APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076064-14.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA
APELANTE: CLEIDE CARDOSO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA PRADO OLIVEIRA E SOUSA - SP233723-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076064-14.2023.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: CLEIDE CARDOSO DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA PRADO OLIVEIRA E SOUSA - SP233723-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora): Trata-se de apelação interposta pela parte autora em demanda previdenciária ajuizada em face do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) objetivando a concessão de benefício de incapacidade. A r. sentença julgou improcedente o pedido formulado, nos seguintes termos (ID 282169700): Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil. Ante a sucumbência, condeno a parte autora no pagamento das custas e despesas processuais, bem como no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10%do valor da causa, observando-se o disposto no art. 98, §3º, do CPC. Oportunamente e cumpridas as formalidades de estilo, arquivem-se os autos. P.I. Dispensado o reexame necessário. A parte autora sustenta, em síntese, que (ID 282169703): - o primeiro laudo médico pericial mostra-se contrário aos documentos médicos anexos aos autos, suscitando dúvida objetiva quanto a sua conclusão, já que permaneceu afastada pelas mesmas patologias na coluna até 2018 e, não havendo nenhuma notícia de melhora do seu quadro clínico, resta evidente a impossibilidade de estar repentinamente capacitada para suas funções habituais (corte de cana); - ato contínuo, fora realizada nova perícia médica, vindo aos autos o laudo médico judicial e o laudo complementar concluindo que a apelante não está capacitada para exercer atividades laborativas no corte de cana; - foi juntado aos autos atestado fornecido pelo médico especialista em ortopedia e traumatologia, Dr. Miguel Angelo Saggin Peres, CRM 82990, datado aos 09/09/2019, atestando que a autora estava em tratamento por CIDs: M15 + M65 + M51, patologias crônicas e irreversíveis, e incapaz de retornar às suas atividades; - em que pese a perita ter constatado que a incapacidade tem caráter parcial e permanente, em razão de males na coluna, certo é que a ausência de incapacidade omniprofissional não afasta o seu direito de receber o benefício da aposentadoria por invalidez; - as limitações clínicas impostas pelo quadro diagnosticado, conjugadas com as condições pessoais da segurada, como idade avançada, sem escolaridade e histórico laboral no ramo do corte de cana-de-açúcar evidenciam a inviabilidade da reabilitação profissional e autorizam a concessão de aposentadoria por invalidez. Por fim, requer o provimento do recurso com a reforma integral da r. sentença. Sem contrarrazões de recurso, subiram os autos a esta E. Corte Regional. É o relatório. (mgi)
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5076064-14.2023.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LEILA PAIVA APELANTE: CLEIDE CARDOSO DOS SANTOS Advogado do(a) APELANTE: FERNANDA PRADO OLIVEIRA E SOUSA - SP233723-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS V O T O A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora): Cinge-se a controvérsia recursal à existência de incapacidade laboral da parte autora. O recurso de apelação preenche os requisitos de admissibilidade e merece ser conhecido nos termos em que devolvido, restringindo sua apreciação à matéria impugnada na apelação, em observância ao princípio “tantum devolutum quantum appellatum”. Dos benefícios por incapacidade para o trabalho A redação original do artigo 201, inciso I, da Constituição da República (CR) referia que os planos de previdência atenderiam a cobertura de eventos de invalidez e doença, dentre outros. Após a Emenda Constitucional (EC) n. 103, de 13/11/2019, o Texto Magno passou a utilizar de novel terminologia para designar os eventos sob proteção previdenciária, indicando a cobertura das contingências de incapacidade permanente ou temporária, anteriormente designadas como invalidez ou doença, nos termos da nova redação do artigo 201, inciso I, in verbis: Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019). Em atenção ao princípio tempus regit actum, a concessão dos benefícios por incapacidade deverá observar os requisitos previstos na legislação vigente ao tempo do infortúnio. Da aposentadoria por incapacidade permanente (invalidez) A disciplina básica da aposentadoria por incapacidade permanente, antes aposentadoria por invalidez, segue nos artigos 42 a 47 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), bem assim nos artigos 43 a 50 do Decreto n. 3.048, de 06/05/1999, o regulamento da Previdência Social (RPS), com as suas alterações posteriores, sempre observadas as alterações da EC n. 103/2019. A regra matriz da concessão está inserta no enunciado do caput do artigo 42, da LBPS, in verbis: Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição. Trata-se de benefício de aposentação destinado aos segurados da Previdência Social, cuja incapacidade para o trabalho é considerada permanente e insusceptível de recuperação da capacidade laboral