Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021495-97.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AUTOR: UNIÃO FEDERAL

REU: INSTITUTO POLARIS

Advogado do(a) REU: MARCELLO AUGUSTO LIMA VIEIRA DE MELLO - MG80922-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021495-97.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AUTOR: UNIÃO FEDERAL

REU: INST DE ORIENTACAO AS COOPERATIVAS HAB DE SP INOCOOP SP

Advogado do(a) REU: MARCELLO AUGUSTO LIMA VIEIRA DE MELLO - MG80922-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de ação rescisória ajuizada pela UNIÃO FEDERAL com fulcro no art. 966, V, do Código de Processo Civil (CPC), objetivando a desconstituição de julgado proferido nos autos da ação ordinária nº 030708-86.1996.403.6100.

Sustenta, a parte autora, em síntese, que o acórdão rescindendo incorreu em violação a norma jurídica, notadamente os seguintes dispositivos: art. 17 da MP nº 2.180/2.001, art. 1º, "h", e art. 64, ambos do Decreto-Lei nº 9.760/1.946, e art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1.941. Sustenta que demonstrou, nos autos originários, que a área em questão (Sítio Mutinga) era parte do aldeamento de Pinheiros, área de propriedade da União,  que foi objeto de aforamento por sucessivos anos, até  a ocorrência do comisso, sendo legítima a transferência da área ao Exército e a posse por este exercida. Sustenta que é ponto pacífico que a área era aforada e que o domínio direto sempre pertenceu à União. Argumenta que ante a comprovação de domínio pela União, deveria ter o réu ter provado, mediante cadeia dominial ininterrupta, que o imóvel é um bem que passou ao domínio particular mediante venda, doação ou concessão (válida) efetuada pelo Império ou pela própria União, que detém o domínio da área maior, e isto não ocorreu nos autos. Ressalta que o fato de ter sido concedido aforamento já afasta a aplicação da Súmula 650 do STF. Subsidiariamente, argumenta ser incorreta a avaliação do imóvel, vez que não foi utilizada a melhor técnica de consecução do método comparativo, inclusive em descompasso com o disposto no o art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, pelo qual o valor venal deve ser de bem da mesma espécie (ou seja, localizado no mesmo município do imóvel desapropriado indiretamente). Aduz que o valor fixado a título de indenização é exorbitante, violando a razoabilidade e a proporcionalidade, ressaltando, ainda, a existência de entendimento que dá respaldo a suas alegações (constante de voto vencido proferido em ação distinta).

Foi indeferido pedido de concessão de tutela de urgência.

A parte ré apresentou contestação (id 2002408) na qual consta, preliminarmente, impugnação do valor da causa e alegação de decadência. No mérito, argumenta que a União busca rediscutir matéria já julgada e afastada na ação originária, não bastando demonstrar que o acórdão rescindendo interpretou preceito legal de forma equivocada. No mais, afirma que a União busca a rescisão de dois capítulos distintos do acórdão rescindendo (aquele acerca do domínio do imóvel e aquele acerca do método comparativo para calcular o valor da indenização), o que implica em afronta ao §3º do artigo 966 do CPC. Por fim, discorre acerca do conteúdo do julgado e de sua validade. Alega tratar-se de hipótese de litigância de má-fé.

Manifestação à contestação no id 3317608.

Julgando da impugnação ao valor da causa no id 3411519. Contra tal decisão, a parte autora interpôs agravo interno (id 4426731). Foram apresentadas contrarrazões ao recurso (id 6482463). O recurso foi desprovido  por esta Primeira Seção (Id. 30372543). Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados.

Nova apreciação de pedido de tutela de urgência no id 139543599, pelo indeferimento. Contra tal decisão, a parte autora interpôs agravo interno (id 260016470).

As partes apresentaram alegações finais.

Manifestação do Ministério Público Federal no sentido de que a demanda abrange direito disponível, sem repercussão social, não se justificando a intervenção ministerial.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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1ª Seção
 

AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021495-97.2017.4.03.0000

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

AUTOR: UNIÃO FEDERAL

REU: INST DE ORIENTACAO AS COOPERATIVAS HAB DE SP INOCOOP SP

Advogado do(a) REU: MARCELLO AUGUSTO LIMA VIEIRA DE MELLO - MG80922-A

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V O T O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator):  O termo inicial do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória corresponde à data a partir da qual não são mais cabíveis recursos em face da última decisão, e não à data da certidão de trânsito em julgado (que apenas atesta a existência de coisa julgada). Confira-se:

AÇÃO RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO. DECADÊNCIA OCORRIDA. PROCESSO EXTINTO, COM JULGAMENTO DE MÉRITO.

1. Os autos retornaram do STJ, que deu provimento ao recurso especial da União, determinando a reforma do acórdão recorrido e a verificação da ocorrência da decadência do direito de propor a ação rescisória.

2. O entendimento assente no STJ é o de que a certidão de trânsito em julgado apenas atesta que o processo transitou em julgado.

3. O termo inicial do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, portanto, corresponde à data a partir da qual não são mais cabíveis recursos em face da última decisão, e não à data da certidão de trânsito em julgado. Precedentes.

4. Analisando os autos, verifico que a última decisão dos autos originários foi prolatada em 23.05.2006 e publicada no D.O.U. em 26.05.2006; o último dia para a interposição de recurso em face da referida decisão, portanto, foi em 12.06.2006.

5. A certidão de trânsito em julgado, por sua vez, foi expedida vários meses depois, em 29.03.2007.

6. O prazo decadencial para a propositura de ação rescisória iniciou-se, portanto, em 12.06.2006 – data a partir da qual não eram mais cabíveis recursos em face da última decisão – e findou em 12.06.2008; intempestiva a presente ação rescisória, pois ajuizada em 20.03.2009, data posterior ao biênio decadencial.

7. Processo extinto, com julgamento de mérito, em razão da decadência.

(TRF3. AÇÃO RESCISÓRIA / SP 0009097-87.2009.4.03.0000. Primeira Seção. Relator: Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS. Data do Julgamento: 06/08/2023 Data da Publicação/Fonte: DJEN, 09/08/2023)

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESCISÓRIA. PRAZO DECADENCIAL. CONTAGEM. TRÂNSITO EM JULGADO. SÚMULA 7/STJ. AFASTADA.

(...)

2. O posicionamento deste Tribunal Superior está sedimentado no sentido de que "a decadência do direito de propor a ação rescisória se comprova pelo trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, aferido pelo transcurso do prazo recursal e não unicamente pela certidão de trânsito em julgado, a qual apenas certifica que a decisão transitou em julgado" (AR 4.665/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe 19/5/2016).

3. Agravo interno a que se nega provimento.”

(STJ. AgInt no REsp n. 1.877.751/SP, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 11/10/2021, DJe de 18/10/2021)

 

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO IMPUGNADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. RENÚNCIA AO PRAZO RECURSAL. EFEITOS IMEDIATOS. TRÂNSITO EM JULGADO. CÔMPUTO. CIÊNCIA DA PARTE EX ADVERSA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA.

(...)

5. "É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que a decadência do direito de propor a ação rescisória se comprova pelo trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, aferido pelo transcurso do prazo recursal e não unicamente pela certidão de trânsito em julgado, a qual apenas certifica que a decisão transitou em julgado" (AR 4.665/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 19/05/2016)

6. (...)

