APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010321-89.2016.4.03.6119
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO EUGENIO DOS SANTOS - SP192844-A
APELADO: K ASSESSORIA CONSULTORIA E ORGANIZACAO CONTABIL SC.LTDA
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010321-89.2016.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO EUGENIO DOS SANTOS - SP192844-A APELADO: K ASSESSORIA CONSULTORIA E ORGANIZACAO CONTABIL SC.LTDA OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de Apelação (ID 278676157) do Conselho Regional de Contabilidade do Estado de São Paulo – CRC/SP contra sentença (ID 278676150) que julgou extinta a Execução Fiscal, declarando a inexigibilidade do crédito em razão da declaração de inconstitucionalidade, no julgamento do RE 704.292, do art. 2º da Lei 11.000/2004, não contando as CDAs com a Lei 12.249/10 ou a Lei 12.514/2011 como fundamentação legal para as anuidades. Sem condenação em honorários advocatícios. Em seu Apelo, o Conselho argumenta se configurar a chamada “decisão surpresa”, mostrando-se nula a sentença em virtude de não oportunizada ao apelante a possibilidade de se manifestar; que são exigíveis as anuidades. Sem contrarrazões. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0010321-89.2016.4.03.6119 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO SAO PAULO Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO EUGENIO DOS SANTOS - SP192844-A APELADO: K ASSESSORIA CONSULTORIA E ORGANIZACAO CONTABIL SC.LTDA OUTROS PARTICIPANTES: V O T O De início, afasto a preliminar de nulidade, pois não há que se falar em surpresa na decisão que extinguiu a Execução Fiscal. Trata-se de desdobramento natural da ação ajuizada e aplicação da fundamentação legal que o julgador entendeu coerente com o caso concreto; ademais, a jurisprudência pertinente consolidou-se no sentido de que, por ocasião da Apelação, é possível à exequente demonstrar o prejuízo provocado, isto é, a existência de causas suspensivas ou interruptivas da prescrição. Não procedendo desse modo, não haveria que se falar em nulidade ou cerceamento de defesa (“pas des nullités sans grief”), haja vista ser proporcionada a oportunidade de justificar seu inconformismo e, simultaneamente, por em prática os Princípios da Celeridade Processual e Instrumentalidade das Formas. É nesse sentido o entendimento do C. STJ: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DO STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. APRECIAÇÃO PELO STJ. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS IMPERTINENTES. SÚMULA N. 284/STF. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO SURPRESA. AUSÊNCIA. MEMORIAIS FINAIS. INTIMAÇÃO. AUSÊNCIA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. DECISÃO MANTIDA. (...) 6. Sobre o princípio da vedação de decisão surpresa, a jurisprudência do STJ é de que: (i) "nos termos da jurisprudência do STJ, não cabe alegar surpresa se o resultado da lide encontra-se previsto objetivamente no ordenamento disciplinador do instrumento processual utilizado e insere-se no âmbito do desdobramento causal, possível e natural, da controvérsia" (REsp n. 1.823.551/AM, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/9/2019, DJe 11/10/2019), (ii) "a aplicação do princípio da não surpresa não impõe, portanto, ao julgador que informe previamente às partes quais os dispositivos legais passíveis de aplicação para o exame da causa" (EDcl no REsp n. 1.280.825/RJ, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe de 1º/08/2017), e (iii) "não há que se falar em violação à vedação da decisão surpresa quando o julgador, examinando os fatos expostos na inicial, juntamente com o pedido e a causa de pedir, aplica o entendimento jurídico que considerada coerente para a causa" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.864.731/SC, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 194/2021, DJe 26/4/2021). (...) (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 1.480.468/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, DJ 31.05.2021) AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/1973. SENTENÇA FAVORÁVEL AO FALIDO PROFERIDA NA JUSTIÇA FEDERAL. DETERMINAÇÃO DE DISPONIBILIZAÇÃO DOS VALORES EM FAVOR DA MASSA. TRANSFERÊNCIA DO DEPÓSITO AO JUÍZO FALIMENTAR. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR PARA REAPRECIAR O DESTINO DOS VALORES DEPOSITADOS. OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO NO JUÍZO FEDERAL. CHAMADA DO FEITO À ORDEM. DECISÃO SURPRESA. NÃO OCORRÊNCIA. (...) 