ou, ainda, de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Muito embora a aposentadoria por incapacidade definitiva seja desprovida de caráter perene, o benefício tornar-se-á definitivo, quando, uma vez não constatada a possibilidade de reabilitação profissional, o segurado for dispensado de realizar perícias médicas periódicas. Essa circunstância ocorre quando o segurado: i) completa 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e tenham decorridos 15 (quinze) anos de gozo da aposentadoria por incapacidade e/ou auxílio por incapacidade provisória; ou ii) implementa os 60 (sessenta) anos de idade, conforme preceitua o artigo 101, I e II, da LBPS, com as alterações da Lei n. 13.457, de 26/06/2017. Do auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) A disciplina legal do auxílio por incapacidade temporária, nova denominação do auxílio-doença, é extraída dos artigos 59 a 63 da LBPS, bem como a sua regulamentação dos artigos 71 a 80 do RPS. A regra básica de concessão consta do caput do artigo 59 da LBPS, in verbis: Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Destina-se o benefício aos segurados da Previdência Social que estejam em situação de temporária incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, decorrente de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. Em decorrência de sua natureza impermanente, o auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença), poderá ser, posteriormente, (i) transformado em aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), na hipótese de sobrevir incapacidade total e permanente; (ii) convertido em auxílio-acidente, se ficar demonstrada sequela permanente que enseje a redução da sua capacidade laboral; ou (iii) cessado, em decorrência de reaquisição da capacidade laboral com retorno ao trabalho, ou em razão de reabilitação profissional. Dos requisitos à concessão do benefício de incapacidade São basicamente três os requisitos para a concessão de benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) a carência, quando cabível; e 3) a constatação da incapacidade laborativa. Na hipótese de acidente de trabalho, o benefício é devido aos segurados empregados, inclusive o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial. 1. Da qualidade de segurado O primeiro requisito consiste na qualidade de segurado consoante o artigo 11 da LBPS, cuja manutenção tem por supedâneo precípuo o pagamento de contribuições ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Assim, considerando o caráter contributivo da Previdência Social, a qualidade de segurado estará mantida aos segurados mediante contribuição. Entretanto, a LBPS estabelece exceção legal expressa, mediante a utilização do denominado período de graça, consistente no interregno assegurado àquele que, mesmo sem recolher contribuições, continua ostentando a condição de segurado, conforme as hipóteses do artigo 15 da referida lei. De outro giro, a condição de segurado é garantida àquele que se encontra no gozo de benefício previdenciário, exceto auxílio-acidente. 2. Da carência O requisito da carência exigido à obtenção de benefícios por incapacidade impõe, como regra geral, a comprovação do recolhimento de 12 (doze) contribuições mensais, nos termos do artigo 25 da LBPS. O período de carência consiste no “número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”, na forma do caput do artigo 24 da LBPS. No entanto, independe de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa, e de doença profissional ou do trabalho, assim como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das doenças elencadas na forma dos artigos 26, inciso II, c/c 151, da LBPS: Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: (...) II - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado; (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) (...) Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionada no inciso II do art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, esclerose múltipla, hepatopatia grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante), síndrome da deficiência imunológica adquirida (aids) ou contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) Acrescente-se, ainda a redação do artigo 1º da Portaria Interministerial MPAS/MS n. 2.998, de 23/8/2001, in verbis: As doenças ou afecções abaixo indicadas excluem a exigência de carência para a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez aos segurados do Regime Geral de Previdência Social - RGPS: I - tuberculose ativa; II - hanseníase; III - alienação mental; IV - neoplasia maligna; V - cegueira; VI - paralisia irreversível e incapacitante; VII - cardiopatia grave; VIII - doença de Parkinson; (grifos meus) IX - espondiloartrose anquilosante; X - nefropatia grave; XI - estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); XII - síndrome da deficiência imunológica adquirida-Aids; XIII - contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada; e XIV - hepatopatia grave. 