Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004230-97.2022.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOSE LOPEZ FEIJOO

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004230-97.2022.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOSE LOPEZ FEIJOO

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de ação ordinária, intentada por José Lopez Feijoo em face da União visando a condenação da ré ao pagamento de reparação por danos morais no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

A r. sentença julgou procedente o pedido para condenar a União Federal a compensar o autor pelo dano moral sofrido, arbitrado em R$ 100.000,00 (cem mil reais), com correção monetária a partir do arbitramento, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, e juros de mora, desde o evento danoso, considerado a data da promulgação da Constituição Federal (05/10/1988), consoante o Manual de Cálculos da JF.

Nas razões de apelação, a União sustenta preliminares de falta de interesse de agir, por ausência de requerimento administrativo, e prescrição. No mérito, sustenta que o Judiciário não pode analisar o pedido, por ser de competência da Comissão de Anistia e do Ministro da Justiça. Alega ausência de requisitos da responsabilidade civil e de comprovação de dano efetivo. Requereu a redução do valor da indenização de forma proporcional e razoável em face da menor intensidade ou gravidade do dano, de modo a respeitar o princípio da proporcionalidade e razoabilidade e a fixação do termo inicial dos juros moratórios com base na data da prolação da sentença.

O autor apresentou recurso adesivo, no qual pleiteia “sejam os juros moratórios aplicados, com base na SÚMULA N° 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e dos artigos 398 E 395, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, os quais devem incidir desde a data do evento danoso, a partir do dia 25 de fevereiro de 1982, sendo este o primeiro monitoramento ilegal (ato de perseguição política) praticado pelo Estado brasileiro em face do Autor em razão de sua participação nos movimentos políticos de comissão de fábrica (ID 262637637, p. 02 e p. 04), observando-se os parâmetros adotados pela jurisprudência para aplicação do cálculo dos juros de mora, consoante entendimento consignado no Manual de Cálculos da Justiça Federal do E. TRF-3” (ID 276583817 – págs 15/16). 

Houve apresentação de contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004230-97.2022.4.03.6114

RELATOR: Gab. 13 - DES. FED. MONICA NOBRE

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: JOSE LOPEZ FEIJOO

Advogados do(a) APELADO: BRUNO LUIS TALPAI - SP429260-A, VICTOR DE ALMEIDA PESSOA - SP455246-A

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

Afasto a preliminar de falta de interesse de agir arguida pela União.

O direito à reparação em razão de danos sofridos por perseguições políticas encontra arrimo na Lei n.º 10.559/02, a qual trata exclusivamente da reparação econômica. Portanto, essa indenização não abrange eventual prejuízo extrapatrimoniais sofrido pelo anistiado.

O pagamento de indenização por danos materiais sofridos não se confunde com os danos extrapatrimoniais, decorrentes do abalo emocional e psicológico resultado da perseguição, consistente em prisões e torturas.

Assim, a reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

“RESP 890.930, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 14/06/2007: "PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ANISTIA (LEI 9.140/95). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 16 DA LEI 10.559/2002. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

(...)

A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: (I) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); (II) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16).

4. Não há vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se tratam de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. Aplicação da orientação consolidada na Súmula 37/STJ.

5. Os direitos dos anistiados políticos, expressos na Lei 10.559/2002 (art. 1º, I a V), não excluem outros conferidos por outras normas legais ou constitucionais. Insere-se, aqui, o direito fundamental à reparação por danos morais (CF/88, art. 5º, V e X; CC/1916, art. 159; CC/2002, art. 186), que não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infraconstitucional, tampouco pela interpretação da regra jurídica, sob pena de inconstitucionalidade.

6. Recurso especial desprovido."

 

Quanto a prejudicial de mérito, entendo que a indenização por danos morais é paga em razão de danos causados aos direitos da personalidade, que não estão sujeitos à prescrição. Além disso, está-se diante de danos decorrentes do regime militar, pelo que por longo período as partes sequer poderiam postular seus direitos sem o temor de represálias. Assim, afasta-se a ocorrência de prescrição, qualquer que seja sua espécie ou fundamento jurídico.

