Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004419-63.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

ABSOLVIDO: JO PEREIRA CEZAR
APELANTE: EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004419-63.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

ABSOLVIDO: JO PEREIRA CEZAR
APELANTE: EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA, representando pela Defensoria Pública da União, e por POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI contra a r. sentença (ID 259868407), proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande/SP que, julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA, pela prática da conduta descrita no artigo 33, caput, e § 4º, c/c artigo 40, inciso I, todos da Lei n. 11.343/2006, à pena de 10 (dez) anos de reclusão e 1000 dias-multa, em regime inicial fechadosendo o valor do dia-multa correspondente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente à data do fato. Não foi concedido o direito de recorrer em liberdade.

O corréu JO PEREIRA CEZAR foi absolvido da imputação, com base no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal e foi decretado o perdimento decretar do ônibus M.BENZ/MPOLO PARADISO R, 2011/2011, cor vermelha, placas AUN3A28, em nome da empresa POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EI, CNPJ nº 31.919.782/0001-90, Código Renavam 00347882064, em favor da União.

O Parquet, em suas razões (ID 259868491), requer o afastamento da causa de diminuição do § 4°, do artigo 33 da Lei de Drogas, e a declaração da inabilitação para dirigir veículos automotores.

Por sua vez, a defesa, em suas razões recursais (ID 259868515), pugna, primeiramente, pelos benefícios da Justiça gratuita. Afirma que o réu está sofrendo dificuldades financeiras. Em pleito subsidiário, pede a redução da pena-base e a incidência da causa de diminuição do § 4º, do artigo 33 da Lei 11.343/2006, no patamar máximo de 2/3 (dois terços).

POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI interpôs recurso de apelação para requerer a restituição do veículo apreendido, na forma dos artigos 119 e 120 do Código de Processo Penal (ID 259868427).

As contrarrazões foram apresentadas nos ID's 259868514 e 259868521.

Em parecer (ID 261990767), a Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo não provimento do recurso da defesa e de POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI, e pelo provimento do recurso da acusação, para que seja afastada a causa de diminuição do § 4°, do art. 33 da Lei 11.343/2006, e aplicada a inabilitação.

É o relatório.

À revisão nos termos regimentais.

 

 


 

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
5ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004419-63.2021.4.03.6000

RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES

ABSOLVIDO: JO PEREIRA CEZAR
APELANTE: EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

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V O T O

 

Do cado dos autos. EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA foi denunciado, juntamente com Jo Pereira Cezar, pela prática do crime do artigo 33, caput, c.c. artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006.

Narra a denúncia que:

 

"(...)

Extrai-se dos autos que, no dia 09 de maio de 2021, por volta das 06h00min, na rodovia BR-262, km 385, em Terenos/MS, os denunciados foram presos em flagrante delito transportando e trazendo consigo, de forma consciente e voluntária, logo após receber importados da Bolívia, 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína, substância proscrita em todo o território nacional.
Na data e no local supramencionados, durante fiscalização de rotina, uma equipe da Polícia Rodoviária Federal abordou o ônibus M. Benz / M. Polo Paradiso, cor vermelha, placas AUN3A38, pertencente à empresa H&J Turismo (registrado em nome de POLLYCAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EI - CNPJ nº 31.919.782/0001-90), com 34 (trinta e quatro) passageiros de origem boliviana, sendo o veículo conduzido por EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA e JO PEREIRA CEZAR (motorista auxiliar).
Segundo consta, no decorrer da abordagem policial, foi notado intenso nervosismo por parte de ambos os motoristas do veiculo, bem como que eles apresentaram informações desconexas em relação ao itinerário e a outras circunstâncias da viagem, entrando em contradição por diversas vezes, o que levou a equipe a suspeitar da possibilidade de transporte de ilícitos devido a origem da rota ser área de fronteira.
Diante disso, os policiais realizaram revista minuciosa no veículo e, então, localizaram, dentro de um compartimento interno, na parte traseira do veículo, próximo ao motor, com acesso no corredor do ônibus por meio de um alçapão, 5 (cinco) mochilas contendo 160 (cento e sessenta) tabletes totalizando 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína.

(...)"

 

A denúncia foi recebida em 16 de junho de 2021 (ID 259867556).

Após a instrução processual, foi proferida sentença condenatória publicada em 28 de setembro de 2021.

 

Da materialidade delitiva. A materialidade do crime, que não foi objeto de recurso, restou devidamente comprovada por meio do Termo de Apreensão (ID 259867453, p. 15-16), pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Constatação de Droga) nº 696/2021 – SETEC/SR/PF/MS (ID 259867453, p. 12-14), pelo registro fotográfico - anexo 1 do Boletim de Ocorrência n. 3211642210509060027 (ID 259867453, p. 46), Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) nº 725/2021 – SETEC/SR/PF/MS (ID 259867543, p. 10-14), que demonstram que foram encontrados, em compartimento interno, na parte traseira, próxima ao motor do ônibus transportado pelos réus, 165,3 kg de cocaína.

 

Da autoria delitiva. Igualmente, não houve insurgência no tocante à autoria da infração penal. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do réu, aliadas aos depoimentos colhidos, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência do fato e a responsabilidade do acusado EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA.

Embora a defesa não conteste a autoria, sustenta que o réu agiu em razão de dificuldade financeira.

Contudo, a alegação não merece acolhida.

Como ensina Julio Fabrini Mirabete em seu Manual de Direito Penal:

"(...) Enfim, para o reconhecimento da excludente de estado de necessidade, que legitimaria a conduta do agente, é necessária a ocorrência de um perigo atual, e não um perigo eventual e abstrato.

