Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000327-18.2018.4.03.6139

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

APELADO: GISELI APARECIDA COELHO SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MIRIAN MARIANO QUARENTEI SALDANHA - SP273753-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000327-18.2018.4.03.6139

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: GISELI APARECIDA COELHO SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MIRIAN MARIANO QUARENTEI SALDANHA - SP273753-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Giseli Aparecida Coelho Souza, postulando a anulação do contrato de “compra e venda com financiamento habitacional” firmado entre a ré e a Caixa Econômica Federal no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 1, bem como do respectivo registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Itapeva ou a proibição de realização do registro. Também requer a expedição de mandado de imissão na posse em favor da Caixa Econômica Federal para desocupação do imóvel e reinclusão em programa habitacional. Pleiteia, ainda, a condenação da ré ao pagamento de R$700,00 (setecentos reais), pro rata die, por mês de ocupação do imóvel, desde o recebimento das chaves em 18/01/2018, até a data da efetiva desocupação, devidamente corrigidos, bem como a indenizar eventual deterioração causada ao imóvel, em favor do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR. Por fim, pugna pela condenação da ré ao pagamento de valor não inferir a R$ 7.000,00 (sete mil reais) a título de dano moral coletivo, também em favor do FAR, e que seja a ré proibida de obter futuros benefícios habitacionais e seja declarada a má-fé da posse exercida pela ré sobre o imóvel no período de ocupação.

Foi proferida decisão indeferindo a inicial e julgando extinto o feito sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, I, do CPC, em relação aos pedidos de anulação do registro do imóvel, de expedição de mandado de imissão na posse em favor da Caixa Econômica Federal, de condenação da ré a indenizar eventual deterioração do imóvel e de proibição de que a ré obtenha futuros benefícios habitacionais (ID 122734470).

O procurador da república oficiante no feito informou a interposição de agravo de instrumento, autuado sob o nº 5013288-75.2018.403.0000.

A Caixa Econômica Federal requereu o ingresso na demanda, para figurar ao lado da parte autora (ID 122734481), seguindo-se decisão do Juízo de primeiro grau deferindo o pedido (ID 122734833).

Sobreveio a prolação de sentença de improcedência do pedido, sem condenação em honorários advocatícios e custas (ID 122734858).

Recorre o Ministério Público Federal, sustentando que a ré se inscreveu no Programa Minha Casa Minha Vida omitindo informação de que mantinha união estável e que a renda familiar ultrapassava o limite permitido, reiterando os pedidos deduzidos na inicial (ID 122734861).

Com contrarrazões, subiram os autos (ID 122734864).

A Subsecretaria de Registro e Informações Processuais – UFOR fez a remessa dos autos à Procuradoria Regional da República, que apresentou parecer, manifestando-se pelo provimento do recurso de apelação (ID 127857174).

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000327-18.2018.4.03.6139

RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. AUDREY GASPARINI

APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP

 

APELADO: GISELI APARECIDA COELHO SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MIRIAN MARIANO QUARENTEI SALDANHA - SP273753-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Narra o Ministério Público Federal em sua peça inaugural que foram implantados na cidade de Itapeva/SP dois projetos do programa Minha Casa Minha Vida - Faixa 1, destinados à população com renda familiar de até R$1.600,00, e que, por meio de cruzamento de bancos de dados tais como ITESP, CDHU, FHNIS e CADMUT, verificou-se a existência de 253 casos suspeitos de fraude, entre os quais o de Giseli Aparecida Coelho Souza, ora ré.

Aduz o “parquet” na inicial que a ré realizou cadastro no referido programa habitacional em 03/06/2015, declarando ser solteira, exercer a atividade de diarista, auferir renda mensal de R$ 680,00 e residir na Rua Edwirges Serapião, 876, Vila Aparecida, Itapeva/SP. Afirma, também, que a ré, em 24/12/2015, logrou obter uma unidade habitacional no Residencial Morada do Bosque, Bairro de Cima – Itapeva/SP.

Consta, ainda, da exordial que, em 19/12/2015, foi feita representação à Procuradoria da República do referido município, afirmando que a ré teria omitido que mantém união estável com Vinícius Maciel dos Santos, o qual auferiria renda mensal de R$ 5.000,00 em oficina mecânica, iniciando-se, então, uma investigação levada a cabo pelo “parquet”, que, após ter realizado diligências, concluiu que a ré incorreu em fraude.