A jurisprudência do E. STJ é majoritária quanto à imprescritibilidade da ação de indenização por danos morais decorrentes do regime militar:

 

"ADMINISTRATIVO - DESAPARECIDO POLÍTICO - TORTURA - REGIME MILITAR - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - LEGITIMIDADE DE AGIR - PRESCRIÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - SÚMULA 07/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA - SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

1. Mesmo que o familiar de desaparecido político já tenha se valido da Lei n. 9.140/95 para requerer perante a Administração a indenização por dano material tarifada, não lhe falta ilegitimidade para o exercício de pretensão no bojo de processo judicial que busca valor em maior extensão, bem como reparação por danos morais. As instâncias administrativa e judicial não se confundem e é garantia constitucional do jurisdicionado a busca do Judiciário para a reparação de lesões ou inibição de ameaça a direito.

2. No que diz respeito à prescrição , já pontuou esta Corte que a prescrição qüinqüenal prevista no art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/32 não se aplica aos danos morais decorrentes de violação de direitos da personalidade, que são imprescritíveis, máxime quando se fala da época do Regime militar , quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento as suas pretensões.

3. Entende-se, assim, que a morte decorrida da tortura no Regime militar é fato tão sério e que viola em tamanha magnitude os direitos da personalidade, que as pretensões que buscam indenização a títulos de danos morais são imprescritíveis, dada a dificuldade, ou a impossibilidade de serem validadas na época, sendo que apenas se aplica o lustro prescricional para as pretensões de indenização ou reparação de danos materiais.

4. A questão é controvertida na doutrina e, com ressalvas de meu posicionamento pessoal, ainda que não se abarcasse a tese da imprescritibilidade das pretensões que visam reparar/garantir a efetividade dos direitos fundamentais, baseada em um dos pilares da República, que é a dignidade humana, a pretensão da irmã do preso, torturado e morto pelo Regime militar , no caso dos autos, também não estaria prescrita.

5. A Lei n. 9.140/95, em seu art. 10, § 1º, previu o prazo de 120 dias para que os parentes do desaparecido político nela expressamente contemplados requeressem a respectiva indenização reparatória. Na mesma linha ditou o art. 2º da Lei n. 10.536/02, que reabriu os prazos para requerimento da indenização.

6. Quando o nome do desaparecido político não consta da lista, expressamente se previu que "o prazo para haver a indenização somente se inicia após o reconhecimento dessa condição pela Comissão Especial criada por aquele mesmo normativo" (art. 10, § 1º).

7. Referido prazo de 120 dias, vale dizer, diz respeito apenas para o requerimento administrativo, não se confundindo com o das pretensões exercidas em juízo. Neste caso, para aqueles que admitem a tese da prescritibilidade, incidiria o art. 1º do Decreto-Lei n. 20.910/32, cujo comando expõe a existência do lustro prescricional.

8. No caso dos autos, o nome do falecido Severino Viana Calôr não constava, desde o início, da lista aludida pela lei, somente sendo reconhecido pela Administração como desaparecido político em 19.12.2003 (Ata de fls. 119/122). Como o eventual prazo para o exercício da pretensão indenizatória dos familiares se encerraria apenas cinco anos após, não há falar, em hipótese alguma, em prescrição neste caso, pois a ação foi ajuizada em 21.11.2005.

9. Não pode o STJ, em sede de recurso especial, discutir a configuração dos requisitos da responsabilidade civil ou o arbitramento dos danos morais, sob pena de violar o comando da Súmula 07/STJ.

Recurso especial da União conhecido em parte e improvido. Recurso de Maria Viana de Souza não-conhecido." (RESP 1002009, Segunda Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJ Data: 21/02/2008, p. 58)

 

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. REGIME MILITAR . DISSIDENTE POLÍTICO PRESO NA ÉPOCA DO REGIME MILITAR . TORTURA. DANO MORAL. FATO NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. Ação ordinária proposta com objetivo de reconhecimento dos efeitos previdenciários e trabalhistas, acrescidos de danos materiais e morais, em face do Estado, pela prática de atos ilegítimos decorrentes de perseguições políticas perpetradas por ocasião do golpe militar de 1964, que culminaram na prisão do autor, bem como na sua tortura, cujas conseqüências alega irreparáveis.

2. Prova inequívoca da perseguição política à vítima e de imposição, por via oblíqua, de sobrevivência clandestina, atentando contra a dignidade da pessoa humana, acrescido do fato de ter sido atingida a sua capacidade laboral quando na prisão fora torturado, impedindo atualmente seu auto sustento.

