RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001270-73.2023.4.03.6005
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO: ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA
Advogados do(a) RECORRIDO: BELCHIOR GUIMARAES ALVES FILHO - DF45095-A, LUIZ EDUARDO RUAS BARCELLOS DO MONTE - DF41950-A, RAFAEL PINA VON ADAMEK - DF62524-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001270-73.2023.4.03.6005 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL RECORRIDO: ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA Advogados do(a) RECORRIDO: BELCHIOR GUIMARAES ALVES FILHO - DF45095-A, LUIZ EDUARDO RUAS BARCELLOS DO MONTE - DF41950-A, RAFAEL PINA VON ADAMEK - DF62524-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com fundamento no art. 581, V do CPP, contra a decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, que revogou a prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA nos autos nº 0000080-05.2019.4.03.6005. Consta que o IPL 254/2016 foi inicialmente instaurado para apurar esquema de corrupção envolvendo rota de contrabando de cigarros iniciada na região de Bela Vista/MS, com passagem pelo posto da PRF de Guia Lopes da Laguna/MS e Campo Grande/MS. Foi identificada a existência de uma organização criminosa supostamente liderada por Ângelo Guimarães Ballerini (vulgo Alemão), Carlos Alexandre Goveia (vulgo Kandu), Valdenir Pereira dos Santos (vulgo Perna) e Fábio Costa (vulgo Pingo), que teria criado “corredores logísticos de passagem” em rotas por ele delimitadas nas rodovias do Estado do Mato Grosso do Sul, com a finalidade de assegurar a passagem de cargas de cigarros contrabandeados, contando com uma complexa estrutura. A “Operação Nepsis” foi deflagrada em 22/09/2018, com a expedição de mandados de prisão preventiva e mandados de busca e apreensão em diversos endereços relacionados aos alvos da investigação. O mandado de prisão preventiva em face de ALCIDES foi expedido em julho/2018. O Ministério Público Federal, com fundamento no Inquérito Policial nº 0254/2016/DPF/PPA-MS, autuado sob nº 0002485-19.2016.403.6005, ofereceu denúncias em desfavor dos supostos integrantes da organização criminosa. Os investigados não encontrados à época foram denunciados nos autos nº 0000080-05.2019.4.03.6005, entre eles o recorrido ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA. A denúncia foi recebida em 01/02/2019. ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA (CAPIM/KAPI) foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos no artigo 2º, c/c § 4º, incisos II, IV e V, todos da Lei nº 12.850/2013 (organização criminosa); art. 334-A do Código Penal (contrabando); art. 180 do Código Penal (receptação) e art. 70 da Lei nº 4.117/62 (crime contra as telecomunicações). O mandado de prisão preventiva não foi cumprido e, em 31/03/2023, o Juízo de origem revogou a prisão preventiva do recorrido. Em face dessa decisão, insurge-se o Ministério Público Federal. O Parquet Federal alega que “ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA não faz jus à liberdade provisória, diante de sua periculosidade, visto que faz do crime seu meio de vida. Outrossim, não existem elementos novos nos autos capazes de elidir os fundamentos da decisão que decretou prisão a preventiva. Ao revés, o risco à ordem pública e à aplicação da lei penal ficam evidentes, afinal, o recorrido permanece foragido, escondendo-se no Paraguai, desde a publicação de seu édito prisional, além do que, confessadamente, continua trabalhando com cigarros no Paraguai”. Argumenta que o recorrido ALCIDES teria se associado aos patrões da organização criminosa para a estruturação da base operacional de Pedro Juan Caballero e estabelecimento da “Rota Ponta Porã”, além de, supostamente, fornecer cigarros para a organização criminosa, ALCIDES também teria utilizado o corredor logístico para escoamento de cigarros de sua propriedade. O recorrente cita reportagens veiculadas na mídia paraguaia vinculando ALCIDES ao codinome “Kapi” e à distribuição de cigarros naquele país. O Ministério Público Federal também cita trechos de interceptações telefônicas, evidenciando o fumus comissi delicti. No tocante ao periculum libertatis, alega que há “evidente risco à aplicação da lei penal decorrente da impossibilidade de se encontrar o recorrente, quem, não há se olvidar, permanece foragido da Justiça, confessadamente em solo paraguaio”. Assevera que, diferentemente do entendimento adotado na decisão recorrida, os instrumentos de cooperação internacional não têm o condão de garantir a aplicação da lei penal. O