É requisito, também, que o perigo seja inevitável, numa situação em que o agente não podia, de outro modo, evitá-lo. Isso significa que a ação lesiva deve ser imprescindível, como único meio para afastar o perigo. Caso, nas circunstâncias do perigo, possa o agente utilizar-se de outro modo para evitá-lo (fuga, recurso às autoridades públicas, etc.), não haverá estado de necessidade na conduta típica que lesou o bem jurídico desnecessariamente. Não se pode confundir estado de necessidade com estado de precisão, sendo insuficiente, por exemplo, a alegação de dificuldades de ordem econômica para justificar o furto, o roubo, o estelionato, etc. Já se tem decidido que dificuldades financeiras, desemprego, situação de penúria e doença não caracterizam estado de necessidade. Para que a excludente seja acolhida, mister se torna que o agente não tenha outro meio a seu alcance, senão lesando o interesse de outrem."

(in "Manual de Direito Penal"; Mirabete, Julio Fabrini; volume I; 19ª edição; Editora Atlas; fls. 178).

O ensinamento doutrinário de Guilherme de Souza Nucci segue no mesmo sentido:

"(...) estado de necessidade: não é motivo para a prática de tráfico ilícito de entorpecentes, pois os bens jurídicos são desproporcionais. Aquele que alega estar em dificuldade financeira para cometer os delitos previstos nos arts. 33 e 34 desta Lei termina por colocar em risco a saúde pública, de interesse da sociedade. Logo, em face da desproporcionalidade entre os bens jurídicos em jogo, não se pode acolher essa tese. Por outro lado, a situação de pobreza também não é justificativa para o cometimento de crimes. Conferir: TJDF: 'O estado de necessidade não se confunde com o estado de pobreza. In casu, as agentes transportavam drogas para dentro do presídio, atividade pela qual receberiam uma certa remuneração, de forma que incidiram nas penas do art. 12, caput, c.c. o art. 18, IV, da Lei 6368/76 [revogada]. Improcedente a invocação de que agiam em estado de necessidade, vez que ausentes os requisitos objetivos previstos no art. 24 do Código Penal' (Ap. 20050110508030, 1ª T., rel. Edson Alfredo Smanioto, 06.04.2006, v.u., DJ 14.06.2006, p. 156)" (in Leis penais e processuais penais comentadas; Nucci, Guilherme de Souza; Editora Revista dos Tribunais; 4ª Edição; 2009; página354).

Com efeito, o reconhecimento do estado de necessidade requer a demonstração de (i) perigo atual; (ii) ameaça a direito próprio ou de terceiro, cujo sacrifício era desarrazoado exigir; (iii) situação não provocada pela vontade do agente; (iv) conduta inevitável de outro modo; e (v) conhecimento da situação de fato.

Ora, na espécie, a mera afirmação de realização da conduta em estado de necessidade, não se presta a demonstrar que o réu atravessasse extrema dificuldade financeira de tal ordem a configurar estado de necessidade, já que não se fez a prova efetiva da inevitabilidade da conduta delituosa, conforme exigido pelo artigo 156 do Código de Processo Penal.

Além disso, não era inevitável, tampouco aceitável, recorrer o acusado a este meio criminoso para escapar da situação de dificuldade financeira que supostamente enfrentava.

Vale mencionar que a alegação defensiva não afasta a responsabilidade penal do recorrente, eis que não restou comprovada a existência de nenhum perigo imediato ou eventual dificuldade que justificasse o cometimento do delito.

Outrossim, eventuais dificuldades financeiras experimentadas pela parte não se sobrepõem ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, não se podendo falar na aplicação do artigo 24, do Código Penal ou de seu § 2º.

Dessa forma, mister a manutenção da condenação do acusado pela prática do art. 33, caput, c/c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06.

 

Da dosimetria da pena. A defesa pugna pela redução da pena-base e pela incidência da causa de diminuição do § 4º, do art. 33 da Lei 11.343/2006, na fração máxima de 2/3 (dois terços).

Em contrapartida, o Ministério Público Federal pugna pelo afastamento da causa de diminuição da minorante do § 4º, do art. 33 da Lei de Drogas.

Na r. sentença, o juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal em decorrência da quantidade e natureza do entorpecente, nos seguintes termos:

"(...)

Na primeira fase de aplicação da pena do crime de drogas, ao analisar as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, caput, do Código Penal, juntamente com as do artigo 42 da Lei nº 11.343/2006, infere-se que:

a) quanto à culpabilidade, o grau de reprovabilidade e o dolo apresentam-se normais à espécie;

b) o acusado não possui maus antecedentes certificados nos autos e não apresenta contra si qualquer registro criminal além do presente.

c) não existem elementos que retratem a conduta social e a personalidade do réu;

d) nada a ponderar sobre os motivos do crime, que foi a obtenção de dinheiro fácil, inerente ao crime;

e) relativamente às circunstâncias do crime, observo que denotam um maior juízo de reprovabilidade, uma vez que o acusado se utilizou da sua condição de motorista da empresa de turismo para a prática delituosa, ocultando malas contendo cocaína em local interno do veículo, de difícil acesso, que, muitas vezes, não são vistoriados pela autoridade policial.

f) as consequências do crime não foram consideráveis, em razão da apreensão da droga;

g) nada a ponderar a respeito do comportamento da vítima.

No que diz respeito às circunstâncias previstas no artigo 42, da Lei 11.343/2006, observo que foram apreendidos cerca de 163,5 kg de cocaína, quantidade e natureza de substância entorpecente que devem ser consideradas como desfavoráveis ao réu.

O Código Penal não estabelece critério para quantificação do aumento da pena em razão da presença de circunstância judicial desfavorável. Observo, contudo, que o artigo 42 da Lei 11.343/2006 determina que a quantidade e natureza da substância devem ser consideradas com preponderância sobre as demais circunstâncias constantes no artigo 59 do Código Penal. Para ponderar, com segurança jurídica, o sopesamento da circunstância judicial, valho-me de precedentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que em casos similares de transporte de aproximadamente 160 kg (cento e sessenta quilos) de cocaína entenderam como proporcional a fixação da pena-base sensivelmente acima do mínimo legal, para 10 (dez) anos de reclusão e 1000 dias-multa (APELAÇÃO CRIMINAL ..SIGLA_CLASSE: ApCrim 5000618-98.2019.4.03.6004 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:, ..RELATORC:, TRF3 - 5ª Turma, Intimação via sistema DATA: 05/08/2020).