3. A indenização pretendida tem amparo constitucional no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes.

4. Deveras, a tortura e morte são os mais expressivos atentados à dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

5. Sob esse ângulo, dispõe a Constituição Federal: "Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;"

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes; (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;"

6. Destarte, o egrégio STF assentou que: "...o delito de tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza- se pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima por atos de desnecessária, abusiva e inaceitável crueldade. - A norma inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90, ao definir o crime de tortura contra a criança e o adolescente, ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. 5º, XXXIX). A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. A simples referência normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva - um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo." (HC 70.389/SP, Rel. p. Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 10/08/2001)

7. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.

8. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.

9. Outrossim, a Lei 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem estipular-lhe prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.

10. Adjuntem-se à lei interna, as inúmeras convenções internacionais firmadas pelo Brasil, a começar pela Declaração Universal da ONU, e demais convenções específicas sobre a tortura, tais como a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Convenção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

11. A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do fato de ter sido o autor torturado- revelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.

12. Inequívoco que foi produzida importante prova indiciária representada pelos comprovantes de tratamento e pelas declarações médicas que instruem os autos, consoante se extrai da sentença de fls. 72/79.

13. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

14. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.

15. O egrégio STJ, em oportunidades ímpares de criação jurisprudencial, vaticinou: "RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR . ALEGADA PRESCRIÇÃO . INOCORRÊNCIA. LEI N. 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS POLÍTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

A Lei n. 9.140, de 04.12.95, reabriu o prazo para investigação, e conseqüente reconhecimento de mortes decorrentes de perseguição política no período de 2 de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para possibilitar tanto os registros de óbito dessas pessoas como as indenizações para reparar os danos causados pelo Estado às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge, companheiro ou companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o quarto grau. Omissis "

(RESP 845228, Primeira Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ Data: 18/02/2008, p. 1)

 

Passo ao exame do mérito

No presente feito, o autor objetiva provimento jurisdicional que condene a União ao pagamento de danos morais, tendo em vista a sua demissão, por motivos políticos, dos quadros da FORD, em razão de ter aderido ao movimento grevista em 30 de abril de 1988, conforme se depreende da CTPS.

Argumenta que foi fichado e monitorado pelos órgãos de repressão, entre eles o DEOPS e que teve instaurado, em seu desfavor, um inquérito policial por exercer o direito de greve.

Afirma que sofreu graves abalos em sua psique e personalidade.

Pois bem.

Com relação à constatação da responsabilidade do Estado, ressalto que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto prescinde de dolo ou culpa.

Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pelo esposo da autora, o qual foi perseguido e demitido exclusivamente por motivos políticos.

Foram juntados diversos documentos pela parte autora, consoante destacado pelo MM. Juiz a quo:

 

“Verifica-se da documentação carreada ao feito que a parte autora foi eleita como componente da Comissão de Fábrica da FORD, empossado em 26/02/1982, com mandato de dois anos, consoante informe 070/19/AC/82 do Ministério do Exército (id. 262637637 e 262637638).

 A parte autora foi fichada no DEOPS, consoante id. 262640189.

A documentação demonstra, consoante INFORME n.° 411/A-2/IV COMAR, datado de 14/05/1984 que no período de 27 a 29 de abril de 1984, foi realizado em São Paulo, o "Congresso Estadual dos Trabalhadores", convocados pelos membros Paulistas da Direção da Central Única dos Trabalhadores, com o fim de promover a  eleição de uma Direção Estadual da CUT que passou a ser composta por 26 membros efetivos, dentre os quais figurava a parte autora como diretor efetivo, id. 262639975, 262639976.

Em 18 de maio de 1984, no Sindicato dos Químicos de São Paulo a plenária nacional da Central Única dos Trabalhadores – CUT, na qual foi registrada a participação da parte autora, de acordo com o informe n. 1862/ASP/1984, id. 262639978. 

