Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003428-24.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GILBERTO DE GRANDE

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003428-24.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GILBERTO DE GRANDE

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

 

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de GILBERTO DE GRANDE, qualificado nos autos, nascido aos 01/07/1955, pela prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93. Consta da denúncia (id 165854480 – pág. 6/9):

 

 

“GILBERTO DE GRANDE, na qualidade de prefeito municipal de Floreal/SP, de forma livre e consciente, em agosto de 2009, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei quando da contratação das bandas "Tradição" e "Santa Esmeralda", bem como das duplas "Ataíde e Alexandre" e "Milionário e José Rico", na ocasião da "29ª Festa do Peão de Boiadeiro".

Com efeito, o acusado GILBERTO DE GRANDE, em 20 de agosto de 2009, na qualidade de prefeito de Floreal/SP, celebrou o Convênio n° 704495/2009 com a União, por intermédio do Ministério do Turismo, cujo objetivo era a realização da 29ª Festa do Peão de Floreal/SP, a qual ocorreu entre os dias 16 e 19 de setembro de 2009 (f. 356/374).

O valor total do convênio era de R$ 215.000,00 (duzentos e quinze mil reais), sendo R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) repassados pela União e R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em contrapartida do Município (cláusula quinta - f. 363, apenso I).

Para a realização dos shows artísticos foram contratadas as bandas "Tradição" e "Santa Esmeralda", bem como as duplas "Ataíde e Alexandre" e "Milionário e José Rico", por inexigibilidade de licitação, por intermédio da empresa "Usina de Promoções de Eventos Ltda.", a qual tem como sócio e administrador THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO FERRAREZI (f. 130/131). (f. 417/418, apenso I). O total despendido com os shows foi de R$ 193.000,00 (cento e noventa e três mil reais — f. 430/433, apenso I).

Ocorre que a empresa "Usina de Promoções de Eventos Ltda." não é a representante exclusiva dos artistas contratados, pois atua apenas como intermediária na negociação, não podendo valer-se da prerrogativa legal estabelecida no art. 25, inciso III, da lei n° 8.666/1993, razão pela qual o Convênio n° 704495/2009 foi reprovado pelo Ministério do Turismo, conforme se observa da Nota Técnica de Análise Financeira n° 0246/2014 e do Memorando n° 0326/2014 (f. 51 e 55/61).

O débito apurado em desfavor do acusado GILBERTO DE GRANDE no processo n° TCE 72031.005276/2014-31, referente à irregularidade acima apontada, era de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), que, acrescido de atualização monetária e juros de mora totalizou a quantia de R$ 343.778,40 (trezentos e quarenta e três mil, setecentos e setenta e oito reais e quarenta centavos), conforme Relatório de Auditoria n° 438/2015, elaborado pela Secretaria Federal de Controle Interno da CGU (f. 195/197).

O dolo do acusado GILBERTO DE GRANDE restou devidamente configurado, haja vista que ele, mesmo diante de parecer jurídico opinando pela não comprovação de exclusividade da empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., considerou inexigível a licitação e determinou a elaboração do respectivo contrato (f. 145/149 e 150).

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia GILBERTO DE GRANDE pela prática do delito tipificado no artigo 89, caput, da Lei n° 8.666/93, e requer sua citação para apresentar resposta à acusação prosseguindo-se na instrução até final condenação.

 

A denúncia foi recebida em 13/06/2016 (ID 165854480– pág. 10/12).

 

Após a instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal ADENIR PEREIRA DA SILVA e publicada em 28/07/2017 (id 165854480 – pág.148/158 e 159), que julgou procedente a denúncia para condenar GILBERTO DE GRANDE à pena de 03 anos de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, e à pena de multa de 2% (dois por cento) do valor do contrato celebrado com inexigibilidade de licitação, pela prática do delito previsto no artigo 89, caput, da Lei n. 8.666/93, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária em valor equivalente ao de 36 (trinta e seis) salários-mínimos em favor de entidade beneficente a ser definida pelo Juízo da Execução e em interdição de direitos pelo prazo da pena aplicada.

A sentença transitou em julgado para a acusação em 15/08/2017, conforme certificado no id 165854480 pág. 165.

Apela o réu GILBERTO GRANDE (id 165854480– pág. 167/168 e 195/222) postulando a reforma da sentença para que a ação seja julgada improcedente, alegando em síntese:

a) não houve a prática do crime do art. 89 da Lei n° 8.666/93, pois a prestação de contas foi realizada e recebeu aprovação quanto à sua execução; todas as contratações foram realizadas dentro dos parâmetros e exigência da Lei n° 8.666/93; as bandas contratadas são conhecidas nacionalmente, consagradas pela crítica musical e seus repertórios típicos do gênero sertanejo; quanto à exclusividade dos empresários, os artistas contratados estavam à disposição para o evento em questão, não havendo outra empresa constituída para tal finalidade em outro local; todos os artistas se apresentaram no dia do evento. A

b) não restou comprovado o dolo especifico do agente em produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação;

c) não houve ocorrência de prejuízo para a administração pública, em razão da eliminação do caráter competitivo do certame.

 

Contrarrazões do Ministério Público Federal (id 165854480 – pág. 175/179 e 289) pelo desprovimento do recurso defensivo.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. MARIA LUISA RODRIGUES DE LIMA CARVALHO opinou pelo desprovimento do recurso de apelação (id 165854480 – pág. 293/298).

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 

 

 

 

 


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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003428-24.2016.4.03.6106

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

APELANTE: GILBERTO DE GRANDE

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

 

Da tipicidade da conduta

 

GILBERTO DE GRANDE foi denunciado por ter supostamente, de forma livre, consciente e voluntária inexigido licitação fora das hipóteses previstas em lei, conduta que se amolda ao tipo penal previsto na primeira parte do artigo 89, caput, da Lei n. 8.666/93.

Considerada a superveniência da Lei n. 14.133/2021, que revogou expressamente o art. 89 da Lei n. 8.666/93, convém analisar a tipicidade da conduta imputada aos réus.

Dispunha o art. 89 da Lei 8.666/93 (tipo no qual a denúncia amolda a conduta do apelante), antes da promulgação da lei revogadora:

 

Lei 8.666/93

Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: 

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público. 

 

Em 01/04/2021, sobreveio a Lei n. 14.133/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), assim dispondo:

 

Lei 14.133/21

Art. 178. O Título XI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo II-B:

“CAPÍTULO II-B

DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Contratação direta ilegal 

Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei: 

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

(...)

Art. 193. Revogam-se:

I – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;

II - em 30 de dezembro de 2023:       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023)

a) a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023)

b) a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002; e     (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023)

c) os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.       (Redação dada pela Lei Complementar nº 198, de 2023)

 Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.                     

 

 

Como se observa, a Lei n. 14.133/2021 revogou expressamente os artigos 89 a 108, todos da Lei n. 8.666/93, com efeitos a partir da publicação da referida lei, nos termos do artigo 193, I, da Lei n. 14.133/2021.

Todavia, consoante jurisprudência do STJ, “não há se falar em abolitio criminis com relação aos crimes da Lei n. 8.666/1993, porquanto houve a continuidade típico-normativa, por meio da inserção do Capítulo II-B no Código Penal, intitulado ‘Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos’.” (AgRg no AREsp n. 2.073.726/PA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.). (AgRg no REsp n. 1.996.050/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.).

O art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93 previa três figuras típicas: na primeira parte, a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei, e na segunda parte, o descumprimento das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade.

A conduta de “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei” continua normatizada no novo tipo penal introduzido no artigo 337-E, do Código Penal, que criminaliza a conduta de “contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”. Dessa forma, embora o crime do art. 89 da Lei n. 8.666/93 tenha sido revogado, não há que se falar em abolitio criminis, pois a conduta encontra correspondência no novel artigo 337-E do Código Penal, considerado o princípio da continuidade típico-normativa.

Por outro lado, a conduta de descumprimento das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, prevista na segunda parte do art. 89 da Lei n. 8.666/93, não é mais tipificada como crime, ocorrendo abolitio criminis.

No sentido da inocorrência de abolitio criminis em relação ao crime previsto na primeira parte do art. 89 da Lei n. 8.666/93 (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei), e da ocorrência de abolitio criminis em relação a segunda conduta prevista no tipo penal (não cumprimento das formalidades legais para dispensa ou inexigibilidade de licitação), registro os precedentes desta Corte Regional:

 

E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA DECISÃO QUE RECONHECEU A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO RÉU EM RAZÃO DA OCORRÊNCIA DE "ABOLITIO CRIMINIS". LEI Nº 8.666/93. ART. 89, “CAPUT” - SEGUNDA PARTE - NÃO FOI REPRODUZIDA  NO  ART. 337-E DO CÓDIGO PENAL. LEI PENAL BENÉFICA. RETROATIVIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. Narra a inicial acusatória que, na sede da Prefeitura de Estrela D’Oeste/SP, os acusados contrataram serviço de mão de obra, seja dispensando a licitação respectiva indevidamente, seja não cumprindo as formalidades legais para dispensa ou inexigibilidade de licitação, treze vezes no ano de 2015 e onze vezes no 2016.

