Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007368-02.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

AGRAVADO: MARCELO CHIRICO FERREIRA

Advogado do(a) AGRAVADO: EVARISTO KUHNEN - SC5431

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007368-02.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

AGRAVADO: MARCELO CHIRICO FERREIRA

Advogado do(a) AGRAVADO: EVARISTO KUHNEN - SC5431

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA: Cuida-se de Agravo em Execução Penal interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de Campinas-SP que, em sede de execução de acordo de não persecução penal – ANPP, indeferiu pedido ministerial de destinação dos valores pagos pelo acusado a título de prestação pecuniária penal ao Hospital Estadual de Sumaré e determinou a conversão dos valores em favor da União.

Sustenta, em síntese, que o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal em sede de liminar na ADPF nº 569, cujos fundamentos foram adotados pelo Juízo a quo, não teria aplicação à presente hipótese, uma vez que a decisão da Suprema Corte versaria sobre a destinação de recursos nas hipóteses do artigo 91 do Código Penal, do inciso IV do artigo 4º da Lei 12.850/2013 e do inciso I do artigo 7º da Lei nº 9.613/98, não alcançando os valores decorrentes de prestações pecuniárias firmadas em sede de ANPP.

Sem contrarrazões e mantida a decisão recorrida pelo Juízo a quo, subiram os autos a este Tribunal.

Pelo parecer Id 262505610, o órgão ministerial opinou pelo provimento do recurso.

Distribuído o recurso inicialmente à relatoria do e. Desembargador Federal Nino Toldo, foi determinado o seu processamento sem as contrarrazões, uma vez que a discussão aqui travada não atinge a esfera jurídica do acusado (Id 263956394).

Aos 06.03.2023, foram os autos redistribuídos a este Gabinete em razão da sua instalação.

É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL (413) Nº 5007368-02.2022.4.03.6105

RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA

AGRAVANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

AGRAVADO: MARCELO CHIRICO FERREIRA

Advogado do(a) AGRAVADO: EVARISTO KUHNEN - SC5431

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

 

V O T O

 

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA: A decisão impugnada pelo presente agravo em execução encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

Decido.

Em que pese a argumentação ministerial, o entendimento deste Juízo diverge ao entender que a decisão proferida na ADPF 569/DF abarca não só as hipóteses elencadas pelo parquet, mas também aqueles recursos advindos de ANPP, na medida em que afirma : [1]

(...) “Assim, as receitas oriundas de acordos de natureza penal, como toda e qualquer receita pública, devem, ao ingressar nos cofres públicos da União, ter a sua destinação a uma específica ação governamental definida por lei orçamentária editada pelo Congresso Nacional, em conformidade com os princípios da unidade e da universalidade orçamentárias (arts. 165 e 167 da CF)”.

(...)

Diante de todo o exposto, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR postulada na presente ADPF, ad referendum do Plenário, para, com base no art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999, DETERMINAR que os valores ou bens provenientes dos efeitos da condenação criminal observem os estritos ou de acordos termos do art. 91 do Código Penal, do inciso IV do art. 4º da Lei 12850/13 e do inciso I do art. 7º da Lei 9613/98; CABENDO À UNIÃO a destinação de valores referentes a restituições, multas e sanções análogas decorrentes de condenações criminais, colaborações premiadas ou outros acordos realizados, desde que não haja vinculação legal expressa e ressalvado o direito de demais entidades lesadas; VEDANDO-SE que seus montantes sejam distribuídos de maneira vinculada, estabelecida ou determinada pelo Ministério Público, por termos de acordo firmado entre este e o responsável pagador, ou por determinação do órgão jurisdicional em que tramitam esses procedimentos.”(grifo nosso).

Deste modo, indefiro o pedido ministerial para determinar a destinação dos valores de prestação pecuniária correspondentes à clausula quarta, aos cofres da União[2].

Quanto aos valores correspondentes à reparação do dano, considerando que integralmente adimplidos (cláusula terceira – II), informe o órgão ministerial o código de destinação.