3. Da incapacidade O terceiro requisito consiste na incapacidade para o trabalho, a qual, para a concessão de aposentação, deve ser permanente e insuscetível de recuperação ou de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por invalidez) e, para fins de auxílio incapacidade temporária (auxílio-doença), deve persistir por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Anote-se que para a avaliação da incapacidade se impõe considerar a demonstração de que, ao tempo da filiação ao RGPS, o segurado não era portador da enfermidade, exceto se a incapacidade sobrevier em decorrência de progressão ou agravamento da doença ou da lesão, conforme preconizam os artigos 42, § 2º, e 59, § 1º, da LBPS, in verbis: Art. 42. (...) § 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (...) Art. 59. (...) § 1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019). Nessa senda, insista-se, a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao RGPS não configura óbice à concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade decorrer de progressão ou agravamento da moléstia, ex vi do artigo 42, § 2º, da LBPS. A existência de incapacidade, total ou parcial, é reconhecida mediante realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, consoante o Código de Processo Civil. No entanto, o magistrado não está adstrito unicamente às conclusões periciais, podendo valer-se de outros elementos constantes dos autos para formar a sua convicção, tais como questões pessoais, sociais e profissionais. Confira-se alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que dizem respeito a esse tema: Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.” Súmula 53 da TNU:“Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social.” Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual.” Na hipótese de exsurgir das provas periciais elementos suficientes ao reconhecimento da incapacidade somente parcial para o trabalho, o magistrado deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença. O artigo 43, § 1º, da LBPS preceitua que a concessão da aposentadoria por invalidez depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social. Acrescente-se que em hipóteses específicas, quando demonstrada a necessidade de assistência permanente de outra pessoa (grande invalidez), é possível, com supedâneo no artigo 45 da LBPS, o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) ao valor da aposentadoria por invalidez. Da data do início do benefício Os benefícios de incapacidade têm por data de início do benefício (DIB) o requerimento administrativo ou, na ausência deste, a citação do INSS. Essa é a compreensão do C. STJ fixada no Tema 626/STJ: “a citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação administrativa” (REsp n. 1.369.165/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 7/3/2014). Ainda, a Súmula 576/STJ: “ausente requerimento administrativo no INSS, o termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida judicialmente será a data da citação válida”, (j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016). Na hipótese de restabelecimento de benefício por incapacidade, cessado indevidamente, a concessão judicial não configura novo benefício, e o seu termo inicial deve ser fixado no dia seguinte à data da cessação indevida. Nesse sentido, os seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL. DATA DA CESSAÇÃO INDEVIDA DO AUXÍLIO-DOENÇA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que "o termo inicial da concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez é o dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, no caso de ausência de prévia postulação administrativa. Incidência da Súmula 83/STJ." (AgRg no AgRg no AREsp 813.589/MS, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 22/3/2016) 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 915.208/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 19/12/2016) (grifei) PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. ART. 42, CAPUT E § 2º DA LEI 8.213/91. AUXÍLIO-DOENÇA. ARTIGOS 59 e 62 DA LEI N.º 8.213/91. ATIVIDADE URBANA. QUALIDADE DE SEGURADO. CARÊNCIA. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. - Comprovada a incapacidade parcial e permanente para o trabalho, bem como presentes os demais requisitos previstos nos artigos 59 e 62 da Lei n.º 8.213/91, é devida a concessão do benefício de auxílio-doença. - O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia imediatamente posterior à cessação indevida da aposentadoria por invalidez anteriormente concedida à parte autora, uma vez que o conjunto probatório existente nos autos revela que o mal de que ela é portadora não cessou desde então, não tendo sido recuperada a capacidade laborativa, devendo ser descontados eventuais valores pagos administrativamente. (...) Apelação da parte autora parcialmente provida. (TRF3 - ApCiv 5670251-93.2019.4.03.9999. RELATOR: Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA, 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 22/11/2019). Do caso concreto No caso vertente, alega a parte autora, com 50 anos de idade na data de realização da perícia (11/11/2020), ensino básico incompleto - 1º ano, ser portadora de doenças correspondentes aos CIDs M15, M65, M51, M25.9 e F10-2, moléstias que lhe acarretam incapacidade total e permanente para o trabalho. Primeiramente, é possível verificar preenchidos os requisitos da qualidade de segurada da parte autora, pois esteve em gozo de benefício previdenciário por incapacidade no período de 22/10/2010 à 26/03/2018 (CNIS ID 282169624), bem como