Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001700-86.2014.4.03.6115

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0001700-86.2014.4.03.6115

RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA

APELANTE: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS

 

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

Trata-se de recurso de apelação e reexame necessário, em Ação Civil Pública, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA), em que se pleiteou a condenação do réu na obrigação de fazer consistente em elaborar e executar um projeto de recuperação ambiental e regularização das Áreas de Preservação Permanente (APPs) dos rios e demais cursos d'água de interesse federal, existentes nos limites da jurisdição da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA).

Alega o autor que a ocupação das margens de rios e lagos que se caracterizam como APPs foi levada ao conhecimento do Poder Judiciário, quer por intermédio de procedimento criminal, redundando em ação penal, quer através de ações civis públicas individualizadas, geralmente propostas em face dos ocupantes conhecidos (“rancheiros”).

Sustenta que a experiência demonstrou que praticamente todas as transações penais ou processuais não chegaram a um bom termo, por conta da renitência do infrator em providenciar a completa regeneração do meio ambiente degradado, mediante apresentação de um plano (plano de recuperação da área degradada - PRAD) que contemplasse a retirada de todo e qualquer fator de degradação, a incluir a demolição das construções e a paralisação das atividades existentes nas APPs.

Revela que a propositura de uma ação civil pública para cada um dos casos de ocupação irregular das APPs de interesse federal já não parece a solução mais adequada, eficaz e econômica para a efetiva tutela ambiental.

Defende que a efetiva tutela ambiental das APPs integrantes dos rios e demais cursos d'água de interesse federal necessita de uma atuação planejada, organizada, de caráter sistêmico, por parte do IBAMA, a fim de evitar que apenas alguns ocupantes autuados - "rancheiros" ou não - suportem a resposta estatal pela ocupação irregular, assim como para viabilizar a concretização de um conjunto de medidas reparatórias minimamente padronizadas em virtude da similitude de que se revestem as ocupações.

Assevera que cabe ao IBAMA efetuar o mapeamento dessas ocupações irregulares e, criteriosamente, realizar a diagnose e elaborar um projeto/plano de recuperação ambiental e regularização das APPs atingidas, ainda que, para isso, venha a se pronunciar favoravelmente à permanência de tal ou qual imóvel ou atividade, desde que o faça justificadamente, o que não impedirá o questionamento, em sede adequada, de sua decisão.

Pontua que o IBAMA é o órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, cabendo-lhe efetivar a contento as atividades de fiscalização e controle de qualquer intervenção humana capaz de provocar alguma espécie de degradação ambiental, segundo o art. 6º, c/c o art. 11, ambos da Lei nº 6.938/81.

Esclarece que o rio Mogi-Guaçu, componente da bacia hidrográfica do rio Paraná, tem sua nascente localizada no município de Bom Repouso/MG, na Serra da Mantiqueira, atravessa diversos municípios do Estado de São Paulo (entre eles, Porto Ferreira, Santa Rita do Passa Quatro, Descalvado e Guatapará) e desemboca no Rio Pardo, no município de Pitangueiras/SP, sendo portanto, um rio interestadual, cuja extensão atinge 473 km (quatrocentos e setenta e três quilômetros).

Em sede de tutela provisória, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 90706226 - Pág. 57):

B) Em caráter liminar, a concessão, inaudita altera pars, da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, com fulcro nos arts. 3°, 11 e 12 da Lei n° 7.347/85, c/c os arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, para que o IBAMA, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, elabore e inicie a execução de um projeto de recuperação ambiental e regularização das áreas de preservação permanente de rios e demais cursos d’água federais existentes no território desta Subseção Judiciária, nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA), em ordem a viabilizar, se necessário, a efetiva imposição, pela própria autarquia, da sanção demolitória, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis, em cumprimento à determinação legal e regulamentar constante do art. 72, VIII, da Lei n° 9.605/98 c/c o art. 19 do Decreto n° 6.514/2008, além de apresentar justificativa plausível para a eventual permanência de tal ou qual imóvel ou atividade nas áreas em questão, sob pena da incidência de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a ser revertida para o Fundo Federal de Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei n° 7.347/85, regulamentado pelo Decreto n° 1.306/91;