Consta, ainda, a lavratura de Boletim de Ocorrência n. 1020/1986 (natureza da infração: invasão de empresa e obstrução de portaria da empresa Ford do Brasil S/A), em 10 de setembro de 1986, cujo histórico narra: “Segundo declarações do representante da Ford Brasil, empresa localizada na área do presente Distrito, nesta data, por volta, das 06,00 horas, compareceu ao Portão de 112 18 eu mencionada montadora, elementos do Sindicato dou Metalúrgicos de S.B.do Campo-Diadema, ocupando uma ónibus de marca Mercedes-Benz, de placas 011-2867-SBC com auto-falantes potentes, contra a vontade expressa da empresa e desobedecendo 'as ordens dos vigilantes, romperam a portaria mencionada e adentraram no seu interior, todavia foram novamente obstados pelo vigilantes, cujo veículo acabou sevado retirado do interior do pátio da Ford, o qual era conduzido pelos dois primeiros indiciados, ou seja, Paulo Sergio que conduzia o Libas e Jose Lopez Feijoo que o acompanhava. Diga-se do passagem que, este ultimo elemento, e funcionário da Ford, porem se encontra afastado o tem o objetivo dos elementos com o ônibus era formar um assembleia na entrada dos funcionários, sobre o assunto do Plano Cruzado, da fala do Ministro da Justiça na data de ontem na Televisão Globo o sobre as ferias coletivas, aumento de salários, tudo isso segundo informações destes próprios elementos. Porém não conseguiram o seu intento.”, id. 262637967 - p. 58.

Ademais, restou comprovado que no dia 24 de outubro de 1986, o autor prestou depoimento na Superintendência Regional de São Paulo do Departamento de Polícia Federal, enquanto envolvido na denominada "Operação Cambalacho", desencadeada junto à unidade da FORD DO BRASIL, localizada em São Bernardo do Campo, porquanto era funcionário e membro afastado da Comissão de Fábrica da FORD, id. 262637967 p. 37.

Houve, ainda, a lavratura de auto de qualificação e interrogatório, na mesma data, id. 262637967 p 44. Referida investigação ensejou a propositura da ação penal n. 08265089 - 4ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, na qual houve a absolvição dos réus da acusação formulada na denúncia, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, em 09/08/1994, id. 262638189 p. 20.

Durante o 5.º Congresso Estadual da CUT - CECUT, realizado no período de 06 a 09 de abril de 1989, foi eleita a nova diretoria da CUT ESTADUAL para um mandato de 89 a 91, tendo sido a parte autora eleita para a função de Secretario Geral, id. 262640190.

É farta a documentação no sentido de comprovar a perseguição política sofrida durante o regime ditatorial, o autor figurou na Lista Negra, foi afastado das suas funções e suspenso de seu trabalho por motivações exclusivamente políticas em virtude de sua atuação ativa junto à CUT e adesão aos movimentos grevistas, teve instaurado em seu desfavor, Inquérito Policial e, inclusive, foi processado criminalmente, conforme já mencionado.” (ID 276583809)

 

 

Assim, a prática de atos ilícitos está cabalmente comprovada pelos documentos que instruem o processo.

Para o autor certamente foram experimentadas as aflições decorrentes da perseguição política, o que por si só permitem verificar a presença de danos de natureza extrapatrimonial.

Não se olvide, ainda, que a Constituição Federal de 1988, pós-regime militar, fez questão de resguardar os direitos daqueles que sofreram com os abusos dos atos de um Estado ditatorial, no artigo 8o do ADCT, de modo a efetivar os objetivos da República Federativa do Brasil, formulado como Estado Democrático de Direito e que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana.

Há que se reconhecer, ante sua manifesta evidência, a ocorrência de lesão à dignidade da pessoa humana.

Quanto ao terceiro elemento, há o nexo de causalidade entre os danos mencionados e a ação estatal.

Já no que se refere ao valor da indenização, este deve ser fixado tendo-se em vista dois parâmetros: por primeiro é importante que tenha um caráter educativo, buscando desestimular o condenado à prática reiterada de atos semelhantes; por outro lado, não pode ser de uma magnitude tal que acabe por significar enriquecimento ilícito por parte da vítima.

Entretanto, a indenização por danos morais na espécie é de difícil mensuração. Como estabelecer indenização que vise a recompor, ainda que em mínima medida, a dignidade perdida, a dor, a humilhação, a vida destruída?