Proferida sentença de improcedência do pedido, dela recorre o Ministério Público Federal.

Antes de iniciar o exame do apelo ministerial, anoto que, conforme orientação consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) formam um microssistema legal de proteção aos direitos coletivos, de modo que se aplica à ação civil pública o disposto no art. 19 da Lei 4.717/65, verbis: “A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo”.

Confira-se:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.

1. Segundo jurisprudência consolidada desta Corte, a Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) formam o denominado microssistema legal de proteção aos interesses ou direitos coletivos, por isso "a supressão de lacunas legais deve ser, a priori, buscada dentro do próprio microssistema" (REsp 1.447.774/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/8/2018, DJe 27/8/2018).

2. Aplica-se o art. 19 da Lei n. 4.717/65 por analogia às ações civis públicas, de forma que a sentença de procedência não deve ser submetida ao reexame necessário, afastando-se o disposto no art. 475 do CPC/73.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp n. 1.749.850/SC, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 29/5/2023, DJe de 1/6/2023.)

 

 

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO.

1. Trata-se de agravo interno interposto pelo SINDICATO DOS PROFISSIONAIS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, contra decisão que deu provimento ao recurso especial, para estabelecer o entendimento de que as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário.

2. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei n. 4.717/1965, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Nesse sentido: EREsp 1.220.667/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 30/6/2017.

3. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp n. 1.817.056/ES, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 22/10/2019, DJe de 20/11/2019.)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR CARÊNCIA DE AÇÃO (FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL). REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. ENTENDIMENTO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO INTERNO DA FEDERAÇÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Nos termos do que decidido pelo Plenário do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Enunciado Administrativo 2).

2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, o art. 19 da Lei 4.717/1965 aplica-se analogicamente, também, às Ações Civis Públicas, para submeter as sentenças de improcedência ao reexame necessário. Julgados: AgInt no REsp. 1.264.666/SC, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 22.9.2016; AgRg no REsp. 1.219.033/RJ, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 25.4.2011.

3. Ao contrário do que alegado pela parte agravante, o art. 19 da Lei 4.717/1965 incide, também, para as hipóteses de carência de ação, conforme a expressa dicção do dispositivo legal.

4. No presente caso, tendo a sentença julgado extinto o processo sem resolução de mérito, justamente pela carência de ação (fls. 347/351) - falta de interesse processual, prevista no art. 267, VI do CPC/1973 -, e considerando a jurisprudência deste STJ quanto à aplicação analógica do sobredito art. 19 às Ações Civis Públicas, é mesmo imprescindível o reexame necessário.

5. Ainda que existisse eventual vício na decisão singular, este seria convalidado pelo julgamento do presente Agravo Interno perante o Órgão Colegiado, sendo incabível o reconhecimento de nulidade.

Julgados: AgInt no REsp. 1.709.018/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 2.8.2018; AgInt no REsp. 1.533.044/AC, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 2.2.2017.

6. Agravo Interno da Federação a que se nega provimento.

(AgInt no REsp n. 1.547.569/RJ, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 17/6/2019, DJe de 27/6/2019.)

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA. ART. 19 DA LEI Nº 4.717/64. APLICAÇÃO.

1. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina.

2. Recurso especial provido.

(REsp n. 1.108.542/SC, relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/5/2009, DJe de 29/5/2009.)

 

 

Assim, considerando que no caso dos autos foi proferida sentença de improcedência do pedido, submete-se à remessa oficial, ora tida por interposta.

