Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061363-48.2023.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: B. A. D. O.
REPRESENTANTE: LUCIANA OLIVEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA IBRAIM CECILIO - SP265453-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061363-48.2023.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: B. A. D. O.
REPRESENTANTE: LUCIANA OLIVEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA IBRAIM CECILIO - SP265453-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): Trata-se de ação movida pela parte autora em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, cujo o objeto é a concessão de benefício de prestação continuada (BPC-LOAS), previsto no art. 203, V, da Constituição Federal (CF) e no art. 20, da Lei 8.742/93 (LOAS).

Em síntese, alega a parte autora em sua petição inicial (ID 273372912), que é pessoa com deficiência (Transtorno do espectro do autismo – TEA – F84-0) e que se encontra em situação de miserabilidade.

Durante a instrução processual, foi elaborado o laudo pericial socioeconômico (ID 273372959).

Processado o feito, a demanda foi julgada IMPROCEDENTE, pela r. sentença (ID 273373002), nos seguintes termos:

 

(...)

Pelo que há nos autos, é incontroverso que o autor preenche o requisito de ser pessoa com deficiência.

(...)

Importa consignar que o requisito de miserabilidade deve ser observado, ainda que a fração de 1/4 não precise ser seguida à risca, deve-se ter presente e considerar valor aproximado, de modo que a renda de 1/2 salário mínimo afaste-se demasiadamente, a ponto de não ser possível reconhecer a miserabilidade.

Desta forma, verifico que não está preenchido o requisito econômico.

DISPOSITIVO

Condeno a parte autora ao pagamento das custas judiciais e honorários sucumbenciais no percentual de 10% sobre o valor da causa, observando-se o disposto no art. 98, §3º, do CPC.

Dispensado o registro da sentença, nos termos do art. 72, § 6º, das Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

Publique-se. Intime-se.

 

Irresignada, a parte autora interpôs recurso de apelação (ID 273373017), para reformar o julgado de primeira instância, apresentando o argumento de preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício de prestação continuada, diante da verificação de miserabilidade.

Em síntese, alega que a renda da família, composta por três integrantes, é de R$ 1652,64, sendo R$ 1292,64 provenientes da remuneração da genitora da parte autora e os R$ 360,00 restantes, da ajuda de custo fornecida pelo genitor. Com isso, afirma que a renda mensal familiar per capita é de R$ 550,88, o que, embora seja superior ao critério legal, não é suficiente para prover uma existência digna ao grupo familiar, levando-se em consideração a dificuldades trazidas pela condição de saúde da parte autora.

Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este E. Tribunal Regional Federal.

Nesta Corte, o D. Representante do Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação.

É O RELATÓRIO.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5061363-48.2023.4.03.9999

RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. CRISTINA MELO

APELANTE: B. A. D. O.
REPRESENTANTE: LUCIANA OLIVEIRA DOS SANTOS

Advogados do(a) APELANTE: PATRICIA IBRAIM CECILIO - SP265453-N,

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

 

 

V O T O

 

A EXCELENTÍSSIMA DESEMBARGADORA FEDERAL CRISTINA MELO (RELATORA): diante da regularidade formal, com base no art. 1.011, do Código de Processo Civil (CPC), conheço o recurso e passo à análise do objeto da insurgência recursal propriamente dita.

Benefício assistencial

O art. 203, V, da CF, regulamentado pelo art. 20, da LOAS prevê “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”.

Diante disso, observa-se a existência de dois requisitos cumulativos para a concessão do referido benefício: (i) ser pessoa portadora de deficiência ou idosa com pelo menos 65 anos; e (ii) estar em condição de miserabilidade, consistente na incapacidade para prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

a) Primeiro requisito – Pessoa com deficiência

Pelos documentos acostados aos autos (ID 273372942 – p. 1 a 3), é nítido que a parte autora cumpre com o primeiro requisito de concessão do BPC-LOAS, uma vez que é uma criança com transtorno do espectro autista, fato incontroverso, já que ausente impugnação do INSS nesse sentido.

b) Segundo requisito – Condição de miserabilidade

A parte autora se insurge contra o indeferimento do benefício assistencial, diante da não verificação da condição de miserabilidade, o segundo requisito do benefício assistencial. Em suas razões recursais, alega que a renda da família, composta por três integrantes, é de R$ 1652,64, sendo R$ 1292,64 provenientes da remuneração da genitora da parte autora e os R$ 360,00 restantes, da ajuda de custo fornecida pelo genitor. Com isso, afirma que a renda mensal familiar per capita é de R$ 550,88, o que, embora seja superior ao critério legal, não é suficiente para prover uma existência digna ao grupo familiar, levando-se em consideração a dificuldades vivadas pela condição de saúde da parte autora.