10. Recurso especial do Banco Santander Brasil S/A e Outros conhecido e provido. Recurso especial da Fazenda Nacional prejudicado.”

(STJ. REsp n. 1.344.716/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/5/2020, DJe de 12/5/2020.)

No caso dos autos, os prazos recursais da ação de origem foram regidos pelo CPC/1973, daí porque certidão (lançada em 10/11/2015) dá conta de que o trânsito ocorreu em 09/11/2015 (Id. 1343658 - Pág. 91, destes presentes), tudo sob a regência do CPC/1973. Por sua vez, a presente ação rescisória foi ajuizada em 09/11/2017.

A controvérsia a ser dirimida é se o conteúdo da certidão está correto e, se incorreto, qual efeito processual o mesmo provoca se a parte se pauta pela informação imprecisa do Poder Judiciário para o ajuizamento de ação rescisória.

Compulsando os autos, verifico que a decisão que não admitiu recurso especial interposto contra o julgado proferido por esta Corte foi disponibilizada no DJe/STJ em 21/10/2015.  A União, ora autora, apenas foi intimada em 22/10/2015, com ciente, conforme mandado arquivado na coordenadoria local.

Esclareço que não consta dos autos comprovante de vista dos autos à União Federal, eis que se trata de autos que tramitaram no STJ sob a forma digital. E em consulta ao andamento dos autos do AREsp 663080/SP, consta a seguinte observação a respeito: “Arquivamento de documento Mandado de Intimação nº 002270-2015-CORD1T (Decisões e Vistas) com ciente em 22/10/2015”.

Os autos tramitaram sob a forma digital, não cabendo falar em remessa para vista pessoal. Assim, o início do prazo para interposição de recurso teve início em 23/10/2015 (sexta-feira), dia seguinte à data da intimação pessoal da União Federal, ocorrida em 22/10/2015.

Eis o teor do artigo 188 do CPC/1973, vigente à época:

“Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte  for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.” (sem destaques no original)

De outro lado, o art. 28 da Lei nº 8.038/1990, vigente à época dos fatos (eis que só revogado pela entrada em vigor do atual CPC/2015), previa prazo de cinco dias para a interposição do recurso em discussão:

“Art. 28 - Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso.              (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) 

§ 1º - Cada agravo de instrumento será instruído com as peças que forem indicadas pelo agravante e pelo agravado, dele constando, obrigatoriamente, além das mencionadas no parágrafo único do art. 523 do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido, a petição de interposição do recurso e as contra-razões, se houver. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) 

§ 2º - Distribuído o agravo de instrumento, o relator proferirá decisão. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)  

§ 3º - Na hipótese de provimento, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito do recurso especial, o relator determinará, desde logo, sua inclusão em pauta, observando-se, daí por diante, o procedimento relativo àqueles recursos, admitida a sustentação oral. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)  

§ 4º - O disposto no parágrafo anterior aplica-se também ao agravo de instrumento contra denegação de recurso extraordinário, salvo quando, na mesma causa, houver recurso especial admitido e que deva ser julgado em primeiro lugar. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015)  

§ 5º - Da decisão do relator que negar seguimento ou provimento ao agravo de instrumento, caberá agravo para o órgão julgador no prazo de cinco dias. (Revogado pela Lei n º 13.105, de 2015) ” (sem destaques no original)

No caso dos autos, considerando o prazo a que faz jus a União Federal, e a existência de feriado em 02/11/2015 (segunda-feira), conclui-se que o trânsito em julgado da decisão rescindenda deu-se, efetivamente, em 03/11/2015. Portanto, incorreta a data da certidão constante dos autos. Assim, quando ajuizada a presente ação rescisória, em 09/11/2017, já havia expirado o prazo decadencial previsto no art. 975 do CPC.

Contudo, na ação em discussão, a parte autora foi levada a erro pelo próprio Judiciário. A certidão, que é dotada de fé pública, mencionou expressamente a data da suposta ocorrência do transito em julgado. Nesse caso, não vejo como acolher a alegação de decadência, eis que a ação foi proposta no prazo de dois anos contados da data mencionada na certidão.

Como visto acima, não se trata de desconhecer o entendimento acima mencionado, de que o termo inicial do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória corresponde à data a partir da qual não são mais cabíveis recursos em face da última decisão, e não à data da certidão de trânsito em julgado.

Ocorre que a situação aqui tratada é distinta dos casos em que há apenas certidão atestando o trânsito em julgado, em indicação precisa em que tal ocorreu (em que apenas atesta-se que o transito em julgado ocorreu). Trata-se de situações em que a parte interessada simplesmente adota como correta a data da emissão, sem efetuar a verificação que estava em seu encargo – é o caso, por exemplo da Ação Rescisória 0009097-87.2009.4.03.0000, cuja ementa foi acima transcrita.

No caso dos autos, a parte depositou confiança justificada na informação prestada, de maneira específica, pela Serventia. Não há, assim, que penalizá-la pela confiança depositada. Não se cuida, afinal, de certidão que meramente atestou a ocorrência de transito em julgado: houve indicação precisa da data em que isto teria ocorrido.

Rejeito, assim, a alegação de decadência. Passo, portanto, à análise do mérito da ação rescisória.

A coisa julgada é garantia fundamental que ampara a segurança jurídica (art. 5º, XXXI da Constituição), e sua preservação é a regra geral no Estado de Direito brasileiro, de modo que sua rescisão é exceção subordinada a hipóteses legais interpretadas restritivamente. Contudo, a coisa julgada não é um fim em si mesmo ao ponto de ser defendida a qualquer custo (especialmente se formada com irregularidades), mesmo porque a segurança jurídica se projeta para a preservação dos efeitos jurídicos de atos passados, bem como para certeza possível do presente e para previsibilidade elementar do futuro.

Previstas no art. 966 do CPC/2015, as hipóteses que permitem a ação rescisória envolvem vícios, erros e conflitos que colocam determinada coisa julgada em conflito com o funcionamento lógico-racional do sistema jurídico. Sendo o caso de rescindir a decisão transitada em julgado (juízo rescidendo), o feito originário deve ser rejulgado para sanar a irregularidade em sua extensão (juízo rescisório), mostrando que a ação rescisória é inconfundível com as vias recursais.

A presente ação rescisória pretende a rescisão de acórdão deste e.TRF com base no art. 966, V (violação manifesta de norma jurídica), do CPC/2015:

Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

V - violar manifestamente norma jurídica;

(...)

§ 5º Cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)

§ 6º Quando a ação rescisória fundar-se na hipótese do § 5º deste artigo, caberá ao autor, sob pena de inépcia, demonstrar, fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou de questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)”

O art. 485, V, do CPC/1973 previa o cabimento de ação rescisória em caso de violação literal de lei, ao passo em que o art. 966, V, do CPC/2015 permite o juízo rescidendo se constatada a violação manifesta de norma jurídica. A redação do CPC/2015 atende à premissa que o texto (em sua literalidade) é o ponto de partida para que dele seja extraído o comando normativo pela interpretação do conjunto de elementos que compõem o âmbito social (no tempo e no espaço).