Isto estabelecido, observa-se que o Ministério Público Federal formulou os seguintes pedidos na inicial:

 

“4. Ao final, seja julgada procedente a presente ação, para o fim de:

4.1 Decretar-se a nulidade do contrato de compra e venda com financiamento habitacional firmado entre a ré e a Caixa Econômica Federal;

4.2 Decretar-se a nulidade do registro de imóveis respectivo, do Cartório de Registro de Imóveis de Itapeva, ou, nos termos do art. 324, §1º, II do Código de Processo Civil, proibir-se a efetivação do registro ainda não realizado;

4.3 Expedir-se Mandado de Imissão na Posse, em favor da Caixa Econômica Federal, com prazo de 15 (quinze) dias para desocupação voluntária do imóvel, destinando-se então o imóvel à pronta reinclusão no programa habitacional;

4.4 Condenação da ré, nos termos do art. 324, §1º, II do Código de Processo Civil, ao pagamento de R$700,00 (setecentos reais), pro rata die, por mês de ocupação do imóvel, contados da data de recebimento das chaves, 18/01/2018, até a data da efetiva desocupação, devidamente corrigidos à data do pagamento, a título de indenização por danos materiais e enriquecimento indevido, ao Fundo de Arrendamento Residencial - FAR (CNPJ 03.190.167/0001-50);

4.5 Condenação da ré, também a título de indenização por danos materiais, a indenizar prontamente a eventual deterioração causada ao imóvel, a ser apurada em fase de liquidação de sentença, nos termos do art. 324, §1º, II do Código de Processo Civil, ao Fundo de Arrendamento Residencial - FAR;

4.6 Condenação da ré ao pagamento de valor fixado ao prudente arbítrio jurisdicional, em patamar não inferior a R$7.000,00 (sete mil reais), a título de dano moral coletivo, ao Fundo de Arrendamento Residencial - FAR;

4.7 Condenação da ré a ser mantida, para todos os efeitos legais afetos à vedação que obtenha futuros benefícios habitacionais, nos cadastros da Caixa Econômica Federal e em outros bancos de dados públicos análogos, como contemplada pelo Programa Minha Casa Minha Vida, faixa 1, tal como consta atualmente;

4.8 Declaração, nos termos do art. 324, §1º, II do Código de Processo Civil, para todos os efeitos legais, do caráter de má-fé da posse exercida pela ré sobre o imóvel durante todo o período de ocupação.”

 

Verifica-se, ainda, que o Juízo de primeiro grau proferiu decisão indeferindo a inicial e julgando extinto o feito sem resolução do mérito com relação aos seguintes pedidos:

 

“1) INDEFIRO em parte o pedido de item 4.2, no que respeita à pretensão de decretar a nulidade do registro de imóveis, nos termos do artigo 330, III, pelo que julgo extinto o processo, na forma do artigo 485, I, ambos do Código de Processo Civil;

2) INDEFIRO em parte o pedido de item 4.3, no que respeita à pretensão de se determinar a expedição de mandado de imissão na posse, em favor da Caixa Econômica Federal, nos termos do artigo 330, III, pelo que julgo extinto o processo, na forma do artigo 485, I, ambos do Código de Processo Civil;

3) INDEFIRO o pedido de item 4.5, nos termos do artigo 330, III, pelo que julgo extinto o processo, na forma do artigo 485, I, ambos do Código de Processo Civil;

4) INDEFIRO o pedido de item 4.7, nos termos do artigo 330, caput, e §1º, III, nos termos do artigo 330, caput, e §1º, I, pelo que julgo extinto o processo, na forma do artigo 485, I, todos do Código de Processo Civil, e;”

 

Conforme informações do sistema PJe - 2º Grau, nos autos do agravo de instrumento nº 5013288-75.2018.403.0000, interposto pelo Ministério Público Federal contra a referida decisão interlocutória, foi proferida decisão pelo então Relator, Desembargador Federal Peixoto Junior, não conhecendo do agravo, contra a qual não foi manejado recurso, tendo o “decisum” transitado em julgado em 27/04/2021.

Neste cenário, considerando que, em relação aos pedidos elencados acima, o feito foi extinto sem resolução do mérito por decisão interlocutória já transitada em julgado, conclui-se que a sentença de mérito diz respeito apenas aos pedidos remanescentes.

Assim, o apelo ministerial não ultrapassa o juízo de admissibilidade no ponto em que reitera pedidos em relação aos quais a inicial foi indeferida.

Passo, então, a examinar os pedidos para os quais houve pronunciamento de mérito na sentença, a saber: anulação do contrato de financiamento imobiliário firmado entre a ré a CEF; proibição de realização do respectivo registro junto ao cartório competente; reinclusão do imóvel em programa habitacional, condenação da parte ré ao pagamento de valores a título de danos materiais e dano moral coletivo; declaração de exercício da posse sobre o imóvel de má-fé durante o período de ocupação.