2. A sentença recorrida, acolhendo requerimento do órgão acusatório, julgou improcedente a pretensão punitiva para absolver Michele de todas as imputações, bem como Pedro, em relação ao delito de dispensa indevida de licitação referente aos fatos 1 a 5 do ano de 2015 e 1 a 4 do ano de 2016, e decretou a extinção da punibilidade de Pedro, em relação aos 24 fatos narrados, pela prática do crime do artigo 337-E (observando-se as penas do revogado art. 89 da Lei 8.666/93) c/c o artigo 71 (por 24 vezes), ambos do Código Penal, sob o fundamento de que teria havido a abolitio criminis da conduta de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade de licitação (segunda parte do artigo 89 da Lei 8.666/93)

3. A sentença recorrida deve ser mantida, uma vez que o legislador reproduziu apenas parcialmente a redação do art. 89, “caput” da Lei n. 8.666/93, vale dizer, não inseriu a segunda parte do preceito primário do artigo revogado no art. 337-E, do Código Penal, o que caracteriza, portanto, "abolitio criminis" da conduta pela qual o apelante foi denunciado.

4. Desse modo, configurada a “abolitio criminis” da conduta narrada na denúncia e tendo em vista as disposições constitucional e legal da retroatividade da lei penal mais benéfica – inseridas, respectivamente, no art. 5º, XL, da Constituição Federal e no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal – de rigor a manutenção da extinção da punibilidade do apelado.

5. Recurso em sentido estrito desprovido.

 (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ReSe - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 0000045-76.2019.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 15/09/2023, DJEN DATA: 21/09/2023)

                                       

E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89, “CAPUT”, DA LEI Nº 8.666/93. INEXIGIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. “ABOLITIO CRIMINIS”. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. AUTORIA NÃO COMPROVADA. DOLO. PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

1. Apelantes condenados pelo cometimento do crime descrito no artigo 89, “caput”, e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93.

2.Prescrição. Inocorrência. Preliminar rejeitada.

3. “Abolitio criminis”. Com a superveniência da edição da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, as Seções III (Dos Crimes e das Penas) e IV (Do Processo e do Procedimento Judicial) do Capítulo IV (Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial) da Lei nº 8.666/1993 foram expressamente revogadas na data de sua publicação, sendo que o art. 193 da Lei nº 14.133/2021 dispõe que: Revogam-se: I – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei.

4. Ao mesmo tempo o art. 178 da Lei nº 14.133/2021 fez incorporar o “CAPÍTULO II-B – DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS” (arts. 337-E a 337-P) no Título XI da Parte Especial do Código Penal, prevendo, dentre os novos tipos penais, exatamente o delito de “contratação direta ilegal” (art. 337-E).

5. A revogação dos crimes da Lei 8.666/93 não significa, contudo, que, necessariamente, tenha ocorrido “abolitio criminis”.

6. Do cotejo do artigo 337-E com o artigo 89 da Lei 8.666/93, verifica-se uma continuidade normativo-típica, pois o caráter criminoso do fato foi mantido, mas apenas em outro dispositivo penal, com uma exceção apontada pela doutrina no que tange à conduta "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" constante do caput do art. 89.

7.  Ademais, há a superveniência de “novatio legis in pejus”, uma vez que as penas cominadas foram agravadas com a nova lei, pois o preceito secundário do artigo 89 era mais benéfico ao acusado, já que previa pena de detenção, em oposição à pena de reclusão agora cominada, não se cogitando, pois, de atipicidade fática. Desta feita, o referido artigo 89 da Lei 8.666/90 goza de ultra-atividade benéfica e deve ser aplicado ao presente caso. Preliminar rejeitada.

8. Materialidade demonstrada.

9. Autoria não comprovada. Para a configuração do delito do artigo 89 da Lei nº 8.666/93 exige-se o dolo específico de causar prejuízo às finanças da Administração Pública. Dolo não configurado.

10. Apelações defensivas providas para absolver os acusados, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

 (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0003766-46.2017.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES, julgado em 20/06/2023, DJEN DATA: 27/06/2023)

 


Por fim, a conduta prevista no parágrafo único do art. 89 da Lei n. 8.666/93, do particular que concorre para o crime de dispensa/inexigibilidade de licitação praticado pelo funcionário público, permanece típica, configurando o crime do art. 337-E do Código Penal, na forma do art. 29 do Código Penal, que dispõe expressamente que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.  

Quanto ao ponto, ensina Miguel Reale Junior: “Prosseguindo, por força do parágrafo único do art. 89 da Lei n. 8.666/93, prevalecia o entendimento de que, para se responsabilizar o particular que concorreu para a prática de ato criminoso, era indispensável que ele fosse beneficiado, celebrando contrato com a administração. O art. 337-E não comporta preceito de mesmo teor, de modo que a responsabilidade do particular incide por força do art. 29 do CP, não mais se exigindo tal demonstração.” (JÚNIOR, Miguel R. Código penal comentado. Editora Saraiva, 2023, pág. 525). 

Nesse sentido, já decidiu esta Corte Regional:

 

E M E N T A

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE DISPENSA/INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ART. 89, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 8.666/93. REVOGAÇÃO PELA LEI N. 14.133/21. PARTICULAR. ABOLITIO CRIMINIS. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 337-E C. C. ART. 29, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. RECURSO EM SENTIDO PROVIDO.

1. A conduta do particular que concorre para o crime de dispensa/inexigibilidade de licitação praticado pelo funcionário público, anteriormente prevista no art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, revogado pela Lei n. 14.133/21, permanece típica, configurando o crime previsto no art. 337-E do Código Penal, aplicando-se o art. 29 do diploma penal, não havendo, pois, abolitio criminis (TRF 3ª Região, HC n. 5014459-62.2021.4.03.0000, rel. Desembargador Federal Paulo Fontes, j. 09.08.21).

2. Recurso em sentido estrito provido.

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ReSe - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 5000915-65.2021.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 20/06/2023, Intimação via sistema DATA: 22/06/2023)

 

Dessa forma, tendo em vista que o tipo penal de inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei encontra correspondência no art. 337-E do CP, a conduta do réu permanece típica.

Ressalto ainda que, considerado que as alterações promovidas pela Lei n. 14.133/2021 trouxeram penalidade mais severa, por força do princípio da irretroatividade da lei penal, as penas do art. 337-E do CP não retroagem para fatos ocorridos anteriormente.

 

Da indevida inexigibilidade de licitação (art. 89 e parágrafo único da Lei 8.666/1993):

 

Segundo a denúncia, GILBERTO DE GRANDE, na qualidade de Prefeito do Município de Floreal/SP, teria contratado, mediante inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 25, III da Lei 8.666/93, a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda. ME, para dar execução ao Convênio Federal n. 704.495/2009, firmado pela municipalidade e o Ministério do Turismo, alusivo à 29ª Festa do Peão de Floreal/SP.

A denúncia narra, em síntese, que a Prefeitura Municipal de Floreal/SP firmou o Convênio n. 704.495/2009 com o Ministério do Turismo, obtendo o repasse de verbas federais para realização da “29ª Festa do Peão de Floreal/SP”.

Assim, o Município de Floreal/SP, na gestão do então Prefeito GILBERTO DE GRANDE, firmou contrato de prestação de serviços com a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., representada por THIAGO ROBERTO APARECIDO MARCELINO, cujo objeto era a apresentação de shows artísticos pelas bandas "Tradição" e "Santa Esmeralda", bem como das duplas sertanejas "Ataíde e Alexandre" e "Milionário e José Rico".

Segundo a denúncia, a contratação foi realizada mediante procedimento de inexigibilidade de licitação, sob pretexto da aplicação do art. 25, inciso III, da Lei de Licitações, que assim dispõe:

 

Art. 25 - É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

(…)

III – para a contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

 

Narra a denúncia que a empresa "Usina de Promoções de Eventos Ltda." não é a representante exclusiva dos artistas contratados, pois atua apenas como intermediária na negociação, não podendo valer-se da prerrogativa legal estabelecida no art. 25, inciso III, da lei n° 8.666/1993, razão pela qual o Convênio n° 704.495/2009 foi reprovado pelo Ministério do Turismo, conforme se observa da Nota Técnica de Análise Financeira n° 0246/2014 e do Memorando n° 0326/201

Assim, segundo a denúncia, Gilberto de Grande inexigiu licitação fora das hipóteses previstos em lei, dando azo à utilização irregular de R$193.000,00 em verbas federais (total despendido com os shows).

 

O juízo sentenciante condenou o réu ao fundamento que o delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93 é formal, não se exigindo para sua configuração prova de prejuízo financeiro ao erário, consumando-se tão somente com a dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Confira-se o excerto:

 

No caso em apreço, a acusação sustenta que o acusado praticou o delito de inexigir licitação fora das hipóteses previstas no artigo 25 da Lei nº 8.666/93.

O tipo penal pune a conduta do servidor público ou daquele que concorre para a consumação da ilegalidade de inexigir licitação sem que haja fundamentação ou autorização legal expressa.