Ministério Público Federal acrescenta que a liberdade do recorrido representa risco à ordem pública “na medida em que faz do crime seu meio de vida e, como tal, é necessária e justa a manutenção da prisão preventiva” e argumenta que, apesar da prisão dos líderes da organização criminosa, o recorrido ainda mantém estrutura apta a continuar contrabandeando cigarros para o Brasil. Discorre, ainda, sobre a insuficiência das medidas cautelares alternativas à prisão para garantir a ordem pública, evitar a reiteração delitiva e assegurar a aplicação da lei penal. Pede, ao final, a reforma da decisão recorrida para que seja restabelecido o decreto de prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA (ID 274980539). Em contrarrazões, a defesa de ALCIDES alega a impossibilidade de conhecimento do recurso por inobservância ao princípio da dialeticidade, uma vez que o MPF deixou de combater os fundamentos da decisão recorrida e apresentou o que a defesa denomina de “alegações finais”. Sustenta que o recorrente agiu com má-fé, ao tecer alegações que não condizem com a realidade processual. Aduz que: ALCIDES não é foragido, já que não possui mandado de prisão expedido contra si; ALCIDES “afirmou veementemente não ser mais proprietário da empresa LIZA S.A e que atualmente atua no ramo do agronegócio, especificamente no ramo pecuário”; o recorrido não mais faz parte do quadro societário da empresa LIZA S.A; a própria empresa LIZA S.A não mais atua no ramo de comercialização de tabaco e cigarros; ALCIDES nunca esteve foragido, pois é cidadão paraguaio residente naquele país; aponta ilegalidade do mandado de prisão com dados incorretos no tocante à data de nascimento, CPF e nome da mãe; inexistência de periculum libertatis por ausência de contemporaneidade dos fatos e em razão da desestruturação da organização criminosa; em caso de condenação, a Justiça Brasileira poderá se valer do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul, o que afasta a necessidade da prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal. Assim, a defesa requer o desprovimento do recurso em sentido estrito (ID 285240416 – autos 0000080-05.2019.403.6005). Em sede de juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (ID 274980550). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do Recurso em Sentido Estrito (ID 276485282). É o relatório. Dispensada a revisão, na forma regimental.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001270-73.2023.4.03.6005 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL RECORRIDO: ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA Advogados do(a) RECORRIDO: BELCHIOR GUIMARAES ALVES FILHO - DF45095-A, LUIZ EDUARDO RUAS BARCELLOS DO MONTE - DF41950-A, RAFAEL PINA VON ADAMEK - DF62524-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal. O Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã decretou a prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA, ora recorrido, no bojo da operação policial denominada “NEPSIS”, que identificou a existência de uma organização criminosa supostamente liderada por Ângelo Guimarães Ballerini (vulgo Alemão), Carlos Alexandre Goveia (vulgo Kandu), Valdenir Pereira dos Santos (vulgo Perna) e Fábio Costa (vulgo Pingo), que teria criado “corredores logísticos de passagem” em rotas por ele delimitadas nas rodovias do Estado do Mato Grosso do Sul, com a finalidade de assegurar a passagem de cargas de cigarros contrabandeados, contando com uma complexa estrutura. A decretação da prisão preventiva baseou-se notadamente em elementos colhidos nas interceptações telefônicas autorizadas nos autos nº 0002486-04.2016.403.6005. ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA, também identificado como “Kapi” ou “Capim”, teria se associado aos líderes da organização criminosa exercendo o papel de fornecedor de cigarros e também teria utilizado o corredor logístico para escoamento de cigarros de sua propriedade. Especificamente em relação ao paciente ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA, a decisão foi assim fundamentada: “Descreve a autoridade policial que, no transcurso das investigações, fontes humanas apontavam que um sujeito conhecido por ‘Alcidinho’ integrava o esquema criminoso. Entretanto, destaca que a associação entre a alcunha e o investigado Alcides Ruben Frutos Arana somente foi possível após ação da polícia paraguaia em uma das bases operacionais da ORCRIM em Pedro Juan Caballero/PY. Naquela oportunidade, apurou-se que diversos caminhões que estavam estacionados na base operacional da ORCRIM pertenceriam