C) A notificação pessoal do presidente do IBAMA, VOLNEY ZANARDI JUNIOR (endereço: SCEN Trecho 2, edifício-sede do IBAMA, CEP 70818-900, Brasília/DF, telefone (61) 3316-1001 até 1003, fax (61) 3316-1025, e-mail: volney.zanardi@ibama.gov.br, ou de quem lhe faça as vezes, para que adote as providências necessárias ao estrito cumprimento da decisão concessiva da antecipação dos efeitos da tutela, sob pena da incidência de multa diária de R$ 5.000.00 (cinco mil reais), a recair sobre seu patrimônio pessoal, sem prejuízo da multa diária a que alude o item anterior, a ser revertida para o Fundo Federal de Direitos Difusos de que trata o art. 13 da Lei n° 7.347/85, regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94, e de sua eventual responsabilização por improbidade administrativa, em consonância com o art. 70, §§ 3º e 4º, da Lei nº 9.605/98 c/c o art. 461, § 5°, do Código de Processo Civil, e com o art. 111 do Regimento Interno do IBAMA, aprovado pela Portaria nº 341, de 31/8/2011, baixada pela Ministra do Meio Ambiente e constante de seu Anexo 1;

Já o pedido final ficou assim redigido (ID Num. 90706226 - Pág. 58):

G) Ao final, e já em sede de tutela jurisdicional exauriente, a procedência dos pedidos deduzidos e dos requerimentos formulados em caráter liminar, em todos os seus termos (itens B e C), e a consequente condenação da entidade-ré à obrigação de fazer ali contemplada;

Em decisão ID Num. 90706226 - Págs. 107-134, foi deferida a antecipação da tutela nos moldes requeridos.

Desta decisão, o IBAMA interpôs o agravo de instrumento (autos nº 0028692-96.2014.4.03.00), ocasião em que a então Desembargadora Federal Alda Bastos concedeu a antecipação de tutela para suspender integralmente os efeitos da decisão agravada (ID Num. 90706227 - Pág. 53).

A autarquia também apresentou o pedido de SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (autos nº 0028575-08.2014.4.03.0000), oportunidade em que o então Desembargador Federal Presidente Fábio Pietro deferiu a medida liminar pleiteada (ID Num. 90706227 - Pág. 71).

Em despacho ID Num. 90742938 - Pág. 6, o r. Juízo Singular entendeu que existiriam somente questões jurídicas, julgando antecipadamente a lide.

Na sentença, o r. Juízo Singular julgou procedente os pedidos, inclusive confirmando a tutela antecipada anteriormente concedida, “a qual, contudo, persiste suspensa ex vi da decisão proferida pela Presidência do TRF 3ª Região” (ID Num. 90742938 - Pág. 58).

Inconformado, apela o IBAMA, aduzindo, em preliminar, a ilegitimidade passiva para figurar na ação, diante da competência do Estado e do Município, os quais possuem atuação fiscalizatória prioritária no presente caso.

No mérito, aduz que: a) o MPF pretende repassar ao IBAMA a tarefa que deve ser cumprida pelos infratores e/ou civilmente responsáveis; b) não compete ao Poder Judiciário substituir o Poder Executivo na fixação das diretrizes administrativas da coisa pública. Ou seja, é vedado ao Juiz pretender impor ao administrador seus critérios discricionários na utilização do orçamento, de poder de decidir quais medidas fiscalizatórias, despesas, investimentos ou opções são prioritárias para a coletividade; c) a efetivação dos pedidos formulados pelo Parquet acarreta em despesas sem dotação orçamentária prévia, o que igualmente é vedado constitucionalmente, a teor da disposição contida no art. 167, I, da CF/88; d) a fixação de multa em face do Presidente da autarquia não merece prevalecer, uma vez que sequer ele é parte na ação.

Ao final, formulou os seguintes pedidos recursais (ID Num. 90742938 - Pág. 101):

Por todo o exposto, requer seja dado provimento ao recurso de APELAÇÃO, para REFOMAR A DECISÃO RECORRIDA da seguinte forma:

-A extinção do processo sem julgamento de mérito, ante a ilegitimidade passiva do IBAMA;

- caso se adentre no mérito, requer a TOTAL IMPROCEDÊNCIA do pedido.

- subsidiariamente, a improcedência do pedido de imposição de multa diária, tanto para o IBAMA, quanto para o Presidente da Autarquia.

Com a prolação da r. sentença, sobrevieram as decisões proferidas na Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 0028575-08.2014.4.03.0000 e no agravo de instrumento nº 0028692-96.2014.4.03.00, julgando-as prejudicado (ID Num. 90742938 - Pág. 107 e ID Num. 90742938 - Pág. 108, respectivamente).