Trata-se de crime formal, já que a consumação se dá pela mera dispensa ou inexigibilidade da licitação sem previsão legal, independentemente de lesão ao erário, desde que o agente o faça com consciência e vontade.Nesse sentido decidiu recentemente o STF:

4. O crime do art. 89 da Lei 8.666/90 é formal, consumando-se tão somente com a dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Não se exige, para sua configuração, prova de prejuízo financeiro ao erário, uma vez que o bem jurídico tutelado não se resume ao patrimônio público, mas coincide com os fins buscados pela Constituição da República, ao exigir em seu art. 37, XXI, "licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes". Tutela-se, igualmente, a moralidade administrativa, a probidade, a impessoalidade e a isonomia.(AP 971, Min. Rel. EDSON FACHIN, Primeira Turma, Julgado em 28/06/2016, Fonte: DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 11/10/2016 - ATA Nº 153/2016. DJE nº 217, divulgado em 10/10/2016)

Portanto, descabida a tese da defesa de que não há crime diante de ausência de dano ou prejuízo ao erário, à medida que o delito se consuma quando o agente político não faz licitação quando esse procedimento era obrigatório, pois a figura típica não exige qualquer resultado danoso, tendo em vista que, ao praticar a conduta delitiva, o sujeito ativo desrespeita princípios constitucionais (impessoalidade, probidade, moralidade administrativa, isonomia), o que, por si só, configura ofensa a bem jurídico tutelado pela norma, independentemente de prejuízo econômico.

Ademais, a suposta ausência de prejuízo econômico é apenas aparente, pois quando a Administração Pública deixa de oportunizar a livre concorrência a eventuais interessados e habilitados, ela deixa, também, de buscar o interesse público, pois escolhe determinada empresa ou pessoa sem diligenciar se existem outras opções mais vantajosas no mercado, seja no tocante ao preço ou à qualidade e isso, inevitavelmente, é prejudicial ao povo, ainda que isso seja imperceptível à população em geral. Nesse sentido, pouco importa se a festa serviu como referência regional, projetando o nome do município no cenário sertanejo ou se o público compareceu em peso para prestigiar o evento (fls. 310), sendo relevante penalmente, o fato de o gestor público ter inexigido licitação para contratar uma empresa quando lhe era possível e obrigatório fazê-lo.”

 

Com a devida vênia, a sentença é de ser reformada.

 

Não obstante divergência jurisprudencial apontada da 1ª Turma do STF, consoante entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/93, é necessária a presença cumulativa do dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração da efetiva ocorrência de prejuízo à Administração Pública, sob pena de a conduta ser considerada atípica:

 

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO RECICLAGEM. CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES. ARTS. 89 E 92 DA LEI N. 8.666/1993. INÉPCIA DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DOS ELEMENTOS TÍPICOS. DOLO ESPECÍFICO. ORDEM CONCEDIDA. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL NA ORIGEM. AGRAVOS REGIMENTAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DESPROVIDOS.

I - Conforme o entendimento jurisprudencial sedimentado nesta Corte Superior de Justiça, para a configuração dos delitos previstos nos arts. 89 e 92 da Lei n. 8.666/1993, é imprescindível que o Ministério Público aponte minimamente, na exordial acusatória, o dolo específico, consistente na vontade de causar dano ao erário, bem como demonstre o efetivo prejuízo causado à administração pública. Precedentes.

II - Neste agravo regimental, não foram apresentados argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, devendo ser mantida a decisão impugnada por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AgRg no HC n. 607.605/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 23/8/2023.)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DISPENSA E FRAUDE A LICITAÇÃO. TRANCAMENTO. PACIENTE RESPONSÁVEL PELA EMISSÃO DO PARECER FAVORÁVEL À DISPENSA DE LICITAÇÃO. DESCRIÇÃO DO INDISPENSÁVEL NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA IMPUTADA E A OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA PENAL. AUSÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DO VÍNCULO ENTRE O DENUNCIADO E OS DEMAIS CORRÉUS QUE PROCEDERAM DE FORMA INDEVIDA. INEXISTÊNCIA. ÓBICE AO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. DESCRIÇÃO DA INTENÇÃO DO AGENTE EM LESAR O ERÁRIO E O EFETIVO PREJUÍZO. AUSÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.

1. Esta Corte pacificou o entendimento de que o trancamento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, cabível apenas quando demonstrada, de plano, a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria.

2. No caso, o Ministério Público Federal atribuiu ao acusado a conduta de colaborar para a formalização de contratos irregulares apenas pelo fato de ele ser o responsável pela emissão do parecer favorável às contratações imputadas de ilegais, deixando-se de se descrever o necessário nexo causal entre a conduta atribuída e a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

3. Sem a mínima menção à atuação ou contribuição do acusado na empreitada criminosa, imputou-se-lhe a ocorrência do fato delituoso, consubstanciando-se exclusivamente na função exercida por ele, situação que impossibilita o exercício do contraditório e da ampla defesa.

3. Não se demonstrou também de que forma a dispensa da licitação configurou o crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993. Não ficou nítida na inicial acusatória a intenção do agente em lesar os cofres públicos, tampouco a ocorrência de prejuízo. Em outras palavras, não há, na inicial ofertada pelo Parquet, menção à ocorrência de dolo específico ou de dano ao erário.

4. Conforme entendimento pacificado nesta Corte, para a configuração do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, devem ficar demonstradas a intenção dos agentes em lesionar os cofres públicos e a existência de dano ao erário (APn n. 480/MG, Relator p/ o acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 15/6/2012).

5. Agravo regimental provido para conceder ordem de habeas corpus para declarar a inépcia da inicial acusatória e, por conseguinte, a nulidade de todo o processo em relação ao paciente, ressalvada a possibilidade de oferecimento de nova denúncia com a correta individualização das ações a ele atribuídas, que efetivamente possam ter contribuído para a prática delituosa, ensejando, desse modo, o exercício da ampla defesa.

(AgRg no RHC n. 171.110/BA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/6/2023, DJe de 3/7/2023.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993). NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO E DE EFETIVA LESÃO AO ERÁRIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. A denúncia oferecida pelo Ministério Público estadual destoa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que se orienta no sentido de que deve a denúncia descrever o dolo específico do agente de causar dano à Administração Pública, bem como o efetivo prejuízo ao erário, a fim de se caracterizar o delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, o que, in casu, não ocorreu. Precedentes do STF e STJ.

2. Inservível a denúncia que narra o dolo geral e aponta para a dispensa de licitação fora das hipóteses legais, não ficando evidenciado, no entanto, o dolo específico exigível ao tipo penal em questão, tampouco o efetivo prejuízo suportado pelo erário municipal.

3. No caso, embora o Ministério Público tenha demonstrado o envolvimento do paciente no processo de dispensa ou inexigibilidade ilegal, deixou de fazer referência à ocorrência de efetivo dano ao erário, limitando-se a indicar o valor total do aluguel pago pela prefeitura, sem, contudo, demonstrar eventual superfaturamento ou quanto daquele montante estaria fora dos padrões aceitáveis no mercado ou, ainda, se a contraprestação seria condizente com a cifra paga pelo município.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC n. 737.122/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 27/4/2023.)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 89 DA LEI N. 8.666/93. PLEITO ABSOLUTÓRIO. PRESENÇA DO DOLO ESPECÍFICO E DO DANO AO ERÁRIO. NECESSIDADE DO REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Consoante jurisprudência desta Corte, para configuração do delito previsto no art. 89 d a Lei n. 8.666/93, é imprescindível, além do efetivo prejuízo causado à administração pública, o dolo específico, consistente na deliberada intenção de lesar o erário. No caso dos autos, as instâncias ordinárias apontaram o dolo específico do agente, além da existência de dano ao erário para manter a condenação, não destoando do entendimento desta Corte Superior.

2. Embora o Tribunal de origem tenha manifestado seu entendimento acerca da desnecessidade do dolo específico para configuração do delito, posteriormente, apontou circunstâncias que demonstraram o conluio dos acusados para realizar compras diretas de bens de valores elevados, sem observância do procedimento licitatório, gerando dano ao ente municipal.

3. Tendo as instâncias ordinárias constatado a autoria e a materialidade delitivas para configuração do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93, a modificação do julgado demandaria o reexame das provas dos autos, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 2.197.334/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 16/3/2023.)

 

HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. DISPENSA DE LICITAÇÃO MEDIANTE FRACIONAMENTO DA CONTRATAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO. INTENÇÃO DE LESAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PREJUÍZO EFETIVO AO ERÁRIO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO. CONDUTA. ATIPICIDADE. EXTENSÃO DA ORDEM AOS CORRÉUS (ART. 580 C/C ART. 654, § 2º, AMBOS DO CPP).

1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmada a partir do julgamento da APn n. 480/MG, a consumação do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a intenção de causar dano ao Erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos.

2. Hipótese em que o paciente, prefeito do município, foi condenado como incurso no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, por ter, juntamente com os membros da comissão de licitação, fracionado o serviço de transporte escolar em vários roteiros para, considerando o valor isolado de cada uma das linhas, dispensar o processo licitatório, em desacordo com o que determina o art. 23, §§ 2º e 5º e art. 24, II, da Lei n. 8.666/1993.