à empresa LIZA S/A, de propriedade de ALCIDES FRUTOS e empregadora formal de Gideoni Ribeiro. Segundo consta, Alcides seria conhecido pela alcunha ‘Kapi’ em solo paraguaio, e passou a ser chamado de ‘CAPIM’ em suas relações negociais com o grupo criminoso investigado. Os indícios colhidos demonstram que, em tese, o investigado atua como fornecedor de cigarros à ORCRIM (fls. 137/140 da representação). [...] Conversas interceptadas revelaram, ainda, que o investigado provavelmente se utiliza da estrutura logística da organização para realizar suas vendas de cigarros. É o que se pode extrair dos diálogos envolvendo ‘melancia’ e ‘quati’; Ergino Chavier ‘Elefante’ e Vanderson ‘Vandeco’; e André Luiz Casalli ‘Gambá’ e outro gerente apontado como sendo possivelmente Aparecido Mendes ‘Meio Quilo’ (fl. 148 da representação). Tais subsídios configuram suficiente prova de materialidade e indícios de autoria delitiva. Por sua vez, os crimes imputados ao alvo (organização criminosa e contrabando) detém pena máxima superior a 4 anos, o que atende ao requisito do art. 313, I do CPP. Quanto ao periculum libertatis, a prisão preventiva se faz necessária para a garantia da ordem pública, ante o risco de reiteração criminosa, considerando que o investigado supostamente integra organização criminosa especializada no contrabando de cigarros, atuante até os dias de hoje. Logo, a medida restritiva é imprescindível para cessar a prática criminosa. Os crimes, ainda, possuem gravidade em concreto, dado os indicativos de que a organização criminosa é dotada de armamentos de grosso calibre; quantidade variada de membros com funções específicas e pré-determinadas, rotas diversificadas para escoamento de contrabando e rede extensa de ‘garantidores’. O encarceramento provisório também é essencial por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal, haja vista que a organização criminosa possui atuação e base operacional no Paraguai, o que pode ser um facilitador para fuga àquele país. Diante das circunstâncias específicas do caso concreto, as medidas cautelares diversas da prisão não se revelam adequadas, pois não conseguirão garantir, a contento, a cessação das ações criminosas nem impedir eventual atuação do investigado para embaraçar a continuidade das investigações”. A defesa apresentou, em diversas oportunidades, pedidos de revogação da prisão preventiva. Em 16/09/2022, o Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã indeferiu o pleito de revogação da custódia pelos seguintes fundamentos (autos nº 5001959-54.2022.403.6005): “Primeiramente, deixo de conhecer as considerações acerca da incidência ou não da jurisdição brasileira sobre o caso, já que não é tema a ser debatido no bojo de um incidente processual. De outro lado, tenho que permanecem incólumes os motivos ensejadores de sua prisão preventiva. Existem fortes indícios dos crimes de contrabando e organização criminosa com indícios suficientes de autoria de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA. Existem elementos apontando ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA como sendo financiador da Organização Criminosa, cliente do corredor logístico de passagem e fornecedor de cigarros, integrando, em tese, a Organização Criminosa chefiada por ANGELO GUIMARAES BALLERINI (ALEMAO), VALDENIR PEREIRA DOS SANTOS (PERNA/FOFAO), CARLOS ALEXANDRE GOUVEIA (KANDU/ZOIO) e FABIO COSTA (PINGO/JAPONES). ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA seria o dono da Liza S.A., empresa paraguaia distribuidora de cigarros e utilizador do corredor logístico de passagem na região fronteiriça para a remessa de suas cargas para o território brasileiro. Não há provas plenas juntadas pelo ora requerente que afastem esse contexto de plano, o que obriga o indeferimento do pedido. A alegação de endereço fixo não procede, já que o mandado de prisão não foi cumprido, desde 2018, apesar do acionamento dos órgãos estatais competentes para tanto. Acerca dos corréus já postos em liberdade, a alegação é genérica. Nada obstante isso, rememoro que os que foram soltos não estavam no mesmo grau de hierarquia, dentro da suposta ORCRIM, que o ora requerente. No que tange à invocação do desejo de colaborar, tal situação causa estranheza e não pode ser aferida de plano pelas provas juntadas, considerando que o réu se mantém foragido há anos. No pertinente as considerações sobre a ação penal (procedência ou não do mérito), dizem respeito somente a esta, não sendo objeto do presente pedido de liberdade provisória o mérito da ação penal. A alegação de primariedade e bons antecedentes não conseguem afastar o risco de reiteração criminosa e sobre a instrução penal e sobre a aplicação da lei penal, não impondo os dados subjetivos favoráveis a soltura automática do ora requerente. Nesse sentido: TRF 3ª Região, 5ª Turma, HCCrim - HABEAS CORPUS CRIMINAL - 5017489-71.2022.