Aguarde-se o cumprimento da última condição firmada em acordo.

Intime-se.

Não havendo recurso, cumpra-se.

Vê-se que a decisão adotou como fundamento o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal na decisão liminar proferida na ADPF nº 569/DF.

Contudo, o próprio Supremo Tribunal Federal, apreciando embargos de declarações opostos em face de referida decisão liminar, conforme mencionado pelo órgão ministerial em seu parecer, expressamente consignou que o quanto ali decidido não se aplicaria às destinações das prestações pecuniárias firmadas em sede de ANPP, in verbis:

(...)

De outro lado, a hipótese do art. 28-A, inciso IV, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019 – ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – prevê a possibilidade de que seja adotada como condição para a efetivação do acordo a obrigação de “pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito”.

Expressa e especifica e diferentemente da previsão do §1º do artigo 45 do Código Penal, a norma estabelecida no artigo 28-A, inciso IV, do Código de Processo Penal autoriza que o magistrado indique a prestação pecuniária a determinada entidade pública ou de interesse social.

No art. 45, § 1º, do CP, por determinação legal, incumbe ao órgão jurisdicional apenas a fixação da importância a ser paga a título de prestação pecuniária. O art. 28-A, IV, CPP, por outro lado, faculta ao magistrado a indicação da entidade destinatária dos recursos apurados, razão pela qual a aplicação desse dispositivo não está alcançada pela medida cautelar concedida nos autos da presente ADPF.

Nesse contexto, os fundamentos lançados pelo Juízo a quo em sua decisão não prosperam.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, que impugnavam diversos dispositivos do Pacote Anticrime, acerca do ANPP, assentou a constitucionalidade do inc. IV, do Art. 28-A do CPP:

VIII – ARTIGO 28-A. INCISOS III E IV E PARÁGRAFOS 5º, 6º E 8º. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. SUBMISSÃO AO CONTROLE JUDICIAL ACERCA DA LEGALIDADE E VOLUNTARIEDADE DO ACORDO. AUTONOMIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DA IMPARCIALIDADE OBJETIVA DO MAGISTRADO. INOCORRÊNCIA. NORMAS DECLARADAS MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS.

(a) Os dispositivos pertinentes à regulação do novel instituto do Acordo de Não Persecução Penal, inserido no artigo 28-A e parágrafos do Código de Processo Penal, pela Lei 13.964/2019, foram impugnados pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), ao fundamento de que “a escolha do legislador de conferir ao magistrado esse papel de controlador do acordo de não persecução penal, da forma como foi posta, é medida flagrantemente inconstitucional, por violar o sistema acusatório, a autonomia do membro do Ministério Público e a imparcialidade objetiva do magistrado”.

(b) O Acordo de Não Persecução Penal possibilita a solução negocial do litígio de natureza penal, mediante confissão circunstanciada dos fatos criminosos praticados pelo investigado, respeitadas as condições e requisitos legais estabelecidos na lei.

(c) O legislador previu modalidades de controle judicial sobre o Acordo firmado entre o Ministério Público e o investigado, quais sejam: (1) artigo 28-A, incisos III (definição, pelo juízo da execução penal, do local de cumprimento da pena de prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas); (2) artigo 28-A, IV (definição pelo juízo da execução da entidade pública ou de interesse social a receber a prestação pecuniária imposta ao investigado); (3) artigo 28-A, § 5º (“Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor”); (4) artigo 28-A, § 6º (“Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.”); e (5) artigo 28-A, § 8º (“Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.”)

(d) As normas impugnadas revelam-se compatíveis, formal e materialmente, com a Constituição da República, porquanto, conforme assentado anteriormente, trata-se de medida que também prestigia o princípio da inafastabilidade da jurisdição e uma espécie de “freios e contrapesos” no processo penal (art. 28-A, § 5°). Constata-se que as alterações legislativas, ao delinearem o instituto da não-persecução penal, apenas positivaram o que já era consagrado pela jurisprudência do STF em relação ao acordo de colaboração premiada.