Nos moldes do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC/2015, a violação manifesta de norma jurídica se materializa quando o julgado se apoiar em entendimento inaceitável pelo sistema jurídico, compreendendo tanto omissão sobre a existência de preceito normativo (constituições, leis, etc., bem como súmulas vinculantes e demais decisões obrigatórias derivadas do mecanismo de precedentes) quanto interpretação claramente incoerente, má ou teratológica. Não caberá ação rescisória como sucedâneo recursal para rever coisa julgada fundamentada em uma dentre várias interpretações aceitáveis (ainda que não seja a predominante). A esse respeito, há ampla jurisprudência no e.STJ, como se nota nos seguintes casos: AgInt na AR n. 6.839/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 13/12/2022, DJe de 15/12/2022; AR n. 6.335/DF, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 14/12/2022, DJe de 20/12/2022; AgInt no REsp n. 1.960.713/SC, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 31/3/2022; e AgInt no AREsp n. 1.238.929/SP, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 13/6/2022, DJe de 21/6/2022). Por isso, a Súmula 343 do c.STF é categórica ao rejeitar a rescisão baseada em interpretação controvertida ("Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais").

O marco temporal para a demonstração da interpretação controvertida que impede o juízo rescindendo é momento no qual foi lançada a decisão que transitou em julgado, mas se a coisa julgada transgrediu (de modo evidente, direto e manifesto) a compreensão jurídica que já vinha sendo dada, que era empregada quando o julgamento foi feito e que permaneceu aplicável, há manifesta violação de norma jurídica (compreendida pela combinação de texto e de interpretação). A esse respeito, no e.ST, cito como exemplos: AgInt na AR 2990 / SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe de 17/10/2017; AgRg na AR n. 5.300/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, CORTE ESPECIAL, DJe de 5/3/2014; e AgInt na AR n. 4.821/RN, relator Ministro Marco Buzzi, Segunda Seção, julgado em 13/3/2019, DJe de 18/3/2019. Diversa é a situação da coisa julgada que contraria julgado vinculante ou obrigatório do c.STF ou do e.STJ, pois nesse caso é inexigível esse marco temporal em favor da unificação dos pronunciamentos judiciais e da isonomia.

No caso dos autos, o acórdão rescindendo encontra-se copiado no Id. 1343654 - Pág. 183/193.

Inicialmente, havia sido proferida sentença que julgou procedente o pedido indenizatório e declarou incorporado ao patrimônio da expropriante a área de 176.105,44 m, correspondente à Gleba I, mediante o pagamento ao autor expropriado da importância de R$ 20.725.793,96 (04/2007), a ser corrigida na forma do Provimento Core, de 27 de novembro de 2009, consolidação do Provimento Coge nº 64, de 28 de abril de 2005, desde a data do laudo. Registrou-se que a tal valor seriam acrescidos juros moratórios, de 6% ao ano, a contar do trânsito em julgado, e juros compensatórios, de 12% ao ano, a contar do mês seguinte ao do apossamento administrativo. Houve, no mais, condenação ao pagamento de honorários e disposições acerca da atualização, além de extinção de denunciação da lide por perda de objeto. Consta cópia da sentença no Id. 1343654 - Pág. 83/105.

O julgado rescindendo, por sua vez, deu parcial provimento à remessa oficial e ao apelo interposto pela União Federal, para reduzir o valor da indenização e determinar a incidência de juros compensatórios. O julgado foi assim ementado:

“ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. RECONHECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE DA AUTORA. APOSSAMENTO DO IMÓVEL PELO PODER PÚBLICO: IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DO BEM. PROVA PERICIAL QUE REFLETE A REALIDADE FÁTICA: VALIDADE. DESPESAS EFETUADAS COM A ELABORAÇÃO DE PROJETOS ARQUITETÔNICOS E DE ENGENHARIA: IMPOSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO. JUROS COMPENSATÓRIOS E MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. A parte autora é a legítima proprietária do imóvel denominado "Gleba I", parcela do "Sítio Mutinga", situada no Jardim Piratininga, com área de 176.105,44 m², matriculado sob o nº 9.571 no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Osasco/SP.

2. A documentação ofertada pela Gerência Regional do Patrimônio da União em São Paulo - GRPU/SP não traz elementos com objetividade suficiente a comprovar o domínio da União sobre o bem em questão. A matrícula nº 16.020 do Cartório de Registro de Imóveis de Osasco, suposto título indicativo da titularidade do Poder Público sobre a referida área, foi cancelada pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

3. A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal assevera a ausência de interesse processual da União nas causas que envolvam extintos aldeamentos indígenas, em razão da inexistência de domínio daquele ente federativo sobre tais terrenos. Aplicação da Súmula 650 do STF.

4. Evidenciado o apossamento da propriedade pelo Poder Público e a efetiva destinação pública conferida ao bem imóvel (ocupação da área por unidade do Exército Brasileiro), elementos suficientes para incorporá-lo ao patrimônio público e, por conseguinte, afastar o pleito de restituição do bem em discussão.

5. Encontrando-se presentes os requisitos configuradores da desapropriação indireta, quais sejam, o efetivo apossamento do bem pelo Poder Público e a irreversibilidade ou definitividade da situação, é de se concluir pela procedência do pleito indenizatório formulado em caráter sucessivo.

6. Não se vislumbra a existência de irregularidade no método de avaliação comparativo adotado pelo perito judicial. A prova pericial produzida bem reflete a realidade fática daquela região, tendo sido o laudo elaborado com base em elementos de pesquisa similares e situados todos na mesma localidade.

7. Na desapropriação indireta, o prejuízo decorrente da perda da posse do imóvel é ressarcido mediante o cômputo dos juros compensatórios, não sendo possível a indenização de outras alegadas perdas que não o próprio imóvel. Ainda que assim não se entenda, a autora não colacionou aos autos nenhum elemento de prova indicativo das despesas efetuadas com a elaboração dos projetos arquitetônicos e de engenharia.

8. Possibilidade de cumulação em ação de desapropriação de juros compensatórios e moratórios. Aplicação das Súmulas 12 e 102 do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, com a novel redação do artigo 15-B do Decreto-lei 3.365/41, essa cumulatividade não mais ocorre, pois os juros compensatórios são computados apenas até a emissão do precatório, e os moratórios iniciam-se apenas no exercício seguinte àquele em que o precatório deveria ter sido pago. Precedentes.

9. Os juros compensatórios incidem ainda que o imóvel seja improdutivo, mas suscetível de produção. Precedentes.

10. Na desapropriação indireta, os juros compensatórios incidem a partir da ocupação do imóvel. Aplicação das Súmulas 69 e 114 do STJ.

11. Ocorrido o apossamento administrativo do imóvel desapropriado em março de 1985, os juros compensatórios devem ser calculados a partir da referida data, nos percentuais indicados na Súmula 408 do Superior Tribunal de Justiça.

12. O arbitramento dos honorários advocatícios em 5% (cinco por cento) do valor da condenação, fixado na sentença, está em consonância com a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça.