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei 11.977/2009, tendo por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º, “caput”).

Por grupo familiar considera a lei a “unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos que contribuem para o seu rendimento ou têm suas despesas por ela atendidas e abrange todas as espécies reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se nestas a família unipessoal” (art. 1º, §1º, inciso I).

É o Poder Executivo que definirá os parâmetros de priorização e enquadramento dos beneficiários do PMCMV (art. 3º, §3º, inciso I), sendo que os Estados, Municípios e Distrito Federal poderão fixar outros critérios de seleção de beneficiários, previamente aprovados pelos respectivos conselhos locais de habitação, quando existentes, e em conformidade com as respectivas políticas habitacionais e as regras estabelecidas pelo Poder Executivo federal (art. 3º, §4º).

Foi editado o Decreto 7.499/2011 regulamentando o PMCMV, sendo que, segundo disposto no art. 8º, as operações realizadas com recursos provenientes da integralização de cotas no FAR (Fundo de Arrendamento Residencial) e recursos transferidos ao FDS (Fundo de Desenvolvimento Social), beneficiarão famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00.

Sobreveio, também, a Portaria Interministerial 477/2013, dos Ministérios das Cidades, Fazenda, e Planejamento, Orçamento e Gestão, assim dispondo:

 

Art. 1o As operações com recursos advindos da integralização de cotas do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), contratadas no âmbito do Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU), integrante do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), ficam regulamentadas nos termos desta Portaria, no que se refere a:
I - requisitos de enquadramento dos beneficiários;

II - valor da subvenção econômica;

III - participação financeira dos beneficiários.


Art. 2o As operações têm por objetivo atender a famílias com renda bruta mensal de até R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), desde que observadas as seguintes condições:

I - o beneficiário não seja proprietário ou promitente comprador de imóvel residencial ou detentor de financiamento habitacional em qualquer localidade do país;

II - o beneficiário não tenha recebido benefício de natureza habitacional oriundo de recursos orçamentários da União, do FAR, do FDS ou de descontos habitacionais concedidos com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Parágrafo único. Não ficará impedido de contratar as operações de que trata o caput o beneficiário que houver recebido subvenções ou descontos destinados à aquisição de material de construção, para fins de conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidade habitacional.

(negrito nosso)

 

Nota-se que a inscrição no Programa Minha Casa Minha Vida depende do preenchimento de diversos requisitos, determinando a Lei 11.977/09 a observância da regulamentação do Poder Executivo federal e também dos entes federativos locais. No Município de Itapeva, o PMCMV é regulamentado pelo Decreto nº 8.324/2014.

Feitas essas considerações, passo à análise do caso concreto.

Compulsados os autos, colhe-se que em 03/06/2015 a ré assinou declaração no sentido de residir na rua Edwirges Serapião, nº 876, Vila Aparecida, Itapeva/SP, ser solteira e de a renda bruta mensal do grupo familiar ser de R$ 680,00, a fim de se inscrever no programa Minha Casa Minha Vida – Recursos do FAR (ID 122734453 - Pág. 20/21).

A controvérsia estabelecida nos autos recai na ocorrência ou não de fraude consistente em suposta omissão de informação de união estável da ré com Vinícius Maciel dos Santos, a alterar a renda mensal do grupo familiar por ocasião na inscrição no PMCMV.

Dos elementos produzidos no procedimento investigatório levado a cabo pelo Ministério Público Federal, observa-se que a ré tem três filhos, sendo que o mais novo, nascido em 05/07/2011, tem como genitor Vinícius Maciel dos Santos (ID 122734455 - Pág. 7).

Aduz o MPF em seu apelo que, no contrato de locação de ID 122734467 - Pág. 1/4, referente ao imóvel situado na Rua Edwirges Serapião, nº 876, e subscrito em 06/10/2014, figuram como locador Geraldo José de Almeida e como locatário Vinícius Maciel dos Santos, sendo que consta que este último é “convivente”. Refere, ainda, o “parquet” “termo de recebimento de chaves” do referido imóvel assinado em 15/03/2018, no qual há informação de que o então locatário é “casado” (ID 122734467 - Pág. 5).

