Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000233-72.2018.4.03.6106

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: PRADO INDUSTRIA E COMERCIO DE ARTEFATOS DE COURO EIRELI - EPP

Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE FERNANDO DE MELLO - SP288261-A, ROBERTA FRANCA PORTO - SP249475-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL DA FAZENDA NACIONAL DA 3ª REGIÃO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000233-72.2018.4.03.6106

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: PRADO INDUSTRIA E COMERCIO DE ARTEFATOS DE COURO EIRELI - EPP

Advogados do(a) APELANTE: HENRIQUE FERNANDO DE MELLO - SP288261-A, ROBERTA FRANCA PORTO - SP249475-A

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R E L A T Ó R I O

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por PRADO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE COURO EIRELI em face da UNIÃO FEDERAL objetivando a anulação de crédito tributário constituído por meio do Procedimento Administrativo nº 16004.720537/2012-31 (CDA’s nºs 80614111200-05, 80614111201-88, 80714025091-13 e 80214068108-30), ao argumento de nulidades no procedimento de fiscalização, bem como vícios nos autos de infração deles derivados.

A r. sentença (fls. 221/266, ID 2022773) julgou o pedido inicial improcedente e condenou a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da causa atualizado.

A parte autora interpôs apelação (fls. 3/28, ID 2022791), na qual pugna pela reforma da r. sentença. Aponta nulidade dos autos de infração, na medida que lavrados “(i) sem a prévia instauração de um procedimento administrativo válido e, ainda, (ii) de maneira irregular, já que a expedição de Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF) se deu sem que, antes, fosse expedido o necessário relatório circunstanciado pela Auditor-Fiscal responsável pela fiscalização com a demonstração de motivação do pedido de expedição das RMF, em afronta ao disposto no artigo 6° da Lei Complementar nº 105 de 2001, artigo 4° do Decreto nº 3.724 de 2001 e artigo 5° da Portaria SRF nº180 de 2001 (dispositivos vigentes à época)”.

Aduz que, “ao contrário das conclusões da sentença, o acesso aos seus dados bancários contraria o princípio da legalidade e, também, o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 601.314/SP (Tema 225), julgado no regime de repercussão geral, onde se decidiu que a transferência de sigilo de dados dos contribuintes somente pode se dar com a prévia existência de procedimento de fiscalização válido e regular em curso”.

Defende a irregularidade da autuação, dado que o acesso aos dados bancários ocorreu antes da instauração de procedimento administrativo. No ponto, aduz que a intimação para prestação de informações ocorreu após verificação, pelo Fisco, dos dados bancários sigilosos. Conclui que “a expedição das duas RMF em 29 de junho de 2012, apenas se deu como uma forma de garantir aparência de legalidade ao procedimento”.

Sustenta que a conclusão administrativa pela omissão de receitas “por negativa não justificada de fornecimento de informações financeiras” não corresponderia à realidade. Em verdade, o contribuinte não poderia apresentar informações acerca do repasse de valores em cartão de crédito em atenção ao sigilo bancário. Por decorrência, seria indevida a aplicação de multa na forma do artigo 33 da Lei Federal nº. 9.430/96.

Aponta nulidade no processamento administrativo, consideradas as sucessivas prorrogações de prazo de investigação, sem fundamentação idônea. Anota que as prorrogações não seguiram os formulários padronizados nem teriam sido assinadas pelas autoridades competentes.

Frisa que o mandado fiscal foi emitido para verificação do IRPJ da empresa porém, a final, a autuação abrangeu também a CSL, PIS e COFINS. Aponta nulidade na ampliação da fiscalização para tributos reflexos na forma da Portaria RFB 3.014/2011.

Afirma que os autos de infração foram lavrados em 01/11/2012 porém o protocolo do processo administrativo é 16/10/2012 e o protocolo da representação para fins penais ocorreu em 24/09/2012. Conclui que “os Autos de Infração são nulos, uma vez que nesse mesmo dia (24.09.12) o contribuinte recebeu Intimação com prazo de 20 (vinte) dias para resposta, o que impossibilitava o nobre Auditor-Fiscal de considerar, naquela mesma data, existente qualquer infração à legislação tributária”.

Anota que a autuação se baseia em presunção de omissão de receitas, porque o contribuinte não teria apresentado documentação acerca da origem dos valores. Contudo, entende que “compete ao Fisco a produção de provas que respaldem suas acusações de omissão total de receitas, principalmente quando existem provas apresentadas pelo contribuinte no sentido de que há receitas declaradas”. Aduz que a “Recorrente não foi intimada para simplesmente explicar a composição das receitas declaradas, mas, sim, para produzir planilhas a serem apresentadas em meio magnético especificamente exigido pela fiscalização. Ou seja, houve uma imposição para que fossem produzidos documentos e não somente exibidos documentos, inclusive com ameaça de que, se assim a empresa não fizesse, a totalidade das receitas seriam consideradas omissas”.

Por fim, defende o descabimento da multa qualificada, dado que a apelante não é devedora contumaz e, ainda, que o dolo não se presume. A divergência de informações não seria suficiente para provar o intuito de fraudar, necessário para a aplicação da multa. Subsidiariamente, pugna pela redução da multa ao patamar de 75%.

Com contrarrazões (fls. 32/62, ID 2022791).

Na virtualização, os autos físicos (Processo nº 0003646-86.2015.4.03.6106) foram autuados sob o nº 5000233-72.2018.4.03.6106 e, então, remetidos a esta Corte Regional.

É o relatório.

 

 

 

 


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V O T O

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

a) Sigilo bancário e fiscalização.

A proteção ao sigilo de informações, constante do texto constitucional (artigo 5º, inciso XII), foi objeto de sucessiva regulamentação normativa.

O que se verifica é uma evolução da regulamentação no sentido de acompanhar as novidades da praxe bancária, notadamente no campo da tecnologia. Tal circunstância já fora ponderada pelo legislador tributário, como se verifica do artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional, verbis:

Art. 144. (...).

§ 1º. Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

A questão, neste contexto, foi objeto de ponderação pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso repetitivo:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.

1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.

2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.

3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.

4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.

5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).

6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).

7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária."

8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).

9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.

10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).

11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.

12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).

13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.

14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.

15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001."

17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.

18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).

19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.

20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

(STJ, 1ª Seção, REsp 1134665/SP, j. 25/11/2009, DJe 18/12/2009, Rel. Min. LUIZ FUX).

O Supremo Tribunal Federal também se debruçou sobre o tema e declarou a constitucionalidade da análise administrativa de informações bancárias, em repercussão geral:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.

1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo.

2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.

3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.

4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.

5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional.

6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal".

7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN".

8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

(STF, Tribunal Pleno, RE 601314, j. 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016, Rel. Min. EDSON FACHIN).

No atual quadro normativo e jurisprudencial, admite-se o acesso a informações sigilosas do contribuinte para fins de fiscalização administrativa. Trata-se, em grande análise, do exercício do poder dever administrativo de investigação, constante do artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional.