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS, julgado em 26/08/2022, Intimação via sistema DATA: 29/08/2022). Quanto à sustentação de que os pressupostos da prisão preventiva não estão presentes, reputo que a decisão que decretou a prisão está amparada por indícios de autoria e materialidade, corroborada aquela pelo recebimento da denúncia. Maiores digressões acerca da existência ou não de ORCRIM dizem respeito ao mérito da ação penal. Além disso, se a ordem de prisão pende há 4 anos é porque o ora peticionante vem se ocultando de seu cumprimento. Justamente por todas as ponderações, até agora redigidas, decorre a necessidade da manutenção da preventiva”. O último habeas corpus impetrado pela defesa de ALCIDES perante esta E. Décima Primeira Turma foi assim denegado (HC 5025997-06.2022.4.03.0000 julgado em 27/10/2022): HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO NEPSIS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONTRABANDO DE CIGARROS. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PACIENTE RESIDENTE NO PARAGUAI. MANDADO DE PRISÃO PENDENTE DE CUMPRIMENTO. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONTEMPORANEIDADE DOS FATOS ENSEJADORES DA MEDIDA. ORDEM DENEGADA. O Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã decretou a prisão preventiva do paciente no bojo da operação policial denominada “NEPSIS”, que identificou a existência de uma organização criminosa supostamente liderada por quatro indivíduos e composta por diversos integrantes, que teria criado “corredores logísticos de passagem” em rotas por ele delimitadas nas rodovias do Estado do Mato Grosso do Sul, com a finalidade de assegurar a passagem de cargas de cigarros contrabandeados, contando com uma complexa estrutura. Nos habeas corpus anteriormente impetrados pelo paciente esta E. Décima Primeira Turma decidiu que estão presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, ou seja, a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria, que decorrem de interceptações telefônicas de integrantes do grupo criminoso, planilhas financeiras contendo o nome do paciente e a utilização da empresa a ele pertencente em favor da organização. Esses elementos evidenciam a participação do paciente como fornecedor de cigarros para a organização criminosa investigada. A manutenção da prisão preventiva depende da permanência das razões de fato e de direito que ensejaram a decretação da medida, uma vez que a decisão está sujeira à cláusula rebus sic stantibus. O tempo decorrido desde a decretação da prisão preventiva, por si só, não configura fato novo capaz de que justificar a modificação da decisão que decretou a medida cautelar. Na presente hipótese, permanecem hígidos os fundamentos que embasaram a decretação da prisão cautelar, sobretudo diante da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal e garantir a ordem pública, o que evidencia a contemporaneidade da custódia. Ordem denegada. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HC Crim - HABEAS CORPUS CRIMINAL - 5025997-06.2022.4.03.0000). Finda a instrução criminal, em 31/03/2023, o Juízo de origem acolheu o pedido da defesa e revogou a prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA. Eis a decisão recorrida: “Passo ao exame do pedido de revogação da preventiva. A defesa, em suma, requereu a revogação da prisão preventiva decretada ao fundamento: de que a instrução resta finda; de que o mandado data de 2017; que a questão sobre a chácara paraguaia resta resolvida; que o crime imputado foi praticado sem violência; que o réu compromete-se ao comparecimento periódico em juízo; que o réu não pode ser punido por estratégias de defesa; e que é possível a extradição de nacionais paraguaios, o que permitiria o cumprimento de eventual pena. O MPF entendeu pelo indeferimento do pleito, sustentando: que o réu é processado por fazer parte de ORCRIM voltada ao contrabando de cigarros, do que decorre risco de reiteração delitiva e, portanto, risco à ordem pública; que o mandado de prisão pende sem cumprimento há 6 anos, por conduta do réu - foragido da Justiça Brasileira; e que, mesmo sendo possível eventual extradição, o fato do mandado de prisão estar inserido junto à INTERPOL e sem cumprimento há anos, demonstra a