MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008879-80.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
IMPETRANTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., GOOGLE INC, GOOGLE IRELAND LIMITED
Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTUR ROVERE SOARES - SP468539, CARINA QUITO - SP183646-A, HELENA COSTA ROSSI - SP429900, MIRIAM SINGER ROZENBLUM BEN MEIR - SP485557
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008879-80.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS IMPETRANTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., GOOGLE INC, GOOGLE IRELAND LIMITED Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTUR ROVERE SOARES - SP468539, CARINA QUITO - SP183646-A, HELENA COSTA ROSSI - SP429900, MIRIAM SINGER ROZENBLUM BEN MEIR - SP485557 IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Mandado de Segurança com pedido liminar interposto por GOOGLE LLC, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e GOOGLE IRELAND LIMITED – (ID 272250186) em face da r. decisão (ID 272250231), proferida em 25.11.2022 pelo Exmo. Juiz Federal Fernando Toledo Carneiro (7ª Vara Criminal Federal de São Paulo-SP) que, nos autos do procedimento de quebra de sigilo de dados n.º 5001343-36.2022.403.6181, determinou à empresa GOOGLE o fornecimento de dados, conteúdos e informações, no prazo de 10 (dez) dias, relacionado a usuário investigado, sob pena de incidência de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, nos termos do artigo 12, inciso II, da Lei n.º 12.965/2014, c.c. o artigo 527 do CPC e artigo 3º do CPP. Segundo consta, na investigação denominada “Operação Mercado Pacificado”, ante a necessidade de apuração de fatos relacionados a eventual prática dos crimes previstos no artigo 4º da Lei n.º 8.137/1990 (formação de cartel) e no artigo 337-E do Código Penal (contratação indireta ilegal), na decisão proferida aos 25.11.2022 foi determinada a expedição de novo ofício à empresa GOOGLE, em razão de representação policial datada de 26.09.2022, para o cumprimento integral da ordem de interceptação de comunicações telemáticas e de afastamento do sigilo de dados telemáticos de diversas pessoas investigadas (ID 272250231). A parte impetrante alega, em síntese, que (ID 272250186): a) deve ser reconhecida a ilegalidade de parte da ordem judicial endereçada à GOOGLE, para que as impetrantes sejam desobrigadas de executar a quebra do sigilo de dados da conta haxxxon.km.xxa@gmail.com, sem prévio procedimento de cooperação internacional; b) a GOOGLE IRELAND é a prestadora dos serviços para usuários que acessam suas contas de forma integral ou preponderante dentro do Espaço Econômico Europeu e na Suíça. Quando as conexões e atividades das contas ocorrem de modo integral ou majoritariamente fora do Brasil, os usuários são associados a jurisdições estrangeiras, motivo pelo qual a execução da quebra de sigilo deve ocorrer pela via da cooperação jurídica internacional. A conta haxxxon.km.xxa@gmail.com não está associada ao Brasil porque vem sendo acessada de forma integral ou preponderantemente em outro país. c) não se trata de recusa injustificada em dar cumprimento à ordem judicial, mas sim em razão de a empresa GOOGLE IRELAND (prestadora de serviços da conta haxxxon.km.xxa@gmail.com) estar sediada e armazenar dados no exterior, de modo que qualquer fornecimento de dados do usuário depende de cooperação internacional. Os meios de obtenção de prova estão situados no estrangeiro e nos termos do artigo 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dependerão de cooperação de autoridades estrangeiras. d) da redação do caput do artigo 11 da Lei n.