Neste cenário, entende que a r. sentença deve ser reformada, uma vez que os critérios legais nela utilizados devem ser tidos por inconstitucionais e serem afastados da análise do caso concreto, para dar espaço à valoração de outros elementos fáticos, que comprovam a situação de miserabilidade da família.

Nesse sentido, a jurisprudência e a doutrina consolidaram o entendimento de que tal critério objetivo de mensuração da miserabilidade não é absoluto, podendo outros elementos demonstrarem situação de vulnerabilidade pessoal, financeira e social. Principal demonstrativo disso é o precedente que fixou o Tema 185, extraído da jurisprudência do C. STJ:

 

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente ao cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido.”.

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) (Grifo nosso).

 

Isso significa que prevaleceu o posicionamento de que, ao lado deste critério objetivo, outros elementos podem indicar a existência da condição de miserabilidade. Não por menos, o legislador optou por positivar tal tese, por meio do art. 20, § 11º, da LOAS, nas seguintes palavras:

 

§ 11.  Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

 

Diante de tais preceitos, observa-se que o segundo requisito de concessão do benefício assistencial (condição de miserabilidade) também foi atendido neste caso em específico.

Como é possível concluir a partir do estudo social, é clara a condição de vulnerabilidade financeira e social da parte autora. Nas próprias palavras do laudo:

 

PARECER SOCIAL

O contexto vivenciado por meio da visita domiciliar e estudo social é de que a família do Requerente Benjamin Augusto de Oliveira, vive em situação de vulnerabilidade social e vivencia situação de incapaz dentro do lar.

O que se observa no caso em tela, é que o Requerente Benjamin devido sua patologia (Transtorno do Espectro Autista), necessita de ser assistido e de ajuda de terceiros para executar suas tarefas da vida diária. Benjamin, se isola para brincar, apresenta dificuldade de comunicação, socialização e de interação com outras crianças, e requer ser assistido nas suas necessidades fisiológicas e higiene pessoal. É incapaz para a vida independente, e para um melhor desenvolvimento, necessita de uma equipe interdisciplinar sistêmica e contínua.

O que se observa no caso em tela, é que os gastos da família são muitos e que a família vive basicamente do salário da mãe do Requerente Sra. Luciana (R$ 1.292,64), e que não recebe pensão alimentícia do pai, apenas o pagamento dos profissionais Fonoaudióloga e da Equoterapia.

Consideramos que a concessão do Benefício de Prestação Continuada – BPC/LOAS, contribuirá para suprir as necessidades básicas do Requerente e melhorar a sua qualidade de vida. (Grifo nosso)

 

Conclui-se, a partir do laudo pericial socioeconômico, que o grupo familiar, composto por três pessoas, sobrevive com renda muito aquém dos mínimos exigidos para uma existência digna. Quer dizer, a renda familiar per capita da parte autora é de aproximadamente R$ 550,00, o que estaria acima dos critérios legais objetivos. Entretanto, a análise global dos fatos trazidos a este processo demonstra que a parte autora vive em estado de miserabilidade.

É sabido que sobreviver com renda inferior a um salário mínimo nos dias atuais é desafio demasiadamente árduo para qualquer cidadão. O que dizer, então, de um indivíduo que, atrelado a tal escassez de recursos, é pessoa com deficiência, sem aptidão para prover o próprio sustento ou de tê-lo pela sua família de forma digna.

Logo, com base em uma análise integral dos fatos, suportada pelo posicionamento doutrinário e jurisprudencial já exposto, concluo pela configuração do estado de miserabilidade e consequente configuração do requisito objetivo para concessão do BPC-LOAS.

Saliente-se que a postura hermenêutica ora adotada não configura atuação legislativa positiva por parte do Poder Judiciário. Mas, sim, obediência ao princípio da máxima efetividade da Constituição Federal, que impõe o dever de concretização dos direitos fundamentais, sobretudo, os relacionados à assistência social e à dignidade da pessoa humana.

Desta maneira, é possível concluir que a parte autora faz jus ao benefício assistencial em debate, uma vez que, além de ser pessoa com deficiência, encontra-se em situação de miserabilidade, tanto sob um ponto de vista econômico quanto social, consoante o acervo probatório formado neste processo.