7. Julgados desta Corte Superior no sentido de que não há falar em decisão surpresa quando se trata de "desdobramento causal, possível e natural, da controvérsia". Aplicação dos brocados 'iura novit curia' e 'da mihi factum, dabo tibi ius', nesses casos. 8. Caso concreto em que a incompetência do juízo falimentar é mero desdobramento causal do trânsito em julgado da interlocutória no juízo federal.9. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (STJ, AgInt no REsp 1.695.770/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 17.10.2018) As contribuições destinadas aos Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica tributária, portanto sujeitas ao princípio da legalidade, nos termos dos art. 149 e 150, I, da Constituição Federal, de maneira que é vedada a fixação ou mesmo o aumento do valor das anuidades por meio de atos infralegais, como Resoluções ou Portarias. O art. 149 da Constituição Federal prevê que "Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo". Em adição ao disposto, o art. 150, I, da CF veda expressamente aos entes federativos "exigir ou aumentar tributo sem lei que estabeleça". Ora, a simples previsão legal que atribua aos conselhos ou os autorize a fixar as anuidades não obedece ao previsto pelos comandos constitucionais, na prática delegando àquelas entidades, de natureza autárquica - ou seja, pessoas jurídicas de direito público interno (art. 41, IV, Código Civil), de modo que as contribuições possuem caráter tributário - o poder de estabelecer o que cabe tão somente à lei. Nesse sentido é que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar em 07.11.2002 a ADI 1717/DF, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 58, §4º, da Lei nº 9.649/98 que autorizava os Conselhos a fixar, cobrar e a executar as respectivas anuidades. A esse respeito, há necessidade de constar expressamente a Lei 12.514/2011 – ou, no caso, a Lei 12.249/10 – na CDA, norma vigente que valida a cobrança, devendo estar descrito todo fundamento legal da cobrança a fim de permitir ao executado identificar corretamente o que lhe é cobrado, à luz da legislação. Constando originalmente da fundamentação legal da CDA tão somente a Lei 11.000/04, evidente a inexigibilidade das anuidades pela inobservância do quanto disposto pelo art. 2º, §5º, III, da Lei nº 6.830/80, bem como o art. 202, III do CTN. Nesse sentido: CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ANUIDADE. COBRANÇA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. I - As contribuições destinadas aos Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica tributária, portanto sujeitas ao princípio da legalidade, nos termos dos art. 149 e 150, I, da Constituição Federal, de maneira que é vedada a fixação ou mesmo o aumento do valor das anuidades por meio de atos infralegais, como Resoluções ou Portarias. Precedentes do STF. II - No caso em tela, consta como fundamentação legal da cobrança na CDA tão somente o inciso XI, do art. 7º da Lei Federal nº 6.316/75, tornando evidente a inexigibilidade das anuidades de 2009 a 2012. III - Recurso de apelação improvido. (TRF3, ApCiv 5005721-20.2018.4.03.6102/SP, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, 4ª Turma, DJ 12.06.2020) TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO DE CLASSE. ANUIDADES DE 2011, 2012, 2013 e 2014. FIXAÇÃO POR RESOLUÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 150, CAPUT E INC. I, CF). (...) - Os requisitos essenciais da certidão de dívida ativa estão descritos no artigo 202 do Código Tributário Nacional e no artigo 2º, § 5º, da Lei nº 6.830/80. - A legislação mencionada na certidão de dívida ativa não permite ao contribuinte a identificação do fundamento legal do tributo exigido, porquanto indica para a cobrança das anuidades do período de 2012 a 2014, no que concerne à anuidade de pessoa física o inciso XI do artigo 7º da Lei nº 6.316/75, sem mencionar, no entanto, a Lei nº 12.514/11. Ademais, é vedada da substituição da CDA. (Precedentes). - Não há que se falar em violação a princípios constitucionais e às Leis nº 6.316/75, 6.994/82 e 12.514/2011, uma vez que se harmonizam com a fundamentação exposta. - Apelação desprovida. (TRF3, ApCiv 0004775-95.2016.4.03.6105/SP, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, 4ª Turma, DJ 07.08.2020) Face ao exposto, nego provimento à Apelação, conforme fundamentação. É o voto.
O DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY
Peço vênia ao e. Relator para divergir de seu Voto.
Ao examinar e desprover o recurso, entendeu Sua Excelência:
“(...) o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar em 07.11.2002 a ADI 1717/DF, decidiu pela inconstitucionalidade do art. 58, §4º, da Lei nº 9.649/98 que autorizava os Conselhos a fixar, cobrar e a executar as respectivas anuidades.
A esse respeito, há necessidade de constar expressamente a Lei 12.514/2011 – ou, no caso, a Lei 12.249/10 – na CDA, norma vigente que valida a cobrança, devendo estar descrito todo fundamento legal da cobrança a fim de permitir ao executado identificar corretamente o que lhe é cobrado, à luz da legislação. Constando originalmente da fundamentação legal da CDA tão somente a Lei 11.000/04, evidente a inexigibilidade das anuidades pela inobservância do quanto disposto pelo art. 2º, §5º, III, da Lei nº 6.830/80, bem como o art. 202, III do CTN (...)”
Todavia, com a devida vênia, tenho que a solução apresentada pelo eminente Desembargador Federal relator não se ajusta à melhor interpretação, haja vista que se está a desconsiderar a CDA exclusivamente pela não referência ao texto legal.
Ora, denota-se do título executivo que restaram atendidos os requisitos previstos no artigo 2º, § 5º, inciso III, da Lei 6.830/80, pois é possível identificar com clareza a origem da dívida e a natureza do crédito executado.
Nada obstante, penso que cabe ao magistrado julgar os fatos de acordo com o direito. O princípio do “iura novit curia” ou “naha mihi factum dabo tibi ius” estabelece que o magistrado está vinculado aos fatos narrados e não a dispositivo de lei indicado pela parte.
A demanda se perfectibiliza com a exposição dos fatos litigiosos. Ao magistrado cumpre tão-somente aplicar a lei ao caso concreto.
Ademais, entendo que a apontada falha na menção do fundamento legal não tem o potencial de prejudicar o direito de defesa da parte executada, pois, conforme ressaltado, é possível identificar com clareza a origem da dívida e a natureza do crédito executado. Tal falha configura-se mero equívoco, superável pelo princípio da instrumentalidade e que pode, inclusive, ser sanado por outros elementos extrínsecos ao título executivo.
A propósito:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA. REQUISITOS (AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CO-RESPONSÁVEL PELO DÉBITO TRIBUTÁRIO E DE DISCRIMINAÇÃO DA DÍVIDA). ART. 2º, § 5º, DA LEI 6.830/80. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO.
1 - Segundo remansosa jurisprudência desta Corte e do Colendo STF, a execução fiscal é proposta contra a pessoa jurídica, não sendo exigível fazer constar da CDA o nome dos co-responsáveis pelo débito tributário, os quais podem ser chamados supletivamente. Precedentes.
2 - Não há nulidade a viciar a CDA sob o aspecto de ausência de discriminação do débito, eis que, de acordo com o declarado na sentença, é possível o conhecimento da exação cobrada, tendo ensejado ao executado o exercício da ampla defesa. Eventuais falhas formais não afetam a validade do título se não redundarem prejuízos para a defesa.
3 - Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art. 17, do CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa (CF, art. 5º, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa.
4 - Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para excluir do acórdão recorrido a condenação pela litigância de má-fé.”