º 12.965/2014 se os atos de coleta, armazenamento, guarda e tratamento ocorrerem fora do território nacional a legislação brasileira não se aplica, o que é a hipótese dos autos em que a conta é regularmente acessada fora do Brasil. Conclui que “por mais que a Google tenha uma subsidiária local, a legislação aplicável à operacionalização das quebras de sigilo não é a brasileira, impondo-se a adoção do procedimento de cooperação penal internacional para que possa ser executada a ordem de quebra de sigilo do juiz brasileiro que é competente para a persecução penal dos crimes puníveis segundo as leis brasileiras”. e) a GOOGLE IRELAND está sujeita ao Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR) e que até o momento o Brasil “não é reputado adequado sob a ótica do GDPR, sendo vedada a transferência direta ao Brasil de dados de qualquer país membro do Espaço Econômico Europeu (EEE)”, daí porque a inviabilidade de transferência direta à luz do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR). Ao final, requer a concessão de medida liminar para que as impetrantes sejam desobrigadas a dar cumprimento às determinações do r. juízo da 7ª Vara Federal Criminal, especificamente no que diz respeito ao fornecimento direto dos dados da conta haxxxon.km.xxa@gmail.com, bem ainda, posteriormente, seja concedida a segurança. A inicial (ID 272250186) veio acompanhada da documentação digitalizada. ID 274004828: foi indeferida a liminar requerida. ID 274457775: foi interposto Agravo Regimental por GOOGLE LLC, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e GOOGLE IRELAND LIMITED em face da decisão que indeferiu a liminar. ID 274703734: informações prestadas pelo r. juízo da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP. Parecer do Ministério Público Federal opinando pela denegação da segurança (ID 276300614). É o relatório. Dispensada a revisão nos termos regimentais.
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008879-80.2023.4.03.0000 RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS IMPETRANTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., GOOGLE INC, GOOGLE IRELAND LIMITED Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTUR ROVERE SOARES - SP468539, CARINA QUITO - SP183646-A, HELENA COSTA ROSSI - SP429900, MIRIAM SINGER ROZENBLUM BEN MEIR - SP485557 IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. CABIMENTO. ADMISSIBILIDADE DO EXPEDIENTE. A teor do disposto no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Importante ser dito que a disciplina legal do remédio constitucional em tela ficou a cargo da Lei n.º 12.016, de 07 de agosto de 2009, cabendo destacar que o Mandado de Segurança impetrado contra ato judicial somente poderá ser conhecido caso a decisão apontada como coatora não desafie recurso próprio com efeito suspensivo e não tenha ocorrido a sobrevinda de trânsito em julgado - a propósito, vide o art. 5º, II e III, de indicada Lei: Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: (...) II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; III - de decisão judicial transitada em julgado. Dentro de tal contexto, adentrando ao caso concreto descrito neste writ, verifica-se a ausência de qualquer recurso previsto no ordenamento apto a impugnar a r. decisão tida como coatora, bem como a não ocorrência de trânsito em julgado, razão pela qual se mostra possível conhecer da impetração ante o cumprimento dos requisitos anteriormente mencionados constantes do art. 5º, II e III, da Lei n.º 12.016/2009. REQUISITOS PARA O DEFERIMENTO DE ORDEM MANDAMENTAL. NECESSIDADE DE QUE O ATO JUDICIAL APONTADO COMO COATOR DETENHA TERATOLOGIA, ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER PARA QUE SEJA POSSÍVEL A CONCESSÃO DA ORDEM VINDICADA. O entendimento jurisprudencial que se formou acerca do cabimento do mandamus impetrado contra ato judicial aponta pela necessidade de que a decisão judicial acoimada como coatora esteja revestida de teratologia, de abuso de poder ou de ilegalidade, nunca sendo possível sua submissão a tal via estreita quando passível de ser manejado recurso - nesse sentido: Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Direito Processual Civil. 3. Razões do agravo regimental não atacam os fundamentos da decisão agravada. Incidência da Súmula 287 do STF. 4. Mandado de segurança contra ato judicial. Ausência de teratologia ou abuso de poder. Não cabimento. Súmula 267 do STF. 5. Mandado de segurança em face de decisão judicial transitada em julgado. Incabível. Súmula 268 do STF. 6. Interposição de agravo contra decisão da origem que aplicou a sistemática da repercussão geral. Não conhecimento. Precedentes. 7. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, MS 34866 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/10/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-253 DIVULG 07-11-2017 PUBLIC 08-11-2017) - destaque nosso. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JURISDICIONAL. NÃO CABIMENTO DO WRIT. IMPOSIÇÃO DE MULTA. (...) 2. Decisões judiciais só podem ser impugnadas em mandado de segurança se forem teratológicas, o que não é o caso dos autos. (...) (STF, MS 30048 ED, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016) - destaque nosso. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO JUDICIAL. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL. IMISSÃO NA POSSE. MANDADO DE SEGURANÇA NÃO PODE SER UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO SE TRATA DE DECISÃO TERATOLÓGICA. PRETENSÃO QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA, INVIÁVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. (...) II - O mandado de segurança não pode ser utilizado como sucedâneo recursal, sob pena de se desnaturar a sua essência constitucional. III - Apenas em casos excepcionais, quando o ato judicial é eivado de ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, esta Corte tem abrandado o referido posicionamento. (...) (STJ, AgInt no RMS 45.152/DF, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 14/12/2017) - destaque nosso. PROCESSUAL CIVIL. NÃO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. ARTS. 1009, § 1º, E 1015 DO CPC/2015. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é de que o Mandado de Segurança não pode ser utilizado como sucedâneo recursal, sendo descabido o seu manejo contra ato judicial recorrível. (...) 3. Ademais, como ressaltado, a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o Mandado de Segurança contra ato judicial é medida excepcional, admissível somente nas hipóteses em que se verifica de plano decisão teratológica, ilegal ou abusiva, contra a qual não caiba recurso. (...) (STJ, RMS 54.969/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 23/10/2017) - destaque nosso. Ocorre que, compulsando os autos, não se nota a presença de teratologia, de abuso de poder ou de flagrante ilegalidade apta a justificar a concessão da segurança. DO CASO CONCRETO Trata-se de Mandado de Segurança interposto por GOOGLE LLC, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e GOOGLE IRELAND LIMITED – (ID 272250186) em face da r. decisão (ID 272250231), proferida em 25.11.2022 pelo Exmo. Juiz Federal Fernando Toledo Carneiro (7ª Vara Criminal Federal de São Paulo-SP) que, nos autos do procedimento de quebra de sigilo de dados n.º 5001343-36.2022.403.6181, determinou à empresa GOOGLE o fornecimento de dados, conteúdos e informações, no prazo de 10 (dez) dias, relacionado a usuário investigado, sob pena de incidência de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, nos termos do artigo 12, inciso II, da Lei n.º 12.965/2014, c.c. o artigo 527 do CPC e artigo 3º do CPP. Segundo consta, na investigação denominada “Operação Mercado Pacificado”, ante a necessidade de apuração de fatos relacionados a eventual prática dos crimes previstos no artigo 4º da Lei n.º 8.137/1990 (formação de cartel) e no artigo 337-E do Código Penal (contratação indireta ilegal), na decisão proferida aos 25.11.2022 foi determinada a expedição de novo ofício à empresa GOOGLE, em razão de representação policial datada de 26.09.2022, para o cumprimento integral da ordem de interceptação de comunicações telemáticas e de afastamento do sigilo de dados telemáticos de diversas pessoas investigadas (ID 272250231). Quando do indeferimento da liminar pleiteada neste writ consignou-se detalhadamente que: DESNECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO ESTABELECIDO EM COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL A parte impetrante alegou, em síntese, que in casu o fornecimento de conteúdo de comunicações de usuários depende da observância de cooperação jurídica internacional. Não se ignora a existência de entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que