ineficiência dos órgãos paraguaios competentes em dar cumprimento a tal tipo de pedido, o que poderia ser repetido, em caso de eventual condenação e pedido de extradição, havendo, portanto, real risco à aplicação da lei penal. Razão à defesa. Efetivamente, a instrução resta finda, não havendo mais que se falar em risco para ela. Além disso, como visto, o réu compareceu à fase instrutória. Sob o aspecto da suposta ORCRIM, o réu seria o remanescente dentre os envolvidos e o único não sentenciado, considerando que a Operação Nepsis teve diversos processos instaurados. Nessa linha, ao que parece, a eventual ORCRIM resta desestruturada, com vários de seus agentes condenados e até presos. Disso concluo não haver risco real de reiteração criminosa. Quanto à aplicação da lei penal, efetivamente, em caso de condenação e trânsito em julgado, poderá o Estado brasileiro solicitar à República Paraguaia a extradição do ora réu, havendo mecanismos legais para tanto. Em que pese o mandado do réu não ter sido cumprido, em solo paraguaio, até o momento, os pedidos de extradição tramitam entre órgãos diferentes e, em geral, tem andamento, já tendo o Brasil conseguido, notoriamente, repatriar vários condenados pela lei brasileira, vários deles vindos do Paraguai. Desta forma, a aplicação da lei penal resta suficientemente resguardada. Assim, na forma da fundamentação: DEFIRO o pedido de acesso à íntegra da interceptação; INDEFIRO os pedidos de obtenção dos hashes, via Apple e Google, e dos id’s utilizados pela Polícia Federal; NÃO CONHEÇO do pedido de acesso ao material colhido na quebra de sigilo telemático; e REVOGO À ORDEM de prisão e determino a expedição de CONTRAMANDADO DE PRISÃO em favor de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA”. A decisão recorrida amparou-se em três pilares para revogar a decretação da prisão preventiva: encerramento da instrução criminal; ausência de risco de reiteração delitiva em razão da desestruturação da organização criminosa, uma vez que vários integrantes já foram condenados e alguns encontram-se presos; ausência de risco à aplicação da lei penal, pois, em caso de condenação, existe a possibilidade de solicitação de extradição à República do Paraguai. Em seu recurso, o Ministério Público Federal reafirma a presença do fumus comissi delicti, consistente em prova da materialidade e indícios de autoria, e, no que se refere ao periculum libertatis, alega que a liberdade do recorrido representa risco à ordem pública e à aplicação da lei penal. Antes de apreciar o mérito recursal, afasto alegação de violação ao princípio da dialeticidade, como sustentou a defesa sede de contrarrazões. O Parquet Federal impugnou os fundamentos da decisão recorrida e também discorreu sobre a suposta participação do réu na organização criminosa com o fim de contextualizar a necessidade da prisão preventiva. Pois bem. No julgamento dos habeas corpus nº 5031526-45.2018.4.03.0000, nº 5019326-35.2020.4.03.0000, nº 5012105-64.2021.4.03.0000 e nº 5025997-06.2022.4.03.0000, esta Turma Julgadora decidiu que estão presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva, ou seja, a prova da materialidade e os indícios suficientes de autoria, que decorrem de interceptações telefônicas de integrantes do grupo criminoso, planilhas financeiras contendo o nome do recorrido e a utilização da empresa Liza em favor da organização. Esses elementos evidenciam a participação de ALCIDES como fornecedor de cigarros para a organização criminosa investigada. Quanto ao periculum libertatis, compartilho do entendimento adotado pelo magistrado, no sentido de que, na atual fase processual, a prisão preventiva não mais se revela necessária para conveniência da instrução criminal. Consta que o feito se encontra na fase do art. 402 do CPP, prestes a ser sentenciado. Considerando a postura colaborativa do réu durante a instrução criminal, que inclusive foi interrogado por videoconferência, e o encerramento da instrução criminal com a colheita das provas, revela-se acertada a decisão de primeiro grau que revogou a custódia preventiva. Além disso, o longo período decorrido desde a decretação da prisão preventiva e a inexistência de elementos indicativos de que ALCIDES permanece na prática delitiva reforçam a desnecessidade da prisão preventiva nesse momento processual, por ausência de contemporaneidade da medida. Importante salientar que os líderes da organização criminosa e diversos integrantes foram presos e condenados, de modo que não subsiste o risco de reiteração delitiva, à míngua de elementos concretos nesse