3. Observa-se, contudo, a existência de condenação baseada no dolo genérico (dispensa ou inexigibilidade de licitação, fora das hipóteses legais, com o objetivo de direcionamento da contratação), o que, segundo a jurisprudência desta Corte, não é suficiente para sustentar o decreto condenatório.

4. A sentença não fez qualquer referência à existência de deliberada intenção de causar prejuízos à Administração Pública ou à efetiva ocorrência do dano. Ao contrário, o magistrado de primeiro grau reconhece que os serviços foram prestados e, ao afastar a conduta prevista no art. 1°, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67, afirma, categoricamente, inexistir nos autos provas suficientes para comprovar o dolo do denunciado de efetuar pagamentos aos contratados superiores aos ajustados, sem qualquer justificativa para tanto.

5. Ordem concedida para absolver o paciente Cesar Augusto de Freitas, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, da imputação da prática do crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993, com extensão dos efeitos aos corréus Ronildo Vieira Maciel, Tereza Maria Lopes de Brito e Amarildo Bezerra Leite (art.

580 do CPP). Pedido de reconsideração da decisão que apreciou o pleito liminar prejudicado. Comunique-se, com urgência, ao Juízo da 37ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Caruaru/PE e à Primeira Turma do Tribunal de Justiça de Pernambuco.

(HC n. 588.359/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 8/9/2020, DJe de 14/9/2020.)

 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME LICITATÓRIO (ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993). NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO E DOLO ESPECÍFICO. DENÚNCIA QUE CONTEMPLA TAIS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior acompanha o entendimento do Pleno do Supremo Tribunal Federal (Inq n. 2.482/MG, julgado em 15/9/2011), no sentido de que a consumação do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige a demonstração do dolo específico, ou seja, a intenção de  causar dano ao erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, malgrado ausência de disposições legais acerca dessa elementar.

2. Considerando que da simples leitura da denúncia verificar-se, o fim especial de agir e o dano ao erário, não há ilegalidade a ser sanada.

3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no RHC n. 103.896/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/2/2020, DJe de 12/2/2020.)

 

 

RECURSOS ESPECIAIS. PENAL. ART. 89 DA LEI N.º 8.666/1993. ART. 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI N.º 201/1967. DOLO ESPECÍFICO E PREJUÍZO AO ERÁRIO. COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO ESPECIAL DE MARCOS ANDRÉ LIMA NOGUEIRA E LUIZ ALBERTO CARVALHO TORALDO PROVIDO, COM EXTENSÃO DOS EFEITOS. RECURSO ESPECIAL DE LUIZ FELIPE ROUX LIMA PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO, A LUIZ FELIPE ROUX LIMA.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a configuração dos delitos previstos no art. 89, caput e parágrafo único, da Lei n.º 8.666/1993 exige a demonstração da presença concomitante do dolo específico, consistente na deliberada intenção de lesar o erário, bem assim a efetiva ocorrência do dano ou prejuízo, não evidenciados, no caso concreto, pelas instâncias ordinárias.

2. O art. 1.º, inciso I, do Decreto-Lei n.º 201/1967 tipifica como crime a conduta de "apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio", o qual exige, para a sua configuração, a presença do dolo específico de enriquecimento ilícito.

3. Ainda que possa ter havido irregularidades no procedimento de contratação com dispensa de licitação, não se pode considerar como desvio de bens ou rendas públicas o pagamento da remuneração pactuada pelos serviços que foram efetivamente prestados, sem notícia de haver prejuízo ao erário público, mormente quanto tais máculas no procedimento não chegaram a configurar ilícito penal.

4. Recurso especial de MARCOS ANDRÉ LIMA NOGUEIRA E LUIZ ALBERTO CARVALHO TORALDO provido para absolvê-los da imputação de prática do crime do art. 89 da Lei n.º 8.666/1993, com extensão dos efeitos aos corréus JORGE PEREIRA NUNES, RENATA TOMAZ MAIA e ELDER DE MATTOS AZARA, na forma do art. 580 do Código de Processo Penal. Recurso especial de LUIZ FELIPE ROUX LIMA parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, restabelecendo a sentença na parte em que o absolvera em relação ao crime do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei n.º 201/1967. Habeas corpus concedido, de ofício, a LUIZ FELIPE ROUX LIMA, a fim de absolvê-lo da acusação de ter cometido o delito do art. 89 da Lei n.º 8.666/1993.

(REsp n. 1.799.355/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/5/2019, DJe de 5/6/2019.)

 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO LIMINAR. CRIME DE LICITAÇÃO. ART. 89 DA Lei 8.666/93. DOLO ESPECÍFICO. DIVERGÊNCIA NÃO COMPROVADA. SÚMULA 168/STJ. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. REGRA TÉCNICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 315/STJ. PEDIDO DE CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS. NÃO CABIMENTO. AGRAVO IMPROVIDO.

1. É exigível a presença do dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo para que tipificado o crime previsto no artigo mencionado (art. 89 da Lei n. 8.666/1993) (AgRg no AREsp 1254177/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2018, DJe 22/06/2018).

(...)

5. Agravo regimental improvido.

(AgRg nos EAREsp n. 263.820/DF, relator Ministro Nefi Cordeiro, Terceira Seção, julgado em 24/10/2018, DJe de 30/10/2018.)

 

PENAL. ARTIGO 89 DA LEI N.º 8.666/93. DISPENSA DE LICITAÇÃO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. NECESSIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO PELA CORTE ESPECIAL. RESSALVA DA RELATORA. DESCRIÇÃO INSUFICIENTE NA DENÚNCIA. NÃO ATENDIMENTO DO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA. MATÉRIA DE PROVA.

1. Nos autos da Ação Penal n.º 480/MG, a Corte Especial deste Sodalício acolheu, por maioria, a tese de ser imprescindível a presença do dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração do efetivo prejuízo para a tipificação do crime previsto no artigo artigo 89 da Lei n. 8.666/1993. Ressalva do entendimento da relatora.

2. Na hipótese em apreço, a denúncia, sem atender às disposições do art. 41 do Código de Processo Penal, não descreve o dolo específico e nem o efetivo prejuízo, limitando-se à burla da licitação, sendo, pois, inepta.

3. De outra parte, o pretendido trancamento, por falta de justa causa, que depende da certeza da inexistência do elemento subjetivo e da total ausência de prejuízo, não está demonstrado sem maiores digressões, necessitando de revolvimento fático-probatório, não condizente a via eleita, mandamental por excelência.

4. Recurso parcialmente provido, apenas para anular a denúncia por inépcia, ressalvando a possibilidade de uma nova ser apresentada, desde que, dentro dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, seja demonstrado o doloe específico e o efetivo prejuízo aos cofres públicos.

(RHC n. 36.562/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/11/2014, DJe de 27/11/2014.)

 

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DELITO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/1993. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DE FRAUDAR O PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E DE EFETIVO DANO AO ERÁRIO. CRIME DO ART. 1.º, INCISO II, DO DECRETO-LEI N.º 201/67. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.

1. A controvérsia relativa à caracterização do delito do art. 89 da Lei n.º 8.666/93 tem sido objeto de divergência tanto na doutrina quanto na jurisprudência, orientando-se este Tribunal Superior, inicialmente, no sentido de que o ilícito em questão constituiria crime de mera conduta, sendo dispensável, para a sua configuração, a existência do dolo específico de fraudar o erário ou do efeito prejuízo à Administração Pública. Precedentes.

2. Contudo, em recente julgado, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, ao analisar hipótese semelhante à dos autos, assentou que, para a configuração do delito previsto no art. 89 da Lei de Licitações, é necessário demonstrar o dano causado ao erário, bem assim o dolo específico em produzir o resultado lesivo.

Precedentes.

3. Na hipótese, não foram apresentados elementos suficientes para o enquadramento da conduta do Paciente no tipo penal em questão, decidindo o Tribunal a quo, portanto, em desconformidade com a orientação recentemente adotada por esta Corte.

4. Em relação ao delito previsto no art. 1.º, inciso II, do Decreto-Lei n.º 201/67, não restou demonstrado, em nenhum momento, na peça acusatória, que o Paciente teria se utilizado, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos.

5. Ordem de habeas corpus concedida para, reconhecendo a falta de justa causa, trancar a ação penal.

(HC n. 190.782/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 11/12/2012, DJe de 17/12/2012.)