Importante ponderar que é apenas a partir das informações bancárias (sigilosas) que surgem os primeiros indícios de prática irregular os quais, por sua vez, justificam a instauração de procedimento fiscal específico face o contribuinte. Tal cronologia consta do artigo 11 da Lei Federal nº. 9.311/96, verbis:

Art. 11. (...)

§ 3º. A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (Redação dada pela Lei nº 10.174, de 2001)

Em outras palavras: a prestação de informação sigilosa, pelas instituições financeiras, decorre de lei e independe de prévia instauração de procedimento fiscal. Após, com a identificação da irregularidade, dá-se a instauração do P.A.F. e a intimação do contribuinte para esclarecimentos.

A circunstância foi observada pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça conforme se verifica do seguinte trecho de julgado: “2. A Primeira Seção desta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que, a teor do art. 1º, § 3º, inciso VI, c/c o art. 5º, caput, da Lei Complementar n.º 105/2001, c.c. art. 11, §§ 2.º e 3.º, da Lei 9.311/1996, é lícito que o Fisco receba informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações. As referidas regras, ainda, facultam ao órgão o uso dos dados para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal” (STJ, 5ª Turma, HC n. 243.034/SP, j. 26/08/2014, DJe de 02/09/2014, rel. Min. LAURITA VAZ).

Nesse quadro, considerando a prova constante dos autos, conclui-se pela regularidade da apuração administrativa iniciada a partir de informação bancária sigilosa.

b) Apuração administrativa e penal. Regularidade do processamento.

Conforme referido no item “a” acima, a partir da movimentação bancária irregular começam os trâmites fiscalizatórios. A apuração ocorrerá na via administrativa mas também pode se desdobrar para o campo penal.

Nesse ponto, consigna-se que a regra geral no Direito brasileiro é a independência das instâncias de apuração penal, civil e administrativa. Tal diretriz possui apenas duas exceções, expressas no artigo 935 do Código Civil: o reconhecimento da inexistência do fato pelo Juízo criminal e a absolvição criminal. Essa é a orientação do Supremo Tribunal Federal: STF, 1ª Turma, Rcl 52364 AgR, j. 22/04/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079  DIVULG 26-04-2022  PUBLIC 27-04-2022, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES. Não há prova de absolvição criminal nestes autos.

Assim sendo, a divergência de datas entre o início da apuração administrativa fiscal e a investigação criminal não implica nulidade.

É de se ponderar que a apuração da omissão de receitas é complexa e técnica. Não se descura a gravidade da apuração criminal, mas o simples fato do relatório para apuração de crime ter sido finalizado antes do início do procedimento para imposição de tributo, isoladamente, não prova irregularidade tampouco direcionamento da atuação administrativa.

No que tange ao processamento administrativo, em específico, o Juízo de origem assim sintetizou os fatos na r. sentença (fls. 223/227, ID 2022773):

“Consoante ‘Termo de constatação fiscal’ trazido pela ré às fls. 214/220, a ação fiscal (‘Mandado de Procedimento Fiscal – MPF Fiscalização nº. 08.1.07.00-2012.00064-0’) teve início por ‘Termo de Início de Procedimento Fiscal’ emitido em 01/06/2012 e entregue ao contribuinte, pela via postal, em 11/06/2012, intimando-se a empresa a apresentar, dentre outros documentos, Livros Diário e Razão e demonstrativo assinado pelo representante legal, com o resumo mensal dos valores recebidos em 2008 e 2009, por meio de repasses efetuados pelas administradoras de cartões, incluindo matriz e filiais, acompanhado dos extratos fornecidos pelas administradoras. Em 26/06/2012, o contribuinte teria apresentado os Livros Diários e Razão referentes a 01/01/2008 a 31/12/2009, mas não o demonstrativo e respectivos extratos.

Em 26/09/2012 (sic), teria sido emitida ‘Solicitação de Emissão de Requisição de Informação sobre Movimentação Financeira’ (RMF), em vista da inquinada indispensabilidade de se examinarem as informações junto às operadoras de cartão de crédito/débito (artigo 3º do Decreto 3.724/2001). Assim, nessa data (29/06/2012), teriam sido emitidas 02 ‘Requisições de Informação sobre Movimentação Financeira’ (RMF) às operadoras Cielo S/A (RMF nº. 08.1.07.00-2012-00102-6) e Redecard S/A (RMF nº 08.1.07.00-2012.00103-4).

Ainda, em 13/08/2012, teria sido emitido ‘Termo de Intimação Fiscal’, cientificado o contribuinte em 15/08/2012, relacionando valores mensais declarados e escriturados nos livros apresentados, solicitando ao contribuinte que ... detalhasse a formação da receita bruta, indicando a data da venda, a forma como foi liquidada (pagamento em espécie, em cheque, cartão de débito, cartão de crédito à vista, ou parcelado com cartão de crédito, especificando cada parcela) bem como ... a documentação fiscal comprobatória, minimamente composta pelas notas/cupons fiscais emitidos e os comprovantes emitidos pelas máquinas de cartões de crédito/débito, indicando ainda o regime de reconhecimento das receitas declaradas (caixa ou competência) (fl. 214v, segundo parágrafo). Em 04/09/2012, teria o contribuinte respondido que estaria impedido, legalmente, de produzir a documentação (artigo 195 do Código Tributário Nacional).

O relato ainda consigna que, mediante os documentos obtidos junto às operadoras, teriam sido consolidados, mensamente, os valores recebidos pelo contribuinte por meio de cartões de crédito/débito, pelo regime de competência, regime este que teria constado das Declarações de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), referente aos anos-calendário 2008 e 2009, bem como teria sido utilizado na escrituração contábil.

Em 20/09/2012, no ‘Termo de Constatação e Intimação Fiscal’ cientificado ao contribuinte em 24/09/2012, teriam sido relacionadas planilhas, demonstrando os valores consolidados mês a mês, percebidos via cartões de crédito/débito, e a receita bruta mensal declarada à Receita Federal do Brasil, referente a 01/01/2008 a 31/12/2009, ocasião em que teria sido reiterada a necessidade de detalhar a formação da receita bruta, com a apresentação de notas/cupons fiscais, com o alerta de que, na ausência de comprovação da forma de recebimento de tal receita bruta declarada, a totalidade das receitas obtidas pelo cartão de crédito/débito seriam consideradas omitidas, sem abatimento da receita declarada, pois esta poderia ter sido resultante de vendas com pagamentos em cheque ou espécie. Ainda, teria sido franqueado acesso aos extratos das operadoras.

Já em 11/10/2012, o contribuinte teria informado que as informações pretendidas já se encontram em poder dessa fiscalização, possibilitando os esclarecimentos necessários ao correto e adequado prosseguimento das investigações fiscais.

Consta, também, da fl. 215, que, pelos Livros Razão Diário e Razão, não teria sido possível identificar a forma de recebimento das receitas declaradas, já que o histórico de lançamentos contábeis teria ocorrido de forma genérica, sem informações acerca da forma de pagamento. Embora intimado duas vezes, o contribuinte teria se negado a dar tal informação”.