Diante destas decisões, o r. Juízo Singular determinou a notificação do Presidente do IBAMA, ou quem lhe faça as vezes, do início do prazo para implementação das medidas necessárias ao cumprimento da sentença (ID Num. 90742938 - Pág. 109).

Desta decisão, o IBAMA interpôs novo agravo de instrumento (autos nº 0022175.41.2015.4.03.0000), ocasião em que indeferi o pedido de efeito suspensivo (ID Num. 90742939 - Pág. 76).

O IBAMA apresentou pedido de SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA (autos nº 0005367-24.2016.4.03.0000), tendo a então Desembargadora Federal Presidente Cecília Marcondes deferido a medida (ID Num. 90742939 - Pág. 96).

O MPF apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção da r. sentença (ID Num. 90742938 - Pág. 128 – ID Num. 90742939 - Pág. 14).

Processado o feito, os autos vieram a esta E. Corte Federal.

Em parecer, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República, manifestou-se pelo desprovimento do apelo (ID Num. 90742939 - Pág. 146 – ID Num. 90742940 - Pág. 8).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 


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V O T O

 

 

 

Do reexame necessário

De início, impende frisar que está submetido ao reexame necessário a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), in verbis:

Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo.

Com efeito, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade. Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1547569/RJ, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/06/2019, DJe 27/06/2019)

 

Da preliminar de ilegitimidade passiva

Em preliminar, o IBAMA sustenta a ilegitimidade passiva para figurar nesta ação, sob o argumento de que o Estado e o Município possuem atuação fiscalizatória prioritária.

O Rio Mogi-Guaçu, por nascer no Estado de Minas Gerais e atravessar parte do Estado de São Paulo, desaguando no Rio Pardo, na região de Pitangueiras/SP (ID Num. 90706226 - Pág. 15), é considerado como bem da União, nos termos do art. 20, III, da CF:

Art. 20. São bens da União:

(...)

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

No mesmo sentido, o Código de Águas (Decreto nº 26.643/34) prevê que:

Art. 29. As águas públicas de uso comum, bem como o seu álveo, pertencem:

I – A União:

(...)

f) quando percorram parte dos territórios de dois ou mais Estados.

A Lei Complementar nº 140/11, que fixa as normas para “cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”, prevê como sendo da União a competência administrativa para executar, cumprir e promover as ações relacionadas Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 7º São ações administrativas da União:

I - formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política Nacional do Meio Ambiente;

(...)

III - promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente nos âmbitos nacional e internacional;

Ao criar o IBAMA, a Lei nº 7.735/89 atribui-lhe a finalidade de executar as ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente:

Art. 2º  É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:

(...)

II - executar ações das políticas nacionais de meio ambiente, referentes às atribuições federais, relativas ao licenciamento ambiental, ao controle da qualidade ambiental, à autorização de uso dos recursos naturais e à fiscalização, monitoramento e controle ambiental, observadas as diretrizes emanadas do Ministério do Meio Ambiente

Do cotejo entre os dispositivos acima descritos, tem-se que o Rio Mogi-Guaçu integra o patrimônio da União, ente federado que possui a competência administrativa para formular, executar e promover as ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente, condutas estas que são efetivadas e executadas pelo IBAMA.

Conclui-se, portanto, a sua legitimidade para figurar no polo passivo deste feito.

Em seu recurso, o IBAMA sustenta a sua ilegitimidade com base na atribuição para o licenciamento ambiental:

O licenciamento ou autorização nas hipóteses cabíveis para ocupação nas áreas de preservação permanente, consoante a Lei Complementar n. 140 (art. 8°, XIV e XVI), o novo Código Florestal (alt. 7° e 8°) e a Resolução CONAMA n. 369 (alt. 4°, § 1°), competem ao Estado-membro, assim como a fiscalização das autorizações e como, por óbvio, a fiscalização das ocupações quando não autorizadas, por força do disposto no art. 17 da LC 140.

Referido artigo 17 estabeleceu o princípio de que o ente com competência abstrata de licenciamento/autorização é aquele com competência primária para fiscalizar o respectivo campo temático sujeito à sua gestão/autorização ("princípio do licenciador-primeiro fiscalizador"). Essa fiscalização pelo ente federativo primordialmente competente inclui a fiscalização das atividades e empreendimentos por ele autorizados, e, também, a fiscalização das atividades e empreendimentos realizados ao arrepio de sua autorização; ou ainda em hipóteses não autorizadas pela lei ou pelo ente.