Assim, fixo a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e 1000 dias-multa.

 (...)" - grifos originais.

Nesta sede, observo que na primeira fase de fixação da pena, além das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, deve ser considerado, preponderantemente, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006, o grau de reprovabilidade da conduta, aferido pela nocividade e quantidade de tóxico que se buscou transportar, o que indicará se a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal ou acima desse patamar.

A jurisprudência é uníssona no sentido de que as circunstâncias da quantidade e da natureza do entorpecente devem ser consideradas na fixação da pena-base, amparadas no artigo 42 da Lei 11.343/2006, uma vez que, atendendo à finalidade da lei, que visa coibir o tráfico ilícito de entorpecentes, esse fundamento apresenta-se válido para individualizar a pena, dado o maior grau de censurabilidade da conduta. Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. AUSÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Juízo sentenciante, atado à discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar-se para as singularidades do caso concreto e, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal. Tratando-se de crime previsto na Lei de Drogas, deve considerar, ainda, de forma preponderante, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, bem como a personalidade e a conduta social do agente, a teor do estabelecido no art. 42 da Lei n. 11.343/2006. 2. Nos autos em exame, considerando que natureza e quantidade da substância apreendida constituem elementos preponderantes a serem considerados na dosimetria da reprimenda e que foi apreendida quantidade elevada de drogas diversas e de natureza mais deletéria, mostra-se insuficiente o aumento na pena-base realizado pela Corte de origem. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.340.245/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 2/10/2023.)” – Grifou-se

“PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTIDADE DE DROGAS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. FIXAÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231/STJ. TRÁFICO PRIVILEGIADO NÃO RECONHECIDO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. COMPROVAÇÃO NOS AUTOS. RESP INADMITIDO. ARESP NÃO CONHECIDO. NÃO ENFRENTAMENTOS DOS ÓBICES. SÚMULA 182. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 3. Ainda que assim não fosse, a dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador, estando atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos que somente podem ser revistos por esta Corte em situações excepcionais, quando malferida alguma regra de direito. 4. Ora, em se tratando de crime de tráfico de drogas, o juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, a personalidade e a conduta social do agente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei n.º 11.343/2006. 5. Além disso, não ocorre bis in idem quando o julgador utiliza determinada circunstância para efeito de exasperar a pena-base (quantidade das drogas) e a ponderação dessa circunstância, junto de outras provas, como elementos de convicção no sentido de que o agente se dedica com habitualidade à traficância. 6. Lado outro, a tese de fixação da pena abaixo no mínimo legal encontra óbice no Enunciado 231 do STJ e no firme entendimento hodierno desta Corte Superior. A propósito: A incidência do verbete n. 231/STJ permanece firme na jurisprudência desta Corte e o Agravante não trouxe argumento idôneo que, em tese, poderia justificar uma modificação do entendimento acerca do tema (overruling) (AgRg no AREsp n. 2.243.342/PA, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/5/2023, DJe de 9/5/2023.) 7. Por fim, nos termos do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas teriam a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando fossem reconhecidamente primários, possuíssem bons antecedentes e não se dedicassem a atividades criminosas ou integrassem organização criminosa. (...) (AgRg no AREsp n. 2.337.320/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 22/8/2023.)”

Na hipótese, considerando a quantidade e a qualidade do entorpecente apreendido, qual seja, 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína, a pena-base deve ser reduzida ao patamar de 07 (sete) anos e 06 (meses) de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa, em conformidade com os parâmetros acolhidos por esta E. Corte.

Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes, o que mantenho.

Na terceira fase, o juízo a quo reconheceu a incidência da causa de aumento do artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/2006 e da causa de diminuição do § 4º, do artigo 33 da mesma Lei, ambas na fração de 1/6 (um sexto):

"(...)

Já na terceira fase de individualização da pena, verifico que há a transnacionalidade na conduta perpetrada pelo réu (art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006). Além disso, é possível inferir do conjunto probatório que o réu tinha consciência e vontade de internalizar droga oriunda de outro país. Nesse sentido, segue decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

(...)

Deve, portanto, incidir a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, elevando-se a pena na fração de 1/6.

Quanto à minorante do tráfico privilegiado, verifico que o acusado faz jus à aplicação da redução de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006, uma vez que, consoante se pode observar de suas certidões de antecedentes, EDUARDO é primário, possui bons antecedentes e não há elementos suficientes para se afirmar que ele é dedicado às atividades delituosas, tampouco que integre qualquer organização criminosa.

Com relação ao patamar de redução, avalio o grau de intensidade do auxílio prestado pelo réu ao traficante contratante do serviço de transporte de droga. Ademais, nesse momento não serão consideradas a natureza e quantidade da droga apreendida, dado que tais fatores já foram sopesados na fixação da pena-base.

Verifica-se que o acusado, de modo livre e consciente, aderiu ao processo de internalização de considerável quantidade de cocaína, sendo que sua ação seria fundamental para alimentar uma das rotas do tráfico internacional de drogas. Ademais, utilizou-se da sua condição de motorista para ingressar com a droga no Brasil, o que lhe é desfavorável. Como se sabe, "Ainda que primário, de bons antecedentes e não integrante de organização criminosa, a causa de diminuição prevista no §4º, do artigo 33 da Lei de Drogas é cabível na fração mínima quando o contexto da prática delitiva indica que o réu anuiu com tráfico internacional de entorpecentes que sabia ter sido planejado por organização criminosa, mediante engenhosa estruturação" (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5001943-17.2019.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 31/08/2021, Intimação via sistema DATA: 03/09/2021)

Assim, aplico a redução de 1/6 da pena, de modo a se compensar com a causa de aumento da reprimenda. 

