Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008996-81.2016.4.03.6183

RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: ALEJANDRO RODRIGUEZ ALONSO

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ CREMASCO - SP161791

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008996-81.2016.4.03.6183

RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: ALEJANDRO RODRIGUEZ ALONSO

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ CREMASCO - SP161791

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA): 

 

Trata-se de recurso de Apelação (ID. 133854094) interposto pela parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da restituição de valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição, nos seguintes termos (ID 133854092):

 

“(...) Nesse aspecto, as irregularidades apontadas pelo INSS estão lastreadas nas justificativas apresentadas no processo administrativo e a parte autora apresentou defesa, que foi insuficiente para esclarecer ou regularizar os pontos levantados. Deste modo restou comprovada a concessão irregular do benefício nº 42/131.937.029-0, por consequência, os respectivos valores foram recebidos indevidamente, razão pela qual devem ser devolvidos ao Erário. Diante da natureza das irregularidades apontadas, foge ao senso de razoabilidade o desconhecimento do beneficiário acerca do cômputo fraudulento de todos os períodos, tampouco há de se albergar a alegação de caráter alimentar, quando na verdade estaríamos permitindo que o segurado se beneficiasse da própria torpeza. (...) Diante do exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados nes­ta ação, resolvendo o mérito, artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil de 2015. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais e dos hono­rários advocatícios de sucumbência, fixados no percentual legal mínimo (cf. artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015), incidente sobre o valor atualizado da causa (cf. artigo 85, § 4º, inciso III), observada a suspensão prevista na lei adjetiva (§§ 2º e 3º do artigo 98), por ser a parte beneficiária da justiça gratuita. Transcorrido in albis o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se os autos, observadas as formalidades legais. P.R.I.” 

 

Nas razões de recurso alega a parte autora, ora apelante, “que também foi vítima de terceiro, preposto do Requerido, ora Apelado, eis que se tratava de serventuário daquele.” Sustenta que “recebia o benefício previdenciário de boa-fé, tendo inclusive, quando solicitado, na fase administrativa, apresentado toda documentação e informações que lhe foram solicitadas pelo ora Apelado”. Alega que os “valores recebidos de boa-fé a título de benefício, assistencial ou previdenciário que tem cunho alimentar, estão protegidos pelo princípio da irrepetibilidade e da devolução dos alimentos"

Requer seja dado provimento integral ao recurso. 

Prequestiona a matéria para eventual interposição de recursos nas Cortes Superiores. 

Sem contrarrazões, vieram os autos. 

É o relatório. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0008996-81.2016.4.03.6183

RELATOR: Gab. 52 - JUÍZA CONVOCADA RAECLER BALDRESCA

APELANTE: ALEJANDRO RODRIGUEZ ALONSO

Advogado do(a) APELANTE: ANDRE LUIZ CREMASCO - SP161791

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA RAECLER BALDRESCA (RELATORA): 

 

Trata-se de recurso de Apelação  interposto pela parte autora em face de r. sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade da restituição de valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição. 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. 

 

Da obrigação de restituir valores indevidamente recebidos

A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos artigos 876, 884 e 927 do Código Civil, a saber: 

Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.  
(...) Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. 
(...) Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 

Em relação aos benefícios previdenciários, os valores indevidamente auferidos são passíveis de cobrança pelo INSS, consoante o estatuído no artigo 115, inciso II, da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, confira-se: 

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: 
(...)II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019). 

Entretanto, a jurisprudência dos Tribunais indica que a obrigação de restituir poderá ser excepcionada a depender da análise do caso concreto, especialmente quando se comprova boa-fé no recebimento do benefício. 

Tal entendimento levou o C. Superior Tribunal de Justiça a firmar a seguinte tese a respeito do assunto (Tema 979/STJ): 
 

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". 

Dessa forma, aferida a boa-fé objetiva, estará o beneficiário isento da obrigação de restituir os valores recebidos. 

 

Do caso em análise 

Trata-se de Ação ajuizada por segurado em face do INSS objetivando a declaração de inexigibilidade da restituição de valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição. 

A autarquia previdenciária reputa indevidos os valores sob alegação de que o benefício teria sido obtido mediante fraude.    