13. Apelação e remessa oficial parcialmente providas.”

Registro, de início, que o § 3º do art. 966 do CPC, que prescreve que a ação rescisória pode ter por objeto apenas um capítulo da decisão, apenas indica ser viável o requerimento de rescisão apenas parcial do julgado. Incorreto o entendimento da parte ré no sentido de que seria inviável, com base no dispositivo, o requerimento de rescisão de mais de um capítulo do julgado.

Assentado este aspecto, não vislumbro, no caso dos autos, violação do disposto no art. 17 da MP nº 2.180/2.001 e art. 1º, "h", e art. 64, ambos do Decreto-Lei nº 9.760/1946.

É certo que de acordo com o art. 1º, “h”, do Decreto-Lei nº 9.760/1946, incluem-se entre os bens imóveis da União os terrenos dos extintos aldeamentos de índios e das colônias militares que não tenham passado, legalmente, para o domínio dos Estados, Municípios ou particulares. O art. 64, por sua vez, admite que os bens imóveis da União não utilizados em serviço público poderão, qualquer que seja a sua natureza, ser alugados, aforados ou cedidos.

Ocorre que o referido ato normativo foi alvo de controvérsia quanto à sua recepção pela ordem constitucional superveniente. Convém lembrar que a Carta de 1937 dava ampla capacitação normativa ao Poder Executivo (refletida no art. 73, segundo o qual o Presidente da República era a autoridade suprema do Estado Novo). Disso decorre que as regras constitucionais relativas ao processo legislativo não foram substancialmente aplicadas (pelas características do regime político implantado), tendo em vista que a ordem constitucional confiou as funções Constituintes de reforma ao Executivo (autorizado a editar leis constitucionais, consoante o art. 174, § 4º), bem como atribuições para a edição de decretos-leis (arts. 12 a 14, ainda que com certas restrições, que desapareciam na ampla competência para produção desses atos, constante do art. 180, aplicável até que o Parlamento se reunisse). Decorre daí o argumento de que o aludido Decreto-Lei teria sido ab-rogado já pela Constituição de 1946.

Esse, aliás, foi o posicionamento adotado pelo juízo prolator da sentença cuja rescisão ora se pretende, que encontra eco em decisões proferidas por esta Corte. Nesse sentido, o processo nº 96030510068/SP, 2ª Turma, DJ de 25/06/1997, pág. 48232, Rel. Des. Célio Benevides, v.u, no qual restou assentado que "as terras situadas nos antigos aldeamentos indígenas de São Miguel e Guarulhos e Pinheiros e Barueri não pertencem à União Federal. O Decreto-Lei n.9.760-46, invocado pela União Federal, ou assumiu a natureza de Emenda Constitucional à Carta de 1937 e foi revogada pela Constituição de 1946 ou, como norma inferior, não foi recebido pela nova ordem." Na mesma linha o AG 163214 (Processo 200203000385445/SP), 2ª Turma, DJU de 15/04/2003, pág. 407, Rel. Des. Federal Aricê Amaral, por unanimidade, afirmou-se que "as áreas de terrenos localizados na região do antigo aldeamento indígena de Pinheiros - Barueri não se incluem entre os bens de titularidade da União Federal, eis que o Decreto-Lei nº 9760/46, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1946. Precedentes desta Corte de Justiça e do Colendo Supremo Tribunal Federal. No caso, acresce considerar que a documentação do SPU não traz elementos com objetividade suficiente a comprovar o domínio em questão”.

De outro lado, o Decreto-Lei nº 9.760/1946 continua sendo aplicado quando não demonstrada incompatibilidade com a legislação superveniente. Além de passar por constantes alterações (lei nº 11.481/2007, Lei nº 13.139/2015,  Lei nº 13.874/2019, Lei nº 14.474/2022, etc..) já teve dispositivos expressamente declarados como tendo sido recepcionados pela ordem constitucional vigente, a exemplo do art. 1º, “c”, objeto da ADPF 1.008/DF, julgada em 22/05/2023.

Portanto, apesar da controvérsia sobre a vigência dos dispositivos invocados pela União, o que afastaria a pretensão de reforma da decisão combatida com fundamento no art. 966, V, do CPC, é preciso reconhecer que o art. 1º, “h”, do Decreto-Lei nº 9.760/1946 não deve incidir no caso concreto. A par da posterior edição da Súmula 650, segundo a qual “os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”, o fato é que restou demonstrado que a titularidade da área controvertida já se encontrava em nome de particulares ao menos desde 1912, conforme transcrição nº 70.513, de 03/12/1912, do 1º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, ou seja, muito antes da edição do Decreto-Lei nº 9.760/1946.

Melhor sorte não socorre a União em relação à alegada violação do art. 64, do Decreto-Lei nº 9.760/1946, que autoriza a locação, aforamento ou cessão dos bens imóveis da União não utilizados em serviço público, e ainda do art. 17, II, da MP nº 2180-35/2001 (cujos efeitos se prolongam por força do art. 2º da Emenda Constitucional nº 32/2001) que impede que a União reivindique o domínio de terras originárias de aldeamentos indígenas extintos anteriormente a 24/02/1891, ou confiscadas aos Jesuítas até aquela data, impondo-lhe a desistência de reivindicações que tenham como objeto referido domínio, exceção feita, entre outras, às áreas submetidas ao regime enfitêutico.

Ao invocar esses dispositivos, a União pretende demonstrar que mesmo não sendo reconhecido o domínio da área por se tratar de aldeamento extinto, ocupada por indígenas em passado remoto, a instituição do aforamento seria suficiente para o reconhecimento do domínio direto. Para tanto, seria necessária a apresentação de prova nesse sentido, ao que não se presta a genérica carta de aforamento que integra a petição de fls. 632/647 dos autos físicos, principalmente quando contraposta à documentação trazida pela parte autora, em especial as matrículas dos Cartórios de Registros de Imóveis, destinadas  justamente a garantir a segurança do regime jurídico aplicado aos direitos reais.

Acrescento, ainda em relação à MP nº. 2.180/2001, invocada pela União, não há como incluir o imóvel sob disputa na conformação prevista no inciso II, do art. 17, como quer fazer crer o ente estatal. Note-se que o parágrafo único desse mesmo artigo exigiu que a Secretaria do Patrimônio da União indicasse, no prazo de 120 dias, as áreas ou imóveis que se adequariam às ressalvas previstas nos incisos I a III, do mencionado dispositivo, providência sobre cujo atendimento, passados mais de vinte anos, não se tem notícia, ao menos em relação à área sob litígio. Assim, alegações dando conta da existência de ações esparsas que visavam revigorar aforamentos antes existentes na região, verificadas há mais de meio século, são insuficientes para suprir tal omissão de modo a conferir ao imóvel a natureza de bem público.