Contudo, para o E. Superior Tribunal de Justiça, a atividade fiscalizatória independe da competência para o licenciamento ambiental:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL E MEIO AMBIENTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FALÉSIA. COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. LEI COMPLEMENTAR 140/2011. IBAMA. APLICAÇÃO PLENA DO CÓDIGO FLORESTAL À ÁREA URBANA. ART. 4º DA LEI 12.651/2012. DEVER DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL.

(...)

COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA DO IBAMA 4. O STJ entende que o Ibama possui o dever-poder de fiscalizar e exercer poder de polícia diante de qualquer atividade que ponha em risco o meio ambiente, apesar de a competência para o licenciamento ser de outro órgão público. É que, à luz da legislação, inclusive da Lei Complementar 140/2011, a competência para licenciar não se confunde com a competência para fiscalizar. Precedentes: AgRg no REsp 711.405/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 15.5.2009; REsp 1.307.317/SC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 23.10.2013; REsp 1.560.916/AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 9.12.2016; AgInt no REsp 1.484.933/CE, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 29.3.2017; e AgInt no REsp 1.532.643/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 23.10.2017; REsp 1.802.031/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11.9.2020.

(REsp n. 1.646.016/RN, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 28/6/2023.)

Novamente analisando o poder fiscalizatório do IBAMA, a mesma E. Corte Superior recentemente assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA. MULTA AMBIENTAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA NA ORIGEM. LEGITIMIDADE DO IBAMA. BIS IN IDEM. EXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA SANÇÃO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. CARACTERIZAÇÃO DA AUTORIA E MATERIALIDADE DA INFRAÇÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS. AUTO DEVIDAMENTE MOTIVADO. SÚMULA 283/STF.

(...)

V - O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a problemática relacionada à legitimidade de atuação do Ibama, consignou que, em se tratando de proteção ambiental, inexiste competência exclusiva de um ente da federação para promover medidas de salvaguarda, impondo-se um amplo aparato de fiscalização, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, do que decorre que a atividade fiscalizatória de condutas nocivas ao meio ambiente confere ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer seu poder-dever de polícia administrativa.

(...)

(AREsp n. 1.423.613/RJ, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 15/9/2023.)

Logo, ainda que a autarquia defenda que a atribuição para o licenciamento ambiental seja de outro ente federado, tal fato não afasta a sua competência fiscalizatória, nem a competência executória para as ações das políticas nacionais de meio ambiente.

É o que expressamente prevê o § 3º, do art. 17, da LC nº 140/2011:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

(...)

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Rejeita-se, portanto, a preliminar arguida.

 

Do mérito recursal

Alega o MPF que a ocupação das margens de rios e lagos que se caracterizam como APPs é uma prática cultural há muito arraigada na Subseção de São Carlos/SP.

E isto ocorre, segundo o Parquet, porque o IBAMA estaria se omitindo no seu dever legal de fiscalizar de forma eficaz as APPs das margens de cursos d’água de domínio da União que façam parte da área territorial daquela localidade.

Em suas palavras, a autarquia ambiental “não promove qualquer espécie de medida concreta para a demolição ou regularização das eventuais construções de alvenaria existentes nas APPs, a despeito do seu dever legal e regulamentar de promover a imediata e adequada apuração da infração ambiental, consoante dispõem a Lei n° 9.605/98 e o Decreto n° 6.514/2008” (ID Num. 90706226 - Pág. 9).

Assim, propôs esta demanda pleiteando a condenação do IBAMA na obrigação de fazer consistente em elaborar e executar um projeto de recuperação ambiental e regularização das APPs dos rios e demais cursos d'água de interesse federal, existentes nos limites da jurisdição da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA).

Na contestação, o IBAMA se defendeu, quanto ao mérito, em dois aspectos: (i) a pretensão movida pelo MPF afronta o sistema de competências ambientais dos entes federativos estabelecido na LC nº 140/11; e (ii) o pedido de elaboração, pelo IBAMA, de um projeto de recuperação ambiental, nos moldes do PNAPA;  não encontra nenhum suporte na lei (ID Num. 90706226 - Pág. 71).

 

Do dever-legal de fiscalização e a competência do IBAMA para licenciar

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente estabelece o regramento genérico do licenciamento ambiental em seu art. 10:

Art. 10.  A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental.

A LC nº 140/11 define o licenciamento ambiental como “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (art. 2º, I).