O andamento administrativo é regular.

Dentro da complexidade da situação fática, é razoável a expedição de mais de um mandado de intimação do contribuinte para esclarecimentos.

Também é razoável a prorrogação de prazos administrativos para conclusão da análise – desde que respeitados os prazos legais existentes. E, no caso, não se arguiu qualquer descumprimento nesse sentido.

Ainda nesse ponto, é de se ponderar que eventual vício no processamento apenas implica nulidade se resulta em prejuízo à defesa. Na hipótese, as intimações administrativas foram documentadas, constam dos autos e não há qualquer prova de impedimento ao exercício da defesa. Pelo contrário: o contribuinte afirmou, em sede administrativa, ter apresentado toda documentação necessária para os esclarecimentos.

O processamento é, portanto, regular.

c) Omissão de receitas e prova da origem de valores.

De acordo com o artigo 43 do Código Tributário Nacional, o imposto de renda “tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica”, “independente[mente] da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção” (§ 1º).

Nesse contexto, caso a fiscalização tributária identifique disponibilidade patrimonial, é seu dever-poder dar início ao procedimento fiscalizatório para eventual imposição tributária.

De fato, o artigo 42 da Lei Federal nº. 9.430/96 determina a apuração fiscal quando da identificação de omissão na declaração de receitas, verbis:

Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.

O Supremo Tribunal Federal declarou, em repercussão geral, a constitucionalidade da imposição fiscal sobre o total da receita quando, devidamente intimado, o contribuinte não prova a origem dos valores:

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. OMISSÃO DE RECEITA. LEI 9.430/1996, ART. 42. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.

1. Trata-se de Recurso Extraordinário, submetido à sistemática da repercussão geral (Tema 842), em que se discute a Incidência de Imposto de Renda sobre os depósitos bancários considerados como omissão de receita ou de rendimento, em face da previsão contida no art. 42 da Lei 9.430/1996. Sustenta o recorrente que o 42 da Lei 9.430/1996 teria usurpado a norma contida no artigo 43 do Código Tributário Nacional, ampliando o fato gerador da obrigação tributária.

2. O artigo 42 da Lei 9.430/1996 estabelece que caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.

3. Consoante o art. 43 do CTN, o aspecto material da regra matriz de incidência do Imposto de Renda é a aquisição ou disponibilidade de renda ou acréscimos patrimoniais.

4. Diversamente do apontado pelo recorrente, o artigo 42 da Lei 9.430/1996 não ampliou o fato gerador do tributo; ao contrário, trouxe apenas a possibilidade de se impor a exação quando o contribuinte, embora intimado, não conseguir comprovar a origem de seus rendimentos.

5. Para se furtar da obrigação de pagar o tributo e impedir que o Fisco procedesse ao lançamento tributário, bastaria que o contribuinte fizesse mera alegação de que os depósitos efetuados em sua conta corrente pertencem a terceiros, sem se desincumbir do ônus de comprovar a veracidade de sua declaração. Isso impediria a tributação de rendas auferidas, cuja origem não foi comprovada, na contramão de todo o sistema tributário nacional, em violação, ainda, aos princípios da igualdade e da isonomia.

6. A omissão de receita resulta na dificuldade de o Fisco auferir a origem dos depósitos efetuados na conta corrente do contribuinte, bem como o valor exato das receitas/rendimentos tributáveis, o que também justifica atribuir o ônus da prova ao correntista omisso. Dessa forma, é constitucional a tributação de todas as receitas depositadas em conta, cuja origem não foi comprovada pelo titular.

7. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 842, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “O artigo 42 da Lei 9.430/1996 é constitucional".

(STF, Tribunal Pleno, RE 855649, j. 03-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-091  DIVULG 12-05-2021  PUBLIC 13-05-2021, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES).

A orientação é aplicada pela 6ª Turma desta Corte Regional, como se verifica do seguinte precedente:

DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA. OMISSÃO DE RECEITAS: FALTA DE COMPROVAÇÃO, MEDIANTE DOCUMENTAÇÃO HÁBIL E IDÔNEA, DA ORIGEM DOS VALORES CREDITADOS EM CONTA DE DEPÓSITO OU DE INVESTIMENTO, MANTIDA EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ART. 42 DA LEI Nº 9.430/96. EVENTUAL ACORDO PARA MANTER UMA TERCEIRA EMPRESA DE "PORTAS ABERTAS" NÃO PODE SER OPOSTO AO FISCO (ART. 123 DO CTN). APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. O art. 42 da Lei nº 9.430/96 estabelece que se considera como omissão de receita ou rendimento "os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações". Trata-se de presunção legal, iuris tantum, de omissão de receita ou rendimento, impondo-se ao contribuinte o ônus de comprovar, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos, demonstrando que os valores creditados em conta de depósito ou investimento não correspondem a receita auferida.

2. Trata-se de norma destinada a evitar a evasão fiscal que não se mostra incompatível com o art. 43 do CTN, eis que os valores cuja origem não foi comprovada configuram acréscimo patrimonial.

3. In casu, o contribuinte não apresentou prova idônea, seja no processo administrativo fiscal, seja no bojo desta ação judicial, de que os valores depositados em suas contas bancárias no ano calendário de 1998 - expressivo montante de R$ 2.421.778,54 - pertenciam de fato a terceiro. A declaração assinada pelo apelante e por duas testemunhas e apresentada no bojo do processo administrativo não tem não tem o condão de comprovar que os valores não pertenciam a ele. As declarações emitidas por Vaner Vitor Versori e pelo Escritório de Representações San Diego S/C Ltda. têm conteúdo vago, aventam mera possiblidade e, portanto, não têm a força probante necessária para desconstituir a presunção legal. Além disso, não se pode olvidar que, nos termos do art. 368, parágrafo único, do CPC/73 (tempus regist actum), "o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato". Também as certidões apresentadas pelo apelante no intuito de demonstrar que não possui bens registrados em seu nome em nada altera a conclusão adotada pela autoridade fiscal.

4. Ainda que o autor tivesse comprovado que, de fato, a movimentação de suas contas correntes eram feitas pela empresa Distribuidora de Utilidades Domésticas Prado Ltda, por força de acordo para ajudar a referida empresa a "manter as portas abertas", isso não poderia ser oposto ao Fisco, por força da regra inserta no art. 123 do CTN.

5. Apelação improvida.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 0000918-95.2012.4.03.6100, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/03/2018, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO).

No caso concreto, a apelante foi intimada a comprovar a origem dos valores sob pena de cômputo da integralidade da quantia como renda para efeitos tributários. Manifestou-se administrativamente pela impossibilidade da prova, considerado o sigilo da informação bancária e, após, pela suficiência da análise dos livros contábeis.

Portanto, o contribuinte não se desincumbiu dos ônus probatórios previstos em lei. Assim, diante da identificação de receita no ano-calendário, no exercício do poder-dever fiscalizatório, a autoridade fiscal promoveu o lançamento em cumprimento à legislação vigente.

O procedimento é regular.

d) Tributação reflexa.

