APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021326-07.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA
APELANTE: FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA, FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA
Advogado do(a) APELANTE: ROZILENE MARIA BUCHER - SP486873
APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021326-07.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA, FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA Advogado do(a) APELANTE: ROZILENE MARIA BUCHER - SP486873 R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação à sentença denegatória de segurança, em mandado impetrado para afastar exigibilidade de "contribuição ao Funrural com supedâneo no art. 22-A da Lei 8.212/1991 (sobre o faturamento), ante a sua flagrante inconstitucionalidade ou, subsidiariamente, para afastar a exigência do recolhimento da contribuição prevista no art. 22-A da Lei n. 8.212/1991, sobre a integralidade da receita bruta, ou seja, mesmo em relação a parcela que se refere a atividade exclusivamente industrial". Apelou a impetrante, alegando, em suma, que: (1) recentemente instalou filial, dedicada à cria, recria, engorda de bovinos para abate, aduzindo que para que a atividade seja reputada agroindustrial, deve a pessoa jurídica criar animais (produção própria) e realizar o abate em etapa de industrialização, nos termos do artigo 165, § 2º, da IN RFB 971/2009, porém, embora adquira boi magro, a engorda ocorre em estabelecimentos de terceiro em regime de parceria rural com o retorno dos animais prontos para abate; (2) é inconstitucional o artigo 22-A da Lei 8.212/1991, que instituiu o FUNRURAL-Faturamento sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, por ofensa aos artigos 154, I, 195, I e §§ 4º e 13, e 239, CF, pois não é livre o legislador ordinário para fazer incidir contribuição do empregador sobre receita ou faturamento no âmbito da Lei 8.212/1991, ainda que em caráter substitutivo à folha de pagamentos (previsão inexistente no texto constitucional à época), dado que já previstas contribuições sobre receita e faturamento, que têm fundamento constitucional autônomo e, portanto, autorização constitucional expressa (PIS/COFINS: artigos 195, I, 239, CF), exaurindo, assim, a competência tributária para incidência sobre tais bases econômicas; (3) não se trata, tampouco, de competência tributária residual, que apenas pode ser exercida por lei complementar, e não ordinária, observado o disposto nos artigos 195, § 4º e 154, I, CF; (4) o § 13 do artigo 195, CF, que permitia substituição gradual, total ou parcial, da contribuição sobre folha de pagamento para incidência sobre receita ou faturamento, além de revogado pela EC 103/2019, evidencia que inexistia, anteriormente à EC 42/2003, base constitucional para substituir as bases de cálculos das contribuições, como ocorreu no caso com a Lei 10.256, de 2001, que inseriu o artigo 22-A na Lei 8.212/1991; (5) ainda que assim não fosse, a adoção do regime substitutivo viola o princípio da isonomia (agroindústria em relação às demais indústrias, agroindústria da bovinocultura em relação às demais agroindústrias previstas no § 4º do artigo 22-A da Lei 8.212/1991, agroindústria em relação às empresas rurais face à Lei 13.606/2018), pois a incidência dupla de contribuição sobre receita bruta para as agroindústrias institui tratamento diferenciado face às demais indústrias, que são apenas oneradas por tributação sobre receita bruta por meio do PIS/COFINS; (6) ao contrário das empresas rurais, que possuem vínculos de trabalho predominantemente informais, as agroindústrias, e particularmente as do setor bovino, têm histórico de vínculos formais, não justificando a substituição da tributação sobre folha de pagamento para incidência sobre receita ou faturamento; (7) subsidiariamente, é inconstitucional, por violação à isonomia, a tributação integral do faturamento (e não apenas aquela derivada de industrialização de produção própria), conforme previsto no artigo 22-A da Lei 8.212/1991, vez que a incidência da contribuição sobre faturamento para a parcela industrial da sua atividade agroindustrial acarreta tributação mais onerosa do que a aplicada para a atividade industrial das empresas exclusivamente industriais, não sendo racional, ademais, equiparar a agroindústria da bovinocultura às empresas rurais em geral, especialmente quanto à atividade tipicamente industrial, razão pela qual deve, quando menos, ser limitada a aplicação do artigo 22-A da Lei 8.212/1991 apenas às atividades tipicamente de produção rural própria, excluída a tributação mais onerosa sobre a atividade tipicamente industrial (abate de produção adquirida de terceiros em regime de parceria); e (8) deve ser garantida compensação de eventual indébito fiscal exsurgido no curso do processo com quaisquer tributos, aplicada a Selic desde o recolhimento indevido. Houve contrarrazões e parecer ministerial pelo prosseguimento do feito. É o relatório.
APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5021326-07.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. CARLOS MUTA APELANTE: FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA, FRIGORIFICO BETTER BEEF LTDA Advogado do(a) APELANTE: ROZILENE MARIA BUCHER - SP486873 V O T O Senhores Desembargadores, a pretensão recursal é, primariamente, a de reconhecimento de inconstitucionalidade da contribuição prevista no artigo 22-A da Lei 8.212/1991: “Art. 22-A. A contribuição devida pela agroindústria, definida, para os efeitos desta Lei, como sendo o produtor rural pessoa jurídica cuja atividade econômica seja a industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros, incidente sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição às previstas nos incisos I e II do art. 22 desta Lei, é de: I - dois vírgula cinco por cento destinados à Seguridade Social; II - zero vírgula um por cento para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade para o trabalho decorrente dos riscos ambientais da atividade. § 1o (VETADO) § 2o O disposto neste artigo não se aplica às operações relativas à prestação de serviços a terceiros, cujas contribuições previdenciárias continuam sendo devidas na forma do art. 22 desta Lei. § 3o Na hipótese do § 2o, a receita bruta correspondente aos serviços prestados a terceiros será excluída da base de cálculo da contribuição de que trata o caput. § 4o O disposto neste artigo não se aplica às sociedades cooperativas e às agroindústrias de piscicultura, carcinicultura, suinocultura e avicultura. § 5o O disposto no inciso I do art. 3o da Lei no 8.315, de 23 de dezembro de 1991, não se aplica ao empregador de que trata este artigo, que contribuirá com o adicional de zero vírgula vinte e cinco por cento da receita bruta proveniente da comercialização da produção, destinado ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR). § 6o Não se aplica o regime substitutivo de que trata este artigo à pessoa jurídica que, relativamente à atividade rural, se dedique apenas ao florestamento e reflorestamento como fonte de matéria-prima para industrialização própria mediante a utilização de processo industrial que modifique a natureza química da madeira ou a transforme em pasta celulósica. § 7o Aplica-se o disposto no § 6o ainda que a pessoa jurídica comercialize resíduos vegetais ou sobras ou partes da produção, desde que a receita bruta decorrente dessa comercialização represente menos de um por cento de sua receita bruta proveniente da comercialização da produção.” Subsidiariamente, a impetrante postulou para que a base de cálculo da exação fosse restringida apenas à comercialização da industrialização de sua produção própria, não abrangendo a atividade referente à produção de terceiros. Como bem ressaltado pela própria impetrante, parte substancial das causas de pedir foi afetada para análise pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião de reconhecimento de repercussão geral a respeito da constitucionalidade da “contribuição para a seguridade social a cargo das agroindústrias sobre a receita bruta prevista na Lei nº 10.256/2001” (Tema 281). O leading case foi julgado em 17/12/2022, e ementado nos termos que seguem: RE 611.601, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 24/04/2023: “Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tema nº 281. Tributário. Contribuição previdenciária a cargo da agroindústria. Artigo 1º da Lei nº 10.256, de 9 de julho de 2001, o qual introduziu o art. 22-A na Lei nº 8.212/91. Base de cálculo. Receita bruta proveniente da comercialização da produção. Folha de salário. Artigo 195, inciso I, alínea b, da CF, com a redação da EC nº 20/98. Receita ou faturamento. Técnica substitutiva. Possibilidade no período anterior à EC nº 42/03. 1. A Lei nº 10.256/01, quanto à contribuição devida pelas agroindústrias, atendeu os requisitos da LC nº 95/98. Em relação à Lei nº 8.212/91, a lei impugnada acrescentou o art. 22-A, para incluir, definitivamente, a agroindústria no setor rural, estabelecendo a contribuição sobre o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção em substituição à contribuição sobre a folha de salários. 2. O texto constitucional permitia, em momento anterior à EC nº 42/03, a instituição de contribuições substitutivas da contribuição sobre a folha de salários, nele havendo normas amparando os objetivos dessa medida. A incidência de tais contribuições sobre o faturamento ou a receita (sobre essa, após a EC nº 20/98) não importou a criação de novas fontes de custeio da seguridade social, mas o aproveitamento, dentro do poder de conformação do legislador, de fontes já mencionadas na Constituição Federal. Afora isso, a previsão constitucional da contribuição sobre o faturamento ou a receita, a qual dá amparo à COFINS, teve como um dos escopos justamente assegurar maior base de custeio à seguridade social, propiciando o alívio da folha de salários. 