Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5023227-74.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: PEDRO SERAFIM JUNIOR

Advogados do(a) AGRAVANTE: GINA COPOLA - SP140232-A, IVAN BARBOSA RIGOLIN - SP64974-A

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
INTERESSADO: COOPERATIVA ORGANICA AGRICOLA FAMILIAR - COAF, BANCO BRADESCO SA, COAGROSOL - COOPERATIVA DOS AGROPECUARISTAS SOLIDARIOS DE IT, MUNICIPIO DE CAMPINAS, JONAS DONIZETTE FERREIRA, SOLANGE VILLON KOHN PELICER, CARLOS ROBERTO CECILIO, LUIZ CARLOS LOPES, MANUEL CARLOS CARDOSO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MANUEL CARLOS CARDOSO, MARIO ORLANDO GALVES DE CARVALHO, PRISCILA VON ZUBEN TASSI MELO, MARIA CONCEICAO OLEGARIO, JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA, ELZO PINTO, CARLOS ALBERTO SANTANA DA SILVA, CASSIO IZIQUE CHEBABI, CAMILA CARLOMAGNO CHEBABI, WEDER JOSE PIFFER, EMERSON GIRARDI, REGINALDO VICENTIM, SEBASTIAO ELIAS MISIARA MOKDICI, MARCELO GONCALVES DA CUNHA, JOSE ROBERTO GUZELA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5023227-74.2021.4.03.0000

RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: PEDRO SERAFIM JUNIOR

Advogados do(a) AGRAVANTE: GINA COPOLA - SP140232-A, IVAN BARBOSA RIGOLIN - SP64974-A

AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
INTERESSADO: COOPERATIVA ORGANICA AGRICOLA FAMILIAR - COAF, BANCO BRADESCO SA, COAGROSOL - COOPERATIVA DOS AGROPECUARISTAS SOLIDARIOS DE IT, MUNICIPIO DE CAMPINAS, JONAS DONIZETTE FERREIRA, SOLANGE VILLON KOHN PELICER, CARLOS ROBERTO CECILIO, LUIZ CARLOS LOPES, MANUEL CARLOS CARDOSO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MANUEL CARLOS CARDOSO, MARIO ORLANDO GALVES DE CARVALHO, PRISCILA VON ZUBEN TASSI MELO, MARIA CONCEICAO OLEGARIO, JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA, ELZO PINTO, CARLOS ALBERTO SANTANA DA SILVA, CASSIO IZIQUE CHEBABI, CAMILA CARLOMAGNO CHEBABI, WEDER JOSE PIFFER, EMERSON GIRARDI, REGINALDO VICENTIM, SEBASTIAO ELIAS MISIARA MOKDICI, MARCELO GONCALVES DA CUNHA, JOSE ROBERTO GUZELA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

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MBV

 

 

R E L A T Ó R I O

Agravo de instrumento interposto por PEDRO SERAFIM JÚNIOR (Id. 197580226) contra decisão que, em sede de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, deferiu parcialmente a liminar para decretar a indisponibilidade de bens até o limite de R$ 5.777.022,18 (Id. 43504409 do feito originário), entre os quais se inclui o agravante. Apresentados os pedidos de desbloqueio de bens (Id. 55567908 e Id. 98164825), a decisão foi mantida (Id. 105426214 dos autos originários).

Sustenta, em síntese que:

a) está comprovada a lesão grave e de difícil reparação ao direito do agravante, pois não foi demonstrada a ocorrência de ato de improbidade e do elemento subjetivo do dolo, que é a vontade livre e consciente de praticar ato ímprobo, ou qualquer lesão aos cofres públicos;

b) foi proposta ação incabível contra o agravante, que viola de forma contundente a legislação aplicável;

c) o dano também reside no fato de ter sido determinado o bloqueio de bens em valores elevados e absolutamente desproporcionais, pois englobou o valor do dano e da multa requerida pelo agravado, correspondente a duas vezes o valor do suposto dano;

d) a multa civil tem natureza sancionatória e não reparatória e, assim, não poderia ter sido incluída na indisponibilidade liminar;

e) a indisponibilidade foi decretada com base em meras suspeitas, que não condizem om a realidade dos fatos, e sem a comprovação da existência do fumus boni iuris ou observância do princípio da proporcionalidade;

f) o montante bloqueado está totalmente divorciado de qualquer proporcionalidade, é excessivo e resulta em um valor extremamente superior ao atribuído à causa, uma vez que o bloqueio alcança o valor de R$ 127.094.488,00;

g) a indisponibilidade embarga todo o patrimônio do agravante, o que o impossibilita de praticar atos da vida civil;

h) foi proposta ação criminal para apurar os fatos narrados, o que caracteriza bis in idem.

Pleiteia a concessão do efeito suspensivo ativo ao recurso, para que seja determinada a desconstituição da ordem de indisponibilidade. Quanto ao mérito, pede a reforma da decisão, para que seja reconhecida a impenhorabilidade dos benefícios de aposentadoria e salários recebidos, nos termos do artigo 833, IV do CPC, no valor total de R$ 33.493,30, bem como das verbas rescisórias correspondentes ao valor de R$ 161.681,05. Requer, subsidiariamente e em atenção ao princípio da eventualidade, caso seja reconhecido que as verbas rescisórias de natureza indenizatórias são penhoráveis, a aplicação da proteção prevista no inciso X do mesmo dispositivo a tais importâncias, dada a nítida finalidade do agravante de poupar valores para o seu sustento e de sua família.