(e) Improcedente, portanto, o pleito de inconstitucionalidade no tocante ao artigo 28-A, incisos III e IV, e §§ 5º, 7º e 8º, do Código de Processo Penal, que devem ser declarados constitucionais.

Portanto, o STF reconheceu competir ao Juízo a destinação da prestação pecuniária recolhida em decorrência de ANPP.

Dessa forma, não há que se falar em vinculação do Juízo à indicação do Ministério Público quanto à destinação dos valores.

Há que se ressaltar, porém, que o inc. IV, do art. 28-A do CPP, ao contrário do art. 45, § 1º, do CP que determina a destinação dos valores de prestação pecuniária decorrentes de condenação criminal “à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social”, estabeleceu dentre os possíveis destinatários “entidade pública ou de interesse social... que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito”.

E na hipótese, a União, a quem o Juízo destinou os valores não se enquadra na qualificação de entidade pública ou de interesse social.

De todo o exposto, tem-se que a decisão recorrida merece reforma, não sendo, porém, o caso de acolhimento o pleito de imediata destinação à entidade indicada pelo órgão ministerial, uma vez que, conforme dito, competente ao Juízo a indicação da entidade, sendo possível, inclusive, ao seu critério, o acolhimento da indicação do órgão da acusação.

Dessa forma, dou parcial provimento ao recurso ministerial para afastando a fundamentação adotada na decisão recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que, nos termos do inc. IV, do art. 28-A do CPP, proceda a destinação dos valores recolhidos a título de prestação pecuniária “a entidade pública ou de interesse social”, sem prejuízo de eventual acolhimento da indicação ministerial.

É o voto.



E M E N T A

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. DESTINAÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA FIRMADA EM SEDE DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL – ANPP. ATRIBUIÇÃO DO JUÍZO. INC. IV DO ART. 28-A DO CPP, DECLARADO CONSTITUCIONAL PELO STF. NÃO INCIDÊNCIA DA DECISÃO LIMINAR PROFERIDA EM SEDE DE ADPDF.

1. Agravo em execução interposto em face de decisão que indeferiu o pedido ministerial de destinação de prestação pecuniária decorrente de ANPP ao Hospital Estadual de Sumaré.

2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando embargos de declarações opostos em face da decisão liminar proferida na ADPF 569, conforme mencionado pelo órgão ministerial em seu parecer, expressamente consignou que o quanto ali decidido não se aplicaria às destinações das prestações pecuniárias firmadas em sede de ANPP.

3. Por outro lado, Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADI’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, que impugnavam diversos dispositivos do Pacote Anticrime, acerca do ANPP, assentou a constitucionalidade do inc. IV, do Art. 28-A do CPP.

4. Portanto, o STF reconheceu competir ao Juízo a destinação da prestação pecuniária recolhida em decorrência de ANPP. Dessa forma, não há que se falar em vinculação do Juízo à indicação do Ministério Público quanto à destinação dos valores.

5. Há que se ressaltar, porém, que o inc. IV, do art. 28-A do CPP, ao contrário do art. 45, § 1º, do CP que determina a destinação dos valores de prestação pecuniária decorrentes de condenação criminal “à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social”, estabeleceu dentre os possíveis destinatários “entidade pública ou de interesse social... que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito”. E na hipótese, a União, a quem o Juízo destinou os valores não se enquadra na qualificação de entidade pública ou de interesse social.

6. A decisão recorrida merece reforma, não sendo, porém, o caso de acolhimento o pleito de imediata destinação à entidade indicada pelo órgão ministerial, uma vez que, conforme dito, competente ao Juízo a indicação da entidade, sendo possível, inclusive, ao seu critério, o acolhimento da indicação do órgão da acusação.

7. Agravo em execução parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ministerial para afastando a fundamentação adotada na decisão recorrida, determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que, nos termos do inc. IV, do art. 28-A do CPP, proceder a destinação dos valores recolhidos a título de prestação pecuniária a entidade pública ou de interesse social, sem prejuízo de eventual acolhimento da indicação ministerial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.