Alega, ainda, o apelante que, conforme certidão de agente de segurança institucional do Ministério Público Federal, no dia 12/12/2017 foi realizada diligência no imóvel localizado na Rua Edwirges Serapião, 876, Itapeva/SP, onde foi localizado Vinícius Maciel, sendo que na garagem se encontrava um “veículo S-10 Chevrolet placa HBJ 9025 Serrana-SP" (ID 122734464 - Pág. 2), o qual, segundo se apurou nos registros do Denatran, é de propriedade de José Carlos dos Santos Tratores – ME (ID 122734466 - Pág. 1).

Indica o recorrente, outrossim, extrato do CNIS em nome da ré, de fevereiro de 2014, onde consta do campo “estado civil” a informação “união estável” (ID 122734455 - Pág. 11), bem como documento encaminhado pela empresa empregadora de Vinícius Maciel dos Santos, consistente em “declaração de encargos de família para fins de imposto de renda”, contendo o nome da ré como “cônjuge” (122734461 - Pág. 9).

Sustenta, então, o apelante que restou comprovado que “GISELI e Vinicius vivem em união estável, ao menos desde o nascimento do menor Vinicius Rafael Coelho Maciel dos Santos, ocorrido no ano de 2011” e que “o casal vivia em união estável já ao tempo da inscrição no PMCMV e permaneceram juntos, ao menos, até 12/2017”.

Também alega que, como Vinícius Maciel dos Santos, em razão de vínculo empregatício com a empresa Tratorag Comércio e Representação Ltda., auferia renda bruta mensal de R$ 5.400,67 em junho de 2015 (ID 122734461 - Pág. 30), época da realização da inscrição no PMCMV, não restava preenchido requisito do referido programa habitacional, de modo que o imóvel teria sido obtido mediante fraude.

Depreende-se que as alegações do Ministério Público Federal se ancoram, principalmente, no fato de que a ré e Vinícius Maciel dos Santos moravam no mesmo endereço e informações de cadastros acerca do estado civil de ambos.

Ocorre que, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a caracterização de união estável depende de diversos elementos, tais como ânimo de constituir família, comunhão de interesses e estabilidade na relação, não bastando a coabitação. Confira-se:

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.

1.- Para a caracterização da união estável devem-se considerar diversos elementos, tais como o ânimo de constituir família, o respeito mútuo, a comunhão de interesses, a fidelidade, a comunhão de interesses e a estabilidade da relação, não esgotando os pressupostos somente na coabitação. (AgRg nos EDcl no REsp 805.265/AL, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 21/09/2010).

2.- Se o Tribunal de origem concluiu pela inexistência de união estável, examinando, para tanto, o conjunto fático-probatório disposto nos autos, alterar tal entendimento encontra óbice na Súmula 07 do STJ.

3.- O dissídio jurisprudencial não foi demonstrado, pois a agravante não demonstrou as similitudes fáticas entre os casos colacionados.

4.- A agravante não trouxe qualquer argumento capaz de modificar a conclusão do julgado, o qual se mantém por seus próprios fundamentos.

5.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp n. 223.319/RS, relator Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 18/12/2012, DJe de 4/2/2013.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. ART. 557 DO CPC. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. REQUISITOS DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ.

1. O julgamento do recurso especial conforme o art. 557 do CPC não ofende os princípios do contraditório e da ampla defesa, se observados os requisitos recursais de admissibilidade, os enunciados de Súmulas e a jurisprudência dominante do STJ.

2. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.

3. Para a demonstração do dissídio pretoriano, na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, são necessários a similitude fática e o cotejo analítico entre os acórdãos confrontados, que não se satisfaz com a mera transcrição de ementas dos arestos indicados como paradigmas.

4. É "inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo" (Súmula 211 do STJ).

5. Para a caracterização da união estável devem-se considerar diversos elementos, tais como o ânimo de constituir família, o respeito mútuo, a comunhão de interesses, a fidelidade, a comunhão de interesses e a estabilidade da relação, não esgotando os pressupostos somente na coabitação.