 

A antecipação da tutela recursal foi parcialmente deferida para o fim de: a) reduzir o valor da indisponibilidade para o montante de R$ 4.619.865,35, b) determinar que a soma dos bens e valores bloqueados de todos os réus não pode ultrapassar esse valor, c) ordenar a liberação dos bens imóveis do agravante que excedam, conjuntamente com todos os bens constritos dos demais réus, o montante indicado e d) liberar os valores bloqueados nas contas de titularidade do recorrente mantidas junto à Caixa Econômica Federal, Banco Itaú, Banco Santander, CECM Méd. Campinas e Banco Bradesco” (Id. 210335153).

 

Devidamente intimado, o Ministério Público Federal deixou transcorrer in albis o prazo para resposta (Id. 5595196).

 

O Procurador Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do agravo de instrumento (Id. 255398667).

 

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE

AGRAVANTE: PEDRO SERAFIM JUNIOR

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AGRAVADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
INTERESSADO: COOPERATIVA ORGANICA AGRICOLA FAMILIAR - COAF, BANCO BRADESCO SA, COAGROSOL - COOPERATIVA DOS AGROPECUARISTAS SOLIDARIOS DE IT, MUNICIPIO DE CAMPINAS, JONAS DONIZETTE FERREIRA, SOLANGE VILLON KOHN PELICER, CARLOS ROBERTO CECILIO, LUIZ CARLOS LOPES, MANUEL CARLOS CARDOSO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO MANUEL CARLOS CARDOSO, MARIO ORLANDO GALVES DE CARVALHO, PRISCILA VON ZUBEN TASSI MELO, MARIA CONCEICAO OLEGARIO, JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO JUSCELIA DENARDI LUZ GUZELA, ELZO PINTO, CARLOS ALBERTO SANTANA DA SILVA, CASSIO IZIQUE CHEBABI, CAMILA CARLOMAGNO CHEBABI, WEDER JOSE PIFFER, EMERSON GIRARDI, REGINALDO VICENTIM, SEBASTIAO ELIAS MISIARA MOKDICI, MARCELO GONCALVES DA CUNHA, JOSE ROBERTO GUZELA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

Pretende o agravante a reforma da decisão que decretou a indisponibilidade de seus bens.

 

1) Dos Fatos e Processamento

Trata-se na origem de Ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de obter a responsabilização de JONAS DONIZETTE FERREIRA, PEDRO SERAFIM JUNIOR, SOLANGE VILLON KOHN PELICER, CARLOS ROBERTO CECÍLIO, MANUEL CARLOS CARDOSO, MARIO ORLANDO GALVES DE CARVALHO, PRISCILA VON ZUBEN TASSI MELO, MARIA CONCEIÇÃO OLEGÁRIO LEANDRO, JUSCÉLIA DENARDI LUZ GUZELLA, ELZO PINTO, CASSIO IZIQUE CHEBABI, CAMILA CARLOMAGNO CHEBABI, CARLOS ALBERTO SANTANA DA SILVA, WEDER JOSÉ PIFFER, EMERSON GIRARDI, SEBASTIÃO ELIAS MISIARA MOKDICI, REGINALDO VICENTIM, MARCELO GONÇALVES DA CUNHA, LUIZ CARLOS LOPES, . COAF – COOPERATIVA ORGÂNICA AGRÍCOLA FAMILIAR, COAGROSOL – COOPERATIVA DOS AGROPECUARISTAS SOLIDÁRIOS DE ITÁPOLIS, BANCO BRADESCO S.A., MUNICÍPIO DE CAMPINAS e FNDE – FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, pela prática de atos de improbidade descritos no artigo 9º, caput e incisos I, II e XI, artigo 10, caput e incisos I, II, V, VIII, IX, XI, XII, XIX e XX, e artigo 11, caput, da Lei n.º 8.429/92, decorrentes da malversação de verbas públicas, destinadas à aquisição de gêneros alimentícios para a merenda escolar, por parte de agentes públicos do município e terceiros que a eles se associaram, a condenação solidária à reparação do dano causado ao erário, no valor atualizado de R$ 4.619.865,35, ao pagamento das despesas processuais e honorários de sucumbência, bem como aplicação das sanções previstas no artigo 12, incisos I e II do referido estatuto (Id. 40371196 do feito originário).

O pedido de tutela de urgência foi parcialmente deferido, para o fim de decretar a indisponibilidade de ativos financeiros e bens dos réus, no valor de R$ 5.777.022,18, relativamente a cada um dos requeridos (Id. 43504409 dos autos originários).

 

2) Da Independência entre as Esferas Penal, Cível e Administrativa

O agravante alega que os mesmos fatos narrados na ação de improbidade são apurados em ação criminal ajuizada pelo MPF, o que caracteriza bis in idem.