3. Foi fixada a seguinte tese para o Tema nº 281: “É constitucional o art. 22-A da Lei nº 8.212/91, com a redação da Lei nº 10.256/01, no que instituiu contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, em substituição ao regime anterior da contribuição incidente sobre a folha de salários”. 4. Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.” Como se observa, o entendimento vinculante da matéria controvertida nestes autos foi fixado em sentido contrário ao postulado pela impetrante. Com efeito, prevaleceu a concepção de que a receita bruta da comercialização da produção das agroindústrias é base de cálculo que adequadamente se insere tanto no conceito estrito de faturamento como de receita bruta. Nesta linha, não se tratou de nova fonte de custeio, pelo que não houve malferimento ao § 4º do artigo 195 da Constituição Federal. Nesta ótica, assentou-se a ausência, por igual, de ofensa à regra constitucional de reserva de lei complementar, dado que, conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tal restrição é inaplicável a exações extraídas diretamente do texto constitucional. Apontou-se na ocasião, ademais, que o § 13 do artigo 195 da CF, hoje já revogado, não configurou, em qualquer momento, supedâneo necessário para a instituição de contribuições substitutivas tais como a do FUNRURAL, inexistindo necessidade de autorização expressa do legislador constitucional para tanto. De fato, o mesmo racional já havia sido apontado pela Corte Suprema em situação análoga: RE 599.309, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 12/12/2019: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ALÍQUOTA ADICIONAL DE 2,5% SOBRE A CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE NA FOLHA DE SALÁRIOS. § 2° DO ART. 3° DA LEI 7.787/1989. CONSTITUCIONALIDADE. EXAÇÃO FUNDADA NOS PRINCÍPIOS DA SOLIDARIEDADE, EQUIDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. POSTULADOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM A SEGURIDADE SOCIAL. APORTES ORIGINADOS DE DISTINTAS FONTES DE CUSTEIO. INEXIGIBILIDADE DE CONTRAPARTIDA. PODER JUDICIÁRIO. ATUAÇÃO COMO LEGISLADOR POSITIVO. IMPOSSIBILIDADE. I - É constitucional a alíquota adicional de 2,5% (dois e meio por cento), estabelecida pelo § 2° do art. 3° da Lei 7.787/1989, incidente sobre a folha de salários de bancos e entidades assemelhadas. II - É defeso ao Poder Judiciário atuar na condição anômala de legislador positivo, com base no princípio da isonomia, para suprimir ou equiparar alíquotas de tributos recolhidos pelas instituições financeiras em relação àquelas suportadas pelas demais pessoas jurídicas. III - Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.” Nesta linha, o voto condutor do julgamento do RE 611.601 destacou que tais substituições estão orientadas a finalidades diversas, como fomentar ou induzir competitividade de setores específicos da economia (tanto no mercado interno ou externo) e estimular a formalização de empregos, com base em valores principiológicos tais como solidariedade, capacidade contributiva e equidade. Sendo certo que se trata de providências e objetivos que são consabidamente tutelados por normas outras da Constituição Federal, extrai-se que a autorização expressa contida no § 13 do artigo 195 do texto constitucional “teria apenas explicitado, conferindo maior segurança jurídica ao assunto, o conteúdo desses preceitos, em especial do art. 145, § 1º”. Foi pontuado, também, que não caberia falar de ofensa à vedação ao bis in idem (que fora aventado porque a COFINS já incidia sobre o faturamento). Isto porque, primeiramente, a contribuição ao FUNRURAL poderia ter sido operacionalizada por simples majoração da COFINS e isenção da contribuição previdenciária patronal, e não se aventaria de qualquer inconstitucionalidade, de modo que a estruturação do mesmo efeito a partir de contribuição substitutiva decorre puramente de opção de técnica legislativa. Em segundo lugar – e, em parte, derivação da observação anterior - destacou-se que a proibição em questão não é absoluta. Assim é que no âmbito federal existem múltiplas exações sobre a folha de salário (contribuição patronal e contribuições a terceiro), lucro (IRPJ e CSL) e faturamento (PIS e COFINS). Nesta linha, desde o julgamento do RE 77.131 (Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO) já se vislumbrara inexistir óbice à dupla incidência de tributação pelo mesmo ente tributante, o que não diferiria do caso em tela: “o que ocorre é justamente isto, a dupla incidência da contribuição sobre o faturamento ou a receita”. Finalmente, afastou-se qualquer cogitação de violação ao princípio da isonomia. Isto porque a premissa da Lei 10.256/2001, ao estabelecer contribuição sobre a produção para agroindústrias, foi, justamente, reconhecer que estas se diferenciam das demais industrias, ao ocupar, simultaneamente, fatias de setores econômicos distintos (rural e industrial). Neste sentido, o seguinte excerto do voto condutor: "Muito se alega que a contribuição da agroindústria sobre a receita da comercialização de