 

No mesmo sentido, registro precedentes da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal:

 

Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA LEI 8.666/1993. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5º, XXXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO STF. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PREJUÍZO E DOLO ESPECÍFICO COMPROVADOS. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

(ARE 1108494 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 31-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194  DIVULG 14-09-2018  PUBLIC 17-09-2018)

 

Penal. Processo Penal. Ação penal originária. Deputado federal. Acusação da prática do art. 89 da Lei 8.666/93 (dispensa indevida de licitação), em duas oportunidades, em concurso material (art. 69 do CP). 2. Inépcia da denúncia. Art. 41 do Código de Processo Penal. O tipo do art. 89 da Lei 8.666/93 não menciona prejuízo à Administração ou finalidade específica. Denúncia apta. 3. Art. 89 da Lei 8.666/93. A jurisprudência interpreta o dispositivo no sentido de exigir o prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários à adequação típica – INQ 2.616, relator min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014. 4. Licitação. Inexibilidade fora das hipóteses legais. ProJovem: qualificação profissional e desenvolvimento de ações comunitárias voltadas ao público-alvo do programa. Art. 25, II, combinado com art. 13, VI, da Lei 8.666/93 – serviços técnicos de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, de natureza singular, com empresa de notória especialização. Não foi documentada pesquisa de mercado que pudesse levar à conclusão de que não haveria outras entidades com capacidade de realizar o serviço na região, em condições iguais ou melhores. Justificativa retórica. Inexigibilidade fora das hipóteses legais comprovada. 5. Ausência de elementos levando a crer que o denunciado tinha intenção de desviar recursos ou, de qualquer forma, causar prejuízo ao erário. A estrutura do Convênio que não estimulava as administrações estaduais à economia. Secretário de Estado que recebeu de sua assessoria administrativa e jurídica pareceres pela conveniência, oportunidade e juridicidade da contratação. Ausência de elemento indicando que tenha pessoalmente influenciado a escolha ou que tenha relação com a contratada. Inexistência de prova suficiente de que o fato constitua infração penal. 6. Dispensa indevida de licitação. ProJovem. Ações de formação inicial e continuada de educadores na esfera do ProJovem Urbano. Licitação dispensada com base no art. 24, XIII, da Lei 8.666/93 – contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos. Atendimento aos requisitos legais. Fundação que participou da estruturação do Programa e da formação de formadores promovida pela Secretaria Nacional da Juventude. Parecer da Assessoria Jurídica apontava regularidade da contratação. Fato que não constituiu infração penal. 7. Denúncia julgada improcedente.

(AP 683, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 09-08-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-041  DIVULG 03-03-2017  PUBLIC 06-03-2017)

 

Inquérito. Competência criminal originária. Penal. Processo Penal. 2. Inépcia da denúncia. Peculato. Denúncia que descreve que desvio em proveito da administração. Descrição suficiente da finalidade. Denúncia apta. 3. Inépcia da denúncia. Inexigibilidade de licitação. Prejuízo à administração ou finalidade específica de favorecimento. Elementos não não mencionados no texto da lei. Construção jurisprudencial. Não é exigível que a petição inicial os descreva com minudência. Denúncia apta. 4. Art. 312, caput, do Código Penal (peculato desvio). O desvio de recursos para finalidades públicas não configura o crime de peculato. O proveito à administração pública não se enquadra no conceito de proveito próprio ou alheio exigido pelo tipo penal. Desclassificação para o art. 315 do CP. Pronúncia da prescrição da pretensão punitiva em abstrato. 5. Art. 89 da Lei 8.666/93 (inexigibilidade indevida de licitação). Prova da inexigibilidade fora das hipóteses legais. Indícios de autoria. 6. Necessidade de demonstração de prejuízo ao erário e da finalidade específica de favorecimento indevido. Secretária de Estado. Pareceres pela conveniência e oportunidade da licitação e pela juridicidade da contratação direta. Ausência de indicativo de influência na escolha ou relação com a contratada. Preponderância da prova no sentido da inexistência do propósito de causar prejuízo ou favorecer indevidamente. 7. Denúncia rejeitada.

(Inq 3731, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02-02-2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-039  DIVULG 01-03-2016  PUBLIC 02-03-2016)

 

Inquérito. 2. Competência originária. 3. Penal e Processual Penal. (...) 8. Art. 89 e parágrafo único da Lei 8.666/93. Dispensa indevida de licitação. Tipicidade. Indispensabilidade do elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida. Entendimento da maioria no sentido de que provada a inexistência do elemento subjetivo. 9. Decretação da extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, quanto ao crime do art. 89 e parágrafo único da Lei 8.666/93, referente ao contrato 168/2001, celebrado em 2.7.2001, decisão unânime. Absolvição liminar dos denunciados quanto ao restante, vencida a relatora.

(Inq 2688, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02-12-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-029  DIVULG 11-02-2015  PUBLIC 12-02-2015)

 

A Corte Especial do STJ também concluiu que o crime do art. 89 da Lei 8.666/93 somente é punível quando demonstrado o resultado danoso ao erário, ou seja, o efetivo prejuízo à Administração:

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA ENTRE O ACÓRDÃO EMBARGADO E O ACÓRDÃO PARADIGMA. NÃO CONHECIMENTO. DISPENSA DE LICITAÇÃO. EXIGÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. PREJUÍZO ADEQUADAMENTE DESCRITO NO ACÓRDÃO PROLATADO PELO TRIBUNAL A QUO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - A comparação de acórdãos para o fim de demonstrar a divergência jurisprudencial pressupõe similitude fática e jurídica entre os casos confrontados e a adoção de teses jurídicas distintas (Precedentes).

II - Na hipótese, os acórdãos comparados versam sobre competências distintas, cuidando o paradigma de competência de natureza cível (ação de cobrança com interesse da União) e o acórdão embargado, de natureza criminal (desvio de verbas do FUNDEF), razão pela qual, nesse ponto específico, não poderá ocorrer a uniformização.

III - É cediço que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dessa Corte firmaram o entendimento no sentido de que se exige a demonstração de efetivo prejuízo ao erário para configuração do crime previsto no art. 89, da Lei n. 8.666/93 (Precedentes).

IV - Contudo, a despeito de reconhecer a conduta do art. 89, da Lei n. 8.666/93 como crime de mera conduta, o que não mais se coaduna com a interpretação jurisprudencial predominante, o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul apontou expressamente diversas irregularidades aptas a causar prejuízo ao erário do Município de Uruguaiana/RS, tudo a indicar o dolo de se beneficiar de dispensa irregular de licitação e se locupletar do erário público, o que justifica a manutenção da condenação imposta.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg nos EAREsp n. 92.923/RS, relator Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 6/5/2015, DJe de 25/5/2015.)

 

AÇÃO PENAL. EX-PREFEITA. ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. FESTA DE CARNAVAL. FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVIÇOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA Lei N. 8.666/1993. ORDENAÇÃO E EFETUAÇÃO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI. PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVIÇO PELO PARTICULAR CONTRATADO. ARTIGO 1º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N. 201/1967 C/C OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N. 4.320/1964. AUSÊNCIA DE FATOS TÍPICOS. ELEMENTO SUBJETIVO. INSUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO. NECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DA CARACTERIZAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO.

- Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo prejuízo.

Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal.

- Caso em que não estão caracterizados o dolo específico e o dano ao erário.

Ação penal improcedente.

(APn n. 480/MG, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, julgado em 29/3/2012, DJe de 15/6/2012.)

 

PROCESSO PENAL. LICITAÇÃO. DISPENSA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. FALTA DE JUSTA CAUSA.

1. O entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o crime do art. 89 da Lei 8.666, de 1993, somente é punível quando produz resultado danoso ao erário.

2. Cabe realçar ainda que uma vez atestada a regularidade das contas e, ipso facto, da gestão, nela incluídas as transações envolvendo a necessidade ou dispensa de licitação, sob o exclusivo prisma do art. 89, não haverá justa causa para ação penal, quando nada, pela ausência do elemento mínimo culpabilidade que viabiliza seja alguém submetido a um processo criminal, dada a falta de probabilidade ainda que potencial de uma condenação. Não se pode deixar de lado o entendimento de que somente a intenção dolosa, tem relevância para efeito de punição.

3. Denúncia rejeitada.

(Apn n. 375/AP, relator Ministro Fernando Gonçalves, Corte Especial, julgado em 5/4/2006, DJ de 24/4/2006, p. 340.)

 

PROCESSO PENAL ? REJEIÇÃO DA DENÚNCIA ? DISPENSA DE LICITAÇÃO (ART. 89 LEI 8.666/93).

1. O tipo descrito do art. 89 da Lei de Licitação tem por escopo proteger o patrimônio público e preservar o princípio da moralidade, mas só é punível quando produz resultado danoso.

2. É penalmente irrelevante a conduta formal de alguém que desatente as formalidades da licitação, quando não há conseqüência patrimonial para o órgão público.

3. O dolo genérico não é suficiente para levar o administrador à condenação por infração à Lei de Licitações.

4. Prática de padronização de mobiliários ou equipamentos que não afasta a exigência de licitação, mas não se configura como crime, senão quando ocasiona dano ao erário.

5. Denúncia rejeitada.

(Apn n. 261/PB, relatora Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, julgado em 2/3/2005, DJ de 5/12/2005, p. 197.)