a solicitação de acesso a conteúdo de comunicações travadas com empresas tais como a GOOGLE dever se dar, necessariamente, por meio do procedimento previsto em cooperação jurídica internacional, independentemente de tais comunicações terem sido travadas por brasileiros (e/ou no Brasil), dado que a responsabilidade pela armazenagem e administração de tais registros seria da sede da empresa no exterior. Todavia, compartilho do entendimento de que, em se tratando de empresa multinacional com subsidiária estabelecida no Brasil, não se há de falar em utilização de mecanismos de cooperação jurídica internacional para a obtenção das referidas informações, uma vez que, embora se trate de empresa sediada no exterior, sua filial brasileira é pessoa jurídica de direito interno e, portanto, deve se submeter à legislação vigente no Brasil, notadamente a partir do novo Marco Civil da Internet (Lei n.° 12.965/2014). Desse modo, em tendo a autoridade judicial requisitado informações relacionadas à apuração de crime(s) praticado(s) em território nacional, deve a filial brasileira da empresa GOOGLE prestá-las, ainda que com a colaboração de sua controladora sediada no exterior, sem que, para tanto, seja necessário acionar os meios diplomáticos. Em outras palavras, independentemente de os dados estarem ou não armazenados em outro país, em se tratando de empresa instituída e em atuação no Brasil, o fornecimento de dados requisitados pela autoridade judicial criminal prescinde de acordo de cooperação internacional. A Lei n.° 12.955/2014, denominada Marco Civil da Internet (MCI) trata do tema nos artigos 10 ao 12: Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. § 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º. § 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º. § 3º O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição. § 4º As medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a segredos empresariais. Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros. § 1º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil. § 2º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil. § 3º Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações. § 4º Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo. Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa: I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção; III - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou IV - proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11. Parágrafo único. Tratando-se de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput sua filial, sucursal, escritório ou estabelecimento situado no País. É certo que a interpretação dos artigos 10 e 11 supramencionados é tema controverso na doutrina e na jurisprudência. Há quem reconheça como legítima a alegação da parte impetrante no sentido de que, em estando os dados armazenados em servidores no exterior, estes devem ser requisitados por meio de acordo de cooperação internacional, cujo trâmite, diga-se de passagem, se mostra, por vezes, demasiadamente custoso e demorado. Para os adeptos desse posicionamento, a vinculação do provedor estrangeiro a processos judiciais em trâmite no Brasil continua sujeita aos tratados internacionais aplicáveis (inteligência do parágrafo único do art. 3° da Lei n.° 12.955/2014), uma vez que o Marco Civil da Internet não teria instituído responsabilidade solidária ou subsidiária entre o provedor estrangeiro (empresa controladora) e sua subsidiária (empresa controlada) sediada no Brasil. Todavia, filio-me ao entendimento de que a interpretação mais adequada dos referidos artigos do Marco Civil da Internet é no sentido de que, em hipóteses como a dos autos, em que uma pessoa jurídica (GOOGLE), além de ofertar serviço ao público brasileiro (embora sediada no exterior), possui ao menos “um braço” de seu grupo econômico sediado no Brasil, torna-se de rigor sua submissão às leis brasileiras, as quais estabelecem obediência à ordem judicial de quebra de sigilo e fornecimento de comunicações privadas. Assim, apenas se haveria de falar em uso de tratados de cooperação internacional subsidiariamente, nas hipóteses em que, eventualmente, as disposições dos artigos 10 e 11 da Lei n.