Destaca-se que o licenciamento ambiental deve ser realizado em apenas um nível federativo, cabendo aos demais entes interessados manifestarem-se sem efeito vinculante:

Art. 13.  Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar.

§ 1º Os demais entes federativos interessados podem manifestar-se ao órgão responsável pela licença ou autorização, de maneira não vinculante, respeitados os prazos e procedimentos do licenciamento ambiental.

No que tange à distribuição das competências para o licenciamento ambiental, o inciso XIV, do art. 7º, da LC nº 140/11, enumera as matérias de competência da União:

Art. 7º São ações administrativas da União:

(...)

XIV - promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:

a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;

b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;

c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; 

d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);

e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;

f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; 

g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou 

h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;

Disciplinando os aspectos de licenciamento ambiental, o CONAMA editou a Resolução nº 237/97, detalhando a competência do IBAMA para a prática deste procedimento administrativo:

Art. 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

(...)

II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados;

(...)

§ 1º O IBAMA fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Estados e Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.

§ 2º O IBAMA, ressalvada sua competência supletiva, poderá delegar aos Estados o licenciamento de atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional, uniformizando, quando possível, as exigências.

Deste modo, ao contrário do que afirma a autarquia, a pretensão ministerial não afronta o sistema de competências ambientais dos entes federativos estabelecido na LC nº 140/11, devendo o IBAMA realizar o o licenciamento ambiental da União quando versar sobre empreendimentos que possam causar impactos ambientais de extensão nacional ou regional.

Importa destacar, novamente, que não há que se confundir a atividade fiscalizatória com a competência para realizar o licenciamento ambiental. Como outrora destacado, o IBAMA pode – e deve – exercer o seu poder de polícia administrativa para fiscalizar as atividades nocivas ao meio ambiente, ainda que o empreendimento esteja situado em área cuja competência para o licenciamento seja estadual ou municipal.

In casu, na exordial, o MPF deixa claro que a sua irresignação também se direciona à ausência de atuação do poder de polícia ambiental do IBAMA (ID Num. 90706226 - Pág. 21):

O IBAMA, por sua vez, não vem cumprindo o seu dever legal e regulamentar de promover a adequada apuração administrativa das referidas Infrações ambientais, e ao ser provocado por este MINISTÉRIO PÚBLICO FDERAL, via oficio, esclareceu a ausência de estrutura administrativa (especialmente de o recursos humanos) para o efetivo exercício de suas atribuições, além de, como dito, seguir uma interpretação errônea - mas que lhe é inteiramente conveniente - da legislação ambiental, no tocante à sua competência administrativa.

Em síntese, o quadro factual que se apresenta nesta região, no tocante à tutela ambiental das APPs de interesse federal, é o de uma nítida e profunda carência fiscalizatória por parte do IBAMA, em frontal desrespeito ao art. 70, XIV, e, da Lei Complementar n° 140/2011, aos arts. 70, § 3° e 4°, e 72, VIII, da Lei n° 9.605/98, e aos arts. 3°, VIII, e 19, do Decreto n° 6.514/2008.

Na sentença, o r. Juízo Singular arrolou 30 (trinta) inquéritos civis públicos (ICPs) que instruíram a petição inicial e que registram notícias de ocupações irregulares das APPs (ID Num. 90742938 - Págs. 42-51).

Analisando alguns destes ICPs, verifica-se que foram instaurados a partir da lavratura de autos de infração ambiental, pelo menos a maioria, pelo Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN).

É o caso dos Autos de Infração Ambiental 139.243 (ID Num. 90706223 - Pág. 4), 118.015 (ID Num. 90742936 - Pág. 9), 118.012 (ID Num. 90742936 - Pág. 10), 118.016 (ID Num. 90742936 - Pág. 11), 118.017 (ID Num. 90742936 - Pág. 12), 119.121 (ID Num. 90742936 - Pág. 13), 119.124 (ID Num. 90742936 - Pág. 14), 119.125 (ID Num. 90742936 - Pág. 15), 139.243 (ID Num. 90742936 - Pág. 16), 167.199 (ID Num. 91768263 - Pág. 8), 139.929 (ID Num. 90825435 - Pág. 20), 119.088 (ID Num. 90742937 - Pág. 11), 119.129 (ID Num. 91778349 - Pág. 11)

Os Autos de Infração Ambiental 119.130 e 119.134 foram lavrados pela Polícia Florestal (ID Num. 90742935 - Pág. 6).