Diante da inexistência de outras causas de diminuição ou aumento de pena, torno a pena definitiva a ser aplicada em 10 (dez) anos de reclusão e 1000 dias-multa.

(...)" - grifos originais

 

No presente caso, o réu foi flagrado transportando e trazendo consigo, logo após receber importados da Bolívia, 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína, pois durante fiscalização de rotina, uma equipe da Polícia Rodoviária Federal abordou o ônibus M. Benz/M. Polo Paradiso, cor vermelha, placas AUN3A38, pertencente à empresa H&J Turismo (registrado em nome de POLLYCAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EI - CNPJ nº 31.919.782/0001-90), com 34 (trinta e quatro) passageiros de origem boliviana. Foram localizadas, dentro de um compartimento interno, na parte traseira do veículo, próximo ao motor, com acesso no corredor do ônibus por meio de um alçapão, 5 (cinco) mochilas contendo 160 (cento e sessenta) tabletes, totalizando 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína.

Assim, restou evidente a transnacionalidade do delito e, portanto, na terceira fase, incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/6 (um sexto).

Quanto à minorante do § 4º, do artigo 33 da Lei de Drogas, objeto de insurgência do Ministério Público Federal e da defesa, o referido dispositivo estabelece os seguintes requisitos:

“Art. 33: (...)

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa." 

Percebe-se que se tratam de requisitos cumulativos. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Tampouco há aparência de que integre organização criminosa, conquanto estivesse na posse de cocaína, tendo servido apenas ao transporte eventual de entorpecente, de sorte que é cabível a aplicação da minorante.

Nesse sentido:

“PROCESSO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. AUTORIA. DOLO. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA. JUSTIÇA GRATUITA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.1. Materialidade e autoria delitiva comprovadas mediante prova documental e testemunhal. 2. O dolo exsurge das circunstâncias fáticas e da prova testemunhal. 3. O réu, estrangeiro, foi contratado para transportar a droga da Bolívia até Corumbá, para eventualmente ser comercializada no País ou levada ao exterior. Trata-se de “mula” do tráfico e agiu com conhecimento de sua contribuição à traficância internacional, de modo que é razoável a aplicação do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 na fração mínima de 1/6 (um sexto). 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17). (...) 6. Dado parcial provimento ao recurso da acusação para reduzir a fração do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06 e condenar o réu a 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal, e ao recurso da defesa para deferir os benefícios da justiça gratuita”. (ApCrim -  APELAÇÃO CRIMINAL / MS 0000101-81.2019.4.03.6004 - 5ª Turma – Rel. Des. Fed. Andre Custodio Nekatschalow, j. 14/12/2022) – Grifou-se

"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C.C. ART. 40, INC. I, AMBOS DA LEI Nº 11.343/2006. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CULPABILIDADE NORMAL À ESPÉCIE. FUNDAMENTOS GENÉRICOS PARA VALORAR NEGATIVAMENTE AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DECLARAÇÕES DO RÉU UTILIZADAS PARA FUNDAMENTAR A CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ART. 40, INC. I, DA LEI DE DROGAS, NO PATAMAR DE 1/6 (UM SEXTO). TRÁFICO PRIVILEGIADO. FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO). REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. SEMIABERTO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. CONCEDIDA A LIBERDADE PROVISÓRIA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDA. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA. (...) 9. Ademais, “a condição de 'mula' do tráfico, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação da minorante do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, uma vez que a figura de transportador da droga [ainda que em expressiva quantidade] não induz, automaticamente, à conclusão de que o agente integre, de forma estável e permanente, organização criminosa” (STJ – AgRg no AREsp 1246868 SP 2018/0031795-5, Relator: Min. RIBEIRO DANTAS, T5 – QUINTA TURMA, j. 23/04/2019, DJe 30/04/2019). (...) Apelação da acusação desprovida. Apelação da defesa parcialmente provida.” (ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL / SP 5003382-95.2022.4.03.6119 - 5ª Turma – Rel. Des. Fed. Paulo Gustavo Guedes Fontes, j. 29/11/2022) – Grifou-se

O dispositivo em comento prevê a existência de uma margem de diminuição legal de pena variável entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços), que o Juízo pode aplicar com base no princípio do livre convencimento, consoante a valoração das circunstâncias, alegações e provas apresentadas.

Como é cediço, o legislador, ao instituir o referido benefício legal, teve como objetivo conferir tratamento diferenciado aos pequenos e eventuais traficantes, não alcançando, assim, aqueles que fazem do tráfico de entorpecentes um meio de vida.

No presente caso, ainda que a atuação no mero transporte de entorpecente não seja suficiente para caracterizar integração em organização criminosa, tal conduta denota desvalor incompatível com a redutora na fração máxima, visto que o réu assentiu em tomar parte em uma empreitada criminosa estruturada (acondicionamento do entorpecente) por organização criminosa, como ocorre em delitos desse porte.

Além disso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/06, no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17).

Assim, mantida a minorante do tráfico privilegiado na fração de 1/6 (sexto), patamar mínimo previsto para o benefício.

Dessa forma, aplicada a minorante do §4º do art. 33 da Lei de Drogas, fixo a pena definitiva em 07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 729 (setecentos e vinte e nove) dias-multa.

O valor unitário do dia-multa resta mantido no mínimo legal.

 

Do regime de cumprimento de pena. No que se refere ao regime de cumprimento de pena, para a fixação, devem ser observados os seguintes fatores: a) espécie de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, § 2º, alíneas a, b e c, CP); c) caracterização ou não da reincidência (art. 33, § 2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código pena l (art. 33, § 3º, do CP).