° 12.955/2014 não se apliquem. Em suma, em se tratando de empresa multinacional com representação no Brasil, esta tem a obrigação legal de promover os mecanismos necessários ao atendimento da ordem de quebra de sigilo telemático determinada judicialmente, sob pena, inclusive, de incidir, isolada ou cumulativamente, nas sanções previstas no art. 12 da Lei n.° 12.955/2014. Válida, nesse passo, a menção aos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. ALEGAÇÕES DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA E DE VIOLAÇÃO A DIREITO DE TERCEIRO. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. EMPRESA SITUADA NO PAÍS. SUBMISSÃO À LEGISLAÇÃO NACIONAL. MARCO CIVIL DA INTERNET. INCIDÊNCIA. 1. Consta dos autos ter sido instaurado o Inquérito Policial nº 58728-34.2012.4.01.3400 com o objetivo de investigar a prática dos crimes tipificados no art. 10 da Lei nº 9.296/1996 (Lei de interceptação) e art. 153, § 1º-A, do Código Penal - CP. Situação em A YAHOO! DO BRASIL INTERNET LTDA alega que o acórdão impugnado efetuou interpretação equivocada do art. 10, § 1º, do Marco Civil da Internet e que ela tem o direito líquido e certo de não ser obrigada a fornecer dados pelos quais não é responsável pela guarda. 2. É incabível, em sede de mandado de segurança - que na sua essência visa preservar direito líquido e certo - discutir indícios de autoria delitiva, matéria afeta ao Juízo criminal, que, ademais, demanda a análise dos elementos de prova colhidos na investigação. Precedentes. Para a impetração do mandamus é imprescindível que a prova do direito seja pré-constituída, sendo inviável imiscuir-se em matéria fática, mormente no caso concreto, em que a investigação não recai sobre a impetrante, mas sobre terceiros. A propósito, esta Corte Superior já se manifestou no sentido de que a destinatária da interceptação de dados não pode invocar direitos fundamentais de terceiros para eximir-se se cumprir a decisão judicial. Precedente. 3. Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça "por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional submete-se, necessariamente, às leis brasileiras, motivo pelo qual se afigura desnecessária a cooperação internacional para a obtenção dos dados requisitados pelo juízo" (RMS 55.109/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 17/11/2017). 4. Observe-se, ainda, que não há qualquer ilegalidade no fato de o delito investigado ser anterior à vigência do Marco Civil da Internet. Isto porque a Lei n.º 12.965/2014 diz respeito tão somente à imposição de astreintes aos descumpridores de decisão judicial, sendo inequívoco nos autos que a decisão judicial que determinou a quebra de sigilo telemático permanece hígida. Com efeito, a data dos fatos delituosos é relevante para se aferir apenas a incidência da norma penal incriminadora, haja vista o princípio da anterioridade penal, sendo certo que o inquérito policial investiga condutas que se encontram tipificadas no art. 10 da Lei nº 9.296/1996 (Lei de interceptação) e art. 153, § 1º-A, do Código Penal - CP e não na Lei n. 12.965/2014. 5. Recurso ordinário em mandado de segurança ao qual se nega provimento. (STJ, QUINTA TURMA, ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 55019 2017.02.01343-2, REL. JOEL ILAN PACIORNIK, DJE DE 01.02.2018) PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CAVALO DE FOGO. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO, TRANSNACIONALIDADE. 1. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. NEGATIVA DE AUTORIA. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NECESSIDADE. MATÉRIA INCABÍVEL NA VIA ELEITA. 3. ATOS PROCESSUAIS. DILIGÊNCIAS NO EXTERIOR. CARTA ROGATÓRIA. FACULTADO MEIOS MAIS CÉLERES. CONVENÇÕES E TRATADOS. 4. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E TELEMÁTICA. PIN-TO-PIN E BBM. DADOS FORNECIDOS POR EMPRESA PRIVADA DO CANADÁ. SUBMISSÃO À CARTA ROGATÓRIA OU AO MLAT. DESNECESSIDADE. 5. COOPERAÇÃO DIRETA INTERNACIONAL. POSSIBILIDADE. EFETIVO CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. 