APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002708-56.2008.4.03.6100
RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE
SUCEDIDO: BRASILIA DE JOIAS SOCIEDADE MERCANTIL E COMISSARIA LTDA
APELANTE: FRATTINA COMERCIO DE JOIAS LTDA
Advogado do(a) SUCEDIDO: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002708-56.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE SUCEDIDO: BRASILIA DE JOIAS SOCIEDADE MERCANTIL E COMISSARIA LTDA Advogado do(a) SUCEDIDO: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: [ialima] R E L A T Ó R I O Apelação interposta por Frattina Comercio de Joias Ltda., contra sentença que, em sede de mandado de segurança, denegou a segurança e julgou improcedente o pedido de liberação das mercadorias objeto do termo de fiel depositário lavrado nos autos do Mandado de Procedimento Fiscal n.º 08.1.55.00.2007-01673 (Id 100443871, p. 34/36). Opostos embargos de declaração (Id 100443871, p. 45/49), foram rejeitados (Id 100443871, p. 53/54). Aduz (Id 100443871, p. 61/96) que: a) a sentença é nula, porquanto violados os artigos 93, inciso IX, da Constituição, 128, 458, incisos II e III, 460 e 535, do Código de Processo Civil de 1973; b) é inquestionável o direito à requisição das cópias do processo administrativo mesmo em sede de mandado de segurança; c) os documentos contantes dos processos administrativos gozam de fé pública e fazem prova plena dos dados neles inseridos, o que exonera o beneficiário do ônus probatório (artigo 334, inciso IV, do CPC/73); d) restou comprovado por meio das respectivas notas fiscais de aquisição, regularmente registradas e contabilizadas nos livros fiscais, que os relógios retidos foram adquiridos de empresas regularmente estabelecidas e representantes das respectivas marcas no Brasil; e) não há motivação legal para restrição imposta aos bens legitimamente adquiridos no mercado interno de revendedores autorizados e regularmente inscritos, f) não é contribuinte dos impostos devidos na importação, tampouco pode ser equiparado ao estabelecimento produtor ou responsabilizado pela tributação sobre a importação nas subsequentes saídas dos produtos importados pelas revendedoras; g) o CTN não autoriza a instituição de responsabilização solidária do adquirente de mercadorias nacionalizadas. Em contrarrazões (Id 100443871, p. 101/105), a União requereu a manutenção da sentença. O parecer ministerial é no sentido de que seja desprovido o recurso (Id 100443871, p. 112/115). É o relatório.
APELANTE: FRATTINA COMERCIO DE JOIAS LTDA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002708-56.2008.4.03.6100 RELATOR: Gab. 11 - DES. FED. ANDRÉ NABARRETE SUCEDIDO: BRASILIA DE JOIAS SOCIEDADE MERCANTIL E COMISSARIA LTDA Advogado do(a) SUCEDIDO: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O I – Dos fatos Mandado de segurança impetrada por Frattina Comercio de Joias Ltda. contra ato praticado pelo Inspetor Chefe da Receita Federal em São Paulo/SP, com vista à liberação das mercadorias objeto do termo de fiel depositário lavrado nos autos do Mandado de Procedimento Fiscal n.º 08.1.55.00.2007-01673. Para melhor compreensão da questão, faço uma breve exposição dos fatos, tais como apresentados no feito: a) a empresa tem como objeto o comércio de joias, relógios e artigos para presentes (Id 100440772, p. 30); b) em 11.12.07, foi lavrado o termo de fiel depositário, cumprimento ao Mandado de Procedimento Fiscal n° 0815500-2007/01673-5 com a apreensão de 79 relógios e a nomeação de seu representante legal como fiel depositário (Id 100440772, p. 36); c) em 14.12.2007, foi requerida junto à autoridade fiscal a liberação das mercadorias, medicante apresentação das respectivas notas fiscais de aquisição, regularmente registradas e contabilizadas nos livros fiscais, com a indicação de que os relógios foram regularmente adquiridos e pagos no mercado interno de firmas legalmente estabelecidas e representantes das respectivas marcas no Brasil (Relógios Rolex Ltda, CNPJ n.º 61.535.159/0001-03, Cartier do Brasil Ltda. CNPJ n.º 49.943.533/0001-04, Victorinox do Brasil Com. Imp. e Exp. Ltda., CNPJ n.º 73.076.408/0001-10, Cotia Trading S.A., CNPJ n.º 72.891.955/0001-97, Condor & Shark Comércio Imp. e Exp. Ltda. CNPJ n.º 07.549.586/0001-97, Ferreira & Silva Imp. Prod. Esportivos Ltda., CNPJ n.º 04.353.332/0001-00 e Apolo Com. Imp. e Exp. Ltda., CNPJ n.º 65.982.761/0001-31 (Id 100440772, p. 33/34); II – Da aplicação da lei processual Inicialmente, ressalta-se que a sentença recorrida foi proferida em 23.04.2008 (Id 100443871, p. 34/36), razão pela qual, aplicada a regra do tempus regit actum, segundo a qual os atos jurídicos se regem pela lei vigente à época em que ocorreram, o recurso será analisado à luz do Diploma Processual Civil de 1973 (Enunciados Administrativos n.