Ademais, esta E. Corte, em reiteradas oportunidades vem se pronunciando pela ausência de interesse da União em relação a imóveis localizados na área correspondente ao denominado Sítio Mutinga, em Osasco/SP:

AGRAVO LEGAL. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 557 DO CPC DE 1973. USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O julgamento monocrático se deu segundo as atribuições conferidas ao Relator pelo artigo 557 do Código de Processo Civil de 1973, em sua redação primitiva. 2. Tratando-se de agravo legal interposto na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e observando-se o princípio "tempus regit actum", os requisitos de admissibilidade recursal são aqueles nele estabelecidos (Enunciado nº 02 do Superior Tribunal de Justiça). 3. Por ocasião do julgamento do recurso, contudo, dever-se-á observar o disposto no §3º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil de 2015. 4. O conflito diz respeito à ação de usucapião que tem como objeto imóvel que a agravante alega ser de sua propriedade, localizado dentro do perímetro do Sítio Mutinga. 5. A controvérsia acerca da existência de interesse da União em ação de usucapião que tem como objeto área inserta no denominado Sítio Mutinga já foi enfrentada por esta Corte. Destarte, ao debater o tema, restou pacificado o entendimento de que a União não detém interesse nas ações de usucapião envolvendo imóveis situados em antigos aldeamentos indígenas. 6. Comprovado nos autos que a área foi há muito consignada ao domínio de particulares (Certidão do Segundo Cartório de Registro de Imóveis de Osasco/SP), incidindo a previsão excludente da alínea "h", artigo 1.º, do Decreto-Lei nº 9.760/46 de que o imóvel pertence a particulares, não devendo prevalecer o domínio presumível alegado pela União. 7. Não foi apresentada a mencionada "documentação expedida pelo seu Serviço de Patrimônio" que comprovaria que a área em questão é de propriedade da União, não se desincumbindo das regras atinentes ao ônus da prova, nos termos do art. 373 do Código de Processo Civil de 2015. 8. Agravo legal desprovido. (AI 0027619-55.2015.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/06/2017)

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. ASSISTÊNCIA. LEI N. 9.469/97. MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. COHAB. INTERESSE JURÍDICO. INTERESSE ECONÔMICO. POSSESSÓRIA. POSSE. PROVA. PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1. A Municipalidade de São Paulo não tem interesse jurídico para intervir no processo, sob o fundamento de que a parte dele integrante seria sociedade de economia mista municipal. Há autonomia da pessoa jurídica, posto que constituída, escusado dizer, para alcançar finalidades de caráter público. Por outro lado, não está satisfatoriamente delineado seu interesse econômico, pois, segundo a petição inicial, não fica excluído o aporte de recursos federais para a consecução da política pública (habitacional). 2. O laudo pericial demonstra uma cadeia de transmissão da propriedade entre particulares desde pelo menos o século XIX, sendo de ressaltar que os herdeiros de Júlio Ribeiro da Silva alienam em 1938 o imóvel ao IAPI, instituto federal de previdência que, por sua vez, aliena-o ao BNH em 1974; este último destaca o que se chamou de "gleba norte", vendendo-a à apelante em 08/09/1980, sob a matrícula de número 7.202. 3. A propriedade imobiliária no Brasil é constituída pelo registro imobiliário. Mesmo as pessoas públicas devem realizar os registros de seus imóveis e, quando for o caso, requerer a anulação dos registros e atos que atentem contra a sua propriedade. Não é o que consta dos autos, em que se verifica toda uma cadeia dominial constituída entre particulares, com registros em cartório, e contra a qual a União não se insurgiu pelos meios judiciais devidos. Mesmo a matrícula de nº 16.020, que constituiu a seu favor em 06/05/1985, foi cancelada pelo Desembargador Sylvio Amaral em 17/06/1987, não tendo vindo aos autos qualquer notícia de reversão administrativa ou judicial deste ato que, portanto, goza de presunção de legitimidade. 4. Outro aspecto em favor da propriedade da apelante é o fato de que transacionou com uma autarquia federal, o BNH, sendo que este adquirira o imóvel de outra autarquia federal, o IAPI. Ora, tudo está a revestir as transações da aparência do bom direito e do próprio consentimento tácito da União, uma vez que detinha sobre tais entes poder de supervisão e podia ter garantido o que considerava ser direito seu. 5. Está a Súmula 650 do STF a lembrar que os aldeamentos indígenas extintos não constituem bens da União, e isso já desde a Constituição de 1891, havendo notícia nos autos que desde 1768 o Sítio Mutinga e o Sítio da Várzea, oriundos ao Aldeamento de Pinheiros, foram aforados a particulares, indicando a inexistência de indígenas na área. (ADI 255, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-3-2011, Plenário, DJE de 24-5-2011.) No mesmo sentido: RE 212.251, rel. min. Ilmar Galvão julgamento em 23-6-1998, Primeira Turma, DJ de 16-10-1998. 6. Está devidamente comprovada a propriedade da apelante sobre a área em questão, sendo que na presente ação a posse foi disputada com base na propriedade, o que é possível nos termos da Súmula 487 do STF. 7. A questão da propriedade avulta ainda como decisiva no caso, pois patente a impossibilidade de restituição do imóvel à apelante, conferida que lhe foi a natureza de bem público de uso especial, com a instalação no local de um quartel do Exército. 8. É devida a justa reparação à apelante, nos termos do art. 35 do Decreto-lei 3.365/1941, fixada com base no laudo pericial encartado nos autos em R$ 140.000.000,00 (cento e quarenta milhões de reais), em valores de julho 2008. Indevida a reparação com base no uso do imóvel, na forma requerida pela apelante que, contudo, fará jus sobre o citado valor às majorações próprias das desapropriações indiretas, nos termos do manual de cálculos da Justiça Federal. 9. Condenação da União ao pagamento das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 3.000,00. 10. Pedido de assistência indeferido. Apelação da COHAB provida parcialmente. (EI 0748261-91.1985.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. INTERVENÇÃO DA UNIÃO NO FEITO. ALEGAÇÃO DE DOMÍNIO. NÃO COMPROVAÇÃO. ILEGITIMIDADE RECONHECIDA. 1. A decisão de primeira instância está lastreada na análise do conjunto probatório carreado aos autos principais, estando devidamente fundamentada. Diante disso, e tendo em vista que a ora agravante não logrou demonstrar com provas concretas o desacerto dessa decisão, mantidos seus fundamentos. 2. Mostra-se inconteste o registro do imóvel usucapiendo no Cartório de Registro de Imóveis de Osasco em nome de particulares (matrícula n.º 12.122 do 2º Cartório de Registro de Imóveis de Osasco - fls. 59/60). Uma vez que inexiste presunção juris tantum de domínio do Estado, e que no direito brasileiro o registro do título translativo no Registro de Imóveis gera presunção relativa do direito real de propriedade, cabe a ele o ônus da prova de que as terras são públicas, pois como tal não se presumem. 3. Outrossim, como salientou o d. magistrado, é fato que "...a simples alegação do órgão da União no sentido de que o terreno em passado distante foi aldeamento indígena não é suficiente para demonstrar a propriedade do imóvel em questão e, por consequência, o seu interesse no feito." (fl. 346v, fl. 326v dos autos principais). 4. Por outro lado, nota-se que a Informação n.º 231/CI/2010 dá conta de que aforamento foi concedido em 1768, regularmente transferido em 1833 (fls. 206/207, 189/190 dos autos principais) e declarado caduco nos autos do Proc. n.º 1.702/942 (fl. 217, fl. 200 dos autos principais), a despeito do relato da União de que a área foi aforada e vem sendo objeto de ações que visam revigorar os aforamentos. 5. Ademais, de fato a agravante alega que a área objeto da presente ação se insere dentro do perímetro do Sítio Mutinga que não se confunde com os extintos aldeamentos indígenas de Pinheiros e Barueri. A despeito disso, conforme dispõe a Informação n.º 231/CI/2010, "O lote usucapiendo se insere na área do Sítio Mutinga, pertencente ao Extinto Aldeamento Pinheiros-Barueri e originalmente aforada pela União" (fl. 206, fl. 189 dos autos principais). 6. Diante disso, reiterados os fundamentos do Juízo a quo: "...a inexistência de interesse da União em ações de usucapião de imóvel supostamente no interior de perímetro de extinto aldeamento indígena ficou assente em jurisprudência reiterada de nossos Tribunais, ensejando a aplicação dos princípios da economia, da celeridade e da razoabilidade para, excluída do processo, reconhecer a competência da Justiça do Estado." (fl. 348, fl. 328 dos autos principais). 7. Havendo registro formal do imóvel (fls. 46/48) em nome de particulares, estabelece-se a presunção juris tantum de domínio por parte daquele em nome de quem se realiza o registro. Compete à União, pois, provar seu interesse no feito não com alegações genéricas, mas com provas aptas a desconstituir tal presunção legal. Não pode a União ingressar no feito com base em interesses hipotéticos e sem embasamento sólido, mormente quando tais interesses são contrapostos a ocupações antigas e escrituras oficiais, dotadas de presunção relativa de veracidade e legitimidade. Nesse sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fl. 358). Orientação expressa emanada pelo E. STF, assentada na Súmula nº 650. 8. Aldeamentos de há muito extintos, sem terem suas terras utilizadas ou protegidas (fática ou juridicamente) pela União, não obedecem a nenhum critério legal para serem enquadrados, nem ao menos em tese, como bens do ente federal. Precedentes desta E. Corte em casos análogos. 9. A alegação de que essa área possui a peculiaridade (em relação ao restante do antigo Aldeamento Pinheiros-Barueri) de ter sido objeto de aforamento igualmente deve ser rejeitada. Deveras, conforme entendimento jurisprudencial já assentado, e por força de disposição legal expressa (Código Civil, art. 2.038, caput), é vedada a constituição de novas enfiteuses. No caso dos autos, porém, não restou demonstrada a existência de enfiteuse. 9.1. Do compulsar dos autos nota-se que não consta da matrícula do imóvel (fls. 46/48) a inscrição desse direito real sobre imóvel usucapiendo, e também não há outra espécie de documento ou anotação registral que ateste que o imóvel em questão é objeto de enfiteuse. No entanto, por força do princípio da publicidade, aplicável a todos os direitos reais, nos termos inequívocos do art. 1227 do Código Civil e do art. 676 do Código Civil de 1916 (este ainda vigente no que toca ao regime jurídico da enfiteuse), seria necessária a inscrição desse direito real para seu reconhecimento. 9.2. Documentos esparsos, sem a devida coordenação lógica e cronológica, e emitidos unilateralmente por órgãos da União há mais de cinco décadas não têm o condão de elidir a fé pública e a presunção de veracidade e legitimidade da escritura pública do imóvel. Não se contesta aqui que os atos administrativos unilaterais possuem, igualmente, presunção de veracidade e legitimidade. Contudo, no confronto entre atos igualmente dotados de fé pública e presunção de veracidade, deve-se ponderar qual é o ato mais coeso e consentâneo com o conjunto probatório carreado nos autos. A inércia da União por décadas em relação a seus supostos direitos sobre a área somente vem a reforçar a dubiedade dos documentos aqui trazidos. Outrossim, o princípio da proteção da confiança deve prevalecer em situações como a analisada, visto que relações econômicas e familiares se estabeleceram por muitas décadas escudadas em informações públicas (e dotadas de fé pública) repassadas pelo Estado brasileiro, mediante os dados das matrículas dos Cartórios de Registros de Imóveis, matrículas estas dotadas de publicidade e aptas - nos termos do próprio ordenamento jurídico - a dar a estabilidade e a segurança inerentes ao regime jurídico dos direitos reais. Foi com base nessas informações públicas que se assentaram referidas relações e se estabilizaram cadeias dominiais reconhecidas em documentos públicos atestados por oficiais de registro de imóveis. Não se pode, com base em documentos esparsos que apenas trazem indícios de aforamento longínquo (por exemplo, a declaração de caducidade de aforamento, emitida em 1943 - fl.217), considerar o ente federal como apto a intervir no processo principal. 10. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (AI 0029699-60.2013.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/08/2014)

PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXTINTO ALDEAMENTO INDÍGENA. AUSÊNCIA DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. POSTERIOR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA PELO ESTADO DE SÃO PAULO. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE DE AGIR. NECESSIDADE DE DISCUSSÃO EM AÇÃO AUTÔNOMA. INDENIZAÇÃO. PERDAS E DANOS. INADMISSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA. UNIÃO. 1. A posse do imóvel é disputada pelas partes com base no domínio, razão pela qual é cabível a ação possessória nos termos da Súmula n. 487 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada". 2. A inexistência de propriedade da União de imóvel supostamente no interior de perímetro de extinto aldeamento indígena foi proclamada em jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AGA n. 809.664, Rel. Min. Adir Passarinho Júnior, j. 14.08.07; CC n. 18.604, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 27.09.00; REsp n. 185.976, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, j. 18.11.99; REsp n. 134.656, Rel. Min. Nilson Naves, j. 20.04.99; REsp n.132.602, Rel. Min. Nilson Naves, j. 15.04.99; REsp n. 195.327, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 04.03.99). 3. A propriedade do imóvel por parte da Petrobrás é comprovada pelo contrato de compra e venda celebrado com o BNH e pelo registro da transferência no 2º Cartório de Registro de Imóveis de Osasco. Por outro lado, as informações do Serviço de Patrimônio da União dão conta de que o antigo Sítio Mutinga é parte do extinto aldeamento indígena de Pinheiros, área cuja propriedade não é da União nos termos da jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores. Significa dizer que a União não teria poderes para celebrar o Termo de Entrega da área ao Ministério do Exército, que não poderia se opor ao exercício da posse pela Petrobrás. 4. O interesse processual caracteriza-se pela necessidade da tutela jurisdicional, decorrente do conflito de interesses (lide) e sua adequação para dirimi-lo. Sua ausência acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito (STJ, REsp. n. 954508, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 28.08.07). 5. Não obstante seja reconhecido o direito da autora à reintegração, é certo que após o ajuizamento desta ação houve a construção no local de uma praça de pedágio, da marginal oeste da Rodovia Castelo Branco e da alça de acesso ao Rodoanel Mário Covas, fato que inviabiliza o cumprimento do provimento de reintegração em virtude da destinação do imóvel a serviço de interesse público. 6. Segundo informado pela autora, a perda da propriedade se deu em virtude de obras feitas pela Viaoeste, que é concessionária de serviços de competência do Governo do Estado de São Paulo. Apesar de a União ter cedido o terreno para esse intuito, é certo que se trata de transmissão a non domino, portanto nula de pleno direito, sendo duvidosa sua condenação à indenização por desapropriação praticada por outro ente. Essa situação, aliada ao fato de sequer ter sido feita prova pericial nestes autos, sugere que a discussão a respeito da desapropriação seja diferida para ação autônoma, na qual seja possível a dilação probatória e a participação de todos os interessados na lide. 7. No que tange ao pedido de indenização por perdas e danos em virtude do esbulho, a sentença deve ser mantida, uma vez que não houve demonstração do prejuízo lamentado pela autora: ao contrário, o imóvel foi adquirido em 05.03.80 sem que a autora se dispusesse a construir o posto de abastecimento naquele local. O esbulho ocorreu pelo Termo de Entrega da União ao Ministério do Exército em 1985 e não há notícia de que a autora tenha buscado defender o seu direito à posse. Nos autos consta somente autorização do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo para o início das obras do posto de abastecimento em 03.06.91, muito antes da propositura desta ação, em 09.02.96. 8. A perda superveniente do interesse de agir não oblitera a condenação da União em honorários advocatícios, pois nesse caso a sucumbência deve ser suportada por aquele que perderia a ação caso o fato superveniente não tivesse ocorrido (NEGRÃO, Theotonio, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 409ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 156, nota 20 ao art. 20). 9. Perda superveniente do interesse de agir reconhecida quanto ao pedido de reintegração de posse. Apelação da autora não provida em relação ao pedido de indenização por perdas e danos. Reexame necessário e apelação da União não providos. (ApelRemNec, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/11/2012)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU ERRO MATERIAL. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os embargos de declaração destinam-se a sanar omissão, obscuridade, contradição ou erro material de que esteja eivado o julgado. Ausentes tais hipóteses, não merece acolhimento o recurso. 2. Com efeito, o acórdão embargado enfrentou a contento a questão posta nos autos, concluindo pela inexistência de interesse da União nas ações de usucapião que tivessem como objeto área inserta no chamado Sítio Mutinga, tomando por base precedentes desta Corte Regional. 3. Denota-se o objetivo infringente que se pretende dar aos embargos, com o revolvimento da matéria já submetida a julgamento, sem que se vislumbre quaisquer das hipóteses autorizadoras do manejo dos aclaratórios. 4. Sequer a pretensão de alegado prequestionamento da matéria viabiliza a oposição dos embargos de declaração, os quais não prescindem, para o seu acolhimento, mesmo em tais circunstâncias, da comprovação da existência de obscuridade, contradição, omissão ou ainda erro material a serem sanados. A simples menção a artigos de lei que a parte entende terem sido violados não permite a oposição dos aclaratórios. 5. De todo modo, há de se atentar para o disposto no artigo 1.025 do novo CPC/2015, que estabelece: "Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade", que se aplica ao caso presente, já que os embargos foram atravessados na vigência do novel estatuto. 6. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados. (AI 0007109-84.2016.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/11/2017)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERESSE DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A INDICAR A PROPRIEDADE LEGÍTIMA DA UNIÃO SOBRE A ÁREA EM DISCUSSÃO. REMESSA DO FEITO À JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. 1. A discussão instalada nos autos diz respeito à ação de usucapião que tem como objeto imóvel que a União alega ser de sua propriedade, localizado dentro do perímetro do Sítio Mutinga. 2. O dissenso acerca da existência de interesse da União em ação de usucapião que tem como objeto área inserta no denominado Sítio Mutinga já foi enfrentada por esta Corte. Ao debater o tema, restou pacificado o entendimento de que a União não detém interesse nas ações de usucapião envolvendo imóveis situados em antigos aldeamentos indígenas (AI nº 2012.03.00.034490-4, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 03.06.13). 3. Tenho que a discussão inserta nestes autos se amolda ao precedente desta Corte. Com efeito, extrai-se da peça inaugural da ação de origem que o imóvel usucapiendo se encontra registrado em nome de particulares. 4. Agravo de instrumento não provido. (AI 0031269-47.2014.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/11/2017)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. USUCAPIÃO. INTERVENÇÃO DA UNIÃO. 1 - Encontrando-se a área objeto da demanda registrada no 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, SP, em nome de particulares, o que contrapõe frontalmente a argumentação genérica da União de que o lote lhe pertence, nem tendo sido trazidos aos autos quaisquer documentos expedidos pela sua Gerência de Patrimônio em São Paulo, que comprovariam seu domínio, a jurisprudência desta Egrégia Corte é firme no sentido da União não possuir interesse nos feitos relativos à propriedade de área que se situa no perímetro do Sítio Mutinga. 2 - Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno desprovido. (AI 0007509-98.2016.4.03.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA RIBEIRO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2016)

