão da desvalorização não foi objeto de análise da perícia, o que seria imprescindível para viabilizar eventual revisão do contrato de arrendamento firmado entre o autor e a Caixa Econômica Federal, em razão da depreciação comprovada nos autos.

12. O Autor sequer formulou quesitos nesse sentido, não se desincumbindo, portanto do ônus de quantificar a alegada desvalorização imobiliária, nos termos do então vigente artigo 333, inciso I, do CPC/73, a fim de que pudesse receber o pretendido abatimento proporcional no preço.

13. Por outro lado, o Autor formulou expressamente pedidos no sentido de condenar as requeridas ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na realização de obras que impeçam e/ou restaurem as rachaduras e infiltrações do edifício, além de reparar os possíveis danos em sua estrutura, e que não foram efetivamente enfrentados pela sentença recorrida, muito embora reconheça a existência de problemas estruturais no imóvel, inclusive de infiltração.

14. O Programa de Arrendamento Residencial - PAR foi instituído para atendimento da necessidade de moradia da população de baixa renda, sob a forma de arrendamento residencial com opção de compra ao final contrato, com prazo de pagamento das prestações em 180 (cento e oitenta) meses. O contrato estabelece dentre as cláusulas estipuladas que os arrendatários recebem o imóvel em perfeito estado de conservação e uso, não sendo esse o caso dos autos, haja vista a efetiva comprovação de que o imóvel de propriedade do autor encontra-se em condições desfavoráveis de habitabilidade.

15. Comprovado pela perícia do juízo que muitos dos danos materiais foram causados pela má realização da construção, o que significa dizer por "vícios de construção", a CEF responde em conjunto com a construtora, pela execução dos reparos descritos no laudo pericial.

16. As circunstâncias do caso, geraram ao autor o sentimento de angustia e constrangimento, não se tratando, portanto, de mero aborrecimento, conforme alegam os Apelados, sendo que o pleito de indenização por danos morais - assim como os danos materiais - alcança todas as partes, construtor do conjunto habitacional e o ente público que o colocou à disposição.

17. No que se refere ao arbitramento do valor a título de indenização por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado.

18. Considerando as circunstâncias específicas do caso concreto, em especial o considerável grau de culpa dos corréus, que além de entregarem imóvel com vícios construtivos que importaram na infiltração de água e seus desdobramentos, nada fizeram para solucionar amigavelmente os defeitos, tenho que o valor indenizatório deve ser majorado para o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que se revela razoável e suficiente para a compensação do dano no caso dos autos, sem importar no indevido enriquecimento dos requerentes, inclusive conforme já decidido por esta Eg. Turma em casos análogos.

19. Assente a necessidade de se prover parcialmente o apelo, cumpre inverter a verba honorária fixada em desfavor da Construtora J. SOGAME e da CEF, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), se revela razoável, considerando principalmente que o valor da causa foi fixado a título de alçada, inclusive conforme autoriza o § 4º do artigo 20, do CPC/73.

20. Recurso de apelação do Autor a que se dá parcial provimento. Negado provimento ao recurso da corré Construtora J. Sogame Ltda."

(ApCiv 0005043-65.2010.4.03.6104, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy Filho, j. em 06/01/2020, DJF3 Jud de 13/01/2020)

É indispensável que exista uma mínima correlação entre o valor pedido a título de danos morais e os fatos trazidos a juízo. In casu, o valor do dano moral pleiteado é manifestamente acima do razoável.

A presente demanda foi ajuizada em face da CEF, em 15/05/2023, visando a indenização por danos materiais e morais decorrentes de vícios construtivos em imóvel erigido e financiado com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, do Programa “Minha Casa Minha Vida”.

A parte autora atribuiu, a título de compensação por dano material, o valor de R$ 52.339,83 (cinquenta e dois mil, trezentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos), e por danos morais, o importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), o qual se mostra desarrazoado, quer frente ao valor fixado para a outra espécie de dano, quer com relação à jurisprudência preponderante com referência à matéria.

Não merece reparos, portanto, a sentença de primeiro grau que, de ofício, corrigiu o valor dos danos morais para R$ 10.000,00 (dez mil reais), e reduziu, assim, o valor da causa para R$ 62.339,83 (sessenta e dois mil, trezentos e trinta e nove reais e oitenta e três centavos), enquadrando-o no valor teto do Juizado Especial Federal.

Por fim, nos termos da jurisprudência desta Corte Regional e em atenção aos princípios da instrumentalidade e da celeridade processuais, o reconhecimento da incompetência não deve implicar a extinção do feito mas, sim, a sua remessa ao Juízo competente. Nesse sentido:

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. FGTS. ATUALIZAÇÃO. VALOR DA CAUSA ABAIXO DE 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. ATENÇÃO AOS PRINCIPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAL. APELO PROVIDO.