Além do imposto de renda, as contribuições sociais (CSL, PIS e COFINS) incidem sobre o faturamento. Por assim ser, uma vez tendo se concluído pela existência de receita não declarada, o auto de infração deve abranger tanto o IR quanto as contribuições reflexas.

Mais uma vez estamos diante de atuação vinculada da fiscalização tributária que, diante da prova da ocorrência do fato gerador tributário, é obrigada a adotar os procedimentos fiscais de tributação.

Cito, nesse sentido, precedente desta Corte Regional em caso análogo:

TRIBUTÁRIO. OMISSÃO DE RECEITA. SUPRIMENTO DE NUMERÁRIO. PROCESSO REFLEXO AO IRPJ.

1. A autuação do IRPF teve origem na fiscalização relativa ao IRPJ, onde se constatou omissão de receitas operacionais, por suprimento de numerário pleos sócios sem a comprovação da origem dos recursos.

2. Cuidando-se de lançamento reflexo, a decisão proferida em relação ao processo matriz é aplicável, no que couber, ao lançamento decorrente, em razão da íntima relação de causa e efeito que os vincula.

3. Apelação a que se nega provimento.

(TRF-3, 4ª Turma, ApCiv 0650703-56.1984.4.03.6100, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/06/2010, Rel. Juiz Fed. Conv. MIGUEL DI PIERRO).

e) Multa qualificada.

A multa está prevista na Lei Federal nº. 9.430/96 (redação vigente no momento da fiscalização), verbis:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; (Vide Lei nº 10.892, de 2004) (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007) 

§ 1º. O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº. 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007). (REDAÇÃO ALTERADA POR LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE)

Por primeiro, anoto que a análise da razoabilidade do percentual de referida multa está pendente no Supremo Tribunal Federal (Tema 863 - Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório – RE 736.090).

Não há determinação de sobrestamento de julgamentos, contudo. Inclusive, em decisão monocrática, o Relator, Min. LUIZ FUX, indeferiu o pedido de suspensão nacional formulado pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), considerando, dentre outros fatores, “que não raro a discussão relativa à multa em matéria tributária guarda uma relação de prejudicialidade com outras questões de mérito, cuja análise não deve ficar suspensa” (RE 736.090, DJe 09/04/2018).

Prosseguindo, dispõe a Lei Federal nº. 4.502/64:

Art. 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

Não há irregularidade na majoração da multa em decorrência da prática de quaisquer dos atos previstos nos artigos 71 a 73 da Lei Federal nº. 4.502/64, considerada a sua gravidade. Nesse sentido, já se pronunciou a 6ª Turma desta Corte Regional:

ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA. ART. 173, I, CTN. INOCORRÊNCIA. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA DE OFÍCIO. PERCENTUAL QUALIFICADO DE 150%. CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE. FALTA DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL, DE CONTABILIZAÇÃO E DE DECLARAÇÃO. MANUTENÇÃO. JUROS DE MORA. CUMULAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. In casu, cinge-se a controvérsia acerca da multa de ofício aplicada em decorrência do auto de infração lavrado para a cobrança de valores a título de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, período de apuração janeiro a outubro/98, consubstanciados no Processo Administrativo nº 16151.000.955/2010-53, cujo principal foi objeto de pedido de adesão ao PAES. (...)

8. A multa foi aplicada no percentual qualificado de 150% (cento e cinquenta) por cento, com fulcro no art. 44, II da Lei nº 9.430/96, vigente à época dos fatos, originária de fiscalização realizada na sede da empresa, em cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz da 4ª Vara Federal de Minas Gerais, que concluiu pela prática de atos fraudulentos.

9. O percentual de multa qualificada nos casos de sonegação, fraude ou conluio é razoável, justamente por se dirigir à repressão de condutas evidentemente contrárias aos interesses do Fisco e da própria sociedade.

10. Não há que se falar, ainda, em retroatividade benéfica da lei tributária nos termos da alínea "c", inciso II do artigo 106 do Código Tributário Nacional, pois embora o artigo 44 da Lei 9.430/96 tenha sido alterado pela Lei 11.488/07, o percentual da multa isolada nos casos dos artigos 71, 72 e 73 da Lei 4.502/64, dentre os quais se encontra a hipótese dos autos, permaneceu em 150%.

11. Outrossim, a cobrança de acréscimo regularmente previsto em lei não caracteriza confisco. Confiscatório é o tributo quando torna impossível a manutenção da propriedade, não se tratando de adjetivo aplicável aos consectários do débito.

12. Melhor sorte não assiste à apelante quando busca a exclusão dos juros sobre o valor da multa. Referidos acréscimos legais podem ser cobrados cumulativamente, tendo em vista que possuem natureza jurídica diversa.

13. No caso em questão, considerando o valor dado à causa, majoração da verba honorária para 10% sobre esse valor, consoante entendimento desta E. Sexta Turma.

14. Apelação da autora improvida. Apelação da União Federal parcialmente provida.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 0001067-23.2014.4.03.6100, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 04/10/2016, Rel. Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA).

Todavia, em precedentes mais recentes, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o percentual da multa deve ser limitado ao valor do tributo:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. NÃO RECOLHIMENTO. MULTA. ART. 51, I, DA LEI 10.297/1996. 50% DO VALOR DO TRIBUTO. EFEITO CONFISCATÓRIO NÃO CONFIGURADO.

1. A jurisprudência do STF orienta no sentido de que o valor da obrigação principal deve funcionar como limitador da norma sancionatória, de modo que, apenas quando o percentual for superior a 100% do quantum do tributo devido, o caráter confiscatório se revela de forma mais evidente.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, 2ª Turma, ARE 1307464 ED-AgR, j. 17-05-2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107  DIVULG 04-06-2021  PUBLIC 07-06-2021, Rel. Min. EDSON FACHIN).

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS. ENQUADRAMENTO DA ATIVIDADE. DESCUMPRIMENTO DO ÔNUS PROBATÓRIO. CARÁTER INFRACONSTITUCIONAL DA CONTROVÉRSIA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. OFENSA REFLEXA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. MULTA PUNITIVA. PATAMAR DE 100% DO TRIBUTO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO CONFISCO. PRECEDENTES.

1. A resolução da controvérsia demandaria o reexame dos fatos e do material probatório constantes nos autos, o que é vedado em recurso extraordinário. Incidência da Súmula 279/STF. Precedentes.

2. O Tribunal de origem solucionou a controvérsia com fundamento na legislação infraconstitucional e no conjunto fático e probatório, o que é inviável em sede de recurso extraordinário. Precedentes.

3. Quanto ao valor máximo das multas punitivas, esta Corte tem entendido que são confiscatórias aquelas que ultrapassam o percentual de 100% (cem por cento) do valor do tributo devido.

4. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, fica majorado em 25% o valor da verba honorária fixada anteriormente, observados os limites legais do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC/2015.

5. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

(STF, 1ª Turma, ARE 1058987 AgR, j. 01-12-2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-289  DIVULG 14-12-2017  PUBLIC 15-12-2017, Rel. Min. ROBERTO BARROSO).