 

Quanto ao ponto, registro ainda precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

 

E M E N T A

PENAL. PROCESSO PENAL. INEXIGIBILIDADE E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. LEI N. 8.666/93, ART. 89, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. DISPENSA DE LICITAÇÃO (LEI N. 8.666/93, ART. 89). DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. EXIGIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA PROVADAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO DA CONDUTA E DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. O delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93 se tipifica quando o agente “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”. Trata-se, portanto, de delito formal que dispensa resultado naturalístico para sua configuração. Não obstante, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça desabona a tipificação do fato abstraindo-se a intenção do agente de ocasionar dano à Administração Pública, o qual por essa razão seria pressuposto à tipificação (STF, Plenário, Inq. 2.688, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 02.12.14; STF, Plenário, Inq. n. 2.616, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 29.05.14; STF, Inq. n. 3.077, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 29.03.12; STF, AP n. 527, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 16.12.10; STJ, AP n. 480, Rel. p/ acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, j. 29.03.12).

2. No caso dos autos, há elementos bastante de materialidade e autoria das condutas, mas não restou satisfatoriamente demonstrada a especial finalidade de lesar o patrimônio público, tampouco a concretização de prejuízo ao erário.

3. Sentença de absolvição mantida por seus próprios fundamentos (CPP, art. 386, VII).

4. Apelação desprovida.

(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001173-78.2012.4.03.6124, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 28/09/2021, DJEN DATA: 05/10/2021)

 

E M E N T A

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES. CORREIOS. ARTS. 89, 92 E 96, IV E V, DA LEI Nº 8.666/93. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOLO ESPECÍFICO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA. ART. 99 DA LEI Nº 8.666/93.

1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.

2. Não há que se falar em violação ao art. 155 do Código de Processo Penal, na medida em que essa conclusão deriva do cotejo do amplo conjunto probatório formado ao longo da persecução penal, inclusive a prova oral produzida em juízo.

3. O tipo penal descrito no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 somente se perfaz caso comprovada a vontade do agente de causar dano ao erário e de impor prejuízo à administração, o que ocorreu no caso. Dolo específico demonstrado.

4. O dolo do administrador da empresa contratada pela empresa pública também ficou comprovado. As cláusulas do contrato eram de seu conhecimento, bem como que deveria cumprir as condições nele estabelecidas.

 (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0011941-96.2006.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 30/04/2021, DJEN DATA: 06/05/2021)

 

HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 89, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.666/93. DISPENSA DE LICITAÇÃO. NECESSIDADE DE PROVA DO DOLO ESPECÍFICO DO CONTRATADO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. O crime capitulado no art. 89, parágrafo único, da Lei 8.666/93 pune a conduta do particular que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal para celebrar contrato com o Poder Público.

2. No caso, a análise do contexto probatório não demonstra que a paciente agiu com dolo ao praticar o crime descrito na denúncia (art. 89, parágrafo único, da Lei 8.666/93).

3. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o crime do art. 89 da Lei 8.666/93 somente é punível quando comprovado o dolo específico do agente em causar dano à Administração Pública e produz resultado danoso ao erário, o que não restou evidenciado nos autos.

4. Ordem concedida.

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, HCCrim - HABEAS CORPUS CRIMINAL - 5005434-59.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE MARCOS LUNARDELLI, julgado em 10/08/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 13/08/2020)

 

E M E N T A

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. ART. 89. DA LEI Nº 8.666/93. DOLO ESPECÍFICO. DANO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO.

1. Paciente denunciada pela prática do crime capitulado no art. 89, caput, da Lei n° 8.666/93, porque teria ela dispensado indevidamente processo licitatório e/ou a formalização para a contratação direta de gêneros alimentícios e serviços de funilaria em transporte escolar no município de Cesário Lange/SP, com aplicação irregular de verbas federais repassadas ao respectivo município por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar – PNATE, cuja legitimidade para figurar no polo passivo da ação penal se justificaria porque, segundo ela própria declarou, em 2013, desde 1998 responde pela formalização das licitações do município. 

2. O art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, por sua vez, prevê pena de detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa, para aquele que “[d]ispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”, e, como tal, pela teoria da asserção e da posição funcional ocupada por anos pela paciente, haveria indícios suficientes de que as contratações irregulares levadas a efeito pela Prefeitura em questão, objeto da persecução penal em curso, não teriam sido feitas à sua revelia, mas, ao revés, contaram, ao que tudo indica, com a sua efetiva participação.

3. Tese defensiva consentânea com os mais recentes precedentes do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o crime capitulado no art. 89, caput, da Lei de Licitações não é de mera conduta, mas exige o dolo específico do agente de causar dano ao erário, bem como prejuízo à Administração Pública. A propósito: STJ, HC - HABEAS CORPUS - 498748, Quinta Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJE DATA:06/06/2019; STJ, RESP 1799355, Sexta Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJE DATA:05/06/2019.

4. Os fatos tal como descritos na denúncia, à vista das peças do inquérito policial que instruem o writ, dão conta de não haver justa causa para a ação penal de origem, vez que, não obstante as irregularidades atestadas pela perícia contábil acostada aos autos, não há nem nela, nem na denúncia, a necessária descrição dos danos que teriam sido acarretados - consciente e voluntariamente - pela paciente à Administração municipal, ao proceder supostamente à indevida e reiterada dispensa de processos licitatórios e/ou formalização para a contratação direta de bens e serviços municipais.

5. Não há na denúncia nem na perícia contábil nenhum elemento - sequer indiciário - de que a paciente tenha agido com dolo específico de causar dano ao erário, tampouco demonstração do prejuízo que sua conduta teria causado aos cofres públicos. Trancamento da ação penal originária, por ausência de justa causa, com extensão a favor do corréu Ramiro de Campos, com fundamento no art. 580 do Código de Processo Penal. 

6. Ordem concedida. 

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC - HABEAS CORPUS - 5031922-22.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 03/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/02/2020)

 

PENAL. CRIMES DE LICITAÇÃO. ART. 89 (E SEU PARÁGRAFO ÚNICO) DA LEI Nº 8.666/1993 (EM SEIS OPORTUNIDADES). INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SHOWS DE ARTISTAS E/OU DE BANDAS EM EVENTOS PROMOVIDOS PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHA SOLTEIRA/SP. NECESSIDADE, PARA A CONFIGURAÇÃO TÍPICA, DA COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA VONTADE DO SUJEITO ATIVO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DE PROMOVER EFETIVO PREJUÍZO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO DENOTA TAL ESPECIAL FIM DE AGIR. DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DE COMO SE INTERPRETAR A EXPRESSÃO "ATRAVÉS DE EMPRESÁRIO EXCLUSIVO" CONSTANTE DO ART. 25, III, DA LEI Nº 8.666/1993. QUESTÃO DIRIMIDA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO APENAS EM JANEIRO DE 2008. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ATUAR DOLOSO (INCLUSIVE ESPECÍFICO) DOS ACUSADOS. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO.

- A presente relação processual penal foi instaurada tendo como panorama de fundo a celebração de 02 (dois) Convênios pela Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP junto ao Ministério do Turismo (Governo Federal) com o escopo de viabilizar verbas para a realização de festividades que ocorreriam no município declinado nos idos de 2007, quais sejam, a "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC e a 27ª Festa do Peão de Boiadeiro" (Convênio nº 405/2007) e as "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano" (Convênio nº 732/2007).

- A atual jurisprudência formada acerca do elemento subjetivo exigido para a caracterização do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 firmou-se no sentido de exigir a presença do chamado dolo específico consistente na comprovação da vontade do sujeito ativo de causar dano ao erário e de promover efetivo prejuízo à administração pública, sob pena de, à míngua da demonstração de tais desideratos, a conduta ser considerada atípica pela ausência do elemento subjetivo específico. Entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, do C. Superior Tribunal de Justiça e do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

- Com ressalva de entendimento eventualmente diverso, tal posicionamento visa distinguir a conduta levada a efeito pelo administrador que se mostra inábil (não penalmente relevante) daquela perpetrada pelo administrador ímprobo (esta, sim, ensejadora da aplicação do Direito Penal como ultima ratio).

- Adentrando ao caso dos autos, analisando o conjunto fático-probatório amealhado ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, nota-se a ausência de comprovação do necessário dolo específico para que as condutas perpetradas pelos acusados pudessem ser tipificadas no crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.

- A questão jurídica que se põe guarda relação com a interpretação que deve ser dada ao comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993 (É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (...)), especificamente no que concerne à locução "através de empresário exclusivo", no sentido de que tal expressão somente permitiria a contratação de profissional do setor artístico por meio de seu agente pessoal e exclusivo ou também poderia se dar por intermédio de agente que detivesse a exclusividade do show do artista para uma data predeterminada do calendário.

- Para além de inferências passíveis de serem tecidas tendo como base a antiga Lei de Licitações (Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986) que, em seu art. 23, III, aduzia que a dispensa de licitação para a contratação de profissional do setor artístico somente poderia ocorrer diretamente com o artista ou por meio de empresário, ao passo que a Lei nº 8.666/1993 (revogadora do Decreto-Lei indicado) condicionou tal dispensa à contratação direta do profissional ou por meio de empresário exclusivo, fato é que a temática encontrava-se em aberto junto ao C. Tribunal de Contas da União até a prolação do v. acórdão nº 96/2008, o que ocorreu em sessão que se realizou em 30 de janeiro de 2008, de molde a não ser possível incriminar condutas (tais quais as constantes dos autos) se a Corte de Contas ainda não tinha firmado um entendimento ao tempo das licitações questionadas.