No caso concreto, a indenização fixada pela r. sentença, em R$ 100.000,00 (cem mil reais) é adequada e está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, em casos análogos. Confira-se:

 

 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA DURANTE REGIME MILITAR. DEMISSÃO ARBITRÁRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELAÇÃO DO AUTORA PROVIDA. APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL DESPROVIDA. 1. A questão posta nos autos diz respeito a pedido de indenização por danos morais, em razão de demissão arbitrária ocorrida à época do Regime militar. 2. É sabido que o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece a concessão de anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da atual Constituição Federal de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção. 3. O propósito da norma constitucional e, por consequência, da norma regulamentadora (Lei 10.559/2002) é o de assegurar aos anistiados prejudicados em sua carreira profissional uma indenização que corresponda, da maneira mais fiel possível, aos rendimentos mensais que a vítima auferiria caso não tivesse sofrido perseguição política. 4. No caso em comento, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça entendeu que, tendo em vista o curto período de afastamento profissional do autor (demissão em 12.07.1983 e readmissão em 01.06.1985), bastava à sua reparação econômica a contagem do período no tempo de contribuição previdenciária. 5. Não se questiona o mérito da decisão administrativa, mesmo porque não é nesse sentido o pedido do demandante, mas, destaca-se que a reparação administrativa prevista na Lei 10.559/02 refere-se somente aos danos patrimoniais, não versando, portanto, sobre indenização decorrente de danos morais. 6. Considera-se, então, que a indenização fundamentada em abalos psicológicos e a reparação econômica a ser pleiteada em esfera administrativa constituem direitos autônomos e acumuláveis. 7. Assim, ainda que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tivesse entendido pela concessão de indenização em dinheiro ao anistiado, esta não configuraria óbice ao pleito judicial de reparação por danos morais. 8. Igualmente, não há, portanto, qualquer exigência no sentido de prévio esgotamento de vias administrativas, de modo que o autor é livre para requerer judicialmente sua indenização por dano moral sem antes ter requerido administrativamente sua indenização por dano material. 9. O mérito da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais. 10. No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. 11. É certo que o mero reconhecimento de sua condição de anistia do político por parte da Comissão de anistia do Ministério da Justiça já pressupõe as perseguições políticas sofridas pelo autor no período do Regime militar. 12. É notória, portanto, a ocorrência do dano moral, tendo em vista que as perseguições políticas travadas no contexto do Regime militar ultrapassam em muito o conceito de mero dissabor cotidiano. 13. A hipótese em comento, portanto, encerra um típico caso de dano moral in re ipsa, no qual a mera comprovação fática do acontecimento gera um constrangimento presumido capaz de ensejar indenização. 14. Destaca-se que, em casos relacionados ao mesmo movimento grevista que originou a demissão arbitrária do demandante, este E. Tribunal vem fixando indenização por dano moral no valor de R$ 100.000,00. Precedentes: TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2260975 - 0005529-08.2014.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 18/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/05/2018; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2244387 - 0014612-82.2013.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 06/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2017; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2246336 - 0014608-45.2013.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 06/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2017). 15. Arbitra-se o quantum indenizatório em R$ 100.000,00 em favor do autor, a título de indenização por danos morais, incidindo correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362 do STJ), e juros de mora a partir da citação, por ser nesse sentido a jurisprudência do C. STJ, havendo qualquer discussão em juízo em torno do direito resguardado pela Lei 9.140/95. 15. Quanto aos honorários advocatícios, considerando que a prolação da sentença se deu sob a égide do antigo Código Processual Civil, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º, do diploma legal. 16. Apelação do autor provida para majorar a verba indenizatória, apelação da União Federal desprovida.”

(ApCiv 5000732-30.2016.4.03.6105, Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, TRF3 - 3ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/06/2019.)

 