Já o Auto de Infração Ambiental 165.985 (ID Num. 91778366 - Pág. 13) foi lavrado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Ou seja, nesta simples análise de 16 autos de infrações, nenhum deles foi lavrado pelo IBAMA, o que reforça a tese ministerial de que a autarquia não estaria cumprindo devidamente com o seu dever-legal de promover a adequada apuração administrativa das infrações ambientais.

É certo que, ao redigir os pedidos, o MPF não foi expresso quanto à necessidade do IBAMA de atentar ao seu poder fiscalizatório.

Conforme se verifica no ID Num. 90706226 - Pág. 57, o Parquet pleiteia a condenação do IBAMA para que seja elaborado um “um projeto de recuperação ambiental e regularização das áreas de preservação permanente de rios e demais cursos d’água federais existentes no território desta Subseção Judiciária, nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA)”.

A despeito desta omissão, tenho que a atividade fiscalizatória integra o conjunto de ações necessárias para a elaboração do projeto de recuperação.

E como o Parquet direciona seu inconformismo à ausência de atuação do poder de polícia ambiental do IBAMA (ID Num. 90706226 - Pág. 21), o qual restou demonstrada nos autos, assiste-lhe razão acerca desta indevida omissão da autarquia ambiental.

Ademais, o § 2º, do art. 322, do CPC, assevera que “a interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé”. Logo, também por este fundamento, o IBAMA pode ser condenado por deixar de cumprir com o seu dever-legal de fiscalização ambiental na região que integra a Subseção de São Carlos/SP.

 

Da elaboração do projeto de recuperação ambiental

O MPF requereu a condenação do IBAMA para que a autarquia fosse condenada na obrigação de fazer consistente na elaboração e execução de um projeto de recuperação ambiental e regularização das áreas de preservação permanente de rios e demais cursos d’água federais existentes no território da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, “nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA)”.

Este pedido pode ser analisado sob duas óticas: a primeira, se seria possível a inclusão desta obrigação de fazer no próprio PNAPA; e a segunda, se seria possível impor ao IBAMA a obrigação de realizar um PNAPA específico para a região discutida.

Segundo a definição trazida no sítio eletrônico do IBAMA, o PNAPA “estabelece o planejamento e organização das ações anuais de proteção ambiental desenvolvidas pelo Ibama” (in https://www.gov.br/ibama/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/plano-nacional-anual-de-protecao-ambiental-pnapa).

Neste mesmo endereço eletrônico, constam os Planos Nacionais elaborados nos anos de 2014 até 2023.

Como a presente demanda foi ajuizada em 2014 (ID Num. 90706226 - Pág. 4), vigorava o PNAPA/2014, divulgado pelo Boletim de Serviços nº 12B, de 20/12/2013, em cujo art. 1º assim previa:

Art. 1º - Aprovar o Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental para o ano de 2014 - PNAPA 2014, nos termos que constam nos Anexos I, II, III, IV e V desta Portaria.

Percebe-se que as ações a serem implementadas pela autarquia para o fim de garantir a proteção ambiental estão delimitadas nos Anexos I até V, assim titulados: “ações de fiscalização ambiental”, “ações de emergência ambiental”, “ações de monitoramento ambiental”, “ações de prevenção e combate à incêndios florestais” e “operações de fiscalização ambiental”.

Salvo o Anexo V (que se encontra com a informação “Reservado”), dentro de cada um dos demais Anexos consta um rol de inúmeras ações, planos de elaboração, cursos a serem ministrados, diagnósticos, vistorias, seleção e contratação de brigadistas, entre outros assuntos.

Infere-se, portanto, que este rol de condutas está intrinsicamente ligado à atuação finalística do IBAMA, o qual, em juízo técnico de ponderação e razoabilidade, elencou as condutas que, a seu ver, seriam desenvolvidas para o ano de 2014.

Ou seja, ao estabelecer o campo de atuação para o ano de 2014, o IBAMA enumerou nos Anexos do PNAPA/2014 as atividades que, para este órgão, são qualificadas como prioritárias, com a ressalva de que os “casos supervenientes ou extraordinários as ações previstas no PNAPA 2014 poderão ser acrescidas, suspensas, canceladas ou ajustadas mediante justificativa e autorização da Diretoria de Proteção Ambiental- DIPRO” (art. 2º).

É certo que o problema da ocupação irregular das margens de rios e lagos que se caracterizam como APPs na Subseção Judiciária de São Carlos/SP, de fato, não consta do rol de ações prioritárias do IBAMA naquele ano.