Considerando que o réu não possui maus antecedentes e as circunstâncias judiciais são predominantemente favoráveis, se mostra mais adequada a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no semiaberto, com base na pena fixada em concreto e nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Mesmo considerada a detração do artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, esta não resultaria em alteração do regime inicial de cumprimento de pena.

No presente caso, o réu se encontra preso desde 09 de maio de 2021. Esse quadro indica que, até a data da prolação da sentença (28 de setembro de 2021), ele esteve preso provisoriamente por 04 (quatro) meses e 19 (dezenove) dias.

Procedendo à detração o quantum de pena resultaria ainda em patamar superior a 4 (quatro) anos, o que não ensejaria a alteração do regime semiaberto estabelecido, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea "b", do Código Penal.

Assim, mesmo após a detração, entende-se que deve permanecer inalterado o regime inicial semiaberto.

 

Da substituição da pena privativa de liberdade. A defesa pede a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

No entanto, incabível a substituição da pena corporal, pois não restou preenchido o requisito do inciso I do artigo 44, do Código Penal (pena privativa de liberdade não superior a quatro anos).

 

Da prisão preventiva. A prisão preventiva de EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA restou decretada em audiência de custódia, na qual o juízo a quo entendeu que havia fortes indícios da existência de organização criminosa voltada para a narcotraficância (utilização de dois motoristas para transporte rodoviário por longos trajetos, além da existência de compartimento preparado para a droga), pelo que o transporte de carga valiosíssima somente seria confiada a pessoas com o mínimo de respeitabilidade no grupo criminoso. Além disso, consignou  havia necessidade de garantia da ordem pública em razão de um possível risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte dos investigados, caso permaneçam em liberdade.

Na r. sentença, restou mantida a prisão preventiva do réu, porquanto ainda estariam presentes os requisitos da custódia cautelar, nos termos do artigo 312 c/c 313, inciso I, e 282, incisos I e II, todos do Código de Processo Penal, pois a quantidade e natureza da droga apreendida demonstrariam a periculosidade, em concreto, do agente, de modo que a medida é necessária para garantia da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal.  

Denota-se haver motivação concreta para a constrição cautelar do réu, sem que disso resulte violação ao princípio da presunção de inocência.

Ademais, não há constrangimento ilegal na negativa do direito de aguardar em liberdade o julgamento de eventual recurso, se o acusado respondeu integralmente ao processo encarcerado cautelarmente. Nesse sentido, o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA SUPERVENIENTE. MANTIDOS OS FUNDAMENTOS DA SEGREGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE. CUSTÓDIA PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. VARIEDADE, NATUREZA DELETÉRIA E QUANTIDADE DAS DROGAS APREENDIDAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. COMPATIBILIDADE DA CUSTÓDIA COM O REGIME SEMIABERTO FIXADO NA SENTENÇA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. 2. Esta Quinta Turma possui firme entendimento no sentido de que a manutenção da custódia cautelar por ocasião de sentença condenatória superveniente não possui o condão de tornar prejudicado o writ em que se busca sua revogação, quando não agregados novos e diversos fundamentos ao decreto prisional primitivo. Precedentes. 3. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Deve, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP. 4. A prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstrada pelas instâncias ordinárias, com base em elementos extraídos dos autos, a gravidade concreta da conduta e a periculosidade do paciente, evidenciadas pela quantidade, variedade e natureza altamente deletéria das drogas localizadas em seu poder - 213,32 gramas de crack, 278,94 gramas de cocaína e uma porção de maconha pesando 7,55 gramas -, circunstâncias que, somadas à apreensão de dois simulacros e de uma arma de fogo, de elevada quantia em dinheiro - mais de cinco mil reais -, bem como de diversos apetrechos comumente utilizados no preparo do material tóxico, demonstram risco ao meio social, recomendando-se a sua custódia cautelar especialmente para garantia da ordem pública. 5. Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em Juízo de primeiro grau. 6. É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que as condições favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a manutenção da prisão cautelar quando devidamente fundamentada. 7. Inaplicável medida cautelar alternativa quando as circunstâncias evidenciam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para a manutenção da ordem pública. 8. Esta Corte Superior sedimentou entendimento segundo o qual a prisão preventiva é compatível com o regime prisional semiaberto, desde que seja realizada a efetiva adequação ao regime intermediário. Assim, tendo a sentença condenatória fixado o regime prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena, deve a prisão provisória ser compatibilizada ao regime imposto, sob pena de tornar mais gravosa a situação daquele que opta por recorrer do decisum. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para adequar a prisão preventiva ao regime semiaberto fixado na sentença." HC 201702613846, JOEL ILAN PACIORNIK - QUINTA TURMA, DJE DATA:18/04/2018.DTPB:.)

Por outro ângulo, observo que estão presentes os requisitos para a manutenção da segregação cautelar do recorrente, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal).

O risco à ordem pública se evidencia pela gravidade concreta da conduta atribuída ao acusado, que foi preso em flagrante por transportar de 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína.

No que se refere à relevância da natureza e quantidade da substância entorpecente apreendida para a avaliação quanto à necessidade da prisão cautelar, também para a garantia da ordem pública, colaciono os seguintes julgados:

"EMEN: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCO TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. PRESSUPOSTOS. PROVAS DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DA AUTORIA DELITIVA. PRESENÇA. NEGATIVA DE AUTORIA. INVIABILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. VEDAÇÃO LEGAL À LIBERDADE PROVISÓRIA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO STF. POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. SEGREGAÇÃO TAMBÉM FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS. POTENCIALIDADE LESIVA DAS INFRAÇÕES. GRAVIDADE CONCRETA. NECESSIDADE DE ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. CUSTÓDIA FUNDAMENTADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO DEMONSTRADA. RECURSO IMPROVIDO. (...) 5. Não há ilegalidade na manutenção da prisão preventiva quando demonstrado, com base em fatores concretos, que a segregação se mostra necessária, dada a gravidade da conduta incriminada. 6. A natureza altamente lesiva e a quantidade do entorpecente capturado na posse do corréu e supostamente fornecido pelo recorrente - 10,295 kg (dez quilos, duzentos e noventa e cinco miligramas) de cocaína, distribuídos em 10 (dez) tabletes - e as circunstâncias em que se deram os fatos criminosos, bem demonstram a sua periculosidade social e a gravidade concreta dos delitos que lhe são imputados, autorizando a conclusão pela necessidade da segregação para a garantia da ordem pública e social. 7. Condições pessoais favoráveis não têm, em princípio, o condão de, isoladamente, revogar a prisão cautelar, se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a necessidade da custódia. 8. Recurso ordinário improvido. " (RHC 201300832091, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:01/08/2013.DTPB:.)

"TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CUSTÓDIA LASTREADA NA GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA (MAIS DE 100 KG DE MACONHA). GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ILEGALIDADE INEXISTENTE. (...) 2. Na espécie, as instâncias ordinárias, ao manterem a segregação cautelar da paciente em razão da garantia da ordem pública, fizeram-no apoiadas na gravidade concreta do delito, evidenciada pela grande quantidade de droga apreendida (mais de 100 kg de maconha), que foi localizada em várias partes do veículo, a saber, no interior dos bancos, das portas, do para-choque e embaixo do piso. Ilegalidade inexistente. 3. Habeas corpus não conhecido." (HC 201201800147, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:01/08/2013 ..DTPB:.)

Soma-se a isso que, apesar de não ter sido demonstrado que o recorrente integrava de modo permanente e estável organização criminosa, ao praticar a conduta de tráfico internacional de drogas, favoreceu a associação, exprimindo ligação com o expediente ilícito, ainda que em menor dimensão, fator indicativo de possível reiteração delitiva.

Todavia, tendo em vista que o réu foi condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade no regime inicial semiaberto, mostra-se imprescindível sua transferência para estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto.

Destarte, pelos motivos acima descritos, fica mantida a prisão preventiva do acusado.

 

Da inabilitação para dirigir veículo automotor.  Na r. sentença, o juízo a quo indeferiu a aplicação da penalidade de inabilitação para dirigir veículo, nos seguintes termos:

"(...)

No que concerne ao pedido de decretação da inabilitação do réu EDUARDO para conduzir veículos, entende-se que a prescrição do artigo 92, inciso III, do Código Penal, é efeito não automático da condenação, cuja aplicação demanda motivação idônea, que tenha em consideração um juízo de proporcionalidade. Feita essa ponderação, no presente caso, julgo ser inadequada a imposição da medida, tendo em vista que o réu trabalha como motorista de ônibus e a sua inabilitação poderia ocasionar prejuízo ao seu sustento e de sua família, dificultando sua ressocialização uma vez posto em liberdade, na falta de maiores elementos que indiquem ser habitual praticante de delitos por este meio, o que por certo exigiria a medida.

Assim, INDEFIRO a aplicação da penalidade de inabilitação para dirigir veículo.

(...)"

O Ministério Público Federal pugna pelo reconhecimento da inabilitação, argumentando que, no presente caso, teria restado nitidamente comprovado que o veículo automotor foi utilizado para o transporte de elevada carga de drogas, sendo devida a incidência do efeito da inabilitação do direito de dirigir em caso de uso de veículo para a prática criminosa.

O artigo 92, inciso III do Código Penal prevê a inabilitação para dirigir veículo automotor, como um dos efeitos da condenação, quando o veículo for utilizado para a prática de crime doloso. Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, inc. III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo.

No entanto, em se tratando de motorista profissional, o entendimento jurisprudencial é no sentido de não ser aplicável a inabilitação, uma vez que inviabilizaria a reinserção social do réu:

 

"PENAL. CONTRABANDO. IMPORTAÇÃO DE CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. ART. 334 -A, I, DO CÓDIGO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CONTRABANDO PARA O DELITO DE RECETAÇÃO. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PEN. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS.

(...)

6. Os efeitos específicos da condenação, insculpidos no artigo 92 do Código Penal, visam evitar a reiteração na conduta ilícita. A pena de inabilitação para dirigir veículo não pode ser aplicada nas hipóteses em que o agente é motorista profissional, sob pena de vedar-lhe o exercício de atividade lícita, impossibilitar sua reinserção no mercado de trabalho e afetar seu meio de subsistência, tornando-se improfícua à repressão da prática criminosa e inadequada à ressocialização do apenado. 7. Não incide o art. 728-A do Código de Trânsito Brasileiro, que determina a cassação de documento de habilitação ou proibição de obtê-lo pelo prazo de 5 (cinco) anos, uma vez que se trata de medida administrativa, sem reflexos no âmbito penal. Apelação Criminal improvida." (TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR - Autos nº 5002199-31.2019.4.04.7004/PR - 8ª Turma - Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto, j. 05.08.2020).

"PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL. CONTRABANDO. MEDICAMENTOS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA CONFIRMADA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA E SUBSTITUIÇÃO MANTIDAS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. MEDIDA INDEFERIDA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. EXECUÇÃO.

(...)

7. A inabilitação para dirigir veículo constitui efeito da condenação aplicável aos casos em que o automóvel é utilizado como meio para a prática de crime doloso, devendo perdurar pelo período equivalente ao cumprimento da pena aplicada. 8. Em regra, não deve ser aplicada a inabilitação para dirigir veículo ao réu que exerce a profissão de motorista profissional, como no caso em comento. 9. Demonstrado nos autos que a inabilitação para dirigir já foi afastada em fase recursal em processo anterior sofrido pelo réu e continuada a prática delitiva com a utilização da carteira de habilitação, deve ser aplicada a medida, nos termos do art. 92, III, do Código Penal. (...)" (TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região - ACR - Autos nº 5011914-40.2018.4.04.7002/PR - 7ª Turma - Rel. Des. Fed. Salise Monteiro Sanchotene, julgado em 30/06/2020).