6. Se o Tribunal de origem assentou a existência de união estável, examinando, para tanto, o acervo fático-probatório dos autos, alterar tal entendimento encontra óbice na Súmula 07 do STJ.

7. O pedido feito com a instauração da demanda emana de interpretação lógico-sistemática da petição inicial, não podendo ser restringido somente ao capítulo especial que contenha a denominação "dos pedidos", devendo ser levados em consideração, portanto, todos os requerimentos feitos ao longo da peça inaugural, ainda que implícitos. Assim, se o julgador se ateve aos limites da causa, delineados pelo autor no corpo da inicial, não há falar em decisão citra, ultra ou extra petita.

8. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg nos EDcl no REsp n. 805.265/AL, relator Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 14/9/2010, DJe de 21/9/2010.)

 

Em seu depoimento em juízo, a ré declarou que trabalha como diarista e que manteve relacionamento com Vinícius, mas se separaram um tempo depois do nascimento do seu filho mais novo. Relatou que preferiu ficar na mesma casa que Vinícius, “mesmo na crise”, por não ter para onde ir e porque ele não queria pagar dois aluguéis. Também afirmou que não sabia que demoraria para o imóvel ser entregue e que saiu da casa da Rua Edwirges assim que foi entregue a casa do Morada do Bosque. Aduziu, ainda, que quando fez a inscrição não tinha mais relacionamento com Vinícius, reiterando que continuou morando na mesma casa por não ter para onde ir. 

A meu juízo, considerando os rendimentos mensais da ré, que declarou trabalhar como diarista, revela-se verossímil sua versão de que já estava separada de fato de Vinícius Maciel dos Santos quando fez a inscrição no programa habitacional e que continuavam morando na mesma casa por não ter condições financeiras para ir para outro local com seus filhos. A propósito, o fato da separação foi apresentado como motivo – plausível, aliás – para a ré ter se inscrito no PMCMV, precisamente para que conseguisse outro local para residir com seus filhos.

Também avulta como elemento de corroboração o depoimento da testemunha Valdemar de Oliveira, que declarou, em juízo, ser pedreiro e ter sido contratado pela ré para construir um muro em sua casa na Morada do Bosque, também que, durante o tempo em que trabalhou no local, das 8h00 às 17h00, nunca viu ninguém além das crianças e que recebeu o pagamento diretamente da ré. Afirmou a testemunha que não conhecia a ré antes e que nunca viu um rapaz chamado Vinícius.

Merece destaque, ainda, que a ré se inscreveu no programa habitacional em junho de 2015, sendo que as chaves do respectivo imóvel somente foram entregues em janeiro de 2018, ou seja, dois anos e meio depois, tratando-se de circunstância que também corrobora a versão da ré de que precisou permanecer no mesmo imóvel que Vinícius enquanto aguardava a entrega da casa.

Quanto à alegação do apelante de que a ré era proprietária de um veículo Chevrolet/Corsa, o que seria incompatível com a renda de R$ 680,00 declarada, anoto que, da análise do conjunto probatório, o que se depreende é que se tratava de veículo antigo e, conforme depoimento da testemunha Valdemar de Oliveira em juízo, a ré logo precisou vendê-lo por questões financeiras.

Também não merece acolhida a alegação do recorrente de que a ré, quando se mudou para a casa do Morada do Bosque, já tinha conhecimento da investigação levada a cabo contra ela e que, por isso, omitiu o relacionamento com Vinícius, uma vez que não está respaldada em qualquer prova.

Com efeito, a versão da ré poderia ter sido, eventualmente, infirmada por outros elementos de prova, como depoimentos de outras testemunhas e indícios de que a relação entre ambos teria permanecido pública pelo menos até a data da inscrição no PMCMV, mas nada nesse sentido foi produzido pelo MPF, que, portanto, não se desincumbiu do ônus da prova.

Ressalto que os documentos acostados pelo Ministério Público Federal fazem prova de que a ré e Vinícius Maciel dos Santos mantiveram, um dia, união estável, mas não demonstram, com a certeza que o ordenamento jurídico exige, que mantinham o relacionamento por ocasião da inscrição no PMCMV de modo a configurar fraude.