Ao que consta no documento de ID 133854085 – fl. 40/43, o benefício cadastrado sob o n. 421131.937.029-0, concedido desde 01/01/2004, foi objeto de suspeita de irregularidades oriundas da apreensão que deu origem ao IPL 14-0604/05. 

Desta feita, procedeu-se à sua revisão administrativa ao final da qual foram identificadas distorções na concessão, tais como inclusão indevida de vínculo empregatício, falhas no recolhimento de contribuições e conversão indevida de tempo de serviço (ID 133854085 – fl. 144/147), o que ensejou a sua suspensão em  31/12/2009. 

Ato seguinte, o INSS encaminhou ofício ao segurado comunicando a constituição do débito e sua consignação no benefício de n. 176.654.922-2 no percentual de 30% a partir de da competência 09/2016 (ID 133854085 – FL. 198/201). 

Registre-se que o autor não se insurge contra as inconsistências identificadas no processo revisional, mas apela pela inexigibilidade da cobrança visto que não teve participação na fraude apontada e que “também foi vítima de terceiro, preposto do Requerido, ora Apelado, eis que se tratava de serventuário daquele”. 

 Nesse ponto, cumpre asseverar que o Relatório conclusivo individual daquele procedimento revisional (ID 133854085 – fls. 144/146) apontou irregularidades na concessão do benefício, sem, contudo, indicar qualquer fraude perpetrada pelo segurado. 

A apuração administrativa não indicou que o segurado tenha fraudado os documentos que serviram de base ao deferimento do benefício a fim de manter a Autarquia previdenciária em erro. 

De outro lado, conforme se depreende do Relatório de Informações contido naquele expediente (ID 133854085 – fls. 41), a concessão irregular do benefício se deu em virtude da atuação inapropriada do servidor responsável pelo seu processamento, que realizou intervenções indevidas no sistema da Autarquia, a saber:  

Destaque-se que o servidor em comento foi alvo de investigações em inquérito policial instaurado para apurar indícios de irregularidades na concessão de benefícios previdenciários (ID 133854085 – fls. 243/289), tendo sido apontado como envolvido em esquema de fraude contra o INSS.

Contudo, ao que se depreende do relatório final daquele expediente (ID 133854085 – fls. 271/289), a parte autora não figurou como envolvida na fraude.  De fato, não há qualquer elemento que permita inferir sua participação no esquema, tanto que seu nome sequer foi mencionado nos autos do procedimento de investigação. 

Dessa forma, não seria razoável estender a culpa do servidor ao beneficiário, sendo imprescindível que se demonstrasse, ainda que de forma indiciária, sua participação na concessão fraudulenta do benefício. 

De outro lado, a idoneidade dos documentos apresentados pelo segurado no ato de requerimento do benefício, o que não foi questionado pela Autarquia, e a ausência de fraude comprovada no bojo dos expedientes de apuração realizados, indicam sua boa fé no caso em apreço. 

Além disso, em atendimento ao princípio da presunção da boa-fé, conforme dicção do art. 373, Inc. I do CPC , cabe a quem alega sua ausência o ônus de desconstituí-la, não tendo o INSS assim agido.

Confira-se o entendimento desta Egrégia Décima Turma ao julgar caso semelhante (grifo não original): 

 