6. SERVIÇOS TELEFÔNICOS E TELEMÁTICOS ATIVOS NO PAÍS. COMUNICAÇÕES PERPETRADAS NO TERRITÓRIO NACIONAL. OPERADORAS DE TELEFONIA LOCAIS. ATUAÇÃO DA EMPRESA CANADENSE NO BRASIL. OCORRÊNCIA. LOCAL DE ARMAZENAMENTO. IRRELEVÂNCIA. 7. MEDIDA CONSTRITIVA. DECISÃO JUDICIAL. TERCEIROS NÃO ELENCADOS. INVIABILIDADE. SERENDIPIDADE. POSSIBILIDADE. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 8. RECURSO DESPROVIDO. (...) 4. A implementação da medida constritiva judicial de interceptação dos dados vinculados aos serviços PIN-TO-PIN e BBM (BlackBerryMessage) não se submete, necessariamente, aos institutos da carta rogatória e do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty). 5. No franco exercício da cooperação direta internacional e em prol de uma maior celeridade ao trâmite processual, inexiste pecha no fornecimento do material constrito por empresa canadense (RIM - Research In Motion), mediante ofício expedido pelo juízo e encaminhado diretamente ao ente empresarial, para o devido cumprimento da decisão constritiva. 6. Os serviços telefônicos e telemáticos encontravam-se ativos no Brasil, no qual foram perpetradas as comunicações, por intermédio das operadoras de telefonia estabelecidas no território nacional, evidenciando-se a efetiva atuação da empresa canadense em solo brasileiro, independentemente do local de armazenamento do conteúdo das mensagens realizadas por usuários brasileiros. 7. É certo que a decisão judicial de quebra de sigilo telefônico e telemático não comporta todos os nomes das possíveis pessoas que possam contactar o indivíduo constrito em seu aparelho de telefonia, sendo que, acaso obtido algum indício de novos fatos delitivos ou mesmo da participação de terceiros na prática de ilícitos, em encontro fortuito (serendipidade), não há falar em nulidade da interceptação, pois ainda que não guardem relação com os fatos criminosos e/ou constritos primevos, o material logrado deve ser considerado, possibilitando inclusive a abertura de uma nova investigação. 8. Recurso a que se nega provimento. (STJ, SEXTA TURMA, RHC - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS - 57763 2015.00.58354-0, Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE DE 15.10.2015) Por fim, o STF, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.° 51/DF (ADC 51), ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação – ASSESPRO NACIONAL, decidiu, em 23.02.2023, que as empresas de tecnologia que operam aplicações de internet no Brasil devem cumprir determinações judiciais de fornecimento de dados para elucidação de investigações criminais, ainda que parte desses dados esteja armazenado em servidores localizados no exterior. Não se invalidou os acordos diplomáticos (cooperação judicial), porém, para a apuração de crimes os juízes pátrios podem determinar a requisição de dados diretamente às empresas de tecnologia, nos termos do artigo 11 do Marco Civil da Internet. Colaciono a ementa do julgado: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. NORMAS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. OBTENÇÃO DE DADOS. EMPRESAS LOCALIZADAS NO EXTERIOR. DECRETO Nº 3.810/2001; ART. 237, II DO CPC; ARTS. 780 E 783 DO CPP; ART. 11 DO MARCO CIVIL DA INTERNET; ART. 18 DA CONVENÇÃO DE BUDAPESTE. CONSTITUCIONALIDADE. ADC CONHECIDA. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A controvérsia constitucional veiculada na ADC é, a rigor, mais ampla do que a simples declaração de validade do uso das cartas rogatórias e dos acordos MLAT para fins de investigação criminal. O escopo da ação declaratória compreende não apenas o exame de constitucionalidade dos dispositivos invocados pelos requerentes, como também da norma prevista no art. 11 do Marco Civil da Internet e art. 18 da Convenção de Budapeste. 2. O art. 11 do Marco Civil da Internet, que encontra respaldo no art. 18 da Convenção de Budapeste, é norma específica em relação às regras gerais do MLAT. O referido dispositivo assegura a aplicação da legislação brasileira em relação a atividades de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados e comunicações eletrônicas ocorridas em território nacional, desde que pelo menos um dos atos ou terminais se encontrem em território nacional, mesmo que a pessoa jurídica portadora dessas informações esteja localizada ou armazene tais informações no exterior. 