(REsp n. 271.584/PR, relator Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 23/10/2000, DJ de 5/2/2001, p. 80.)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. REQUISITOS PARA CONSTITUIÇÃO VÁLIDA. FALTA DE INDICAÇÃO DO LIVRO E DA FOLHA DA INSCRIÇÃO DA DÍVIDA. NULIDADE NÃO CONFIGURADA.
1. Conforme preconiza os arts. 202 do CTN e 2º, § 5º da Lei nº 6.830/80, a inscrição da dívida ativa somente gera presunção de liquidez e certeza na medida que contenha todas as exigências legais, inclusive, a indicação da natureza do débito e sua fundamentação legal, bem como forma de cálculo de juros e de correção monetária.
2. A finalidade desta regra de constituição do título é atribuir à CDA a certeza e liquidez inerentes aos títulos de crédito, o que confere ao executado elementos para opor embargos, obstando execuções arbitrárias.
3. A pena de nulidade da inscrição e da respectiva CDA, prevista no artigo 203, do CTN, deve ser interpretada cum granu salis. Isto porque o insignificante defeito formal que não compromete a essência do título executivo não deve reclamar por parte do exequente um novo processo com base em um novo lançamento tributário para apuração do tributo devido, posto conspirar contra o princípio da efetividade aplicável ao processo executivo extrajudicial.
4. Destarte, a nulidade da CDA não deve ser declarada por eventuais falhas que não geram prejuízos para o executado promover a sua a defesa, informado que é o sistema processual brasileiro pela regra da instrumentalidade das formas (pas des nullités sans grief), nulificando-se o processo, inclusive a execução fiscal, apenas quando há sacrifício aos fins da Justiça.
5. Ademais, hodiernamente, a informática tornou anacrônica a exigência de livros de inscrição da dívida e, a fortiori, a menção a esse vetusto requisito na CDA.
6. Recurso especial provido.”
(REsp n. 660.623/RS, relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 19/4/2005, REPDJ de 05/09/2005, p. 241, DJ de 16/5/2005, p. 252.)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. REGULARIDADE DA CDA. SÚMULA 7/STJ. UTILIZAÇÃO DE ÍNDICE DIVERSO DA SELIC. RECORRENTE QUE JÁ POSSUI A SITUAÇÃO JURÍDICA QUE ALMEJA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. No juízo de primeiro grau, a demanda foi julgada extinta sem julgamento de mérito, considerando a impossibilidade de substituição da CDA, pois houve: i) vício na CDA, consistente na não indicação do art. 6º e seu inciso específico, da Lei 12.514/2011, que fundamenta a execução, uma vez que não seria suficiente a indicação genérica da referida norma; e ii) erro na correção monetária e nos juros de mora. No Tribunal de origem, o Recurso de Apelação foi julgado parcialmente procedente para "determinar o prosseguimento da execução fiscal em relação às anuidades de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, possibilitando a retificação da Certidão de Dívida Ativa, nos termos do Enunciado 392 de Súmula do STJ, a fim de que se corrija a irregularidade apontada." (fl. 264, e-STJ). Neste eg. STJ, monocraticamente, o Recurso Especial não foi conhecido.
2. O Tribunal a quo assim consignou ao decidir a controvérsia (fls. 260-262, e-STJ): "Não obstante o entendimento anterior em sentido diverso, diante da mudança de posicionamento observada nos órgãos fracionários deste eg. TRF2, passo a acompanhar o novel posicionamento trazido a este Colegiado pelo Exmo. Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro, quanto à desnecessidade de menção expressa ao artigo 6º da Lei nº 12.514/2011 para a validade da CDA.
A nulidade da CDA, em razão da ausência da indicação expressa do dispositivo legal, quando a menção à própria lei se verifica, somente se justificaria no caso de prejudicar, efetivamente, o direito de ampla defesa do executado, o que não ocorreu nos presentes autos. (...) Isto posto, sendo suficiente a referência à Lei nº 12.514/2011 como base legal da cobrança de anuidades, pois atende ao requisito previsto no artigo 2º, §5º, inciso III, da Lei 6.830/80, bem como a ausência de demonstração de que a não menção a dispositivo legal específico teria sido capaz de prejudicar o direito de ampla defesa, conclui-se que o termo de inscrição da dívida ativa foi regulamente constituído."