º 01 e 03/2016, do STJ). III – Da nulidade da sentença No que toca à invocada nulidade da decisão por ausência de fundamentação, com o que restariam ofendidos os artigos 5º, inciso LV, 93, inciso IX, da CF, 128, 458, incisos II e III, 460 e 535, do Código de Processo Civil de 1973, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica no sentido de que se considera fundamentada uma decisão se o magistrado se pronuncia de maneira clara, ainda que sucinta, acerca dos motivos do seu convencimento, verbis: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DILIGÊNCIA PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA. ANÁLISE E VALORAÇÃO DA PROVA PELO ÓRGÃO JULGADOR. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 279 DO STF. INCIDÊNCIA. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 5º, XXXV. INOCORRÊNCIA. SUSCITADA CONTRARIEDADE AO ART. 93, IX, DA LEI FUNDAMENTAL. ACÓRDÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. AGRAVO IMPROVIDO. [...] IV - A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não impõe seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu convencimento. V - Agravo regimental improvido. (AI 853890 AGR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 28.02.2012, destaquei). AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. CRÉDITOS ESCRITURAIS. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA REFLEXA - AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. O artigo 93, IX, da Constituição resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Precedentes: RE n. 611.926 - AgR/SC, 1ª T., Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 03/03/2011; RE n. 626.689 - AgR/MG, 1ª T., Rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 02/03/11; AI n. 727.517 - AgR/RJ, 2ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 08/02/11; AI n. 749.229 - AgR/RS, 2ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 08/02/11. [...] 5. Agravo regimental a que se nega provimento." (RE 609513 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 25.10.2011, destaquei). In casu, ao contrário do que sustenta a apelante, o juízo a quo atendeu à legislação, com a devida fundamentação de sua decisão, ainda que concisa, posto que se manifestou sobre a legalidade da aplicação da pena de da conduta da apeladas e a ausência de violação ao princípio da ampla defesa e contraditório (Id 102761485, p. 62/65). IV - Da retenção das mercadorias Cinge-se a questão ao exame da legalidade da retenção das mercadorias objeto do Termo de Fiel Depositário lavrado em cumprimento ao Mandado de Procedimento Fiscal n° 0815500-2007/01673-5, realizada com fundamento nos artigos 23, inciso IV, do Decreto-Lei n.º 1.455/76 e 105, inciso X, do Decreto-Lei n.º 37/66 e 374 do Decreto n.º 4.544/2002, que assim dispunham à época dos fatos: Decreto-Lei n.º 1.455/76 Art. 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: (...) IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas " a " e " b " do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-Lei número 37, de 18 de novembro de 1966. § 1° O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias." Decreto-Lei n.º 37/66 Art. 105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria: (...) X- estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação regular; Decreto n.º 4.544/2002 Art. 374. Sem prévia autorização do Fisco Estadual, os livros não poderão ser retirados do estabelecimento, salvo para serem levados à repartição fiscal. Parágrafo único. Presume-se retirado do estabelecimento o livro que não for exibido ao Fisco, quando solicitado. De acordo com as informações prestadas pela autoridade fiscal, em ação de fiscalização realizada no estabelecimento da recorrente foram apreendidos 79 relógios de origem estrangeira sem a comprovação da regularidade da importação, porquanto não apresentados os livros fiscais, na forma do artigo 374 do Decreto n.º 4.544/2002. Sobre as notas fiscais juntadas aos autos, a Receita Federal afirmou que: A lavratura de tal Termo de Fiel Depositário foi, portanto, consequência direta da omissão e recusa da própria impetrante, que ilegal e injustificadamente, tentou escapar à ação da Administração Pública, deixando de exibir provas de regular importação das mercadorias que expunha à venda em seu estabelecimento comercial, embora legalmente obrigada a fazê-lo. Também as notas fiscais anexadas pela impetrante à inicial em nada contribuem para comprovação de seu suposto direito líquido e certo. Sim, pois tais documentos (jamais apresentados ao Fisco, embora exigidos), devem, necessariamente, ser submetidos à criteriosa análise, para que, ao final, se conclua (ou não) que, realmente, as referidas notas fiscais contemplam os bens em comento, que as cópias de tais notas fiscais coincidem com os originais daquelas emitidas pelos fornecedores, que tais empresas, emissoras das referidas notas fiscais, possuem documentação de importação suficiente a acobertá-las, que houve a devida escrituração nos livros da impetrante; que a impetrante possuía recursos (de origem lícita) suficientes às aquisições documentadas, etc. Portanto, não há nenhuma prova cabal de que os bens alegadamente adquiridos de tais fornecedores são realmente aqueles que a impetrante pretende ver liberados para imediata comercialização, muito embora tal prova (a seu ônus) seja expressamente exigida para viabilizar o rito mandamental. [Id 100443870, p. 96, destaquei]. Diferentemente do afirmado pela autoridade fiscal, protocolizado requerimento administrativo com a apresentação das notas fiscais emitidas por empresas regularmente estabelecidas (Id 100440772, p. 33/34, 41/204 e Id 100443870, p. 03/74) que demonstram a aquisição da mercadoria importada no mercado interno, presume-se a boa-fé do adquirente, com o afastamento da alegação de que a impetrante deveria provar a importação regular, obrigação exigível ao importador. Sobre o tema cumpre destacar a oportuna análise feita pelo Desembargador Federal Lazarano Neto, no julgamento da Apelação Cível n.