do cumprimento da carência necessária para percepção do benefício de incapacidade. O requerimento administrativo prévio foi apresentado em 02/10/2019 (ID 282169605). A fim de se perscrutar a real condição da parte autora, o d. Juízo a quo designou a realização de perícia médica, ocasião em que o Senhor Perito apresentou as seguintes conclusões (ID 282169635): O (a) periciando (a) é portador (a) de diabetes mellitus, hipertensão arterial, doença degenerativa da coluna sem déficit neurológico focal ou sinais de irritação radicular atual. CID: E10, I10, M549 O quadro atual não gera alterações clínicas, sinais de alerta para piora clínica ou agravamento com o trabalho, fato este que leva à conclusão pela não ocorrência de incapacidade laborativa atual. A doença é passível de tratamento conservador adequado, que gera melhora clínica, e pode ser realizada de maneira concomitante com o trabalho. A doença apresentada não causa incapacidade para as atividades anteriormente desenvolvidas. A data provável do início da doença é 1984, segundo conta. Neste caso não se aplica uma data de início da incapacidade. Por fim, o (a) periciando (a) não é portador (a) de: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado de doença de Paget (osteíte deformante), síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e/ou contaminação por radiação. Determinada a realização de outra perícia médica, esta realizada por profissional especialista em psiquiatria, veio aos autos o laudo ID 282169678, que concluiu: A partir do exame pericial pode-se concluir que o periciado é portador de transtorno depressivo recorrente, atualmente estabilizado hipertensão arterial e diabetes, não apresentando incapacidade para atividade laborativa. Também portadora de doença degenerativa em coluna lombossacra, com limitação para o exercício de atividades com impacto e com grande exigência física para esta região, como carregamento de peso. Intimada a responder quesitos complementares, a r. expert afirmou (ID 282169691): - Considerando o quadro psiquiátrico, no momento da perícia, com o exame do estado mental apresentado, havia total capacidade laborativa. - Há capacidade para o exercício de atividades sem impacto e sobrecarga para a coluna lombar. Com efeito, decorre do primeiro laudo técnico que as patologias que acometem a parte autora não são geradoras de incapacidade laboral. É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo sopesar o conjunto probatório para formar a sua convicção. A médica psiquiatra subscritora do laudo ID 282169678, embora tenha sido nomeada para a "realização de nova perícia com médico especialista psiquiatra, haja vista o histórico de transtorno psiquiátrico da requerente" (ID 282169652), concluiu pela inexistência de incapacidade do ponto de vista da doença mental, bem como pela presença de incapacidade para o exercício de atividades com impacto e sobrecarga para a coluna lombar, divergindo, neste particular, do parecer do primeiro perito. Ocorre que, conforme consta no sítio eletrônico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, o médico que conduziu a primeira perícia, Dr. Marcello Teixeira Castiglia - CREMESP número 116408, é especialista nas áreas de ortopedia e traumatologia, devendo prevalecer, portanto, as suas conclusões no que diz respeito às doenças ortopédicas de que padece a parte autora, em detrimento do parecer da perita médica psiquiatra em relação às mesmas enfermidades. De outro giro, o arcabouço probatório dos autos é farto e suficiente para concluir pela existência da incapacidade laboral da parte autora, porquanto o documento médico que instrui estes autos (ID 282169607), atesta que a segurada, em 09/09/2019, era portadora de enfermidades que a tornavam incapaz para o exercício de suas atividades. Nesse contexto, faz jus a parte autora à percepção do benefício de auxílio por incapacidade temporária desde a data do requerimento administrativo prévio, em 02/10/2019, até 10/11/2020, data imediatamente anterior à realização da perícia conduzida por médico especialista em ortopedia e traumatologia, que concluiu pela inexistência de incapacidade laboral da periciada. Acrescente-se, por fim, que os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade são regidos pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, havendo agravamento da moléstia ou alteração do quadro de saúde da parte autora, pode ela postular administrativamente a concessão de novo benefício. Nesse cenário, de rigor a reforma parcial da r. sentença, porquanto demonstrados os requisitos necessários à concessão do benefício de auxílio por incapacidade temporária no período de 02/10/2019 à 10/11/2020. As prestações vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora. Atente-se que os valores pagos, na via administrativa ou por força de decisão judicial, a título de benefícios inacumuláveis no período, deverão ser integralmente abatidos do débito. Custas e despesas processuais A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas e emolumentos no âmbito da Justiça Federal e nas ações processadas perante a Justiça Estadual de São Paulo, por força do artigo 4º, I, da Lei Federal n. 9.289/1996, e do artigo 6º da Lei Estadual paulista n. 11.608/2003. A isenção, por sua vez, não a exime do