 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. UNIÃO FEDERAL. ANISTIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO. ADCT. IMPRESCRITIBILIDADE. DANOS MORAIS. CARÁTER DÚPLICE. INOCORRENTE. INDENIZAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. MONTANTE ARBITRADO. 1. A presente Ação foi ajuizada em 23.05.2014 por Ediberto José Vosgrau (fls. 2), funcionário da PETROBRAS junto à REPLAN, demitido em 12.07.1983 por fazer parte de movimento paredista, sendo readmitido em 01.06.1985 (fls. 41). 2. Não prospera a alegação de ilegitimidade passiva por parte da União Federal, haja vista a condição de anistiado político do autor, reconhecida em razão do ato mesmo em relação ao qual ora se pleiteia a indenização por dano moral, haver sido reconhecida por meio de ato do Ministro da Justiça (fls. 47). 3. Não se sustenta a alegação de nulidade da sentença em razão de ausência de fundamentação. Todas as questões foram devidamente abordadas, não se restringindo o MM Juízo a quo a basear seu entendimento em jurisprudência, nem carecendo a última de pertinência. 4. Imprescritíveis as ações de reparação de danos decorrentes de perseguição política durante o regime da ditadura militar, não havendo que se falar no prazo prescricional quinquenal previsto pelo art. 1º do Decreto 20.910/32, bem como o entendimento de que o advento da Lei 10.559/02 implicou renúncia tácita à prescrição. Precedentes. 5. A responsabilidade objetiva do Estado está estampada no artigo 37, §6º da Constituição Federal e, na forma do texto constitucional, o Estado e a pessoa jurídica de direito privado prestadora do serviço respondem a terceiros pelo dano causado, independente de dolo ou culpa. 6. O autor foi participante de movimento grevista deflagrado em 1983 na Petrobras, vindo a ser demitido em represália na data de 12.07.1983; sendo readmitido em 01.06.1985 (fls. 41). A responsabilidade objetiva do Estado restou caracterizada por meio da Portaria 2414, de 21.12.2006, do Ministério da Justiça (fls. 47), declarando a condição de anistiado político em relação a Ediberto José Vosgrau. Ademais, restou comprovado o caráter público da indevida sanção de demissão aplicada ao autor. 7. Havia entendimento de que a indenização prevista pela Lei 10.559/02 englobava tanto valores relativos a danos materiais quanto morais, portanto possuindo dúplice caráter indenizatório, uma vez que tanto o texto constitucional transitório quanto da lei específica utiliza apenas a expressão "reparação econômica de caráter indenizatório", sem maiores especificações. Ato contínuo, entendia-se que, à hipótese, a proposição de demanda com o intuito de obtenção de indenização por danos morais não seria admissível, sob pena de infração do princípio do bis in idem - nesse sentido, o Acórdão proferido no âmbito do REsp 1.323.405/DF, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima (DJe 01.04.2013) - inclusive em razão disposto pelo art. 16 da mencionada Lei. No entanto, recentemente houve modificação do entendimento: em sentido diverso, a reparação econômica não possuiria caráter dúplice, mas tão somente material, não constituindo óbice sua acumulação com indenização por dano moral; assim, ainda que possuindo causa comum, diversos seriam seus fundamentos e finalidades, ou seja, recomposição patrimonial de um lado e reparação por ofensa aos direitos da personalidade, por outro. Precedentes. 8. Quanto ao valor da indenização, entendo ser razoável o montante de R$100.000,00, valor que de fato é amiúde arbitrado nesta Corte. Precedentes. 9. Quanto à atualização monetária, o e. Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 362/STJ: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento." Os juros moratórios incidem a partir do evento danoso, a teor da Súmula 54/STJ. 10. No tocante aos juros moratórios e atualização monetária em específico, considerando que ainda não houve pronunciamento expresso do Egrégio Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade ou não do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, entendo pela aplicação dos critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado - especificamente, a Resolução 134/2010-CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, "correção monetária, a partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15 / IBGE). (...) [quanto aos juros] a partir de maio/2012 incide o mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples (Art. 1º.-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5%; 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos". Desse modo, assiste parcial razão à União Federal quanto aos juros moratórios, incidente o art. 1º-F da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n. 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012). 11. A fixação de indenização por dano moral em valor inferior ao requerido não configura procedência parcial do pedido, conforme Súmula 326/STJ. 12. Apelo da parte autora provido. 13. Apelo da União Federal parcialmente provido.”

 (ApCiv 0005529-08.2014.4.03.6105, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/05/2018.)

 

Com relação aos consectários, deve-se observar os índices previstos nos julgamentos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 870.847) e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp n.º 1.495.146/MG), garantindo, inclusive, a aplicação dos juros de mora à razão de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.º-F , da Lei 9.494/97, porque em conformidade com os precedentes citados.

Quantos aos juros estes, de fato, devem incidir a partir do evento danoso, nos termos da Súmula n.º 54, do STJ.

Todavia, a data do evento danoso deve ser considerada como a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05/10/1988, quando se reconheceu o direito à anistia aos que, no período de setembro de 1946 até a data da promulgação desta Carta, foram atingidos por motivação política oriunda de atos de exceção (o § 1º do Artigo 8º do ADCT prescreve que o disposto no referido artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição).