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. USUCAPIÃO. EXTINTO ALDEAMENTO INDÍGENA. INTERESSE DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA. RETORNO DOS AUTOS À JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União contra a decisão de fls. 173/174v., proferida em ação de usucapião, que declarou inexistente o interesse da recorrente em intervir no feito, razão pela qual a excluiu do feito e determinou o retorno dos autos à Justiça Estadual. 2. A agravante afirma que o imóvel estaria localizado no Sítio Mutinga, que pertenceria ao extinto aldeamento Pinheiros/Barueri. No entanto, a situação jurídica do imóvel não se confundiria com a dos demais imóveis do extinto aldeamento, pois estaria sujeita ao regime de aforamento (fls. 75/76). Junta aos autos informação da Secretaria de Patrimônio nesse sentido, aduzindo que o aforamento remontaria ao ano de 1.768 (fls. 81/82). 3. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que a União não detém interesse nas ações de usucapião envolvendo imóveis situados em extintos aldeamentos indígenas. Por outro lado, como ponderou o MM. Juiz a quo na decisão recorrida, 'a área objeto da presente ação encontra-se registrada no Primeiro Cartório de Registro de Imóveis de Osasco, SP, em nome de particulares (fls. 24), contrariando a argumentação genérica da União de que o terreno ainda lhe pertence por fazer parte do chamado Sítio Mutinga" (fl. 173v.). 4. Agravo de instrumento não provido. (AI 0034490-09.2012.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013)

Assim, no tocante à suposta violação do disposto no art. 17 da MP nº 2.180/2.001 e art. 1º, "h", e art. 64, ambos do Decreto-Lei nº 9.760/1.946, o pedido não comporta acolhimento, pois o entendimento adotado encontra-se em consonância com a jurisprudência acerca da matéria à época do julgado, não estando superado o óbice da Súmula 343 do c.STF.

Quanto ao pedido subsidiário, referente a alegada violação ao art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (referente à avaliação do bem), o autor sustenta que foi incorreta a avaliação do imóvel. Afirma que não foi utilizada a melhor técnica de consecução do método comparativo, inclusive em descompasso com o disposto no o art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, pelo qual o valor venal deve ser de bem da mesma espécie (ou seja, localizado no mesmo município do imóvel desapropriado indiretamente). Aduz que o valor fixado a título de indenização é exorbitante, violando a razoabilidade e a proporcionalidade.

Dispõe o art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941:

Art. 27. O juiz indicará na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu.

Parágrafo único. Se a propriedade estiver sujeita ao imposto predial, o "quantum" da indenização não será inferior a 10, nem superior a 20 vezes o valor locativo, deduzida previamente a importância do imposto, e tendo por base esse mesmo imposto, lançado no ano anterior ao decreto de desapropriação.

O julgado rescindendo considerou que inexistia irregularidade no método de avaliação comparativo adotado pelo perito judicial e que a prova produzida refletia a realidade fática daquela região.