Nenhum dos documentos acostados aos autos corresponde à precisa data da inscrição, sendo que a “declaração de encargos de família para fins de imposto de renda” referida pelo MPF não está datada nem assinada pela empresa empregadora.

Cumpre salientar que, conforme exegese do art. 113 do Código Civil, nos negócios jurídicos a má-fé não se presume, devendo ser devidamente comprovada, o que não ocorreu no caso dos autos.

Destaco, por oportuno, precedentes de ambas as Turmas integrantes da Primeira Seção desta Corte em casos similares no mesmo Município, concluindo pela inexistência de prova de má-fé:

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA COM RECURSOS DO FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL – PMCMV-FAR. FRAUDE NOS DADOS DECLARADOS PARA GARANTIR HABILITAÇÃO NO PROGRAMA. INOCORRÊNCIA. RENDA FAMILIAR E PROPRIEDADE DE IMÓVEL RESIDENCIAL. AUSÊNCIA DE DOLO.

1. Preliminarmente, considerados os limites de devolução da apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC) e o trânsito em julgado do acórdão proferido no AI 5010848-09.2018.4.03.0000, não se conhece do apelo ministerial quanto aos pleitos de condenação da ré à indenização pela deterioração causada ao imóvel e de manutenção da situação de contemplada pelo PMCMV nos cadastros da CEF e órgãos públicos para fins de impedimento a obter futuros benefícios habitacionais.

2. No mérito, os dados declarados pela ré ao PMCMV e imputados falsos pelo autor da ação resumem-se, basicamente, ao seu estado civil e, portanto, composição do núcleo familiar e respectiva renda, e ao requisito de não ser proprietária de imóvel residencial.

3. No exame da primeira imputação, insta considerar que, conforme revela contexto probatório documental e testemunhal dos autos, a ré tem dois filhos, sendo o mais velho pessoa com deficiência, que recebe benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) desde 17/04/2006, demandando cuidados em tempo integral, razão pela qual não exerce atividade laboral desde 2007. Denota-se, pois, que a renda de um salário mínimo vigente em 2014 (R$ 724,00) declarada na inscrição do programa habitacional correspondia ao benefício assistencial recebido pelo filho deficiente.

4. Sobre a união estável com Gigliotti Moreira, a ré sustentou que quando de sua inscrição no PMCMV (em setembro de 2014) já se encontrava separada de seu companheiro (desde junho do mesmo ano), que retornou ao convívio familiar somente três meses depois de contemplada no programa e empossada no imóvel, versão que não restou confrontada pela diligência administrativa realizada em 19/12/2017 no âmbito do procedimento do Ministério Público Federal. Ainda que assim não fosse, a renda média de R$ 1.400,00 auferida pelo companheiro da ré somada ao benefício assistencial recebido pelo filho deficiente no valor correspondente ao salário mínimo vigente no país não ultrapassava a renda familiar de até R$ 1.600,00 exigida pela legislação de regência do programa habitacional.

5. Tampouco depõe contra a ré o fato de figurar como proprietária de um VW/Gol 1999/1999, um GM/Corsa 2002/2002 e uma moto Honda/CG150 2014/2014, primeiramente porque a legislação aplicável não impõe qualquer limitação à propriedade de bens móveis automotores, segundo porque, ao contrário do alegado, tal propriedade nada comprova acerca da renda auferida, dada a antiga data de fabricação dos carros, que já contavam com mais de dez anos à data da inscrição no PMCMV, assim como por ter a ré esclarecido que um dos carros e a moto eram de seu irmão, tendo-lhe apenas emprestado o nome, que não tinha restrições para aquisição, sendo confirmado pelas testemunhas em Juízo que a ré não tinha veículos.

6. No tocante à imputação de copropriedade do imóvel matrícula 23.652, verifica-se, realmente, que a ré figura no respectivo registro imobiliário juntamente com seus quatro irmãos, à época todos impúberes, como adquirentes desde 15/12/1999 de um terreno de 275m², com duas casas de 95,72m² e 95,75m².