O artigo 935 do Código Civil e artigo 12, caput, da Lei nº 8.429/92, verbis, tratam da independência entre as esferas das responsabilidades penal, civil e administrativa:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

 

Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:        (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Da leitura dos dispositivos, pode-se concluir que um mesmo fato praticado pode implicar responsabilização em diversas esferas e acarretar a aplicação de penalidades distintas, uma vez que a natureza e finalidade das condutas a serem apuradas são diversas. Nesse sentido, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz e, Luís Otávio Sequeira de Cerqueira e Rogério Favreto ao tratar do tema fazem a seguinte observação: “não há qualquer violação ao sistema, nem bis in idem, quando um mesmo fato possa justificar a aplicação de três penalidades distintas contra uma mesma pessoa, sendo certo que a absolvição na esfera penal, como regra geral, pode não ter qualquer reflexo nas demais” (Gajardoni Fernando da Fonseca, Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo, Cerqueira, Luís Otávio Sequeira de e Favreto, Rogério. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Ed. 2020. Capítulo III. Das Penas. Art. 12. Página RL-1.7. Thomson Reuters Brasil. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/100959444/v4/page/RL-1.7).

Para jurisprudência, em virtude da autonomia e independência das esferas, a improcedência da ação cível ou do procedimento administrativo não interfere no julgamento da ação penal, salvo se constatada a inexistência de fato ou negativa de autoria:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. ARTS. 256 E 258 DO CÓDIGO PENAL - CP. DESABAMENTO QUALIFICADO PELO EVENTO MORTE. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE PACIENTES DO POLO PASSIVO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO IMPUGNADO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS CIVIL, CRIMINAL E TRABALHISTA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(...) 4. "A jurisprudência desta Corte é no sentido da autonomia e independência das esferas civil, penal e administrativa, razão porque eventual improcedência de demanda ajuizada na esfera civil ou de procedimento administrativo instaurado não vincula ação penal instaurada em desfavor do agente" (HC 306.865/AM, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 18/10/2017).

5. No caso concreto, não se identifica, flagrante ilegalidade que justifique a exclusão dos recorrentes do polo passivo da ação penal por inépcia da denúncia ou falta de justa causa.

6. Recurso desprovido.

(STJ, RHC 87.023/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 04/02/2019).

 

“A jurisprudência desta Corte Superior reconheceu, em diversas oportunidades, a independência entre as esferas administrativa e penal (com exceção das hipóteses de absolvição na esfera criminal por ausência do fato ou não ter o acusado concorrido para a prática delitiva), pois distintas a natureza e a finalidade da apuração da conduta em cada uma das esferas, as quais se submetem a diferentes exigências e ritos legais. Precedentes”  (HC 534.320/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 10/02/2020)

 

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL. SÚMULA 83/STJ. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. O acórdão recorrido foi proferido em sintonia com o entendimento desta Corte, no sentido de que eventual decisão proferida em ação civil pública  de  improbidade administrativa, também ajuizada em desfavor do réu, pelos mesmos fatos,  não influencia o Juízo criminal,  dada a independência entre as referidas esferas. Aplicação da Súmula 83/STJ.

2. Com efeito, há independência das instâncias, não cabendo a alegação da defesa de que a absolvição do réu na esfera cível deve ser estendida à ação criminal. Isso porque, no Processo Penal vigora o princípio da verdade real e do livre convencimento motivado do juiz, de modo que é perfeitamente possível que o juízo criminal,  analisando os elementos colhidos no decorrer da instrução probatória, de cognição mais ampla e exauriente, conclua pela autoria e materialidade do delito.

3. Quanto à pretensão absolutória lastreada no art. 386, VII, do CPP, pelo argumento de não existir prova suficiente para a condenação, a alteração do julgado demandaria aprofundado reexame do acervo fático e probatório dos autos, providência que atrai o óbice da Súmula 7/STJ.

4. A incidência das Súmulas 7 e 83 do STJ ensejam o não conhecimento do recurso especial. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ, 5ª Turma, AGARESP 1.516.441, DJ 15/10/2019, rel. Min. Ribeiro Dantas) [ressaltado]

 

Assim, considerada a independência entre as esferas administrativa, cível e penal, não há se falar em bis in idem.

 

3) Dos Indícios do Ato Ímprobo

A prova definitiva da conduta ímproba não é condição necessária para a propositura da ação de improbidade administrativa. Bastam indícios verossímeis de sua ocorrência no plano material e de autoria, os quais poderão ser confirmados ou desqualificados no transcorrer da instrução probatória. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MALFERIMENTO DOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015. MULTA PROTELATÓRIA. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. FORTES INDÍCIOS. REVISÃO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.

(...) 4. Relativamente ao recebimento da inicial, o Superior Tribunal de Justiça possui firme entendimento de que é suficiente a demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria para que se determine o processamento da ação, nos termos do art. 17, §§ 6º e 8º, da Lei n. 8.429/1992, a fim de possibilitar mais resguardo do interesse público.

5. Existindo indícios de atos de improbidade nos termos dos dispositivos da Lei n. 8.429/1992, sendo adequada a via eleita, cabe ao juiz receber a inicial e dar prosseguimento ao feito.

6. É pacífico nesta Corte que, no momento do recebimento da ação de improbidade administrativa, o magistrado apenas verifica se há a presença de indícios suficientes da prática de atos ímprobos, deixando para analisar o mérito, se ocorreu ou não improbidade, dano ao erário, enriquecimento ilícito ou violação de princípios, condenando ou absolvendo os denunciados, após regular instrução probatória.