Contudo, do juízo valorativo que a autarquia fez acerca dos problemas ambientais de competência da União, elaborou-se uma extensa lista de ações ambientais prioritárias, sendo que cada categoria possui particularidades que, aos olhos dos administradores responsáveis pela elaboração do planejamento ambiental, justificariam a preferência na destinação de recursos públicos.

Trata-se, em última análise, de critérios valorativos de conveniência e oportunidades adotados pelo IBAMA, os quais o Poder Judiciário não pode adentrar, sob pena de violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF).

Em razão disso, deve ser rejeitada a possiblidade de inserir no PNAPA ou de impor ao IBAMA a obrigação de fazer de elaborar e executar um projeto de recuperação ambiental e regularização das APPs, “nos moldes do Plano Nacional de Atuação na Proteção Ambiental (PNAPA)”, como pretende o MPF.

Em caso idêntico, esta E. Corte Federal assim já decidiu:

AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). IBAMA. PODER-DEVER DE POLÍCIA AMBIENTAL. FISCALIZAÇÃO. TERRITÓRIO CUJA COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO SEJA DE MUNICÍPIO OU DO ESTADO. POSSIBILIDADE. ELABORAÇÃO DE PROJETO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INCABÍVEIS.

1. A sentença de improcedência deve ser submetida à remessa oficial, conforme aplicação analógica do estabelecido no art. 19 da Lei n.º 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

2. A Constituição da República (art. 225) garantiu o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualificando-o como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, cabendo ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas.

3. Concretizando o comando constitucional, foi criado pela Lei n.º 7.735/89 o IBAMA, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente que tem, dentre as suas atribuições, o exercício do poder-dever de polícia ambiental, devendo, nesse diapasão, adotar as providências necessárias para coibir eventual prática ambiental ilícita, como meio de execução da Política Nacional do Meio Ambiente, competindo-lhe, como órgão executor do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências (art. 6º, IV da Lei n.º 6.938/81).

4. Não obstante o disposto no art. 17 da LC n.º 140/2011 e no art. 4º, III da Res. CONAMA n.º 237/97, a incumbência de fiscalizar atividades desenvolvidas com risco de dano ambiental não tem uma relação direta e imprescindível com a competência para a realização do licenciamento ambiental, mesmo porque, segundo o § 3º do supracitado art. 17, o disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor.

5. Contudo, sem razão o apelante quanto ao pedido para que sejam determinadas a elaboração e execução de projeto de recuperação ambiental dos terrenos marginais de cursos d'águas federais situados na área correspondente à Subseção Judiciária de Barretos que possibilite a efetiva imposição, pela própria autarquia, da pena de demolição.

6. Não cabe ao Poder Judiciário, em respeito ao princípio da separação de Poderes e ao poder discricionário da autoridade administrativa, apreciar os critérios de oportunidade e conveniência dos atos administrativos, ou seja, pronunciar-se sobre o mérito administrativo destes, devendo ater-se à análise de sua legalidade, excetuando-se, tão somente, as situações de evidente abuso de poder ou de ilegalidade nos atos em questão.

7. Embora não haja dúvidas de que o IBAMA deve cumprir o seu poder-dever de fiscalizar as áreas de proteção permanente, ainda que o bem esteja situado dentro de território cuja competência para o licenciamento seja de Município ou do Estado de São Paulo, não há como determinar que seja elaborado um projeto de recuperação ambiental dos terrenos marginais de cursos d'águas federais situados na área em questão, que permita a imposição da pena de demolição pelo próprio IBAMA, sob o argumento de que, se a degradação ao meio ambiente continuar, é possível que até o fim do processo, não se disponha mais de meio aptos a recuperar, com o mesmo grau de satisfatoriedade, a fauna e a flora local.

8. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, tendo em vista o que dispõe o art. 18 da Lei n.º 7.347/1985.

9. Apelação e remessa oficial, tida por interposta parcialmente providas.

(Ap 0004441-35.2011.4.03.6138, Sexta Turma, Rel. Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, julgado em 14/12/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/12/2017)

 

Dos honorários advocatícios

No que tange aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CONFIGURADO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E ARESTO PARADIGMA ORIUNDO DA QUARTA TURMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELA UNIÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE REQUERIDA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/1985. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé.

