Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013425-18.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: JOSE MAURO DE LIMA

Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MOREDO RUIZ - SP216108-A

AGRAVADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013425-18.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: JOSE MAURO DE LIMA

Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MOREDO RUIZ - SP216108-A

AGRAVADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR

OUTROS PARTICIPANTES:

[ialima]

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Agravo de instrumento interposto por José Mauro de Lima contra decisão que, em sede de execução fiscal, indeferiu o pedido de desbloqueio da restrição do veículo Chevrolet Spin 1.8, placas ELA6H36, RENAVAM 1222557824, perante o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo – DETRAN/SP (Id 249191059, p. 153)

                    

Aduz (Id 257866037) que:

 

a) a decisão agravada está em dissonância com o entendimento jurisprudencial, pois aos casos de impenhorabilidade de veículo utilizado para transporte de pessoa portadora de deficiência física aplica-se, por analogia, o artigo 2º da Lei n.º 8.009/1990 referente ao bem de família, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto o artigo 1º da Constituição;

 

b) o rol do artigo 833 do Código de Processo Civil não prevê a impenhorabilidade de veículos destinado ao transporte de pessoas com necessidades especiais, contudo, o objetivo é o de assegurar a dignidade da pessoa humana garantindo-lhe patrimônio mínimo necessário;

 

c) a impenhorabilidade de veículo adaptado de modo a garantir a segurança no deslocamento de pessoa com deficiência viola o disposto no artigo 8º da Lei n.º 13.146/15, entre outros previstos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

 

Em contraminuta (Id 263403446) Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, requereu o desprovimento do recurso

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5013425-18.2022.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: JOSE MAURO DE LIMA

Advogado do(a) AGRAVANTE: THIAGO MOREDO RUIZ - SP216108-A

AGRAVADO: ANS AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

 

I – Da alienação fiduciária

 

É a alienação fiduciária em garantia instituto jurídico por meio do qual o credor fiduciário mantem a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, enquanto devedor fiduciante figura como simples possuidor e depositário do bem que somente após o pagamento integral do preço terá a propriedade consolidada (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 911/69). Verifica-se, portanto, que bem alienado fiduciariamente integra o patrimônio do credor fiduciário que não pode ter seus direitos restringidos por débito alheio. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que não é possível a decretação da indisponibilidade de bens alienados fiduciariamente, verbis:

 

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. BEM ALIENADO FIDUCIARIAMENTE. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE. PROPRIEDADE DO CREDOR FIDUCIÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE ATIVA DO DEVEDOR-EXECUTADO. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL.

1. "A alienação fiduciária em garantia expressa negócio jurídico em que o adquirente de um bem móvel transfere - sob condição resolutiva - ao credor que financia a dívida, o domínio do bem adquirido. Permanece, apenas, com a posse direta. Em ocorrendo inadimplência do financiado, consolida-se a propriedade resolúvel" (REsp 47.047-1/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros).

2. O bem objeto de alienação fiduciária, que passa a pertencer à esfera patrimonial do credor fiduciário, não pode ser objeto de penhora no processo de execução, porquanto o domínio da coisa já não pertence ao executado, mas a um terceiro, alheio à relação jurídica.

3. Por força da expressa previsão do art. 1.046, § 2º, do CPC, é possível a equiparação a terceiro, do devedor que figura no polo passivo da execução, quando este defende bens que pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem ser atingidos pela penhora, como é o caso daqueles alienados fiduciariamente.

4. Recurso especial não provido.

(STJ, REsp n. 916782/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 18.09.2008, destaquei).

 

Não obstante o bem alienado fiduciariamente não possa ser constrito, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento segundo o qual o credor tem o direito de obter a penhora sobre os direitos do devedor fiduciante, decorrente de contrato de alienação fiduciária para aquisição de veículo, verbis:

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VEÍCULO GRAVADO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTRIÇÃO DE DIREITOS AQUISITIVOS. POSSIBILIDADE. SÚMULA 83/STJ. RESTRIÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE VEÍCULO. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO IMPUGNADOS. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

1. É entendimento desta Corte Superior que "não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. Precedentes" (REsp 1.677.079/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe de 1.10.2018).

(...)

3. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada, e, em novo exame, conhecer do agravo para negar provimento ao recurso especial.

(AgInt no AREsp n. 2.086.729/DF, Quarta Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 08.05.2023, destaquei).

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM MÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTRIÇÃO DOS DIREITOS. POSSIBILIDADE.

 1. O STJ firmou o entendimento de que o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos.

2. Recurso Especial provido.

(REsp n.º 1.646.249/RO, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 03.04.2018, destaquei).

 

No mesmo sentido é o posicionamento deste tribunal: AI 5014880-23.2019.4.03.0000, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Mônica Nobre, j. 11.10.2019 e REO/AC 0054813-94.2001.4.03.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Fed. Regina Costa, j. 20.10.2011.

 

Assim, inexiste impedimento à constrição de veículo alienado fiduciariamente.

 

II – Do veículo destinado às pessoas com deficiência

 

A Lei n.º 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabeleceu, entre outros, que é dever do Estado assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à dignidade, ao respeito, ao transporte, à acessibilidade (artigo 8º).

 

A norma, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência a sua inserção na sociedade e o acesso a melhores condições de vida.

 

De acordo com a documentação juntada aos autos, o agravante apresenta limitação de movimentos da coluna vertebral e monoparesia difusa na perna esquerda, de caráter permanente e irreversível (Id 257866047, p. 127) e que o veículo foi adquirido com os benefícios da Lei n.º 8.989/1995 (Id 257866047, p. 124). Tal circunstância aponta à necessidade do veículo para a locomoção do recorrente de modo que é adequado alargamento da aplicação da norma do artigo 833 do Código de Processo Civil. Nesse sentido:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE VEÍCULO ADAPTADO. NECESSIDADES ESPECIAIS. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA.