- O E. Tribunal de Contas da União, em indicado precedente, estabeleceu obrigação ao Ministério do Turismo para que deixasse explícito em suas regras de prestação de contas afetas a convênios a impossibilidade de que a contratação de artistas com licitação inexigível ocorresse por meio de intermediário que detivesse apenas a exclusividade de representação para os dias em que os shows seriam executados, devendo, na realidade, que tal contratação fosse levada a efeito juntamente com pessoa que ostentasse a qualidade de empresário exclusivo por meio de contrato registrado em cartório. Ademais, outro julgado do C. Tribunal de Contas da União (v. acórdão nº 8244/2013, exarado em 19 de novembro de 2013) assentou entendimento segundo o qual se delimitou temporalmente a aplicabilidade do precedente firmado no início de 2008 a fim de que ele não retroagisse para certames pretéritos a tal data.

- Portanto: (a) o disciplinamento das formalidades para fins de dispensa de licitação supedaneadas no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, somente foi firmado em janeiro de 2008 (por meio da prolação do v. acórdão nº 96/2008 da lavra do C. Tribunal de Contas da União) e, partindo-se da constatação de que os fatos ora em julgamento remontam a datas pretéritas a tal marco temporal, impossível extrair repercussão penal a imputar a criminalização das condutas perpetradas pelos acusados haja vista sequer existir um entendimento pacificado acerca da matéria; e (b) a ausência de demonstração de que as licitações inexigidas teriam causado prejuízo ao erário (fundado, por exemplo, no superfaturamento das contratações ou no desvio de recursos públicos para finalidades outras que não o interesse público primário) também corrobora o não implemento do elemento subjetivo específico exigido pela jurisprudência no que tange ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.

- Precedente deste C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 78676 - 0001168-56.2012.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 30/01/2020, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/02/2020)

 

DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. LICITAÇÕES. LEI 8.666/93. CRIME. DISPENSA INDEVIDA. ARTIGO 89. DOLO ESPECÍFICO. EXIGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO NA DENÚNCIA. PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE NARRATIVA CONCRETA. REJEIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Recurso em sentido estrito interposto contra decisão de rejeição da denúncia. Imputação, a ex-prefeito municipal, de prática de condutas amoldadas ao art. 89 da Lei 8.666/93. Suposta contratação irregular e sem formalidade de profissional médico para atendimento junto aos munícipes.

2. É pacífico no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o crime do art. 89 da Lei de Licitações ostenta natureza material, tipificando-se apenas em caso de lesão ao erário, bem como exige dolo específico para sua consumação (dolo de lesar o erário ou auferir benefício com a prática). No mesmo sentido, há precedentes do Supremo Tribunal Federal e deste TRF-3. Mesmo julgados do Pretório Excelso que dispensam a efetiva ocorrência de dano ao erário exigem a descrição efetiva do dolo específico, tratando-se tal ponto, pois, de exigência pacífica dos Tribunais Superiores.

3. A ratio decidendi, como bem explicado nos precedentes, é diferenciar com clareza a esfera das irregularidades e equívocos político-administrativos, e a seara estrita e especificamente criminal nos casos de contratações públicas.

4. No contexto em exame, tem-se denúncia a partir da qual não se infere, nem mesmo em tese, a ocorrência de dolo específico. O fato envolveu a contratação de profissional da área de saúde para atuação em equipamento público dessa mesma área. O médico efetivamente prestou os serviços de saúde pelos quais foi remunerado. Isso, somado à ausência de elementos caracterizadores de enriquecimento ilícito, torna forçosa a conclusão, com base na denúncia, de que não há elementos no sentido de haver fraude para obtenção de qualquer proveito econômico.

5. Não há elemento nos autos ou mesmo argumentação na exordial que demonstre que os atos adotados pelo alcaide se revestiam do especial fim de agir consistente na lesão aos cofres públicos.

6. Além desse fundamento central, destaque-se que, a rigor, dificilmente cabe falar - nem sequer em tese - em fraude a licitações, ante o simples fato de que não se trata da contratação de obras ou de serviços específicos, mas sim de verdadeira contratação para prestação de serviços por um período de tempo junto a serviços públicos permanentes do Município. Tem-se aqui, portanto, não uma licitação, mas uma contratação de agente público, mais especificamente, de pessoa para exercício, em tese, de função pública, assim entendido o vínculo que, não caracterizado como de cargo ou emprego público, junge determinados profissionais, por períodos de tempo, à Administração Pública. A contratação temporária para exercício de função pública na área de saúde (em caso de urgência e necessidade concretas) é, em tese, admissível, e não se transmuda, em sua natureza jurídica, pela (grave) irregularidade de se proceder a uma contratação sem observância dos procedimentos cabíveis.

7. Inexistindo descrição concreta e suficiente dos elementos necessários à configuração concreta dos crimes imputados na denúncia, constata-se sua inépcia, sendo de rigor a manutenção da decisão recorrida.

8. Recurso em sentido estrito desprovido.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 8853 - 0013213-71.2015.4.03.6000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 07/11/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2019)

 

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 89 DA LEI 8666/93. CONTRATAÇÃO POR DISPENSA DE LICITAÇÃO. DOLO. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA.

1. Para configuração do tipo penal mostra-se imprescindível a presença do dolo específico de causar dano ao erário bem como a comprovação do efetivo prejuízo à Administração Pública. Não restou comprovado o dolo específico de causar dano ao erário.

2. A denúncia não apontou e nos autos não se constatou prejuízo ao erário público, ou seja, o valor auferido com a dispensa ou inexigibilidade da licitação. A conduta do agente somente se torna típica se houver dano à administração pública.

3. Apelação desprovida. Sentença mantida.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 79037 - 0001169-41.2012.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 26/08/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/09/2019)

 

REVISÃO CRIMINAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 621 E 626, DO CPP. DA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA IMPUTADA AO AUTOR - ARTIGO 1°, I, DO DECRETO-LEI 201/1967. DA NÃO CONFIGURAÇÃO DO ALEGADO BIS IN IDEM CONFLITO APARENTE DE NORMAS. DECRETO-LEI 201/67 E LEI 8.666/93. DO DELITO DO ARTIGO 89, DA LEI 8.666/93 - COMPROVAÇÃO DO DANO AO ERÁRIO E DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA INTENÇÃO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO. DOS DOCUMENTOS NOVOS TRAZIDOS PELO AUTOR NA REVISÃO CRIMINAL. DEPOIMENTO PRESTADO POR TESTEMUNHA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. DA DOSIMETRIA DA PENA. (...)

VII.Para a configuração do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, é preciso o "dolo específico", entendido como a intenção de causar dano ao erário, e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Apesar de o acórdão embargado não ter feito menção à expressão "dolo específico", ele deixa claro que houve a intenção de causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos, o qual corresponde ao desvio das verbas públicas em "favorecimento à empresa ISOCRET". Por conseguinte, não há que se falar em nulidade tampouco em contrariedade à evidência dos autos, no particular, eis que a decisão impugnada pelo requerente encontra-se devidamente fundamentada e amparada na prova processual, tendo evidenciado que houve a intenção de ("dolo específico") causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos decorrente do favorecimento à empresa ISOCRET.

(TRF 3ª Região, QUARTA SEÇÃO, RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1233 - 0006787-64.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, julgado em 20/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/11/2016 )

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS DE EMPRESAS NÃO VENCEDORAS DE CERTAME LICITATÓRIO, OU POR VALOR SUPERIOR AO ESTABELECIDO NA LICITAÇÃO, SEM FORMALIZAÇÃO DE PROCESSO DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS NAS MESMAS CONDIÇÕES DE PREÇOS E PRAZOS, CONSTANTES DE CONTRATO EXPIRADO, SEM A DEVIDA FORMALIZAÇÃO DE TERMO ADITIVO OU DE NOVO PROCESSO DE LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 89 E 92 DA LEI N. 8.666/93. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO E DE DANO AO ERÁRIO PARA CONFIGURAÇÃO DOS DELITOS. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (...)

- Em consideração a mudança de compreensão acerca do tema nos Tribunais Superiores, passou-se a entender que, "para a tipificação do crime previsto no artigo 89, da Lei n. 8.666/1993, é necessária a comprovação do dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo à Administração Pública, não sendo suficiente apenas a vontade de desobedecer às normas legais do procedimento licitatório" (STJ, 5ª Turma, AGREsp 1.199.871, rel. Ministra Regina Helena Costa, DJE de 14.5.2014).

- À luz dos elementos típicos exigidos atualmente, carece a denúncia, in casu, da necessária descrição da conduta quanto ao dolo específico dos acusados, ausente menção à intenção do prefeito e demais agentes de causar dano ao erário e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos.

- A comprovação da ausência do prejuízo para a Administração Pública, em relação às aquisições de gêneros alimentícios das empresas Prontinho Indústria e Comércio Ltda. e Maria Cristina Fernandes de Matos Zoccal ME, decorre da realização de prévia cotação de preços pelo telefone, denotando que a finalidade das compras era fornecer merenda às creches municipais.