Cito, no mesmo sentido, decisões monocráticas recentes prolatadas no Supremo Tribunal Federal: ARE 1.454.012, j. 19/11/2023, DJe 20/11/2023, rel. Min. CRISTIANO ZANIN; ARE 1.447.199, j. 04/10/2023, DJe 06/10/2023, rel. Min. GILMAR MENDES; ARE 1.344.954, j. 16/02/2022, DJe 18/02/2022, rel. Min. EDSON FACHIN; ARE 1.296.260, j. 04/05/2021, DJe 07/05/2021, rel. Min. DIAS TOFFOLI; ARE 1.281.519, j. 27/08/2020, DJe 03/09/2020, rel. Min. CARMEN LUCIA.

Nesse quadro e em atenção à orientação do Supremo Tribunal Federal, é devida a redução da multa de 150% ao percentual de 100% do tributo apurado.

f) Sucumbência.

Tudo considerado, verifica-se que a sucumbência da União foi mínima, apenas com redução do valor da multa isolada (de 150% para 100% do valor do tributo). Em tal circunstância, entendo que a parte autora deve arcar integralmente com as custas e honorários advocatícios.

Não se descura que o Superior Tribunal de Justiça analisou a legislação em sede de repetitividade, tendo firmado orientação no sentido de afastar a fixação equitativa nas causas de valor elevado, verbis:

"i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo".

(STJ, Corte Especial, REsp n. 1.850.512/SP, j. 16/03/2022, DJe de 31/05/2022, rel. Min. OG FERNANDES).

Todavia, o Supremo Tribunal Federal tem entendido viável a fixação equitativa no atual regime processual com fundamento nos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade. Veja-se:

Direito Processual Civil. Embargos de declaração em ação cível originária. Honorários advocatícios.

1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou parcialmente procedente o pedido com fixação de honorários em percentual sobre o valor da causa.

2. Fixação dos honorários que gera à parte sucumbente condenação desproporcional e injusta. Processo que tratou de questão exclusivamente de direito.

3. Revisão do valor dos honorários para arbitrá-los por equidade, conforme art. 85, § 8º, do CPC. Precedentes.

4. Embargos de declaração parcialmente providos para fixar os honorários advocatícios por apreciação equitativa.”

(STF, Tribunal Pleno, ACO 2988 ED, j. 21/02/2022, Publicação: 11/03/2022, Rel. Min. ROBERTO BARROSO).

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO EM AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. PROCESSUAL CIVIL. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. OMISSÃO.

1. Incide em omissão o acórdão que deixa de arbitrar honorários de sucumbência.

2. Embargos de declaração providos, para, suprindo-se a omissão, condenar-se a União ao pagamento dos honorários sucumbenciais, desde logo fixados, mediante apreciação equitativa, em R$ 5.000 (cinco mil reais), nos termos do art. 20, §§ 3º, “a” e “c”, e 4º, do Código de Processo Civil de 1973.

(STF, Tribunal Pleno, ACO 1562 AgR-ED, j. 18-10-2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227  DIVULG 10-11-2022  PUBLIC 11-11-2022, Rel. Min. NUNES MARQUES).

SEGUNDO AGRAVO INTERNO EM AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA. EMISSÃO DE CERTIFICADO DE REGULARIDADE PREVIDENCIÁRIA. AÇÃO PROVIDA. VALOR ECONÔMICO AFERÍVEL. INEXISTÊNCIA. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. ARTIGO 85, § 8º, DO CPC. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

(STF, Tribunal Pleno, ACO 2634 AgR-segundo, j. 31-05-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127  DIVULG 11-06-2019  PUBLIC 12-06-2019, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES).

É nesse sentido a orientação da 6ª Turma desta Corte Regional:

PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1040, II, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS COM BASE NA APRECIAÇÃO EQUITATIVA, ART.85, § 8º, DO CPC. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDO. ACÓRDÃO MANTIDO.

1. Em que pese a tese fixada pelo C. STJ no julgamento do Tema 1.076, respeitada por este relator, possível a aplicação do disposto no § 8º do art. 85 do CPC nas hipóteses em que a aplicação dos percentuais previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 resultar em verba honorária excessiva e desproporcional ao trabalho realizado, em evidente enriquecimento sem causa e ônus excessivo à parte adversa.

2. Os honorários advocatícios devem ser arbitrados de modo a remunerar justa e dignamente o trabalho desenvolvido nos autos, levando-se em conta, ainda, a complexidade da causa.

3. Consigne demandar, ainda, o arbitramento de honorários advocatícios, nos processos em que o valor da causa/condenação seja alto, atenção ao equilíbrio que deve existir entre as partes do processo, não podendo implicar evidente ônus desmedido à parte sucumbente, seja pelo prejuízo financeiro imposto ao particular ou pelo gasto de recursos públicos, nos casos nos quais a parte adversa seja a Fazenda Pública.

4. Nesse mesmo sentido, recente julgado do plenário do C. STF, ao examinar embargos de declaração opostos na ACO 2988. 5. Juízo de retratação negativo.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 0007359-18.2016.4.03.6144, Intimação via sistema DATA: 16/10/2023, Rel. Des. Fed. MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR).

JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 1.076 DO STJ. HONORÁRIOS E APRECIAÇÃO EQUITATIVA. POSSIBILIDADE. RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDA.

1. Os honorários advocatícios devem remunerar condignamente o trabalho do advogado, considerando que um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito consiste no valor social do trabalho (artigo 1º, IV, da Constituição Federal). Mas não se pode olvidar da necessária proporcionalidade que deve existir entre a remuneração e o trabalho visível feito pelo advogado. Inexistindo proporcionalidade, deve-se invocar o § 8º do artigo 85 do CPC de 2015: "Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º", mesmo que isso seja feito para o fim de reduzir os honorários, levando-se em conta que o empobrecimento sem justa causa do adverso que é vencido na demanda significa uma penalidade, e é certo que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, vale dizer, sem justa causa. Nesse âmbito, a fixação exagerada de verba honorária - se comparada com o montante do trabalho prestado pelo advogado - é enriquecimento sem justa causa, proscrito pelo nosso Direito e pela própria Constituição polifacética, a qual prestigia os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

2. Caso em que a equidade há de ser observada para que não ocorra, na espécie, comprometimento de recursos públicos em situação de enriquecimento sem causa.

3. O plenário do Supremo Tribunal Federal acolhe o mesmo entendimento aqui manifestado, como se vê do recente julgamento (18 de fevereiro de 2022) dos ED na ACO no 2.988/DF, quando aplicou o § 8º do artigo 85 do CPC para o fim de, aplicando a equidade, reduzir os honorários fixados em desfavor da Fazenda Pública. Outros precedentes plenários da Suprema Corte: ACO 637 ED, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno - ACO 1.650-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno.

4. Juízo de retratação não exercido.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 0001639-48.2019.4.03.6182, j. 24/03/2023, Intimação via sistema DATA: 28/03/2023, Rel. Des. Fed. LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO).

PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR EXORBITANTE. ARBITRAMENTO POR EQUIDADE. ARTIGO 1.040, INC. II, DO NCPC NÃO EXERCIDO.

- O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.076 dos recursos repetitivos fixou teses no sentido da inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados.

- Não obstante a aludida orientação, se faz plenamente aplicável o disposto no § 8º do art. 85 do CPC nos casos em que a verba honorária se revelar extremamente elevada, comportando a norma interpretação extensiva, de modo a evitar que o advogado seja remunerado de forma incompatível com o trabalho desenvolvido nos autos, em atenção aos princípios constitucionais da proporcionalidade/razoabilidade que se sobrepõem à previsão do código processual e que devem ser observados a despeito da falta de previsão constitucional expressa.

- Juízo de Retratação negativo.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 0037000-39.2013.4.03.6182, j. 10/03/2023, Intimação via sistema DATA: 15/03/2023, Rel. Des. Fed. LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO).

No caso concreto, foi atribuído à causa o valor de R$ 2.302.869,75 em julho/2015 (fls. 39, ID 2022754).

A demanda possui natureza jurídica complexa, porém o andamento processual transcorreu sem intercorrências, de sorte que é razoável a fixação equitativa em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a cargo da parte autora, nos termos do artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, apenas para reduzir o percentual da multa nos termos da fundamentação.

É o voto.

 

 


O Juiz Federal Convocado SAMUEL MELO

 

Vênia devida ao entendimento adotado pela Exma. Desembargadora Federal Relatora, ouso divergir em parte, tão somente no tocante ao pedido de redução do percentual fixado a título de multa qualificada.

O artigo 161 do CTN, norma geral de Direito Tributário, prescreve que o não pagamento integral do crédito tributário, no vencimento, sujeita-se aos encargos legais (juros de mora, multas e outras medidas de garantia previstas na lei ou em lei tributária). Com efeito, é legítima a cobrança de juros de mora cumulada com multa moratória e de ofício, uma vez que a primeira visa a compensar o credor pelo atraso no recolhimento do tributo; a segunda busca punir o contribuinte omisso que, embora tenha declarado e reconhecido o débito, não efetuou o pagamento no prazo; e a última tem por escopo punir o contribuinte que, além de não ter efetuado o pagamento do tributo, não o declarou ou confessou.

A multa moratória tem natureza jurídica de sanção administrativa, sendo devida em razão do não pagamento do tributo na data estipulada pela legislação fiscal. Deve ser calculada de acordo com o valor do tributo devido, acrescida de correção monetária.

Por sua vez, a multa de ofício não possui natureza moratória, mas sancionatória, em virtude do descumprimento de dever instrumental do contribuinte.

Especificamente em relação à multa qualificada, trata-se de multa punitiva fixada para comportamentos qualificados em razão de sonegação, fraude ou conluio, consoante previsto no artigo 44, inciso II, da Lei nº 9.430/96 c/c artigos 71 a 73 da Lei nº 4.502/64, in verbis:

 

Lei nº 9.430/96

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:

(...)

II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

Lei nº 4.502/64

Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas

características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.

Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

 

No presente caso, resta claro que a conduta da apelante (contribuinte) é merecedora da mais alta reprimenda, tendo o Fisco agido com acerto.

Consoante se colhe dos autos, embora intimada por duas vezes a fazê-lo, em 15/08/2012 e 24/09/2012, datas em que regularmente cientificada acerca do Termo de Intimação Fiscal e do Termo de Constatação e Intimação, a contribuinte não comprovou ter oferecido à tributação os valores transferidos por operadoras de cartão de crédito/débito, a configurar inequívoca omissão de receitas e, consequentemente, o não recolhimento de tributos (IRPJ,COFINS, PIS e CSLL).

Ora, como bem acentuado pela sentença, se o contribuinte se nega a prestar as informações requisitadas pelo fisco, alegando suposto direito à privacidade, e posteriormente se verifica que ele, contribuinte, auferiu renda bem superior àquela opor ele declarada nos períodos objeto do procedimento fiscal, resta mais que evidente a intenção em omitir o recebimento de tais receitas e, consequentemente, a intenção deliberada em não pagar os tributos a que estava obrigado. Note-se que em momento algum a parte autora contestou ou impugnou o mérito dos autos de infração, ou seja, os valores recebidos oriundos das operadoras de cartão de crédito, o que só reforça a vontade livre e consciente da parte autora em lesar os cofres públicos, deixando de pagar vultosa quantia a título de tributos legalmente devidos.

Demais disso, é certo que o vultoso valor da dívida atualizada (R$ 3.163.966,24 - fI. 306vº) e o período envolvido (2 anos) evidenciam o propósito de obstar o conhecimento da ocorrência do fato gerador pela Administração Tributária e evitar o pagamento do tributo, hipótese que enseja a aplicação da multa qualificada.

Assim, pelo fato de a conduta do embargante estar imbuída de alto grau de má-fé, como restou cabalmente demonstrado no processo administrativo, tenho que incide a multa qualificada. Vê-se o objetivo do art. 44, I e § 1º, da Lei 9.430/96 é de reprimir condutas contrárias aos interesses do Fisco e de toda a sociedade, o que justifica a fixação no percentual de 150%.

Decerto que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o “O princípio da vedação do confisco, previsto no art. 150, IV, da Constituição Federal, também se aplica às multas. Precedentes: RE n. 523.471-AgR, Segunda Turma Relator o Ministro JOAQUIM BARBOSA, DJe de 23.04.2010 e AI n. 482.281-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 21.08.2009” (ARE 637717 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 29-03-2012 PUBLIC 30-03-2012 RTJ VOL-00220- PP-00599).

O Supremo Tribunal Federal também já decidiu que “A imposição da multa pelo Fisco visa à punição da infração cometida pelo contribuinte, sendo a graduação da penalidade determinada pela gravidade da conduta praticada. Desse modo, afigura-se possível em razão da intensidade da violação, a imposição da multa em valor superior ao da obrigação principal (AI 830300 AgR-segundo, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-036 DIVULG 17-02-2012 PUBLIC 22-02-2012 RDDT n. 200, 2012, p. 167-170).

Recentemente a Corte Suprema reconheceu a existência de repercussão geral em relação a essa questão, afetando o RE nº 736090 sob a seguinte temática: “Limites da multa fiscal qualificada em razão de sonegação, fraude ou conluio, tendo em vista a vedação constitucional ao efeito confiscatório” (Tema nº 863). O recurso extraordinário ainda não foi julgado, inexistindo determinação de sobrestamento dos feitos que versem sobre esse tema.

Entrementes, ante o caráter punitivo da multa qualificada, que busca reprimir a conduta infratora e desestimular a prática de atos com o fito de embaraçar a fiscalização, gerando o não recolhimento ou o recolhimento a menor de tributo, impõe-se que o seu percentual seja alto o suficiente para incentivar os contribuintes a cumprirem as obrigações tributárias, inexistindo violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao confisco.