7. Na espécie, o Tribunal de origem consignou que há fortes indícios de atos de improbidade nos autos e, por isso, a petição inicial foi recebida.

8. Novamente, a revisão do entendimento firmado pela Corte local demandaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, consoante a Súmula 7 do STJ. Ademais, o acórdão fundamenta de forma clara e coerente, com base nas provas dos autos, os fortes indícios de atos de improbidade aptos ao recebimento da petição inicial.

9. No tocante ao dissídio jurisprudencial, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a incidência da Súmula 7 do STJ impede o exame do referido dissenso, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto.

10. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1708375/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2021, DJe 14/10/2021) [ressaltado]

 

A ação foi proposta quando estava em vigor a redação antiga do § 6º do artigo 17 da LIA, que estabelecia que a inicial deveria ser instruída com documentos que contivessem indícios suficientes da existência de atos ímprobos:

Art. 17. (...)

§ 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. (Parágrafo acrescido pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4/9/2001.

 

A nova redação do dispositivo, dada pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir a descrição individualizada da conduta do réu e o apontamento dos elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência, no caso concreto, da ação ou omissão dolosa que tenha causado lesão ao erário e ensejado a efetiva e comprovada perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres:

6º A petição inicial observará o seguinte:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

I - deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada;        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Nesses termos, in casu, a inicial da ação originária descreve com clareza as condutas atribuídas ao agravante e a imputação legal, prefeito do município de Campinas à época dos fatos (21/12/2011 a 31/12/2012) e responsável pela abertura e execução parcial da dispensa de licitação na modalidade Chamada Pública nº 1/2012, o que teria acarretado a contratação considerada indevida da cooperativa COAF – COOPERATIVA ORGÂNICA AGRÍCOLA FAMILIAR para o fornecimento de suco de laranja superfaturado, bem como indica o valor do prejuízo ao erário apurado e as provas que evidenciam a prática de ato doloso tendente à obtenção de vantagem patrimonial indevida e que ocasionou a perda patrimonial de bens ou haveres da entidade pública. Na exordial, o MPF resumiu as condutas praticadas pelo agravante, nos seguintes termos (Id. 40371196):

PEDRO SERAFIM JUNIOR e demais réus: "em concerto de vontades, praticaram atos de improbidade administrativa que deram ensejo a enriquecimento ilícito da COAF e de seus agentes a partir de prejuízo ao erário, vez que dispensaram indevidamente licitação, contratando, fora das hipóteses previstas em lei, e com superfaturamento nos preços dos produtos, e sem observância das formalidades previstas na Resolução FNDE n. 38/2009, a cooperativa COAF, causando prejuízo ao erário no montante histórico de R$ 2.032.887,73 (superfaturamento de ao menos R$ 1.080.000,00 e valores que os denunciados beneficiaram-se, originados das verbas públicas federais desviadas de R$ 1.024.887,73). Os réus, assim, incorreram na prática dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 9º, caput e inciso XI, e art. 10, caput e incisos V e VIII, da Lei n. 8.429/1992". As condutas ímprobas narradas podem ser assim sumariadas:

"PEDRO SERAFIM JUNIOR, Prefeito de Campinas entre 21/12/2011 e 31/12/2012, foi o responsável pela autorização da indevida dispensa de licitação na modalidade chamada pública n. 1/2012, instruída sem justificativa de cardápio escolar ou de quantidades de produtos a serem adquiridos, com pesquisa de preços fraudulenta, cujo edital previu a aquisição de produtos industrializados por dispensa de licitação destinada apenas à aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar, dando causa à contratação indevida da cooperativa e ao prejuízo ao erário".

 

4) Do Decreto de Indisponibilidade

Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “a constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito, o essencial para sua subsistência” (STJ, AGREsp 1510347, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 05/02/2016; g.n.). O que se pretende resguardar com a impenhorabilidade patrimonial é a impossibilidade de o devedor ser privado do usufruto de determinados bens fundamentais ao seu sustento - entendimento estendido à indisponibilidade no tocante a esse ponto.

Quanto à indisponibilidade de bens, dispõe o artigo 16 da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021:

Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 1º (Revogado).         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 1º-A O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo poderá ser formulado independentemente da representação de que trata o art. 7º desta Lei.       (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 2º Quando for o caso, o pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.        (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

§ 4º A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.          (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

(...)

 

O parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 8.429/1992, vigente à época do decreto, assim estabelecia:

Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

 

As alterações legislativas concernentes ao ato de indisponibilidade não se aplicam ao caso concreto, em vista das disposições contidas no artigo 14 do CPC, segundo o qual: "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que, em virtude da teoria dos atos processuais isolados, a alteração legislativa processual concernente à indisponibilidade de bens não é retroativa e aplica-se ao processo no estágio em que se encontra, sem atingir a medida decretada quando da entrada em vigor da nova lei. Confira-se:

“(...) É dizer, diante do semblante jurídico adjetivo dos §§ 1º e 2º do art. 21 da Lei n. 8.429/1992, incluídos pela Lei n. 14.230/2021, há de prevalecer o disposto no art. 14 do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

Nessa mesma linha de percepção, a Primeira Turma desta Corte, por unanimidade, no julgamento da PET no AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.877.917/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, em 23/5/2023, indeferiu o pedido de aplicação retroativa da NLIA a recurso que não ultrapassou o juízo de admissibilidade e cuja matéria de fundo também era distinta da definida no referido Tema 1.199/STF - na hipótese tratava-se de indisponibilidade de bens, assim como no caso dos autos.