O laudo (Id. 1343624 - Pág. 68 a 1343649 - Pág. 1) foi elaborado com base em elementos de pesquisa similares, situados em uma mesma localidade. Destacou-se que todos os bens avaliados estavam situados na Rodovia Castelo Branco, em municípios próximos e contíguos, traduzindo o preço de mercado do imóvel.

A avaliação utilizou o critério “Método comparativo do metro quadrado médio”, indicando tratar-se do método preconizado pelo IBAPE (Instituto Brasileiro de Normas Técnicas). Compreendeu uma dedução de 10% no preço dos imóveis comparativos pesquisados, para coibir risco de eventual superestimativa por parte das ofertas. Os oito imóveis pesquisados como comparação integram a mesma região geoeconômica: situam—se nos municípios de Barueri, Itapevi, Jandira e Santana do Parnaíba.

Os imóveis utilizados guardam características, tanto quanto possível, próximas às do imóvel avaliando – área remanescente (159,164,64m²) de uma gleba de 176,105m² de área, destacada do “Sítio Mutinga”, em Osasco, SP. Além disso, houve a aplicação de dedução apta a minimizar efeitos especulativos e a diferença entre os valores ofertados e os efetivamente transacionados.

O que se observa, enfim, é que o valor do imóvel foi obtido a partir de um criterioso trabalho de avaliação realizado pela perita nomeada, de modo a expressar o montante mais próximo da justa indenização pretendida. Não há que se cogitar de ofensa à disposição legal invocada.

Por fim, registro que o mero ajuizamento de ação rescisória, ainda que com argumentos reiteradamente refutados pelo tribunal ou não aptos a alterar  resultado da ação originária, não traduz má-fé nem justifica a aplicação de multa.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar. No mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na presente ação rescisória. Além disso, diante da apreciação do mérito da demanda, julgo prejudicado o agravo interno interposto no Id. 260016470.

Nos termos do art. 85, §3º do CPC, condeno a parte-autora ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o montante atribuído à causa (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

É como voto.

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

AÇÃO RESCISÓRIA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE/DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. SÍTIO MUTINGA. PRAZO PARA O AJUIZAMENTO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. JUSTIFICADA CONFIANÇA NA INFORMAÇÃO PRESTADA PELO PODER JUDICIÁRIO. ALEGAÇÃO DE MANIFESTA VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA (ART. 966, V DO CPC). ART. 17 DA MP Nº 2.180/2.001, ART. 1º, "H", E ART. 64, AMBOS DO DECRETO-LEI Nº 9.760/1.946, E ART. 27 DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1.941. INOCORRÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA.

-  Considerando o prazo a que faz jus a União Federal, e a existência de feriado em 02/11/2015 (segunda-feira), conclui-se que o trânsito em julgado da decisão rescindenda deu-se. Portanto, incorreta a data indicada na certidão constante dos autos, de modo que, quando ajuizada a presente ação rescisória (em 09/11/2017), já havia expirado o prazo decadencial previsto no art. 975 do CPC/2015. Contudo, na ação em discussão, a parte autora foi levada a erro pelo próprio Judiciário, pois a certidão, que é dotada de fé pública, mencionou expressamente a data da suposta ocorrência do transito em julgado.

- Não se desconhece o entendimento de que o termo inicial do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória corresponde à data a partir da qual não são mais cabíveis recursos em face da última decisão, e não à data da certidão de trânsito em julgado. Ocorre que a situação aqui tratada é distinta dos casos em que há apenas certidão atestando o trânsito em julgado. Trata-se de situações em que a parte interessada simplesmente adota como correta a data da emissão da certidão, sem a verificação que estava em seu encargo. No caso dos autos, a parte depositou confiança justificada na informação prestada pela serventia judicial sobre a data em que teria ocorrido o trânsito em julgado, razão pela qual não há que penalizá-la pela confiança depositada. 

- Nos moldes do art. 966, V, §§ 5º e 6º, do CPC, para que reste delineada a hipótese de violação à disposição de lei, a interpretação dada pelo prolator da decisão combatida deve ter sido de tal modo grave que afronte o próprio comando normativo, a essência da legislação. Situação diversa é aquela na qual o magistrado adota uma dentre as várias interpretações possíveis do preceito normativo, quando não há violação da legislação. Sobre esse aspecto, a Súmula nº 343 do E. STF é categórica: "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".

- Esta E. Corte, em reiteradas oportunidades, vem se pronunciando pela ausência de interesse da União em relação a imóveis localizados na área correspondente ao denominado Sítio Mutinga, em Osasco/SP. Não caracterizada a violação do disposto no art. 17 da MP nº 2.180/2.001 e nos arts. 1º, "h", e 64, ambos do Decreto-Lei nº 9.760/1946.

- Demonstração de que a titularidade da área controvertida já se encontrava em nome de particulares muito antes da edição do Decreto-Lei nº 9.760/1946. A genérica carta de aforamento apresentada pela União é insuficiente para comprovação da instituição do aforamento sobre a área em disputa.

- Quanto ao pedido subsidiário, referente a alegada violação ao art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941 (referente à avaliação do bem), o autor sustenta que foi incorreta a avaliação do imóvel. Afirma que não foi utilizada a melhor técnica de consecução do método comparativo, inclusive em descompasso com o disposto no o art. 27 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, pelo qual o valor venal deve ser de bem da mesma espécie (ou seja, localizado no mesmo município do imóvel desapropriado indiretamente). Aduz que o valor fixado a título de indenização é exorbitante, violando a razoabilidade e a proporcionalidade.

- O julgado rescindendo considerou que inexistia irregularidade no método de avaliação comparativo adotado pelo perito judicial e que a prova produzida refletia a realidade fática daquela região.  O laudo  foi elaborado com base em elementos de pesquisa similares, situados em uma mesma localidade. Destacou-se que todos os bens avaliados estavam situados na Rodovia Castelo Branco, em municípios próximos e contíguos, traduzindo o preço de mercado do imóvel.

- A avaliação utilizou o critério “Método comparativo do metro quadrado médio”, indicando tratar-se do método preconizado pelo IBAPE (Instituto Brasileiro de Normas Técnicas). Compreendeu uma dedução de 10% no preço dos imóveis comparativos pesquisados, para coibir risco de eventual superestimava por parte das ofertas. Os oito imóveis pesquisados como comparação integram a mesma região geoeconômica: situam—se nos municípios de Barueri, Itapevi, Jandira e Santana do Parnaíba.

- Os imóveis utilizados guardam características, tanto quanto possível, próximas às do imóvel avaliando. Além disso, houve a aplicação de dedução apta a minimizar efeitos especulativos e a diferença entre os valores ofertados e os efetivamente transacionados.

- O valor do imóvel foi obtido a partir de um criterioso trabalho de avaliação realizado pela perita nomeada, de modo a expressar o montante mais próximo da justa indenização pretendida. Não há que se cogitar de ofensa à disposição legal invocada.

- Preliminar rejeitada. Ação rescisória julgada cujo pedido é improcedente. Agravo interno prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Seção, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, julgar improcedente o pedido formulado na presente ação rescisória, restando prejudicado o Agravo Interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.