reembolso das despesas judiciais eventualmente recolhidas pela parte vencedora, desde que devidamente comprovada nos autos, consoante o parágrafo único do referido artigo 4º da Lei n. 9.289/1996. Quanto às demandas aforadas no Estado de Mato Grosso do Sul, a isenção prevista nas Leis Estaduais sul-mato-grossenses ns. 1.135/1991 e 1.936/1998 foi revogada pela Lei Estadual n. 3.779/2009 (artigo 24, §§ 1º e 2º), razão pela qual cabe ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais naquele Estado. Por fim, caberá à parte vencida arcar com as despesas processuais e as custas somente ao final, na forma do artigo 91 do CPC. Consectários legais A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021. Quanto aos juros, destaque-se que são devidos até a data da expedição do ofício precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV), conforme o Tema 96/STF, cristalizado pelo C. STF no julgamento do RE n. 579.431, observando-se, a partir de então, o teor da Súmula Vinculante 17/STF. Dos honorários advocatícios Em razão da sucumbência, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios fixados em patamar mínimo sobre o valor da condenação, observadas as normas do artigo 85, §§ 3º e 5º, do CPC. Dispositivo Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação. É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE INCAPACIDADE. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. REQUISITOS PRESENTES NA DATA DA DER. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE CONSTATADA NA DATA DA PERÍCIA. AUTORIDADE DA PROVA TÉCNICA. TERMO FINAL DA BENESSE.
- O auxílio por incapacidade temporária, nova denominação do auxílio-doença, encontra-se previsto nos artigos 59 a 63 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991 e destina-se aos segurados da Previdência Social que estejam em situação de temporária incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, decorrente de doença, acidente de qualquer natureza ou por prescrição médica, constatada a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
- A concessão da aposentadoria por incapacidade total e permanente (aposentadoria por invalidez), regulamentada pelo artigo 43, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, depende da comprovação da incapacidade total e definitiva para o trabalho, mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. Todavia, o entendimento jurisprudencial consolidou-se no sentido de que também enseja direito ao aludido benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, desde que atestada por perícia médica, que inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, inviabilizando a sua readaptação. Referido entendimento consubstancia o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.
- Decorre do primeiro laudo técnico que as patologias que acometem a parte autora não são geradoras de incapacidade laboral.
- É assente que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do artigo 479 do CPC, devendo sopesar o conjunto probatório para formar a sua convicção.
- A médica psiquiatra subscritora do laudo ID 282169678, embora tenha sido nomeada para a "realização de nova perícia com médico especialista psiquiatra, haja vista o histórico de transtorno psiquiátrico da requerente" (ID 282169652), concluiu pela inexistência de incapacidade do ponto de vista da doença mental, bem como pela presença de incapacidade para o exercício de atividades com impacto e sobrecarga para a coluna lombar, divergindo, neste particular, do parecer do primeiro perito.
- Ocorre que, conforme consta no site na Internet do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, o médico que conduziu a primeira perícia, Dr. Marcello Teixeira Castiglia - CREMESP número 116408, é especialista nas áreas de ortopedia e traumatologia, devendo prevalecer, portanto, as suas conclusões no que diz respeito às doenças ortopédicas de que padece a parte autora, em detrimento do parecer da perita médica psiquiatra em relação às mesmas enfermidades.
- O arcabouço probatório dos autos é farto e suficiente para concluir pela existência da incapacidade laboral da parte autora, porquanto o documento médico que instrui estes autos (ID 282169607), atesta que a segurada, em 09/09/2019, era portadora de enfermidades que a tornavam incapaz para o exercício de suas atividades.
- Nesse contexto, faz jus a parte autora à percepção do benefício de auxílio por incapacidade temporária desde a data do requerimento administrativo prévio, em 02/10/2019, até 10/11/2020, data imediatamente anterior à realização da perícia conduzida por médico especialista em ortopedia e traumatologia que concluiu pela inexistência de incapacidade laboral da periciada.
- Acrescente-se, por fim, que os benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade são regidos pela cláusula "rebus sic stantibus", de modo que, havendo agravamento da moléstia ou alteração do quadro de saúde da parte autora, pode ela postular administrativamente a concessão de novo benefício.
- A correção monetária e os juros de mora incidirão conforme a legislação de regência, observando-se os critérios preconizados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, que refere a aplicação da EC n. 113/2021.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.