Assim, os juros de mora devem incidir, nos termos do artigo 1.º-F, da Lei n.º 9.494/97, ou seja, à razão de 0,5% ao mês, a partir do evento danoso, qual seja, 05/10/1988.

Por fim, a fixação dos honorários advocatícios observou o disposto no art. 85 do NCPC, e levando-se em conta o não provimento do recurso de apelação, de rigor a aplicação da regra do § 11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários advocatícios em 1%, sobre o valor atualizado do proveito econômico obtido, nos termos do art. 85, § 3º, I. 

Por estes fundamentos, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação da União e ao recurso adesivo do autor.

É o meu voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. REGIME MILITAR. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DEMISSÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INDENIZAÇÃO CONCEDIDA. VALOR DA INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.

- Afasto a preliminar de falta de interesse de agir: a reparação administrativa de danos decorrentes de perseguição a anistiado político, prevista em legislação específica, não exclui o interesse de agir na ação de indenização por danos morais, que se destina à proteção, tutela e reparação de bens jurídicos distintos dos tratados administrativamente, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RESP 890.930, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 14/06/2007).

- São imprescritíveis as ações de reparação de dano ajuizadas em decorrência de perseguição, tortura e prisão, por motivos políticos, durante o Regime Militar. O fundamento desse entendimento está na circunstância de que a tortura representa violação direta à dignidade humana, a qual, como direito humano que é, tem as características de ser inata, universal, absoluta, inalienável e imprescritível.

- No presente feito, o autor objetiva provimento jurisdicional que condene a União ao pagamento de danos morais, tendo em vista a sua demissão, por motivos políticos, dos quadros da FORD, em razão de ter aderido ao movimento grevista em 30 de abril de 1988, conforme se depreende da CTPS.

- Argumenta que foi fichado e monitorado pelos órgãos de repressão, entre eles o DEOPS e que teve instaurado, em seu desfavor, um inquérito policial por exercer o direito de greve. Afirma que sofreu graves abalos em sua psique e personalidade.

- Com relação à constatação da responsabilidade do Estado, ressalto que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátria entendem que a responsabilidade civil do Estado é decorrente da existência de três caracteres interligados: ato ilícito praticado por seus agentes, dano ao particular e nexo de causalidade. Tal responsabilidade é objetiva, portanto, prescinde de dolo ou culpa.

- Estão presentes, no presente caso, todos os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil da ré pelos danos morais sofridos pelo autor, o qual foi perseguido e demitido exclusivamente por motivos políticos.

- No que se refere ao valor da indenização, este deve ser fixado tendo-se em vista dois parâmetros: por primeiro é importante que tenha um caráter educativo, buscando desestimular o condenado à prática reiterada de atos semelhantes; por outro lado, não pode ser de uma magnitude tal que acabe por significar enriquecimento ilícito por parte da vítima.

- No caso concreto, a indenização fixada pela r. sentença, em R$ 100.000,00 (cem mil reais) é adequada e está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, em casos análogos.

- Com relação aos consectários, deve-se observar os índices previstos nos julgamentos do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE n.º 870.847) e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (Resp n.º 1.495.146/MG), garantindo, inclusive, a aplicação dos juros de mora à razão de 0,5% ao mês, nos termos do artigo 1.º-F , da Lei 9.494/97, porque em conformidade com os precedentes citados.

- De fato, os juros devem incidir a partir do evento danoso, nos termos da Súmula n.º 54, do STJ. Todavia, a data do evento danoso deve ser considerada como a data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, 05/10/1988, quando se reconheceu o direito à anistia aos que, no período de setembro de 1946 até a data da promulgação desta Carta, foram atingidos por motivação política oriunda de atos de exceção (o § 1º do Artigo 8º do ADCT prescreve que o disposto no referido artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição).

- Assim, os juros de mora devem incidir, nos termos do artigo 1.º-F, da Lei n.º 9.494/97, ou seja, à razão de 0,5% ao mês, a partir do evento danoso, qual seja, 05/10/1988.

- Matéria preliminar rejeitada. Apelação da União e recurso adesivo improvidos.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação da União e ao recurso adesivo do autor, nos termos do voto da Des. Fed. MÔNICA NOBRE (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. MARCELO SARAIVA e o Des. Fed. WILSON ZAUHY. Ausente, justificadamente em razão de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Convocado SIDMAR MARTINS), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.