2. O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. Assim, o dissenso para conhecimento dos embargos de divergência ocorre pelo confronto entre o aresto embargado e um julgado recente da eg. Quarta Turma, proferido nos EDcl no REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 25/4/2016.

3. Com efeito, o entendimento exposto pelas Turmas, que compõem a Primeira Seção desta Corte, é no sentido de que, "em favor da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Assim, a impossibilidade de condenação do Ministério Público ou da União em honorários advocatícios - salvo comprovada má-fé - impede serem beneficiados quando vencedores na ação civil pública" (STJ, AgInt no AREsp 996.192/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/8/2017). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.531.504/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2016; AgInt no REsp 1.127.319/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/8/2017; AgInt no REsp 1.435.350/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/8/2016; REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16/8/2017.

4. De igual forma, mesmo no âmbito da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o tema não tenha sido analisado sob a óptica de a parte autora ser ente de direito público - até porque falece, em tese, competência àqueles órgãos fracionários quando num dos polos da demanda esteja alguma pessoa jurídica de direito público -, o princípio da simetria foi aplicado em diversas oportunidades: AgInt no REsp 1.600.165/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017; REsp 1.438.815/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 1º/12/2016; REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe 1º/8/2017.

5. Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985.

6. Embargos de divergência a que se nega provimento.

(EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018)

No caso, não vislumbro a existência de má-fé do MPF, porquanto consta que o IBAMA omite-se no cumprimento do seu dever-legal de fiscalizar a região que integra a Subseção de São Carlos/SP.

Adoto o mesmo o argumento para afastar a condenação da parte vencida ao pagamento das custas e despesas processuais.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação e ao reexame necessário, apenas para determinar que o IBAMA fiscalize adequadamente a região que integra a Subseção de São Carlos/SP.

É como voto.

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÃO. REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RIO MOGI-GUAÇU. BEM DA UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO IBAMA. DESCUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL DE FISCALIZAÇÃO. ELABORAÇÃO DE UM PROJETO DE RECUPERAÇÃO AMBIENTAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar pela carência ou pela improcedência do pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).

2. O Rio Mogi-Guaçu integra o patrimônio da União, ente federado que possui a competência administrativa para formular, executar e promover as ações relacionadas à Política Nacional do Meio Ambiente, condutas estas que são efetivadas e executadas pelo IBAMA.

3. Ainda que a autarquia defenda que a atribuição para o licenciamento ambiental seja de outro ente federado, tal fato não afasta a sua competência fiscalizatória, nem a competência executória para as ações das políticas nacionais de meio ambiente.

4. A pretensão ministerial não afronta o sistema de competências ambientais dos entes federativos estabelecido na LC nº 140/11, devendo o IBAMA realizar o licenciamento ambiental da União quando versar sobre empreendimentos que possam causar impactos ambientais de extensão nacional ou regional.

5. Em simples análise de 16 autos de infrações, nenhum deles foi lavrado pelo IBAMA, o que reforça a tese ministerial de que a autarquia não estaria cumprindo devidamente com o seu dever-legal de promover a adequada apuração administrativa das infrações ambientais.

6. Ao estabelecer o campo de atuação para o ano de 2014, o IBAMA enumerou nos Anexos do PNAPA/2014 as atividades que, para este órgão, são qualificadas como prioritárias, com a ressalva de que os “casos supervenientes ou extraordinários as ações previstas no PNAPA 2014 poderão ser acrescidas, suspensas, canceladas ou ajustadas mediante justificativa e autorização da Diretoria de Proteção Ambiental- DIPRO” (art. 2º).

7. Do juízo valorativo que a autarquia fez acerca dos problemas ambientais de competência da União, elaborou-se uma extensa lista de ações ambientais prioritárias, sendo que cada categoria possui particularidades que, aos olhos dos administradores responsáveis pela elaboração do planejamento ambiental, justificariam a preferência na destinação de recursos públicos.

8. Trata-se, em última análise, de critérios valorativos de conveniência e oportunidades adotados pelo IBAMA, os quais o Poder Judiciário não pode adentrar, sob pena de violação ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da CF).

9. No que tange aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85.

10. Apelação e reexame necessário parcialmente providos.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação e ao reexame necessário, apenas para determinar que o IBAMA fiscalize adequadamente a região que integra a Subseção de São Carlos/SP, nos termos do voto do Des. Fed. MARCELO SARAIVA (Relator), com quem votaram o Des. Fed. WILSON ZAUHY e o Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTINS. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (por motivo de férias), substituído pelo Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTINS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.