1. A exceção à penhora de veículos deve ser aplicada com cautela, a fim de se evitar que o executado fique imune à constrição de veículo de via terrestre e, consequentemente, possa livremente circular com tal bem enquanto segue descoberta de garantia a execução.

2. Trata-se de execução fiscal cujo débito foi questionado em ação anulatória julgada procedente, inclusive com determinação para que seja obstada a cobrança do débito executado. Além disto, restou provado que se trata de veículo adaptado de acordo com a patologia do Agravado. Tais circunstâncias, à luz dos as aspectos da inclusão social, da garantida da dignidade da pessoa humana e proteção da pessoa com deficiência ensejam a flexibilização/mitigação da norma legal, com o reconhecimento da impenhorabilidade do automóvel.

3. Agravo de instrumento improvido.

(TRF 4ª Região, Décima Segunda Turma, AI: 5024423-81.2023.4.04.0000, Rel. João Pedro Gebran Neto, j. 18.10.2023, destaquei).

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. VEÍCULO AUTOMOTOR. NECESSIDADE POR MOTIVO DE SAÚDE. DEFICIÊNCIA FÍSICA COMPROVADA. DESLOCAMENTO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. DEMONSTRAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

- No caso em tela, em decorrência de contrato de alienação fiduciária, verifica-se que o executado detém a posse direta do veículo.  À instituição financeira pertencem a posse indireta e o domínio resolúvel do bem que, como tais, não podem ser objeto de penhora na execução fiscal.

- Por outro lado, a celebração do contrato confere ao devedor fiduciante direitos com apreciação econômica que, nesta condição, são perfeitamente penhoráveis, a teor do previsto no artigo 11, inciso VIII, da Lei 6.830/80.

- É no mesmo sentido o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça: (...) 2. Como a propriedade do bem é do credor fiduciário, não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. (...) (AgInt no AREsp 644.018/SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 02/06/2016, DJe 10/06/2016).

- Outrossim, denota-se que, na exceção de pré-executividade apresentada pelo agravado, o mesmo também alegou impenhorabilidade de veículo para portadores de necessidades especiais, além do fato dele ser inalienável até 29/01/2025.

- Nesse ponto, no relatório médico, consta que o agravado é portador de patologia crônica, degenerativa, progressiva e irreversível da coluna vertebral. Consta também que é portador de doença de caráter degenerativa, inflamatória, crônica, progressiva, limitante da articulação do joelho esquerdo. O médico informa ainda que, o recorrente possui limitações nos movimentos, e que as alterações são de caráter permanente e irreversível.

- Assim, há comprovação de dificuldades na locomoção decorrentes das patologias descritas. Além disso, o veículo foi adaptado.

- Logo, do relatório médico e exames juntados, houve demonstração da condição física alegada, o que torna imprescindível a utilização do veículo constrito para sua locomoção e realização de tratamentos de saúde. Precedente desta Corte.

- Dessa maneira, embora entenda que inexiste impedimento à constrição de veículo alienado fiduciariamente, no caso a impenhorabilidade está configurada em razão do estado e tratamento de saúde do agravado.

- Agravo improvido.

(TRF 3ª Região, Quarta Turma, AI 5003672-03.2023.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Monica Nobre, j. 27.06.2023, destaquei).

 

Desse modo, reconhecida a impenhorabilidade em razão do estado de saúde do recorrente, é de rigor a reforma da decisão agravada.

 

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para reformar a decisão agravada e determinar o desbloqueio do veículo Chevrolet Spin 1.8, placas ELA6H36, RENAVAM 1222557824.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTRIÇÃO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. POSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

- É a alienação fiduciária em garantia instituto jurídico por meio do qual o credor fiduciário mantem a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem, enquanto devedor fiduciante figura como simples possuidor e depositário do bem que somente após o pagamento integral do preço terá a propriedade consolidada (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 911/69). Verifica-se, portanto, que bem alienado fiduciariamente integra o patrimônio do credor fiduciário que não pode ter seus direitos restringidos por débito alheio.

- Não obstante o bem alienado fiduciariamente não possa ser constrito, o Superior Tribunal de Justiça tem o entendimento segundo o qual o credor tem o direito de obter a penhora sobre os direitos do devedor fiduciante, decorrente de contrato de alienação fiduciária para aquisição de veículo.

 - A Lei n.º 13.146/2015, que instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, estabeleceu, entre outros, que é dever do Estado assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à dignidade, ao respeito, ao transporte, à acessibilidade (artigo 8º).

- A norma, em atendimento aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade (artigos 1º, inciso III, 5º, caput, e 224 da Constituição), tem como objetivo oferecer às pessoas com deficiência a sua inserção na sociedade e o acesso a melhores condições de vida.

- De acordo com a documentação juntada aos autos, o agravante apresenta limitação de movimentos da coluna vertebral e monoparesia difusa na perna esquerda, de caráter permanente e irreversível e que o veículo foi adquirido com os benefícios da Lei n.º 8.989/1995. Tal circunstância aponta à necessidade do veículo para a locomoção do recorrente de modo que é adequado alargamento da aplicação da norma do artigo 833 do Código de Processo Civil.

- Agravo de instrumento provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar provimento ao agravo de instrumento para reformar a decisão agravada e determinar o desbloqueio do veículo Chevrolet Spin 1.8, placas ELA6H36, RENAVAM 1222557824, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTINS (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente em razão de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Convocado SIDMAR MARTINS), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.