3. As hipóteses de requisição direta previstas no art. 11 do Marco Civil da Internet e no art. 18 da Convenção de Budapeste reafirmam os princípios da soberania e da independência nacional, concretizando o dever do Estado de proteger os direitos fundamentais e a segurança pública dos cidadãos brasileiros ou residentes no país. 4. Constitucionalidade dos dispositivos do MLAT, do CPC e do CPP que tratam da cooperação jurídica internacional e da emissão de cartas rogatórias, nos casos em que a atividade de comunicação ou a prestação de tais serviços não tenham ocorrido em território nacional. 5. Dispositivos que convivem com a possibilidade de solicitação direta de dados, registros e comunicações eletrônicas nas hipóteses do art. 11 do Marco Civil da Internet e do art. 18 da Convenção de Budapeste. 6. Pedido julgado parcialmente procedente para declarar a constitucionalidade dos dispositivos indicados e da possibilidade de solicitação direta de dados e comunicações eletrônicas das autoridades nacionais a empresas de tecnologia nos casos de atividades de coleta e tratamento de dados no país, de posse ou controle dos dados por empresa com representação no Brasil e de crimes cometidos por indivíduos localizados em território nacional.” (STF ADC 51, Relator Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJE 28.04.2023) Portanto, as empresas de internet que oferecem serviços no Brasil devem estar submetidas à jurisdição nacional, independentemente do local de seus data centers. Como se vê, como bem pontuado pela decisão liminar, embora sediada no exterior a empresa GOOGLE oferta serviços ao público brasileiro, ostentando “um braço” do seu grupo econômico aqui no Brasil, razão pela qual deve se submeter à legislação brasileira, independentemente do local de seus data centers. Ademais, como bem constou das informações prestadas, o decisum subjacente pontuou que a conta de email sob questão foi criada por cidadão brasileiro e era utilizada a partir do território nacional para tratar de assuntos relativos a eventuais delitos cuja persecução compete à Justiça brasileira (ID274703734). Ressalte-se, mais uma vez, que o STF, na ADC n.º 51, decidiu, em 23.02.2023, que as empresas de tecnologia que operam aplicações de internet no Brasil devem cumprir determinações judiciais de fornecimento de dados para elucidação de investigações criminais, ainda que parte desses dados estejam armazenados em servidores localizados no exterior. Portanto, não restaram invalidados os acordos diplomáticos, no entanto, para a apuração de crimes os juízes pátrios podem determinar a requisição de dados diretamente às empresas de tecnologia, nos termos do artigo 11 do Marco Civil da Internet. Ante o exposto, VOTO POR DENEGAR A SEGURANÇA, ficando prejudicado o Agravo Regimental interposto em face do indeferimento da liminar.
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL (1710) Nº 5008879-80.2023.4.03.0000
RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS
IMPETRANTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA., GOOGLE INC, GOOGLE IRELAND LIMITED
Advogados do(a) IMPETRANTE: ARTUR ROVERE SOARES - SP468539, CARINA QUITO - SP183646-A, HELENA COSTA ROSSI - SP429900, MIRIAM SINGER ROZENBLUM BEN MEIR - SP485557
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO:
Na sessão de 23 de novembro de 2023, após o e. Relator (Desembargador Federal Fausto De Sanctis) proferir o seu voto, pedi vista para poder melhor analisar algumas circunstâncias do caso, tendo em vista a sustentação oral feita pela ilustre advogada, Dra. Carina Quito.
Analisado o caso, concluo por acompanhar o e. Relator.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. CABIMENTO. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. EMPRESA SITUADA NO PAÍS, SUBMISSÃO À LEGISLAÇÃO NACIONAL. MARCO CIVIL DA INTERNET. INCIDÊNCIA. DENEGADA A SEGURANÇA. PREJUDICADO AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR.