 

O Superior Tribunal de Justiça tem orientado que os efeitos descritos no art. 92 do Código Penal não são de aplicação automática, razão pela qual cabe ao magistrado, além de avaliar o preenchimento dos requisitos objetivos, analisar a conveniência da aplicação da medida no caso concreto.

Tendo em vista que o sistema de execução penal visa a reinserção do condenado na sociedade, se torna desproporcional a aplicação de medida que impossibilite o exercício de sua principal atividade laborativa, desde que tal medida não se mostre imprescindível.

Neste sentido, confiram-se os seguintes julgados:

"RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA DA MEDIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito, exigindo-se que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 2. As instâncias ordinárias, além de apontarem os requisitos objetivos, fundamentaram a necessidade de aplicação da medida no fato de o recorrente ter feito uso de veículo automotor para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente (o montante dos impostos suprimidos pelo acusado foi de R$ 26.086,96), argumento concreto e idôneo para demonstrar a necessidade de aplicação, no caso concreto, dessa medida. 3. Recurso especial não provido." (REsp n. 1.511.455/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 5/10/2015)

"RECURSO ESPECIAL. EFEITOS EXTRAPENAIS DA CONDENAÇÃO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MEDIDA. 1. São requisitos objetivos para a imposição de inabilitação para dirigir veículo automotor a prática de crime doloso e a utilização do automóvel como meio para a realização do delito. 2. Além dos requisitos objetivos e por não guardar necessariamente um efeito retributivo (por isso não tem aplicação automática), é exigido, também, que o juiz justifique a conveniência de sua imposição no caso específico. 3. Na espécie, o Tribunal, além de apontar os requisitos objetivos, fundamentou a necessidade de aplicação da medida no caso concreto no fato de o réu fazer uso do veículo para transportar grande quantidade de mercadorias internalizadas ilegalmente, acrescentando que, devido à elevada quantidade, o transporte deveria ser feito por automóvel, bem como também indicaria uma destinação comercial para o produto ilegal. 4. Recurso especial não provido." (REsp n. 1.505.722/RS, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 6/4/2015)

Vale ressaltar que, no presente caso, não se verifica a dedicação do réu à prática de atividades criminosas utilizando como instrumento veículo automotor.

Assim, não havendo nos autos elementos que indiquem a necessidade e conveniência da medida, tratando-se  o réu de motorista profissional, que faz dessa atividade seu meio de vida, incabível a aplicação da medida prevista no artigo 92, III, do Código Penal.

 

Da Justiça Gratuita. O acusado pleiteia a concessão dos benefícios da justiça gratuita.

No caso em tela, em que pese não ter juntado aos autos declaração expressa de que não possui condições de arcar com as custas do processo, o réu alegou dificuldades financeiras em interrogatório, o que, em tese, leva à presunção de que não possui boas condições financeiras.

Ocorre que, conforme determinam os §2º e §3º do art. 98 do novo Código de Processo Civil, a concessão da gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas custas processuais, ficando, todavia, seu pagamento sobrestado, enquanto perdurar seu estado de pobreza, pelo prazo de 05 (cinco) anos, quando então a obrigação será extinta.

Acresça-se, por oportuno, que o exame acerca da miserabilidade deverá ser realizado na fase de execução da sentença, mais adequada para aferir a real situação financeira do condenado.

Nesse sentido, jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. CONDENAÇÃO. ART. 804 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E ART. 12 DA LEI N.º 1.060/50. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Mesmo sendo o réu beneficiário da assistência judiciária gratuita, deve ser condenado ao pagamento das custas processuais nos termos do art. 804 do CPC, ficando seu pagamento sobrestado enquanto perdurar o seu estado de pobreza, pelo prazo de cinco anos. 2. A isenção somente poderá ser concedida ao réu na fase de execução do julgado. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1377544/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 14/6/2011)"

 

Da restituição de veículo. Por fim, a empresa POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI requerer a restituição do veículo apreendido, na forma dos artigos 119 e 120 do Código de Processo Penal.

No entanto, a perda do veículo foi devidamente decretada, conforme a seguir:

“Sendo inequívoco o nexo de instrumentalidade do veículo apreendido com o delito, impõe-se a expropriação do bem em favor da União. Isso porque, no tratamento geral dado pelo art. 243 da CRFB, "ao contrário do que ocorre na legislação comum, não é necessário que os objetos e instrumentos apreendidos sejam de uso, posse, fabricação ou porte ilícitos, bastando o nexo de instrumentalidade, nos termos do já citado art. 243, parágrafo único, da Constituição Federal e arts. 62 e 63 da Lei n.º 11.343/2006" (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim 0000089-10.2018.4.03.6002, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 28/06/2021, Intimação 01/07/2021).”

Trata-se de veículo utilizado para a prática do crime de tráfico de drogas. Logo, evidente o seu interesse para o processo, sendo vedada sua restituição antes do trânsito em julgado da ação penal (art. 118 do Código de Processo Penal).