Data de implantação do benefício assistencial

O termo inicial do benefício de prestação continuada corresponde à data do requerimento administrativo, momento em que a entidade autárquica tomou conhecimento do direito da parte autora e recusou atendê-lo. É esse, inclusive, o posicionamento dominante na jurisprudência desta E. Corte Regional Federal, exemplificada pelo seguinte precedente desta C. Nona Turma:

 

 

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

- O termo inicial do benefício é a prévia postulação administrativa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

(...)

- Apelação da autora provida.  Apelação do INSS provida em parte.

(TRF 3, 9ª Turma, ApCiv 5004598-57.2023.4.03.9999, Rel. Desembargadora Federal Daldice Maria Santa de Almeida, j. em 07/12/2023).

 

Sendo assim, merece prosperar o pleito recursal da parte autora, sendo a data de início do benefício a de entrada do requerimento administrativo, o que se deu em 16/07/2020 (ID 273372932).

Honorários sucumbenciais

Condeno o INSS a pagar honorários de advogado, de forma exclusiva, arbitrados em 10% sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Honorários recursais

Nos termos da jurisprudência do STJ, somente são devidos os honorários recursais, nas hipóteses de não conhecimento ou desprovimento do recurso da outra parte. No caso dos autos, o recurso interposto foi provido, sendo indevidos os honorários recursais (AgInt nos EAREsp n. 762.075/MT, Relator p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, j. 19/12/2018, DJe7/3/2019; AgInt no REsp 1863024/SP, Relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, j. 29/06/2020, DJe 01/07/2020).

Custas processuais ex lege

No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei nº. 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nº.s 4.952/85 e 11.608/2003).

Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (art. 4º, parágrafo único, da Lei nº. 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora.

Correção monetária e juros da mora

A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora, para reformar a r. sentença, diante da procedência da ação, com a devida condenação do INSS à concessão do Benefício de prestação continuada, devido desde 16/07/2020, nos termos da fundamentação.

É O VOTO.

GABCM/PEJESUS

 

 

 


DECLARAÇÃO DE VOTO

 

A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: Trata-se de apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido de benefício de prestação continuada ao deficiente.

Nas razões de apelação, a parte autora alega o preenchimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício pretendido, razão pela qual requer a reforma do julgado. 

A nobre Relatora deu provimento à apelação para julgar procedente a ação, discriminados os consectários legais.

Não obstante os judiciosos fundamentos expostos no voto de Sua Excelência, deles ouso divergir, pelas seguintes razões.

Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.

Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

Com a devida vênia, entendo não estar patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.

O estudo social, realizado em 6/1/2022, trouxe as seguintes informações:

(i) o núcleo familiar do autor é composto pela sua mãe  Luciana Paula de Oliveira, nascida em 12/9/1989, qualificada no laudo como auxiliar de desenvolvimento infantil e seu irmão Kayky Mateus Oliveira dos Santos, nascido em 26/10/2005;

(ii) a família reside em casa cedida da COHAB, feito de alvenaria, piso de cerâmica, lajota no teto, situada em bairro periférico pavimentado. Possui uma sala, uma cozinha acoplada a copa, quatro quartos, um banheiro, uma lavanderia e um quintal. É guarnecido por móveis e eletrodomésticos básicos; 

(iii) a renda mensal familiar decorre do trabalho da mãe na creche municipal com remuneração mensal de R$ 1.292,64;

(iv) as despesas mensais apontadas somam a importância de R$ 1.195,00 (mil, cento e noventa e cinco reais) e se referem a gastos com: energia elétrica (R$ 150,00), água (R$ 100,00) gás (R$ 105,00), alimentação (R$ 400,00), higiene e limpeza (R$ 100,00), medicação (R$200,00), internet (R$ 90,00), plano IPTU (R$ 50,00).

(v) o pai do autor não reside com a família, contribui com pagamento de despesas com fonoaudióloga e equoterapia, mas não paga pensão alimentícia.

Não obstante a descrição do estudo social, os demais elementos de prova infirmam a alegação de miserabilidade.

Com efeito, os autos revelam haver razoáveis condições de moradia e de sobrevivência, pois o autor reside em imóvel próprio, que não gera custos com aluguel, localizado em Município abastecido pelos serviços de água encanada e energia elétrica. Conta, ainda, com bens suficientes ao conforto da família.

De fato, os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) da mãe do autor revelam vínculo trabalhista desde 4/4/2011, com remuneração de R$ 1.357,17 (referente a dezembro de 2020).