Destarte, à luz da teoria dos atos processuais isolados, tem-se que a norma de caráter processual atinge o processo no estágio em que ele se encontra. Logo, tendo em vista que já decretada a medida de indisponibilidade de bens quando da entrada em vigor da nova Lei, não há se falar em sua aplicação ao caso vertente. Sob esse prisma, cita-se a seguinte decisão monocrática proferida em caso análogo ao dos autos: AREsp n. 2.225.951, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 2/3/2023.

Com efeito, tem-se que o acórdão recorrido encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte.

Dessa forma, no caso vertente, há de incidir a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 em sua redação original, conferida pelo Tema 701 do STJ no sentido de que a medida cautelar ou liminar que decreta a indisponibilidade dos bens do autor de ato de improbidade administrativa "não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa." (REsp 1.366.721/BA, Rel. p/ Acórdão Min. Og Fernandes, Primeira Seção, julgado em 26/2/2014, DJe 19/9/2014).

Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.462.119/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 5/12/2019; REsp 1.820.170/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 14/10/2019; AgInt no REsp 1.759.646/TO, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 11/9/2019; AgInt no REsp n. 1.569.162/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 17/9/2018; AgInt no REsp n. 1.631.700/RN, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 6/2/2018, DJe 16/2/2018; AgInt no AREsp 629.236/DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 9/8/2017.

Ante o exposto, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial, a fim de restabelecer a decisão que decretou a indisponibilidade dos bens do demandado, ora recorrido, conforme fundamentação supra”.

(AREsp n. 2.255.766, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 24/08/2023.)

 

No mesmo sentido: REsp n. 2.061.686, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 24/08/2023, REsp n. 2.047.982, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 01/09/2023 e REsp n. 2.033.308, Ministro Benedito Gonçalves, DJe de 26/05/2023. Destacam-se, mais:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS VINCULADA À AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OPERAÇÃO LAVA-JATO. PEDIDO DE LEVANTAMENTO DE BLOQUEIO DECRETADO ANTES DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 14.230/2021. EXCLUSÃO DA MULTA CIVIL. DESCABIMENTO. DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

1. A indisponibilidade de bens em face da parte agravante foi decretada sob a égide da Lei 8.429/1992, antes da alteração legislativa promovida pela Lei 14.230/2021, tendo sido, à época, preenchidos os requisitos exigidos e determinada a constrição (medida cautelar) de acordo com o regramento então aplicável (extensão do que é assegurado), o que, inclusive, foi confirmado por esta Corte, por ocasião de julgamento de agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu a liminar em medida cautelar.

2. O novel art. 16, § 10, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, porquanto de caráter processual, não retroage para beneficiar o réu da medida cautelar, sendo que o fato de esta apresentar caráter precário não a torna automaticamente ineficaz pela superveniência de lei que modifica os pressupostos para a sua concessão.

3. A gravidade dos atos ímprobos imputados ao agravado e o elevado montante do suposto prejuízo ao Erário ainda mais justificam que sejam analisadas com extrema cautela as questões referentes a levantamentos de ordens de indisponibilidade, justamente em razão da necessidade de reprimenda às condutas vinculadas à corrupção e ao desvio da probidade administrativa, contrárias aos valores e princípios salvaguardados pelo atual sistema jurídico no âmbito da Administração Pública e a imperiosa necessidade de ressarcir o Erário público.

4. A peculiar hipótese dos autos e o fato de o feito principal encontrar-se na iminência de ser julgado justificam a manutenção da ordem de indisponibilidade decretada sob a égide da legislação anterior.

5. Agravo de instrumento provido para o fim de reformar a decisão agravada, de modo a manter-se a ordem de indisponibilidade anteriormente decretada em face do agravado, mantendo-se a sua extensão (isto é, incluindo-se o montante referente à multa civil). Prejudicado o agravo interno.

(TRF4, AG 5044907-54.2022.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 29/09/2023)

 

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RETROATIVIDADE DA LEI 14.230/21. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Ainda que para uma nova decretação de indisponibilidade de bens deva-se observar a imediata incidência das alterações trazidas pela Lei n.º 14.230/2021, os novos critérios por ela estabelecidos não ensejam, automaticamente, a necessidade de levantamento de bloqueios sobre bens decretados antes da sua vigência e cujos requisitos foram analisados à luz da legislação em vigor e do entendimento jurisprudencial então consolidado.