sua produção viola o princípio da isonomia tributária. Aponta-se que as demais empresas industriais (mormente aquelas que, não tendo produção própria, industrializam produção rural adquirida de terceiros) contribuem para a seguridade social com base na folha de salários. Também se argumenta haver setores específicos da agroindústria que, mesmo com a Lei nº 10.256/01, continuaram a contribuir para a seguridade social com base na folha de salários. (...) Em segundo lugar, o contexto histórico apresentado é inequívoco quanto ao fato de que as agroindústrias não se equiparam às empresas que industrializam produção apenas adquirida de terceiros. As agroindústrias têm produção própria. A princípio, mormente nos casos em que a mecanização ainda é baixa, as agroindústrias necessitam de mão-de-obra no meio rural. Afora isso, estão elas sujeitas a sazonalidades, especialmente aquelas ligadas à agricultura. Suas receitas, assim, tendem a não ser homogêneas durante todo o ano. Nos períodos de entressafra, v.g., elas não conseguem obter receita oriunda de própria produção, o que dificulta o recolhimento regular da contribuição previdenciária incidente sobre folha de salários, os quais são pagos mês a mês." O crivo legislativo, de todo válido, foi de diferenciar as agroindústrias das indústrias justamente a partir do fato relevante de as primeiras serem dotadas de produção própria. Ora, indústrias não atuam no setor rural, ao passo que agroindústrias sim. Natural, portanto que as últimas estejam igualmente sujeitas, adicionalmente, à tributação recainte sobre a atividade primária. Por outro lado, diferentemente do alegado em apelo, o Supremo Tribunal Federal evidenciou razão válida para tratamento distinto especificamente do setor de produção bovina: “Em primeiro lugar, as agroindústrias de avicultura, suinocultura, piscicultura e carcinicultura não foram incluídas no regime da contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção em razão de suas particularidades, como se viu acima. Recorde-se que essas atividades têm baixa lucratividade, muitas vezes não sendo suficiente para cobrir tal tributação. Se essa fosse aplicada, a própria continuidade dessas atividades ficaria em risco, impactando negativamente os empregos, o desenvolvimento do setor e o mercado de exportação.” A circunstância de produtores rurais (sejam pessoas físicas ou jurídicas) poderem optar por recolher a contribuição ao FUNRURAL sobre a folha de salários ou faturamento de produção decorre de previsão extrínseca e muito posterior à Lei 12.256/2001 (dado que originária da Lei 13.606/2018, em seu artigo 14), que, de sua parte, pretendera, neste aspecto, justamente igualar a tributação dos agentes econômicos do setor rural. Assim, eventual incompatibilidade orgânica da legislação de regência, se o caso, diria respeito à criação da opção (ou, de sua restrição a apenas parte das estruturas econômicas atuantes no setor), mas jamais à própria norma que promoveu, precisamente, isonomia entre os contribuintes. Uma vez mais, os termos do voto condutor do RE 611.601: "Em terceiro lugar, o princípio da isonomia convive com outros princípios constitucionais, principalmente com o princípio da capacidade contributiva. Ora, tendo determinada agroindústria grande receita ou faturamento, pode ela ser chamada a contribuir para a previdência social com recursos proporcionais a tal grandeza. Ainda no tocante à isonomia, é preciso ter sempre em mente que, como registrado acima, um dos motes da política pública ora questionada (estabelecer que a agroindústria contribua com base na receita bruta) foi estimular a formalização do trabalho no meio rural.” Neste mesmo passo, por ótica complementar ao acima explanado, afasta-se, também, a procedência do pleito subsidiário. O fato de a contribuição ao FUNRURAL da agroindústria incidir sobre toda a "comercialização da produção", ainda que a partir de insumos de terceiro, nada mais faz do que refletir a opção do contribuinte de se organizar a partir de atividade mista, tanto rural, quanto industrial, o que, como também destacado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 611.601, encontra respaldo no artigo 195, § 9º, da Constituição Federal (“As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”). Note-se que o artigo 22-A da LOSS define a atividade econômica do contribuinte como “industrialização de produção própria ou de produção própria e adquirida de terceiros”, pelo que nada mais coerente do que a tributação incidir, ao menos, sobre toda a receita da industrialização. Não se trata de providência desproporcional, na medida em que a agroindústria possui caracterização híbrida. Os argumentos do apelo pretendem, em suma, para reduzir tributação, igualar a atividade da agroindústria ora a produtores rurais, ora a indústrias, olvidando que tais simetrias são materialmente inexistentes na realidade fática. Deste modo, o caso é de manutenção da sentença. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. É como voto.
APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA ESPECIAL DE ADMINISTRACAO TRIBUTARIA EM SAO PAULO (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL DEVIDA POR AGROINDÚSTRIAS. ARTIGO 22-A DA LEI 8.212/1991. CONSTITUCIONALIDADE. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL EXAMINADA PELA CORTE SUPREMA. PRETENSÃO DE RESTRIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA EXAÇÃO APENAS À INDUSTRIALIZAÇÃO DE PRODUÇÃO PRÓPRIA. DESCABIMENTO.
1. Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reputou constitucional a contribuição ao FUNRURAL das agroindústrias, tal como prevista no artigo 22-A da Lei 8.212/1991 (RE 611.601, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 24/04/2023).
2. No âmbito da Corte Suprema, prevaleceu a concepção de que a receita bruta da comercialização da produção das agroindústrias é base de cálculo que adequadamente se insere tanto no conceito estrito de faturamento como de receita bruta. Nesta linha, não se tratou de nova fonte de custeio, pelo que não houve malferimento ao § 4º do artigo 195 da Constituição Federal. Por consequência, não houve, tampouco, ofensa à regra constitucional de reserva de lei complementar, dado que, conforme pacífica jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, tal restrição é inaplicável a exações extraídas diretamente do texto constitucional.
3. Apontou-se na ocasião, ademais, que o § 13 do artigo 195 da CF, hoje já revogado, não configurou, em qualquer momento, supedâneo necessário para a instituição de contribuições substitutivas tais como a do FUNRURAL, inexistindo necessidade de autorização expressa do legislador constitucional para tanto. Destacou-se que tais substituições estão orientadas a finalidades diversas, como fomentar ou induzir competitividade de setores específicos da economia (tanto no mercado interno ou externo) e estimular a formalização de empregos, com base em valores principiológicos tais como solidariedade, capacidade contributiva e equidade. Sendo certo que se trata de providências e objetivos que são consabidamente tutelados por normas outras da Constituição Federal, extrai-se que a autorização expressa contida no § 13 do artigo 195 do texto constitucional “teria apenas explicitado, conferindo maior segurança jurídica ao assunto, o conteúdo desses preceitos, em especial do art. 145, § 1º”.
4. Foi pontuado, também, que não caberia falar de ofensa à vedação ao bis in idem (que fora aventado porque a COFINS já incidia sobre o faturamento). Isto porque, primeiramente, a contribuição ao FUNRURAL poderia ter sido operacionalizada por simples majoração da COFINS e isenção da contribuição previdenciária patronal, e não se aventaria de qualquer inconstitucionalidade, de modo que a estruturação do mesmo efeito a partir de contribuição substitutiva decorre puramente de opção de técnica legislativa. Afora tal ponto, registrou-se que a Corte Suprema admite dupla incidência de tributação sobre a mesma grande econômica, desde que pelo mesmo ente tributante.
5. Afastou-se, ainda, qualquer cogitação de violação ao princípio da isonomia. Isto porque a premissa da Lei 10.256/2001, ao estabelecer contribuição sobre a produção para agroindústrias, foi, justamente, reconhecer que estas se diferenciam das demais industrias, ao ocupar, simultaneamente, fatias de setores econômicos distintos (rural e industrial). O crivo legislativo, de todo válido, foi de diferenciar as agroindústrias das indústrias justamente a partir do fato relevante de as primeiras serem dotadas de produção própria.
6. O fato de produtores rurais (sejam pessoas físicas ou jurídicas) poderem optar por recolher a contribuição ao FUNRURAL sobre a folha de salários ou faturamento de produção decorre de previsão extrínseca e muito posterior à Lei 12.256/2001 (dado que originária da Lei 13.606/2018, em seu artigo 14), que, de sua parte, pretendera justamente igualar a tributação dos agentes econômicos do setor rural. Assim, eventual incompatibilidade orgânica da legislação de regência, se o caso, diria respeito à criação da opção (ou, de sua restrição a apenas parte das estruturas econômicas atuantes no setor), mas jamais à própria norma que promoveu, precisamente, isonomia entre os contribuintes.
7. A incidência do FUNRURAL sobre toda a "comercialização da produção" da agroindústria, ainda que a partir de insumos de terceiro, nada mais faz do que refletir a opção do contribuinte de se organizar a partir de atividade mista, tanto rural, quanto industrial, o que, como também destacado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 611.601, encontra respaldo no artigo 195, § 9º, da Constituição Federal (“As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”).
8. Apelo desprovido.