O entendimento aqui externado alinha-se com aquele adotado por esta Corte Regional Federal:

 

APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. COMPENSAÇÃO INDEVIDA. MULTA PUNITIVA DE 150%. DECLARAÇÃO FALSA QUANTO À EXISTÊNCIA DE CRÉDITOS. ART. 44, I, DA LEI Nº 9.430/96 E ART. 89, §10º, DA LEI Nº 8.212/91. LEGALIDADE.

I- A multa isolada de 150%, conforme dispõe o artigo 89, §10º, da Lei nº 8.212/91, c.c. o art. 44, I da Lei n° 9.430/1996, embora aplicada neste elevado percentual possa ensejar a conclusão de confisco (TRF5; Proc. 00005088920114058404, AC557143/RN, DESEMBARGADORA FEDERAL NILIANE MEIRA

LIMA (CONV.), Primeira Turma, j. 06/06/2013, DJE 13/06/2013 - P. 167; AC nº 552.882-RN, Rel. Des. Ivan Lira de Carvalho -Convocado, julg. 26/02/13, 4ª T; AC nº 526.720-RN, Rel. Des. Paulo Gadelha, julg. 06/12/11, 2ª T), entende-se que sua imposição se justifica pelo caráter punitivo diante de graves condutas atribuídas ao contribuinte infrator, visando ainda prevenir atos dessa natureza, diferenciando-se assim das multas moratórias, de modo a não deter caráter confiscatório.

II- O auto de infração, que originou a cobrança ora questionada, refere à glosa de compensações indevidas de créditos inexistentes, sendo a multa isolada devida por falsidade na declaração de compensações indevidas de valores retidos em notas fiscais de prestação de serviço emitidas, cujos valores foram informados nas GFIP’s apresentadas. Nessa esteira, entendo que a União Federal agiu corretamente ao aplicar a multa isolada à parte autora, haja vista que a Autoridade Fiscal apurou compensações claramente ilegítimas, de valores retidos em notas fiscais de prestação de serviço emitidas.

III- No caso, razoável a conclusão de que a ação da empresa executada se enquadre como falsidade, nos termos do artigo 89, §10 da Lei n.º 8.212/91, configurando o dolo para tanto. Desse modo, a multa de 150% foi corretamente aplicada com fundamento no art. 89, §10, da Lei nº 8.212/91 e art. 44, I, da Lei nº 9.430/96, abaixo transcritos, e a autora não foi capaz de trazer qualquer elemento hábil a infirmar as autuações. Aplica-se a dobra prevista no art. 89, §10, da Lei nº 8.212/91, pois houve declaração falsa quanto à existência de créditos compensáveis.

IV- Tendo em vista a reforma da r. sentença, condenada a embargante ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da embargada, fixados em 3% do proveito econômico obtido, referente à CDA nº 80.4.18.016571-65, com fundamento no inciso IV, § 3º, do artigo 85, do CPC.

V- Apelação da GP – GUARDA PATRIMONIAL DE SÃO PAULO LTDA improvida. Recurso da União Federal provido.

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5017844-67.2019.4.03.6182, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 10/11/2022, Intimação via sistema DATA: 11/11/2022)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA.DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. JUROS DE MORA SOBRE MULTA. ARTIGO 44 DA LEI 9.430/1996. MULTA PUNITIVA. CONFISCO. APELAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESPROVIDA. REMESSA OFICIAL E APELO DA RÉ PROVIDOS.

1. A autuação considerou a existência de fraude, decorrente de omissão de receitas, com "o intuito de fraude, caracterizado pela intenção do contribuinte em furtar-se ao pagamento ou em reduzir o montante dos tributos e contribuições devidos em decorrência da não emissão de documento fiscal

obrigatório (nota ou cupom fiscal) de todas as vendas, conforme verificado pelo exame dos documentos e do material de informática apreendidos, bem como pela falta de contabilização e declaração das respectivas receitas", impedindo a homologação tácita dos valores declarados em DCTF (artigo 150, §4º, do CTN).

2. A apelante em nenhum momento apresentou comprovação da contabilização das referidas receitas, não se sustentando a tese de que a fraude não foi devidamente comprovada.

3. A apuração de dolo, fraude ou simulação é causa obstativa da homologação tácita, mas desde que o Fisco promova a medida preparatória para o lançamento dentro do prazo legal. Não é por outro motivo que o próprio texto legal nada prescreve quanto ao termo inicial diferenciado no caso de dolo, fraude ou simulação, sendo aplicável apenas o que disposto no parágrafo único do artigo 173, CTN, a exigir, de qualquer forma, seja iniciada pelo Fisco, antes do quinquênio, "a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento".

4. Tratando-se de tributos referentes ao período de 1998 e tendo o contribuinte sido intimado em 22/12/2003 (f. 292v, 313v, 316, 318v, 321, 326, 328v, 331, 333v, 352) do procedimento fiscal, não ocorreu a decadência, nos termos do parágrafo único do artigo 173 do CTN.

5. Improcedente a alegação de que não cabe a aplicação de juros de mora sobre multa fiscal. No caso, foi aplicada à embargante multa de ofício, na forma do artigo 44, II, da Lei 9.430/1996. O artigo 161, CTN, informa que o crédito não pago no vencimento é acrescido de juros de mora, não excluindo a respectiva incidência sobre multas fiscais, quaisquer que sejam. O artigo 113, CTN, no que distingue a obrigação tributária em principal e acessória, não se presta a excluir os juros de mora sobre a penalidade pecuniária (multas em geral), integrada no conceito de obrigação principal, de forma originária (§ 1º), ou nesta convertida, quando aplicada a sanção em razão do descumprimento de obrigação acessória (§ 3º). O próprio enunciado da Súmula 209/TFR respalda tal conclusão e a circunstância de nela referir-se apenas à multa de mora, não inibe a incidência dos juros de mora sobre as multas punitivas ou isoladas, previstas na legislação fiscal em valoração à gravidade da conduta praticada ou em decorrência da natureza da obrigação descumprida, em todos os casos, porém, revelando faceta punitiva, que não se confunde com a indenizatória própria dos juros de mora, com base no que se explica a própria cumulação, sem bis in idem, de juros e multa na execução fiscal.

6. A multa punitiva do artigo 44 da Lei 9.430/1996, pela apuração de evidente conduta fraudulenta, foi aplicada conforme a lei vigente (alterações das Leis 9.532/1997) ao tempo da ocorrência. O percentual de 150%, embora elevado, deriva da gravidade da conduta e do intento do legislador de coibir e prevenir, tanto específica como genericamente, a prática infracional, conferindo caráter punitivo à sanção, diferentemente do que ocorre com as multas moratórias, não possuindo caráter confiscatório.