2. Agravo desprovido.

(TRF4, AG 5045373-82.2021.4.04.0000, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 31/08/2023)

 

A decisão reconheceu a existência do periculum in mora, para o fim de assegurar o ressarcimento ao erário, evitar a dilapidação do patrimônio dos requeridos e buscar a efetividade de eventual condenação decorrente das sanções previstas no artigo 12 da Lei nº 8.429/1992. Considerou que para a sua caracterização era: "desnecessária a sua presença para a decretação da indisponibilidade de bens em ação de improbidade administrativa, sendo bastante, a esse fim, a presença de indícios suficientes da prática de ato de improbidade que acarrete dano ao Erário, pois afigura-se inequívoca a necessidade de se assegurar o resultado útil da ação de improbidade (aplicação do art. 7º, caput e parágrafo único, da Lei 8.429/1992)". À época vigorava o entendimento jurisprudencial de que, reconhecida a presença do fumus boni iuris, especialmente no que se refere à necessidade de preservação do erário em virtude dos indícios da prática de ato ímprobo pelo recorrente e outros, estava justificado o pedido do MPF de indisponibilidade de bens para garantir a recuperação do patrimônio do público, da coletividade e do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido, bem como o periculum in mora era considerado presumido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO PROMOVIDO. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. EXEGESE DO ART. 7º DA LEI N. 8.429/1992, QUANTO AO PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. MATÉRIA PACIFICADA PELA COLENDA PRIMEIRA SEÇÃO.

1. Tratam os autos de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal contra o ora recorrido, em virtude de imputação de atos de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/1992).

2. Em questão está a exegese do art. 7º da Lei n. 8.429/1992 e a possibilidade de o juízo decretar, cautelarmente, a indisponibilidade de bens do demandado quando presentes fortes indícios de responsabilidade pela prática de ato ímprobo que cause dano ao Erário.

3. A respeito do tema, a Colenda Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.319.515/ES, de relatoria do em. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator para acórdão Ministro Mauro Campbell Marques (DJe 21/9/2012), reafirmou o entendimento consagrado em diversos precedentes (Recurso Especial 1.256.232/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2013, DJe 26/9/2013; Recurso Especial 1.343.371/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/4/2013, DJe 10/5/2013; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 197.901/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 28/8/2012, DJe 6/9/2012; Agravo Regimental no Agravo no Recurso Especial 20.853/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 29/6/2012; e Recurso Especial 1.190.846/PI, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/12/2010, DJe 10/2/2011) de que, "(...) no comando do art. 7º da Lei 8.429/1992, verifica-se que a indisponibilidade dos bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, atendendo determinação contida no art. 37, § 4º, da Constituição, segundo a qual 'os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível'. O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Assim, a Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art. 789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido".

4. Note-se que a compreensão acima foi confirmada pela referida Seção, por ocasião do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial 1.315.092/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 7/6/2013.

5. Portanto, a medida cautelar em exame, própria das ações regidas pela Lei de Improbidade Administrativa, não está condicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora encontra-se implícito no comando legal que rege, de forma peculiar, o sistema de cautelaridade na ação de improbidade administrativa, sendo possível ao juízo que preside a referida ação, fundamentadamente, decretar a indisponibilidade de bens do demandado, quando presentes fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa.

6. Recursos especiais providos, a que restabelecida a decisão de primeiro grau, que determinou a indisponibilidade dos bens dos promovidos.

7. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e do art. 8º da Resolução n. 8/2008/STJ.

(REsp 1366721/BA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 19/09/2014) [ressaltado]


 

5) Dos Bens Imóveis Indisponibilizados

Afirma o agravante que o bloqueio alcança o montante de R$ 127.094.488,00, o que evidencia excesso e que apenas um dos imóveis bloqueados tem o valor R$ 4.635.227,39. Diz que foram indisponibilizados inúmeros bens e valores de sua propriedade, cujo montante é muito superior ao questionado nos autos, o que viola o princípio da proporcionalidade. Por fim, assevera que a multa civil não pode ser incluída na medida por ter natureza sancionatória e não reparatória.

O parágrafo 11 do artigo 16 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que: "a ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo". Assim, a indisponibilidade deve priorizar a ordem indicada e somente poderá recair sobre valores depositados em contas bancárias no caso de inexistência desses bens, de forma a garantir a subsistência do acusado.

Por sua vez, o parágrafo 5º do artigo 16 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, prevê que nas ações em que houver pluralidade de réus o valor total da constrição não poderá superar o montante do dano ao erário indicado na inicial:

Art. 16 ...

§ 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.  (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)

 

Relativamente ao valor da multa civil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo 1055, pacificou o entendimento de que a indisponibilidade de bens, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, pode abarcar o valor da multa civil, vez que constitui sanção autônoma. Foi fixada a seguinte tese jurídica: “É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos" (REsp n. 1.862.792/PR, REsp n. 1.862.797/RP, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Seção, julgado em 25/8/2021, DJe de 3/9/2021). Contudo, o parágrafo 10 do artigo 16 da norma em comento, dispositivo também incluído pela Lei nº 14.230/2021, passou a estabelecer que a indisponibilidade deve recair sobre bens que assegurem o ressarcimento integral do dano ao erário, excluídos os valores relativos à multa civil e ao acréscimo patrimonial decorrente de atividade ilícita, verbis:

Art. 16 ...

§ 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.