1. A Lei n. 10.259/2001 disciplina o JEF, estabelecendo, em seu art. 3º, caput, que compete a tais Juizados processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. No caso em comento, constata-se que o valor da causa é de R$ 1.000,00 (um mil reais), com o que correta está a decisão agravada que declinou da competência para processar e julgar a demanda.

2. Outra não poderia ser a decisão do juízo de primeiro grau, porque onde houver vara do Juizado Especial Federal, como no caso concreto, a sua competência é absoluta (art. 3º, §3º, da Lei n. 10.259/2001).

3. É certo que a normativa de regência excepciona da competência dos Juizados Especiais Federais o conhecimento, processamento e julgamento de ações que discutam interesses coletivos, ex vi do art. 3º, §1º, inc. I, da Lei n. 10.259/2001. Contudo, mesmo diante da disposição legal em comento, não há como se cogitar a manutenção da Justiça Federal comum, posto que a lide não revolve interesse coletivo, mas sim interesse individual da parte autora.

4. Entretanto, a extinção da ação distribuída para a Vara Federal, ao invés da mera remessa dos autos ao juízo competente, atenta contra os princípios da economia e celeridade processual. 

5. Com efeito, nos termos do §§ 3º e 4º do artigo 64, do CPC/15, caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente, conservando-se os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.

6. Precedentes.

7. Recurso de apelação a que se dá provimento, para anular a sentença e determinar a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal Adjunto de Três Lagoas/MS."

(TRF3 - 1ª Turma, ApCiv 5001527-46.2019.4.03.6003, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy Filho, DJEN de 04/03/2021).

"PROCESSO CIVIL. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA DO JEF. REMESSA AO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. SENTENÇA ANULADA.

1. A competência do Juizado Especial Federal é absoluta para apreciar e julgar as ações cujos valores não ultrapassem o valor de sessenta salários mínimos, nos termos do artigo 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001, ressalvadas as exceções previstas no seu § 1º, as quais, todavia, não se verificam presentes na espécie.

2. No caso dos autos, o valor da causa é inferior ao limite de referência dos Juizados Especiais. Nesse contexto, mostrou-se escorreita a decisão que concluiu pela competência para o Juizado Especial Federal.

3. No entanto, a declaração de incompetência, não induz à extinção imediata do feito. De acordo com o artigo 64, §§3º, do CPC, declarada a incompetência, os autos devem ser remetidos ao juízo competente. Não há fundamento legal que justifique a extinção do processo pelo Juízo da Vara Federal por ser incompetente para o julgamento da causa em razão de seu valor. Precedentes do STJ.

4. Apelação provida."

(TRF3 - 1ª Turma, ApCiv 5001548-22.2019.4.03.6003, Rel. Des. Federal Hélio Nogueira, DJEN de 01/06/2021).

"PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. EXTINÇÃO SEM EXAME DO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE. SENTENÇA ANULADA. RECURSO PROVIDO.

- A declaração de incompetência absoluta do juízo federal no qual foi distribuída a ação, embora caracterize, à primeira vista, ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, IV, do Código de Processo Civil), não implica a extinção do feito, mas desencadeia consequências próprias, estampadas no art. 64, §3°, do CPC.

- A incompetência absoluta do juízo não tem o condão de gerar, automaticamente, a extinção do feito.

- Precedentes jurisprudenciais.

- Recurso provido para determinar a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal competente."

(TRF3 - 2ª Turma, ApCiv 5002272-90.2019.4.03.6111, Rel. Des. Federal Jose Carlos Francisco, DJF3 Jud.1 de 10/07/2020).

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para anular a sentença e determinar a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal competente para o exame da causa.

É o meu voto.

 

Herbert de Bruyn

Desembargador Federal Relator



E M E N T A

 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. SFH. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. VÍCIOS CONSTRUTIVOS. VALOR DA CAUSA. DANOS MORAIS. DESPROPORCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL.

1. Consoante entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, é cabível a modificação do valor da causa de ofício, sempre que este for estimado em montante manifestamente incompatível com o conteúdo econômico da demanda, repelindo-se as manobras artificiosas com o escopo de inflar o valor da causa, somente para impedir o deslocamento da competência para os Juizados Especiais Federais.

2. Esta Primeira Turma tem adotado o entendimento segundo o qual, na hipótese de cumulação de pedidos de proveito material e moral, o valor da indenização a título de danos morais deve ser fixado sem excesso, adequando-se aos parâmetros consolidados pela jurisprudência, que, em casos da espécie, o vem estimando em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

3. É indispensável que exista uma mínima correlação entre o valor pedido a título de danos morais e os fatos trazidos a Juízo.

4. Em atenção aos princípios da instrumentalidade e da celeridade processuais, o reconhecimento da incompetência não deve implicar a extinção do feito mas, sim, a sua remessa ao Juízo competente. Precedentes.

5. Apelação parcialmente provida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, para anular a sentença e determinar a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal competente para o exame da causa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.