Ademais, o pai do autor, Maicon Douglas Feliciano de Oliveira, possui vínculo empregatício desde 19/3/2012, com rendimentos mensais de R$ 2.816,49 (competência de dezembro de 2021).

Conquanto não resida sob o mesmo teto do autor, é obrigação do genitor contribuir efetivamente para o sustento de seu filho (art. 229 da CF/1988).

A pensão alimentícia deve ser requerida por meio da medida judicial cabível, atendido ao disposto no § 1º do artigo 1.694 do Código Civil:

“Art.  1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

 

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”

Ressalte-se que o já mencionado artigo 203, V, da Constituição Federal é claro ao estabelecer que, para fins de concessão desse benefício, a responsabilidade do Estado é subsidiária.

Vale dizer: o benefício somente deve ser concedido àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Não se destina à complementação de renda familiar.

Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado (g. n.):

“CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA - ART. 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.

I - O Supremo Tribunal Federal, no RE n. 567.985, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art.20, §3º, da Lei nº 8.742/93, e do art. 34, par. único, da Lei nº 10.741/2003.

II - a autora contava com 68 (sessenta e oito) anos, na data do requerimento administrativo, tendo por isso a condição de idosa.

III - Os elementos de prova existentes nos autos apontam em sentido contrário à alegada miserabilidade da autora.

V - Na época do estudo social, as despesas giravam em torno de R$ 1.300,00, consistindo em alimentação, água, energia elétrica, farmácia e gás; ou seja, as despesas eram inferiores às receitas.

VI - A autora não vive em situação de risco social ou vulnerabilidade social, não podendo o benefício assistencial ser utilizado para fins de complementação de renda.

VII - O benefício assistencial não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria, que comprove os requisitos legais, sob pena de ser concedido indiscriminadamente em prejuízo daqueles que realmente necessitam, na forma da lei.

VIII - Apelação improvida.”

(TRF 3ª Região - AC n. 5562391-33.2019.4.03.9999 - 9ª Turma - Rel. Des. Fed. Marisa Santos - 05/11/2019, e-DJF3 Judicial 1, Data: 07/11/2019)

Assim, embora o pretendido benefício pudesse melhorar o padrão de vida da postulante, o sistema de assistência social foi concebido para auxiliar pessoas em situação de penúria (incapazes de sobrevivência sem a ação do Estado), e não para incremento de padrão de vida.

Em decorrência, não é possível a concessão do benefício assistencial de prestação continuada pretendido.

Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, fixados em 12% sobre o valor da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11 do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.

Diante do exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

 

Desembargadora Federal DALDICE SANTANA


E M E N T A

CONSTITUCIONAL. SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. BPC-LOAS. ART. 203, V, CF/88. LEI N. 8.742/93. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. DATA DE INÍCIO DO BPC-LOAS. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS E RECURSAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DA MORA. APELAÇÃO DA APARTE AUTORA PROVIDA.

- O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência ou ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

- Requisitos legais comprovados nos autos, sobretudo, pela prova pericial.

- Condição de miserabilidade constada a partir da renda familiar em conjunto dos demais elementos fáticos trazidos aos autos, em consonância ao princípio da máxima efetividade da Constituição Federal.

- Grupo familiar composto por três pessoas, que sobrevive à base de renda per capita de aproximadamente R$ 550,00.

- Em que pese a extrapolação do critério legal objetivo, é nítida a penúria da parte autora e a dificuldade do grupo familiar em prover o próprio sustento de forma digna, em decorrência das dificuldades trazidas pela condição de saúde da parte autora.

- De acordo com o entendimento pacífico deste E. Nona Turma, a data de início do benefício previdenciário e assistencial deve ser o da entrada do requerimento administrativo, pois este é o momento em que a autarquia previdenciária toma conhecimento do direito do requerente e se recusa a atendê-lo.

- Condenação do INSS ao pagamento de honorários sucumbenciais fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença.

- Honorários recursais indevidos, diante da procedência do recurso de apelação.

- Custas processuais ex lege, sendo isento INSS das mesmas tanto no âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo (Lei nº. 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nº 4.952/85 e 11.608/2003).

- A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à época da liquidação.

- Apelação da parte autora provida, em virtude da procedência da pretensão à concessão do BPC-LOAS.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por maioria, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto da Relatora, que foi acompanhada pelo Juiz Federal Convocado Denilson Branco e pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Vencida a Desembargadora Federal Daldice Santana, que negava provimento à apelação, no que foi acompanhada pelo Desembargador Federal Fonseca Gonçalves (5º voto). Julgamento nos termos do art. 942, caput e § 1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.