 

A decisão agravada deferiu: "parcialmente o pedido de liminar para decretar a indisponibilidade de ativos financeiros e bens dos réus" e determinou que a:"indisponibilidade, no valor de R$ 5.777.022,18 (cinco milhões setecentos e setenta e sete mil e vinte e dois reais e dezoito centavos), será comandada, em sua integralidade, com relação a cada um dos requeridos, sendo que eventual excesso de bloqueio será apreciado oportunamente e apenas depois do resultado do cumprimento da presente ordem" (Id. 43504409). Na fixação do valor, o magistrado adotou como parâmetro o sobrepreço que teria sido praticado pela COAF nos Contratos nº 55/2013 e nº 97/2014, nos valores atualizados de R$ 1.485.859,49 (R$ 1.008.000,00, corrigido desde março de 2013) e R$ 439.814,57 (R$ 320.000,00, atualizado desde maio de 2014), respectivamente, multiplicado por três, valor correspondente à multa civil.

No caso concreto, o valor do prejuízo ao erário indicado na inicial é de R$ 4.619.865,35 (Id. 40371196). O autor considerou no cálculo o superfaturamento do preço do produto, acrescido: "dos valores pelos quais os denunciados beneficiaram-se, originados das verbas públicas federais". Indicou que nos contratos nº 55/2013 e nº 97/2014 foi apurado um superfaturamento de R$ 1.008.000,00 e de R$ 220.000,00 e que os valores auferidos pelos réus teriam sido de R$ 1.024.887,73 e R$ 553.718,13, respectivamente, o que totaliza o montante de R$ 2.806.605,86, que, atualizado até 09/2020, perfaz o valor total de R$ 4.619.865,35. Desse modo, o montante indisponibilizado deve ser reduzido para R$ 4.619.865,35.

Extrai-se do feito original que foram bloqueadas as quantias, abaixo discriminadas (Id. 44312240 fls. 03/05), bem como indisponibilizados os seguintes bens imóveis e veículo de propriedade do agravante (Id. 45672718 – fls. 04/06, Id. 45672720 – fl. 02 e Id. 44312240 fls. 03/05):

Data Instituição Financeira Valor
18/01/2021 Caixa Econômica Federal R$ 513,79
18/01/2021 Banco Itaú R$ 43.295,70
18/01/2021 Banco Santander R$ 51.752,05
18/01/2021 CECM Méd. Campinas R$ 757,32
18/01/2021 Banco Bradesco R$ 22.646,44
Totais R$ 118.965,30

 

Descrição
Imóvel objeto da matrícula nº 43.537 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP
Imóvel objeto da matrícula nº 46.720 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP
Imóvel objeto da matrícula nº 80.885 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP
Imóvel objeto da matrícula nº 115.512 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS 
Imóvel objeto da matrícula nº 93.671 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP
Imóvel objeto da matrícula nº 93.672 do 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP
Imóvel objeto da matrícula nº 46.940 do 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS SP

 

De acordo com as certidões emitidas pela Prefeitura Municipal de Campinas/SP, colacionadas aos autos (Id. 197580386 a 197580389), os imóveis, abaixo relacionados, de propriedade do agravante, apresentam os seguintes valores venais:

Nº Matrícula Cartório Valor venal
80885 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas/SP R$ 4.635.227,39
93671 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas/SP R$ 408.600,13
93672 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas/SP R$ 438.660,73
Valor Total R$ 5.482,488,25

 

Verifica-se que o valor total dos bens imóveis acima indicados (R$ 5.482.488,25), de propriedade apenas do recorrente, supera o valor do dano do erário indicado na inicial. Desse modo, o valor da indisponibilidade deve ser reduzido para o montante de R$ 4.619.865,35, bem como considerado que a soma dos bens e valores bloqueados de todos os réus não poderá ultrapassar esse valor, motivo pelo qual devem ser liberados os imóveis do requerido que, conjuntamente com os bens bloqueados os demais réus, excedam o montante indicado, bem como os valores bloqueados nas contas de sua titularidade mantidas junto à Caixa Econômica Federal, Banco Itaú, Banco Santander, CECM Méd. Campinas e Banco Bradesco.

Desse modo, a antecipação parcial da tutela recursal deve ser confirmada para o fim reduzir o valor da indisponibilidade para o montante de R$ 4.619.865,35, estabelecer que a soma dos bens e valores bloqueados de todos os réus não pode ultrapassar esse valor, ordenar a liberação dos bens imóveis do agravante que excedam, conjuntamente com todos os bens constritos dos demais réus, o montante indicado na inicial e liberar os valores bloqueados nas contas de titularidade do recorrente mantidas junto à Caixa Econômica Federal, Banco Itaú, Banco Santander, CECM Méd. Campinas e Banco Bradesco.

 

6. Do Dispositivo

Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.

 