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIAPOR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO MEDIANTEAPRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA AFASTADA. RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO INDEVIDO. MÁ-FÉ DO AUTOR NÃO DEMONSTRADA. INEXIGIBILIDADE DAS PARCELAS RECEBIDAS. 
- O autor almeja a declaração inexigibilidade de devolução dos valores recebidos a título de aposentação, com DIB em 12/07/2007 e DCB em 09/05/2016, bem como o restabelecimento do benefício. 
- O Colendo Supremo Tribunal Federal (STF) pacificou o entendimento admitindo a possibilidade de a Administração Pública rever os seus atos, quando eivados de nulidades e vícios, mediante o exercício de autotutela para fins de proceder a anulação ou revogação, nos termos das Súmulas 346 e 473. 
- Não se descura que a controvérsia sobre os limites aplicáveis à restituição conduziu o C. Superior Tribunal de Justiça (STJ) a afetar o tema para perscrutar a respeito da seguinte questão: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social". 
-O assunto foi pacificado no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, no bojo do qual foi cristalizado o Tema 979/STJ"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". 
- Há que destacar, ainda,as situações em queas verbas pagas indevidamente não se originaram de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração Previdenciária, e sim, da prática de fraude documental, com evidente má-fé do beneficiário, verificada pela apresentação de documentos que atestaram vínculos trabalhistas inexistentes que culminaram com o reconhecimento de tempo de serviço não prestado, bem assim com a concessão indevida de benefício previdenciário. 
- Cristalina a fraude nos 3 (três) documentos discutidos, inviabilizando o restabelecimento do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto sem o cômputo/enquadramento desses períodos, o autor não atingiu o necessário a aposentação. 
- Afastada a alegação de cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, pois inócuo os depoimentos das testemunhas, já que não podem vencer a falsidade contida nos documentos. 
-Entretanto, apesar de evidenciada a fraude, não há provas que elas foram realizadas pelo autor e nem que ele agiu de má-fé, prova essa incumbida ao INSS, nos termos do artigo 373, I, do CPC. 
- A auditoria resumiu-se na apuração das irregularidades na concessão do benefício, sem perquirir sobre o fraudador, o que era essencial, diante dos vários envolvidos na sua concessão. 
- Diante da fragilidade da auditoria realizada, não há como concluir pela má-fé do autor, sendo inexigível a devolução das parcelas por ele recebidas. 
- Recurso parcialmente provido. 

(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000234-88.2016.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 11/10/2023, Intimação via sistema DATA: 18/10/2023). 

 

Portanto, não demonstrada a má-fé no caso concreto e diante do caráter alimentar das prestações, concluo não deve o beneficiário ser prejudicado pela atuação inadequada de servidor da Autarquia, sendo de rigor a reforma da r. sentença ora apelada. 

Da sucumbência recursal 

Considerando o provimento do recurso da parte autora, condeno a Autarquia-ré ao pagamento dos honorários advocatícios, a título de sucumbência recursal, os quais fixo no percentual legal mínimo (cf. artigo 85, § 3º, do Código de Processo Civil de 2015), incidente sobre o valor atualizado da causa (cf. artigo 85, § 4º, inciso III). 

Prequestionamento 

Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. 

Dispositivo 

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação para reconhecer a inexigibilidade do débito objeto desta demanda, nos termos da fundamentação. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RESSARCIMENTO DOS VALORES RECEBIDOS PELO SEGURADO. FRAUDE AO SISTEMA DE BENEFÍCIOS. IRREGULARIDADES APONTADAS EM PROCESSO REVISIONAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ POR PARTE DO SEGURADO. TEMA 979/STJ. APLICABILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. RECONHECIDO. 
1. A disciplina acerca da obrigação de restituir valores ilicitamente recebidos está inserta nos artigos 876, 884 e 927 do Código Civil. 
2. A discussão acerca da necessidade ou não de se restituir valores indevidos recebidos de boa-fé, levou o C. Superior Tribunal de Justiça a firmar a seguinte tese a respeito do assunto (Tema 979/STJ): "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".   
3. Trata-se de Ação ajuizada por segurado em face do INSS objetivando a declaração de inexigibilidade da restituição de valores recebidos a título de aposentadoria por tempo de contribuição.  A autarquia previdenciária reputa indevidos os valores sob alegação de que o benefício teria sido obtido mediante fraude, sendo cabível a restituição.  
4. 
A apuração administrativa não indicou que o segurado tenha fraudado os documentos que serviram de base ao deferimento do benefício a fim de manter a Autarquia previdenciária em erro. De outro lado, conforme se depreende do Relatório de Informações contido naquele expediente, a concessão irregular do benefício se deu em virtude da atuação inapropriada do servidor responsável pelo seu processamento, que realizou intervenções indevidas no sistema da Autarquia.

5. Além disso, em atendimento ao princípio da presunção da boa-fé, conforme dicção do art. 373, Inc. I do CPC , cabe a quem alega sua ausência o ônus de desconstituí-la, não tendo o INSS assim agido.  
6. No caso em tela, o INSS não logrou afastar a boa-fé do segurado no recebimento das prestações previdenciárias. 
7. Não demonstrada a má-fé no caso concreto e diante do caráter alimentar das prestações, inexigível a restituição dos valores recebidos. 
8. Recurso provido
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  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação para reconhecer a inexigibilidade do débito objeto desta demanda e fixar os honorários advocatícios no percentual mínimo incidente sobre o valor atualizado da causa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.