3. Quanto à alegação de violação ao art. 2º, § 5º, III, da Lei 6.830/1980, o acórdão do Tribunal Regional concluiu, com base nos elementos fático-probatórios acostados aos autos, que não houve irregularidade na inscrição da CDA, uma vez que não foi demonstrado o dano supostamente causado à ampla defesa.
4. Sendo esse o quadro, a revisão desse entendimento cobraria o reexame de provas, o que é vedado na via extraordinária, nos termos da Súmula 7 do STJ. Nesse sentido: STJ, AgRg no AREsp 626.348/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 11.3.2015; AgRg no REsp 1.506.059/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 24.3.2015; AgRg no REsp 1.488.260/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 3.2.2015; e AgRg no AREsp 609.330/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 19.12.2014.
5. A recorrente afirma que foram utilizados índices diversos do da Taxa Selic para fins de atualização do débito. Em relação à matéria, a Corte de origem registrou (fls. 263-264, e-STJ, grifei): "No presente caso, da análise da Certidão de Dívida Ativa acostada aos autos, verifica-se que o Conselho Profissional embasou a execução indicando a cobrança dos consectários de mora calculados com base em resoluções do Conselho Federal de Enfermagem - COFEN. (...) Desta forma, o débito deve ser atualizado pela Taxa Selic, sem cumulação com juros de mora, e não pelo índice IGP-M, como ocorreu no presente caso. Registre-se que não se deve confundir a atualização da dívida com o reajuste do valor estabelecido para as anuidades, este previsto no artigo 6º, § 1º, da Lei 12.514/2011, o qual estabelece que 'os valores das anuidades serão reajustados de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou pelo índice oficial que venha a substituí-lo'."
6. Como se observa, foi decidido que a atualização do débito deve ocorrer pela Taxa Selic, sem cumulação com juros de mora, exatamente como entende a recorrente. Assim, verifica-se que a parte já possui a situação jurídica que almeja, não existindo interesse recursal referente ao presente pedido, uma vez que ausente a utilidade. Nesse sentido: REsp 618.957/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 28.11.2005.
7. Agravo Interno não provido.”
(AgInt no REsp n. 2.032.613/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 30/6/2023.)
Ante o exposto, com a devida vênia ao e. Relator, voto por dar provimento à apelação, a fim de reformar a sentença e determinar o prosseguimento da execução fiscal.
É como voto.
E M E N T A
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO SURPRESA. INOCORRÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ANUIDADES. NULIDADE DA CDA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO LEGAL.
1. Não há que se falar em surpresa na decisão que extinguiu a execução fiscal. Trata-se de desdobramento natural da ação ajuizada e aplicação da fundamentação legal que o julgador entendeu coerente com o caso concreto.
2. As contribuições destinadas aos Conselhos Profissionais possuem natureza jurídica tributária, portanto sujeitas ao princípio da legalidade, nos termos dos art. 149 e 150, I, da Constituição Federal, de maneira que é vedada a fixação ou mesmo o aumento do valor das anuidades por meio de atos infralegais, como Resoluções ou Portarias. Precedentes do STF.
2. Há necessidade de constar expressamente a Lei 12.514/2011 – ou, no caso, a Lei 12.249/10 – na CDA, norma vigente que valida a cobrança, devendo estar descrito todo fundamento legal da cobrança a fim de permitir ao executado identificar corretamente o que lhe é cobrado, à luz da legislação. Constando originalmente da fundamentação legal da CDA tão somente a Lei 11.000/04, evidente a inexigibilidade das anuidades pela inobservância do quanto disposto pelo art. 2º, §5º, III, da Lei nº 6.830/80, bem como o art. 202, III do CTN.
3. Apelo improvido.