sentido. Portanto, apesar da dimensão da organização criminosa, do longo tempo de duração das atividades ilícitas, do número de integrantes envolvidos, das cifras milionárias movimentadas e da quantidade de carregamentos de cigarros no período investigado, entendo que a prisão preventiva não mais se justifica para garantia da ordem pública considerando o suposto papel desempenhado pelo recorrido na organização criminosa. ALCIDES não foi apontado como líder da organização criminosa, tampouco como integrante de posto gerencial. Os elementos coletados indicam sua participação como fornecedor de cigarros paraguaios para o grupo criminoso. Nessa esteira, a despeito da relevância de ALCIDES no esquema criminoso, já que a atividade principal da ORCRIM era o transporte de cigarros paraguaios, ALCIDES não exerceu função de controle, não se verificando, portanto, risco concreto de que o recorrido promova à reestruturação da organização criminosa. Assim, diante do atual cenário, concluo que a liberdade do recorrido não representa risco à ordem pública. Prosseguindo, o Juízo a quo entendeu que, em caso de condenação, não há risco à aplicação da lei penal diante da possibilidade de solicitação de extradição ao Paraguai com base em Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul, do qual Brasil e Paraguai são signatários. Desse modo, deve ser mantida a decisão recorrida, por não restar demonstrada a necessidade da prisão preventiva à luz do atual estágio processual. Ante o exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito. É o voto.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 5001270-73.2023.4.03.6005
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
RECORRIDO: ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA
Advogados do(a) RECORRIDO: BELCHIOR GUIMARAES ALVES FILHO - DF45095-A, LUIZ EDUARDO RUAS BARCELLOS DO MONTE - DF41950-A, RAFAEL PINA VON ADAMEK - DF62524-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O V I S T A
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo Ministério Público Federal, nos autos n.º 0000080-05.2019.403.6005, com supedâneo no artigo 581, inciso V, do Código de Processo Penal, contra a decisão proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara de Ponta Porã/MS, que revogou a prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA.
Na sessão realizada em 07.12.2023, o e. Relator proferiu voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito.
Pedi vista dos autos para melhor aquilatar os fatos tratados no presente recurso.
Passo ao voto.
Após proceder à detida análise dos elementos trazidos nos presentes autos, chego à mesma conclusão externada pelo e. Relator.
Ante o exposto, voto no sentido de acompanhar integralmente o e. Relator.
É o voto.
E M E N T A
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, V, CPP. NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. OPERAÇÃO NEPSIS. RECURSO PROVIDO.
O Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã decretou a prisão preventiva de ALCIDES RUBEN FRUTOS ARANA, ora recorrido, no bojo da operação policial denominada “NEPSIS”, que identificou a existência de uma organização criminosa supostamente liderada por Ângelo Guimarães Ballerini (vulgo Alemão), Carlos Alexandre Goveia (vulgo Kandu), Valdenir Pereira dos Santos (vulgo Perna) e Fábio Costa (vulgo Pingo), que teria criado “corredores logísticos de passagem” em rotas por ele delimitadas nas rodovias do Estado do Mato Grosso do Sul, com a finalidade de assegurar a passagem de cargas de cigarros contrabandeados, contando com uma complexa estrutura.
ALCIDES, também identificado como “Kapi” ou “Capim”, teria se associado aos líderes da organização criminosa exercendo o papel de fornecedor de cigarros e também teria utilizado o corredor logístico para escoamento de cigarros de sua propriedade.
Finda a instrução criminal, em 31/03/2023, o Juízo de origem acolheu o pedido da defesa e revogou a prisão preventiva do recorrido. Contra essa decisão, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito com fundamento no art. 581, V do CPP.
Na atual fase processual, a prisão preventiva não mais se revela necessária para conveniência da instrução criminal. Consta que o feito se encontra na fase do art. 402 do CPP, prestes a ser sentenciado.
O longo período decorrido desde a decretação da prisão preventiva e a inexistência de elementos indicativos de que o recorrido permanece na prática delitiva reforçam a desnecessidade da prisão preventiva nesse momento processual, por ausência de contemporaneidade da medida.
Recurso desprovido.