- Em se tratando de empresa multinacional com subsidiária estabelecida no Brasil, não se há de falar em utilização de mecanismos de cooperação jurídica internacional para a obtenção das referidas informações, uma vez que, embora se trate de empresa sediada no exterior, sua filial brasileira é pessoa jurídica de direito interno e, portanto, deve se submeter à legislação vigente no Brasil, notadamente a partir do novo Marco Civil da Internet (Lei n.° 12.965/2014).
- Em tendo a autoridade judicial requisitado informações relacionadas à apuração de crime(s) praticado(s) em território nacional, deve a filial brasileira da empresa GOOGLE prestá-las, ainda que com a colaboração de sua controladora sediada no exterior, sem que, para tanto, seja necessário acionar os meios diplomáticos. Em outras palavras, independentemente de os dados estarem ou não armazenados em outro país, em se tratando de empresa instituída e em atuação no Brasil, o fornecimento de dados requisitados pela autoridade judicial criminal prescinde de acordo de cooperação internacional.
- A interpretação dos artigos 10 e 11 supramencionados é tema controverso na doutrina e na jurisprudência. Há quem reconheça como legítima a alegação da parte impetrante no sentido de que, em estando os dados armazenados em servidores no exterior, estes devem ser requisitados por meio de acordo de cooperação internacional, cujo trâmite, diga-se de passagem, se mostra, por vezes, demasiadamente custoso e demorado. Para os adeptos desse posicionamento, a vinculação do provedor estrangeiro a processos judiciais em trâmite no Brasil continua sujeita aos tratados internacionais aplicáveis (inteligência do parágrafo único do art. 3° da Lei n.° 12.955/2014), uma vez que o Marco Civil da Internet não teria instituído responsabilidade solidária ou subsidiária entre o provedor estrangeiro (empresa controladora) e sua subsidiária (empresa controlada) sediada no Brasil.
- Entendimento adotado no sentido de que a interpretação mais adequada dos referidos artigos do Marco Civil da Internet é no sentido de que, em hipóteses como a dos autos, em que uma pessoa jurídica (GOOGLE), além de ofertar serviço ao público brasileiro (embora sediada no exterior), possui ao menos “um braço” de seu grupo econômico sediado no Brasil, torna-se de rigor sua submissão às leis brasileiras, as quais estabelecem obediência à ordem judicial de quebra de sigilo e fornecimento de comunicações privadas. Assim, apenas se haveria de falar em uso de tratados de cooperação internacional subsidiariamente, nas hipóteses em que, eventualmente, as disposições dos artigos 10 e 11 da Lei n.° 12.955/2014 não se apliquem.
- Em suma, em se tratando de empresa multinacional com representação no Brasil, esta tem a obrigação legal de promover os mecanismos necessários ao atendimento da ordem de quebra de sigilo telemático determinada judicialmente, sob pena, inclusive, de incidir, isolada ou cumulativamente, nas sanções previstas no art. 12 da Lei n.° 12.955/2014.
- O STF, na Ação Declaratória de Constitucionalidade n.° 51/DF (ADC 51), ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação – ASSESPRO NACIONAL, decidiu, em 23.02.2023, que as empresas de tecnologia que operam aplicações de internet no Brasil devem cumprir determinações judiciais de fornecimento de dados para elucidação de investigações criminais, ainda que parte desses dados esteja armazenado em servidores localizados no exterior.
- Não se invalidou os acordos diplomáticos (cooperação judicial), porém, para a apuração de crimes os juízes pátrios podem determinar a requisição de dados diretamente às empresas de tecnologia, nos termos do artigo 11 do Marco Civil da Internet.
- Portanto, as empresas de internet que oferecem serviços no Brasil devem estar submetidas à jurisdição nacional, independentemente do local de seus data centers.
- Denegada a ordem. Prejudicado o Agravo Regimental.