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CRIMINAL QUE APURA OS MESMOS FATOS. BIS IN IDEM. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL. CIVIL E ADMINISTRATRIVA. ARTIGO 935 CC. ARTIGO 12, CAPUT, DA LEI Nº 8.429/92. INOCORRÊNCIA. AÇÃO. PROVA DEFINITIVA DA CONDUTA ÍMPROBA. DESNECESSÁRIA. ÍNDICIOS DA OCORRÊNCIA E AUTORIA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS. LEI Nº 14.230/2021. ARTIGO 14 DO CPC. INAPLICÁVEIS. ORDEM DE INDISPONIBILIDADE. PLURALIDADE DE RÉUS. CONSTRIÇÃO NÃO PODE SUPERAR O MONTANTE DO DANO INDICADO. ART. 16, §§ 5 E 11, DA LIA. MULTA CIVIL. EXCLUÍDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- O artigo 935 do Código Civil e artigo 12, caput, da Lei nº 8.429/92, verbis, tratam da independência entre as esferas das responsabilidades penal, civil e administrativa. Da leitura dos dispositivos, pode-se concluir que um mesmo fato praticado pode implicar responsabilização em diversas esferas e acarretar a aplicação de penalidades distintas, uma vez que a natureza e finalidade das condutas a serem apuradas são diversas. Nesse sentido, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz e, Luís Otávio Sequeira de Cerqueira e Rogério Favreto ao tratar do tema fazem a seguinte observação: “não há qualquer violação ao sistema, nem bis in idem, quando um mesmo fato possa justificar a aplicação de três penalidades distintas contra uma mesma pessoa, sendo certo que a absolvição na esfera penal, como regra geral, pode não ter qualquer reflexo nas demais” (Gajardoni Fernando da Fonseca, Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo, Cerqueira, Luís Otávio Sequeira de e Favreto, Rogério. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Ed. 2020. Capítulo III. Das Penas. Art. 12. Página RL-1.7. Thomson Reuters Brasil. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/100959444/v4/page/RL-1.7).

- Para jurisprudência, em virtude da autonomia e independência das esferas, a improcedência da ação cível ou do procedimento administrativo não interfere no julgamento da ação penal, salvo se constatada a inexistência de fato ou negativa de autoria. Precedentes.

- A prova definitiva da conduta ímproba não é condição necessária para a propositura da ação de improbidade administrativa. Bastam indícios verossímeis de sua ocorrência no plano material e de autoria, os quais poderão ser confirmados ou desqualificados no transcorrer da instrução probatória. Precedentes.

- A ação foi proposta quando estava em vigor a redação antiga do § 6º do artigo 17 da LIA, que estabelecia que a inicial deveria ser instruída com documentos que contivessem indícios suficientes da existência de atos ímprobos. A nova redação do dispositivo, dada pela Lei nº 14.230/2021, passou a exigir a descrição individualizada da conduta do réu e o apontamento dos elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência, no caso concreto, da ação ou omissão dolosa que tenha causado lesão ao erário e ensejado a efetiva e comprovada perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres.

- Consoante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “a constrição patrimonial deve alcançar o valor da totalidade da lesão ao erário, bem como sua repercussão no enriquecimento ilícito do agente, decorrente do ato de improbidade que se imputa, excluídos os bens impenhoráveis assim definidos por lei, salvo quando estes tenham sido, comprovadamente, adquiridos também com produto da empreitada ímproba, resguardado, como já dito, o essencial para sua subsistência” (STJ, AGREsp 1510347, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 05/02/2016; g.n.). O que se pretende resguardar com a impenhorabilidade patrimonial é a impossibilidade de o devedor ser privado do usufruto de determinados bens fundamentais ao seu sustento - entendimento estendido à indisponibilidade no tocante a esse ponto.

- As alterações legislativas concernentes ao ato de indisponibilidade não se aplicam ao caso concreto, em vista das disposições contidas no artigo 14 do CPC, segundo o qual: "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

- O Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que, em virtude da teoria dos atos processuais isolados, a alteração legislativa processual concernente à indisponibilidade de bens não é retroativa e aplica-se ao processo no estágio em que se encontra, sem atingir a medida decretada quando da entrada em vigor da nova lei. Precedentes.

- À época do decisum vigorava o entendimento jurisprudencial de que, reconhecida a presença do fumus boni iuris, especialmente no que se refere à necessidade de preservação do erário em virtude dos indícios da prática de ato ímprobo pelo recorrente e outros, estava justificado o pedido do MPF de indisponibilidade de bens para garantir a recuperação do patrimônio do público, da coletividade e do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido, bem como o periculum in mora era considerado presumido. Precedente.

- O parágrafo 11 do artigo 16 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, estabelece que: "a ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo". Assim, a indisponibilidade deve priorizar a ordem indicada e somente poderá recair sobre valores depositados em contas bancárias no caso de inexistência desses bens, de forma a garantir a subsistência do acusado.

- O parágrafo 5º do artigo 16 da LIA, incluído pela Lei nº 14.230/2021, prevê que nas ações em que houver pluralidade de réus o valor total da constrição não poderá superar o montante do dano ao erário indicado na inicial.

- Relativamente ao valor da multa civil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo 1055, pacificou o entendimento de que a indisponibilidade de bens, em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, pode abarcar o valor da multa civil, vez que constitui sanção autônoma. Foi fixada a seguinte tese jurídica: “É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na alegada prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos" (REsp n. 1.862.792/PR, REsp n. 1.862.797/RP, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do TRF5), Primeira Seção, julgado em 25/8/2021, DJe de 3/9/2021). Contudo, o parágrafo 10 do artigo 16 da norma em comento, dispositivo também incluído pela Lei nº 14.230/2021, passou a estabelecer que a indisponibilidade deve recair sobre bens que assegurem o ressarcimento integral do dano ao erário, excluídos os valores relativos à multa civil e ao acréscimo patrimonial decorrente de atividade ilícita.

- Recurso parcialmente provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTINS (Relator), com quem votaram a Des. Fed. MARLI FERREIRA e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente em razão de férias, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (substituído pelo Juiz Fed. Convocado SIDMAR MARTINS), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.