(...)

(TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, APN - AÇÃO PENAL - 462 - 0002731-90.2009.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, julgado em 27/07/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2016 )

 

No caso em tela, para a contratação dos artistas que iriam se apresentar na 29ª Festa do Peão Boiadeiro de Floreal/SP, a Prefeitura Municipal de Floreal/SP contratou a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., por meio do Processo de Inexigibilidade de Licitação n. 001/2009, justificando-a com base no Art. 25, inciso III, da Lei 8.666/93. Para comprovar a suposta exclusividade foram apresentadas as “cartas de exclusividade”:

a) Carta de exclusividade, datado de 27/07/2009, em que a empresa WAGNER BRAGA HILDEBRAND – ME, detentora exclusiva dos direitos de vendas do GRUPO TRADIÇÃO, informa que a USINA DE PROMOÇÕES DE EVENTOS LTDA tem exclusividade do dia 18/09/2009 para apresentação do referido grupo na cidade Floreal/SP (id 254758666, pág. 16)

b) Atestado de exclusividade, datado de 27/07/2009, em que AMAURY MARTINS JUNIOR, representante legal da banda “Santa Esmeralda” declara que a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., “detém a exclusividade do show da banda ‘Santa Esmeralda’ que se apresentará no dia 17 de setembro 2009, na cidade de Floreal-SP, com apresentação na 29ª Festa do Peão de Floreal” (id 254758666, pág. 24);

c) Carta de exclusividade, datada de 28/07/2009, em que a empresa BRAZIL BUSINESS EVENTOS S/C LTDA, representante legal da dupla “Ataíde e Alexandre” declara que a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., é a única empresa autorizada a representar a dupla, para tratar de assuntos relativos à apresentação artística que ocorrera no dia 19 de setembro de 2009, na cidade de Floreal-SP (id 254758666, pág.26);

d) Carta de exclusividade, datado de 27/07/2009, em que Cirineu Martins, representante legal e exclusivo da dupla Milionário & José Rico, atesta que a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda., ‘detém a exclusividade para realização de 01 ( um ) show artístico com a dupla Milionário e José Rico e Banda no dia 16 de setembro de 2.009, na cidade de Floreal no estado de São Paulo” (id 254758666).

 

Como se observa, é incontroverso que a empresa Usina de Promoções de Eventos Ltda  não detinha contrato de exclusividade com os artistas. A mera carta de exclusividade que concede exclusividade apenas para dia e local específico, não é suficiente para autorizar a hipótese de inexigibilidade de licitação do art. 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93.

 

Não obstante, conforme demonstrado acima, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do crime descrito no art. 89 da Lei n. 8.666/93, é necessária a presença concomitante do dolo específico, consistente na deliberada intenção de lesar o erário, e da efetiva ocorrência do dano ou prejuízo à Administração Pública.

No caso em tela, não há prova do efetivo prejuízo à Administração Pública.

Não restou apontado na denúncia nem demonstrado na instrução criminal que os valores despendidos para contratação dos artistas eram superiores ao do mercado artístico, ou ainda que esses mesmos artistas tenham recebido valores inferiores por apresentação em eventos diversos.

Depreende-se da Nota Técnica n° 246/2014/CGCV, que o fundamento para a reprovação da execução financeira foi a contratação de atração artística por intermédio de inexigibilidade de licitação, mediante apresentação de autorização que confere exclusividade apenas para o dia e local correspondente à apresentação dos artistas, não tendo sido apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório, nos termos definidos no Acórdão 96/2008-TCU-Plenário (p. 91/97 do id 165855738). Não houve questionamento quanto ao valor dos shows de cada artista contratado.

Consoante PARECER TÉCNICO N. 810 / 2009, de 19/08/2009, referente à 29ª Festa do Peão de Floreal, foi realizada análise de custos quanto às seguintes ações: divulgação em carro de som; Inserção em rádio; Contratação da banda Tradição; Contratação da dupla Ataíde e Alexandre; Contratação da dupla Santa Esmeralda; Contratação da dupla Milionário e José Rico; tendo a Coordenação-Geral de Análise de Projetos do Ministério do Turismo julgado “oportuna a aprovação, considerando que os custos indicados no Projeto são condizentes com o praticado no mercado local, tendo por base as propostas anexadas ao sistema apresentadas e atestadas” (id 254758574, pág. 12/15).


Ainda que o Ministério do Turismo tenha reprovado a Prestação de Contas relativo ao Convênio n. 704.495/2009, quanto à execução financeira, por não ter sido apresentada carta de exclusividade dos artistas na forma exigida, é certo que o evento foi realizado, com a apresentação dos artistas contratados, consoante Nota Técnica n° 1067/2010/CEAPC.

 

Conforme relatório de supervisão "in loco" n. 157/2009 elaborado pela agente administrativa do Ministério do Turismo, Sra. Deusdetre Rodrigues de Souza Rolim, “houve a efetiva execução do Convênio n.° 704495/2009, de acordo com o Plano de Trabalho apresentado” (id 254758574, pág. 65/69).

Não obstante eventual irregularidade no âmbito administrativo, em virtude da reprovação das contas quanto aos aspectos financeiros, descabida a responsabilização no âmbito penal, considerada a ausência de comprovação do efetivo prejuízo ao erário em decorrência da supressão da licitação.

Por restas razões, de rigor a absolvição do réu.

 

Dispositivo

Diante do exposto, dou provimento à apelação para absolver o réu GILBERTO DE GRANDE da imputada prática do crime do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

 

PENAL. PROCESSO PENAL. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. LEI N. 8.666/93, ART. 89, CAPUT. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUIZO. PRECEDENTES DO STJ E DO TRF3. APELAÇÃO PROVIDA. RÉU ABSOLVIDO.

1. Apelação interposta pela defesa contra sentença que condenou o réu pela prática crime do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, por ter inexigido licitação fora das hipóteses previstas em lei quando da contratação das bandas "Tradição" e "Santa Esmeralda", bem como das duplas "Ataíde e Alexandre" e "Milionário e José Rico", na ocasião da "29ª Festa do Peão de Boiadeiro".

2. A Lei n. 14.133/2021 revogou expressamente os artigos 89 a 108, todos da Lei n. 8.666/93, com efeitos a partir da publicação da referida lei, nos termos do artigo 193, I, da Lei n. 14.133/2021. Todavia, consoante jurisprudência do STJ, “não há se falar em abolitio criminis com relação aos crimes da Lei n. 8.666/1993, porquanto houve a continuidade típico-normativa, por meio da inserção do Capítulo II-B no Código Penal, intitulado ‘Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos’.” (AgRg no AREsp n. 2.073.726/PA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 27/6/2022.). (AgRg no REsp n. 1.996.050/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023.).

3. O art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93 previa três figuras típicas: na primeira parte, a dispensa de licitação e a inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei, e na segunda parte, o descumprimento das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. A conduta de “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei” continua normatizada no novo tipo penal introduzido no artigo 337-E, do Código Penal, que criminaliza a conduta de “contratação direta fora das hipóteses previstas em lei”. Dessa forma, embora o crime do art. 89 da Lei n. 8.666/93 tenha sido revogado, não há que se falar em abolitio criminis, pois a conduta encontra correspondência no novel artigo 337-E do Código Penal, considerado o princípio da continuidade típico-normativa.

4. A conduta de descumprimento das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, prevista na segunda parte do art. 89 da Lei n. 8.666/93, não é mais tipificada como crime, ocorrendo abolitio criminis.

5. A conduta prevista no parágrafo único do art. 89 da Lei n. 8.666/93, do particular que concorre para o crime de dispensa/inexigibilidade de licitação praticado pelo funcionário público, permanece típica, configurando o crime do art. 337-E do Código Penal, na forma do art. 29 do Código Penal, que dispõe expressamente que: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.  

6. Consoante entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça, para a configuração do crime do art. 89 da Lei n. 8.666/93, é necessária a presença cumulativa do dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração da efetiva ocorrência de prejuízo à Administração Pública, sob pena de a conduta ser considerada atípica. Precedentes da 2ª Turma do STF e desta Corte Regional.

7. No caso em tela, não há prova do efetivo prejuízo à Administração Pública. Não restou apontado na denúncia nem demonstrado na instrução criminal que os valores despendidos para contratação dos artistas eram superiores ao do mercado artístico, ou ainda que esses mesmos artistas tenham recebido valores inferiores por apresentação em eventos diversos.

8. Ainda que o Ministério do Turismo tenha reprovado a Prestação de Contas quanto à execução financeira, por não ter sido apresentada carta de exclusividade dos artistas na forma exigida, é certo que o evento foi realizado, com a apresentação dos artistas contratados.

9. Não obstante eventual irregularidade no âmbito administrativo, em virtude da reprovação das contas quanto aos aspectos financeiros, descabida a responsabilização no âmbito penal, considerada a ausência de comprovação do efetivo prejuízo ao erário em decorrência da supressão da licitação.

10. Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação para absolver o réu GILBERTO DE GRANDE da imputada prática do crime do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.