º 0801764-88.1994.4.03.6107, cujo trecho transcrevo: Portanto, o consumidor final do produto importado, exposto à venda no mercado interno, não pode ser responsável pelo tributo não recolhido pelo comerciante/importador, muito menos sofrer penalidades decorrentes desse inadimplemento, a menos que esteja caracterizada situação de fraude, conluio ou má-fé. Não há nos autos qualquer demonstração nesse sentido, razão pela qual não se pode admitir a aplicação de sanção, decorrente da aquisição de boa-fé, mediante nota fiscal devidamente emitida, de mercadoria importada. No mesmo sentido: TRIBUTÁRIO E ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA ESTRANGEIRA. BEM ADQUIRIDO NO MERCADO INTERNO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AFASTADA A APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO. Conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a importação irregular de mercadorias não pode prejudicar o adquirente de boa-fé no mercado interno. (TRF 4ª Região, Segunda Turma, AC 5016380-22.2019.4.04.7009, Rel. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, j. 16.05.2023, destaquei). ADMINISTRATIVO. MERCADORIA ESTRANGEIRA. PROCEDÊNCIA IRREGULAR. PENA DE PERDIMENTO. ADQUIRENTE. TERCEIRO DE BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos do entendimento jurisprudencial já firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a "'aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada mediante nota fiscal, gera a presunção de boa-fé do adquirente (...)' (REsp nº 718.021/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 22.05.06). Precedentes: AgRg no REsp nº 510.659/DF, Rel. Min. José Delgado, DJ de 09.12.2003; AgRg no REsp nº 553.742/SE, Rel. Min. Denise Arruda, DJ de 03.04.2006." (AgRg no REsp 648.959/MG, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, j. 07.11.2006, DJ 14/12/2006). 2. Em igual passo esta Corte, ao sedimentar o entendimento de que a "aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada, mediante transação regular, gera a presunção de boa fé do adquirente, cabendo ao Fisco a prova em contrário. A pena de perdimento não pode se dissociar do elemento subjetivo, tampouco desconsiderar a boa fé do adquirente." (AMS 330.055/SP, Relatora Desembargadora Federal Alda Basto, Quarta Turma, j. 24.10.2013, e-DJF3 Judicial 1 em 05.11.2013). 3. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, Quarta Turma, AMS: 0005780-60.2014.4.03.6126, Rel. Juiz Fed. Conv. Marcelo Guerra, j. 27.10.2016, destaquei). Por fim, as questões relativas aos demais dispositivos mencionados no recurso, artigos 5º, incisos II, XXXIII, XXXIV, alínea “a”, XXXVI, LIV, LV, 19, inciso II, 37, e 150, incisos I e IV, da CF, 2º 3º, 6º, e 37 da Lei n.º 9.784/99, 9º, inciso III, 14, inciso II, do RIPI/02, 4º, §2º, inciso II, 25, 35 da Lei n.º 4.502/64, 249, §2º, 334, inciso I, 364 e 387, do CPC/73, 46, 51, 97, 113, 114 e 142 do CTN, bem como as Súmulas 70, 323 e 574/STF não interferem nesse entendimento pelos motivos já indicados. V – Do dispositivo Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença para conceder a segurança e determinar a liberação das mercadorias irregularmente apreendidas. Sem honorários, na forma do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09. Custas ex vi legis. É como voto.
APELANTE: FRATTINA COMERCIO DE JOIAS LTDA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO LUIZ DA GAMA LOBO D ECA - SP66899-A
E M E N T A
ADUANEIRO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AQUISIÇÃO DE MERCADORIAS IMPORTADAS PARA VENDA. APRESENTAÇÃO DE NOTAS FISCAIS. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. RECURSO PROVIDO.
- A apreensão pela autoridade aduaneira foi realizada com fundamento no artigo 105, inciso X, do Decreto-Lei n.º 37/66, segundo o qual aplica-se pena de perdimento à mercadoria estrangeira exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no país, se não for feita prova de sua importação regular.
- Diferentemente do afirmado pela Receita Federal, apresentadas as notas fiscais emitidas por empresas regularmente estabelecidas que demonstram a aquisição da mercadoria importada no mercado interno, presume-se a boa-fé do adquirente, com o afastamento da alegação de que a impetrante deveria provar a importação regular, obrigação que é exigível ao importador. Precedentes.
- Apelação provida.