7. Apelo do contribuinte desprovido. Remessa oficial e apelo da ré providos.

(TRF3, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0017252-39.2014.4.03.6100/SP, Rel. Juíza Fed. Conv. Denise Avelar, Terceira Turma, j. 22/11/2017, Pub. D.E. 29/11/2017)

DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA/IRPF. RETIFICAÇÃO DAS DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA APÓS O INÍCIO DA AÇÃO FISCAL: NÃO CONFIGURAÇÃO DE DENÚNCIA ESPONTÂNEA E SUBSISTÊNCIA DA MULTA PUNITIVA IMPOSTA COM ESPEQUE NO ART. 44, II, DA LEI Nº 9.430/96. AUSÊNCIA DE CONFISCO E DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. GLOSA FISCAL DE VALORES DEDUZIDOS A TÍTULO DE TRATAMENTO DE SAÚDE, COM EXIGÊNCIA DO TRIBUTO CORRESPONDENTE. APRESENTAÇÃO DE RECIBOS REGULARES DOS SERVIÇOS, CUJOS VALORES FORAM DEDUZIDOS PELO CONTRIBUINTE - 'SUSPEITA' DA RECEITA FEDERAL E REJEIÇÃO DOS DOCUMENTOS COM FUNDAMENTAÇÃO 'ALTERNATIVA', MAS SEM UMA SÓ INDICAÇÃO CONCRETA DE QUE OS SERVIÇOS DE SAÚDE NÃO FORAM PRESTADOS - LIMITES LEGAIS À RIGIDEZ E 'DESCONFIANÇA' DOS AGENTES LANÇADORES (INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, § 2º, III, DA LEI Nº 9.250/95) - MERA VORACIDADE FISCAL. APRESENTAÇÃO DE ALGUNS RECIBOS SEM INDICAÇÃO DO CPF DO PRESTADOR. VÍCIO RELEVANTE. APELAÇÃO DA UNIÃO PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DO EMBARGANTE IMPROVIDA.

1. As retificações de declarações de Imposto de Renda efetuadas após o início da ação fiscal para excluir os pagamentos a profissionais considerados pela Receita Federal como "emitentes de recibos inidôneos", por meio de processos administrativos que resultaram na emissão de "Súmulas Administrativas de Documentação Tributariamente Ineficaz", não configuram denúncia espontânea, sendo devida a multa punitiva aplicada, dado o manifesto intuito de fraude, ainda que impedida pela fiscalização. 2. A multa punitiva aplicada, de 150% (cento e cinquenta por cento) do valor do valor do imposto que deixou de ser lançado ou recolhido encontra fundamento legal na CDA e não há como aplicar o patamar reduzido a 20%, pois isso equivaleria ao Judiciário escolher, a seu alvedrio e desprezando a tarefa do Legislador, a multa que lhe parece mais adequada. Com efeito, se com relação a multa de índole tributária a lei estabeleceu um certo percentual, não cabe ao Poder Judiciário substituir-se ao legislador para eleger percentual de multa fiscal distinto daquele já abrigado nas leis tributárias. A multa aplicada de ofício tem caráter punitivo, objetivando, além de reprimir a conduta infratora, desestimular a evasão fiscal, o que impõe que o seu percentual seja alto o suficiente para incentivar os contribuintes a cumprirem suas obrigações tributárias, não havendo que se cogitar, diante da finalidade da multa de ofício, em efeito confiscatório, sequer em violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (...)

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2239896 - 0001907-53.2013.4.03.6137, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 05/09/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2019)

 

Inalterada a sucumbência e à míngua de impugnação da parte recorrente, honorários mantidos nos termos da sentença, aos quais deve ser acrescido 1%, a teor do art. 85, § 11, do Código de Processo.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.


E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO - PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - SIGILO BANCÁRIO E FISCAL - APURAÇÃO ADMINISTRATIVA - OMISSÃO DE RECEITAS - ÔNUS PROBATÓRIO QUANTO À ORIGEM DOS VALORES - TRIBUTAÇÃO REFLEXA - MULTA ISOLADA PERCENTUAL.

1- A proteção ao sigilo de informações, constante do texto constitucional (artigo 5º, inciso XII), foi objeto de sucessiva regulamentação normativa. O que se verifica é uma evolução da regulamentação no sentido de acompanhar as novidades da praxe bancária, notadamente no campo da tecnologia.

2- No atual quadro normativo e jurisprudencial, admite-se o acesso a informações sigilosas do contribuinte para fins de fiscalização administrativa. Trata-se, em grande análise, do exercício do poder dever administrativo de investigação, constante do artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional. Precedentes vinculantes das Cortes Superiores.

3- Importante ponderar que é apenas a partir das informações bancárias (sigilosas) que surgem os primeiros indícios de prática irregular os quais, por sua vez, justificam a instauração de procedimento fiscal específico face o contribuinte. Cronologia do artigo 11 da Lei Federal nº. 9.311/96. A apuração ocorrerá na via administrativa mas também pode se desdobrar para o campo penal.

4- Dentro da complexidade da situação fática, é razoável a expedição de mais de um mandado de intimação do contribuinte para esclarecimentos. Também é razoável a prorrogação de prazos administrativos para conclusão da análise. Eventual vício no processamento apenas implica nulidade se resulta em prejuízo à defesa, o que não se provou.

5- Caso a fiscalização tributária identifique disponibilidade patrimonial, é seu dever-poder dar início ao procedimento fiscalizatório para eventual imposição tributária na forma do artigo 43 do Código Tributário Nacional. O Supremo Tribunal Federal declarou, em repercussão geral, a constitucionalidade da imposição fiscal sobre o total da receita quando, devidamente intimado nos termos do artigo 42 da Lei Federal nº. 9.430/96, o contribuinte não prova a origem dos valores

6- No caso concreto, o contribuinte não se desincumbiu dos ônus probatórios previstos em lei. Assim, diante da identificação de receita no ano-calendário, no exercício do poder-dever fiscalizatório, a autoridade fiscal promoveu o lançamento em cumprimento à legislação vigente.

7- Além do imposto de renda, as contribuições sociais (CSL, PIS e COFINS) incidem sobre o faturamento. Por assim ser, uma vez tendo se concluído pela existência de receita não declarada, o auto de infração deve abranger tanto o IR quanto as contribuições reflexas. Mais uma vez estamos diante de atuação vinculada da fiscalização tributária que, diante da prova da ocorrência do fato gerador tributário, é obrigada a adotar os procedimento fiscais de tributação.

8- A multa qualificada está prevista no artigo 44, inciso I e § 1º da Lei Federal nº. 9.430/96. Não há irregularidade na majoração da multa em decorrência da prática de quaisquer dos atos previstos nos artigos 71 a 73 da Lei Federal nº. 4.502/64, considerada a sua gravidade. Todavia, em precedentes mais recentes, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que o percentual da multa deve ser limitado ao valor do tributo.

9- Apelação provida em parte.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Sexta Turma, em julgamento realizado nos moldes do art. 942 do CPC, por maioria, deu parcial provimento à apelação, apenas para reduzir o percentual da multa, nos termos do voto da Relatora, no que foi acompanhada pelos votos das Juízas Federais convocadas Diana Brunstein e Noemi Martins e do Des. Fed. Souza Ribeiro. Vencido o Juiz Federal convocado Samuel Melo, que lhe negava provimento. Lavrará o acórdão a Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.