Além disso, a Lei de Drogas prevê em seus artigos 60, 61 e 63, a apreensão e o perdimento de bens, direitos ou valores que constituam proveito ou produto de crimes de tráfico ilícito de drogas, bem como dos instrumentos do crime, medidas, aliás, já previstas no parágrafo único do artigo 243 da Constituição Federal.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. PROVAS SUBMETIDAS AO CRIVO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PENA-BASE. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS. RESTITUIÇÃO DE BENS APREENDIDOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As instâncias ordinárias, ao concluírem pela autoria do recorrente em relação ao cometimento dos delitos, sopesaram os elementos colhidos extrajudicialmente com as demais provas e depoimentos obtidos em juízo, motivo pelo qual não há falar em violação do art. 155 do CPP. 2. Não há violação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, quando as instâncias ordinárias fundamentam o aumento da reprimenda-base à luz, justamente, das peculiaridades do caso concreto – notadamente na existência de três condenações definitivas por fatos anteriores bem como na natureza e na elevada quantidade de substâncias apreendidas (19.392,85 g de maconha e uma porção de crack, com massa líquida de 8,6 g). 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a expropriação de bens em favor da União pela prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem previsão na própria Constituição Federal (art. 243, parágrafo único) e decorre de sentença penal condenatória, conforme regulamentado, primeiramente e de forma geral, no art. 91, II, do Código Penal e, posteriormente, de forma específica, no art. 63 da Lei n. 11.343/2006. 4. Uma vez que as instâncias ordinárias concluíram pela utilização do veículo automotor para fins de prática do delito de tráfico de drogas, bem como que a quantia de R$ 1.891,00 seria produto de crime, dúvidas não há de que, para concluir-se em sentido contrário, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento vedado em recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 do STJ. 5. Agravo regimental não provido." (AgRg bo Aresp n. 1.622.730/DF, Sexta Turma, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Dje 09/03/2020).

Dessa forma, não há que se falar em restituição de bem apreendido.

 

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação defensiva de EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA para reduzir a pena-base para 07 (sete) anos e 06 (meses) de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa e conceder o benefício da justiça gratuita, fixando a pena definitiva de  07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 729 (setecentos e vinte e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato delituoso, e nego provimento aos recursos de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e de POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI.

É o voto.



E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DIFICULDADE FINANCEIRA. ESTADO DE NECESSIDADE. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE AFASTADA. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REDUZIDA. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA. CAUSA DE AUMENTO DA TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO § 4. FRAÇÃO DE 1/6. REGIME SEMIABERTO. DETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO. INABILITAÇÃO DE  DIRIGIR VEÍCULO AFASTADA. JUSTIÇA GRATUITA. PERDIMENTO DO VEÍCULO. UTILIZADO PARA A PRÁTICA DO CRIME. PARCIAL PROVIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

1. A materialidade do crime, que não foi objeto de recurso, restou devidamente comprovada por meio do Termo de Apreensão, pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Constatação de Droga) nº 696/2021 – SETEC/SR/PF/MS, pelo registro fotográfico - anexo 1 do Boletim de Ocorrência n. 3211642210509060027, Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) nº 725/2021 – SETEC/SR/PF/MS, que demonstram que foram encontrados, em compartimento interno, na parte traseira, próxima ao motor do ônibus transportado pelo réu, 165,3 kg de cocaína.

2. Igualmente, não houve insurgência no tocante à autoria da infração penal. As circunstâncias em que foi realizada a prisão em flagrante do réu, aliadas aos depoimentos colhidos, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência do fato e a responsabilidade do acusado.

3. A mera afirmação de realização da conduta em estado de necessidade, não se presta a demonstrar que o réu atravessasse extrema dificuldade financeira de tal ordem a configurar estado de necessidade, já que não se fez a prova efetiva da inevitabilidade da conduta delituosa, conforme exigido pelo artigo 156 do Código de Processo Penal. Além disso, não era inevitável, tampouco aceitável, recorrer o acusado a este meio criminoso para escapar da situação de dificuldade financeira que supostamente enfrentava.

4. Dosimetria da pena. Na hipótese, considerando a quantidade e a qualidade do entorpecente apreendido, qual seja, 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína, a pena-base deve ser reduzida ao patamar de 07 (sete) anos e 06 (meses) de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa, em conformidade com os parâmetros acolhidos por esta E. Corte.

5. Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes.

6. Restou evidente a transnacionalidade do delito e, portanto, na terceira fase, incide a causa de aumento de pena prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/6 (um sexto).

7. No presente caso, ainda que a atuação no mero transporte de entorpecente não seja suficiente para caracterizar integração em organização criminosa, tal conduta denota desvalor incompatível com a redutora na fração máxima, visto que o réu assentiu em tomar parte em uma empreitada criminosa estruturada (acondicionamento do entorpecente) por organização criminosa, como ocorre em delitos desse porte.

8. Assim, mantida a minorante do tráfico privilegiado na fração de 1/6 (sexto), patamar mínimo previsto para o benefício.

9. Considerando que o réu não possui maus antecedentes e as circunstâncias judiciais são predominantemente favoráveis, se mostra mais adequada a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no semiaberto, com base na pena fixada em concreto e nos termos do artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal. Mesmo considerada a detração do artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, esta não resultaria em alteração do regime inicial de cumprimento de pena.

10. Incabível a substituição da pena corporal, pois não restou preenchido o requisito do inciso I do artigo 44, do Código Penal (pena privativa de liberdade não superior a quatro anos).

11. Quanto à prisão preventiva, observa-se que estão presentes os requisitos para a manutenção da segregação cautelar do recorrente, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal). O risco à ordem pública se evidencia pela gravidade concreta da conduta atribuída ao acusado, que foi preso em flagrante por transportar de 165,3 kg (cento e sessenta e cinco quilogramas e trezentos gramas) de cocaína.

12. Mantido o afastamento da inabilitação de dirigir veículo. Réu motorista profissional.

13. Justiça gratuita.

14. Por fim, verifica-se que é evidente o interesse para o processo do veículo utilizado para a prática criminosa, sendo vedada a sua restituição.

15. Parcial provimento e não provimento.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu dar parcial provimento à apelação defensiva de EDUARDO JORGE DE OLIVEIRA para reduzir a pena-base para 07 (sete) anos e 06 (meses) de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa e conceder o benefício da justiça gratuita, fixando a pena definitiva de 07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 729 (setecentos e vinte e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato delituoso, e negar provimento aos recursos de apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e de POLLICAR TRANSPORTE TURISMO E VIAGENS EIRELI, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.