7. A copropriedade do imóvel não foi negada pela ré que, pelo contrário, aduziu ter relatado tal fato no ato da inscrição no PMCMV perante a Prefeitura Municipal, quando informada que não existia óbice à participação no programa habitacional, já que não era a única proprietária do bem. Tal circunstância afasta o dolo e má-fé imputados à ré pelo autor da ação, não subsistindo, assim, a alegada prática de fraude para garantir habilitação no Programa Minha Casa Minha Vida. Não obstante a independência entre as instâncias cível e criminal, cumpre ressaltar que mesma conclusão foi reconhecida, com trânsito em julgado em 25/08/2021, também na Ação Penal 0000137-43.2018.4.03.6139, instaurada para apuração de eventual crime de estelionato praticado contra a Caixa Econômica Federal (artigo 171, § 3º, CP), em razão dos mesmos fatos ora sub judice.

8. Deste modo, afastada a imputada intenção maliciosa na conduta da ré e adstritos aos limites da causa de pedir exposta na inicial, não cabe cogitar de nulidade do contrato de mútuo habitacional pelo PMCMV e respectivo registro imobiliário.

9. Ademais, segundo consta dos autos, no imóvel herdado em copropriedade com seus irmãos, moravam a ré, com seus dois filhos, além de dois irmãos, mãe e avós. À ré e seus dois filhos cabia residir em um cômodo com banheiro, cujo tamanho era menor que o da sala de audiências. Neste contexto, bem procedeu a sentença ao registrar que “o fato de a ré ser proprietária da quinta parte de um lote de aproximadamente 250m² e menos de 200m² de área construída, em condomínio com cinco irmãos, sabendo-se ainda que sua mãe mora em um dos imóveis e um irmão em outro, não configura a hipótese pretendida pelo legislador que impede a mulher de participar do PMCMV, porque a ideia do legislador é a de que quem tem moradia digna não obste o direito do outro que não tem. Essa medida de imóvel talvez fosse suficiente para ser dividida entre pessoas solteiras e saudáveis, mas a ré tem dois filhos e marido e um dos seus filhos é deficiente, de modo que o imóvel do qual ela é coproprietária não satisfaz o direito constitucional de ter moradia digna. [...] Enfim, ser coproprietária da quinta parte de um imóvel de 250m², com área construída de aproximadamente 200m², não configura óbice à ré para participação no PMCMV, na medida em que não é a literalidade da lei que deve prevalecer, mas o sentido constitucional do direito à moradia digna, que a ré não tinha até receber a casa do Programa”.

10. Apelação parcialmente conhecida e, nesta extensão, desprovida, e remessa oficial, tida por submetida, desprovida.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000240-62.2018.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, julgado em 25/10/2023, DJEN DATA: 30/10/2023)                                 

 

 

APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MÚTUO HABITACIONAL VINCULADO AO PMCMV. INFORMAÇÃO SOBRE O ESTADO CIVIL DO MUTUÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. OMISSÃO. ÔNUS DA PROVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Cuida-se, na origem, de ação civil pública manejada pelo MPF objetivando a nulidade do contrato de compra e venda com financiamento habitacional firmado no âmbito do PMCMV em razão de omissão de informações do beneficiário no momento da contratação.

2. O Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), instituído pela Lei nº 11.977/09, conforme dispõe seu artigo 1º, na redação dada pela Lei nº 12.424/11, tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00.

3. Nos termos do art. 2º, inciso I da Lei nº 11.977/09, a União para implementar o PMCMV, concederá subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional, observada a disponibilidade orçamentária e financeira.

4. A operacionalização do sistema se dá mediante a priorização e o enquadramento, pelo Executivo Federal, dos beneficiários do PMCMV, bem como a periodicidade de atualização dos limites de renda familiar estabelecidos, nos termos do Decreto nº 7.499, de 16 de junho de 2011.

5. O Município de Itapeva/SP, por meio do Decreto nº. 8.324/2014, estabeleceu critérios para a participação no PMCMV: “Art. 2º Para participar do processo de seleção, o interessado deverá apresentar os seguintes pré-requisitos:

I – o responsável pela família participante deverá ter atingido a maioridade nos termos da lei civil; II – a renda da família participante deverá ser igual ou menor que R$1.600,00 (um mil e seiscentos reais); III – a família participante deverá estar inscrita no Cadastro Único, possuindo o NIS – Número de Identificação Social; e IV – nenhum membro da família participante poderá: a) ser proprietário de bem imóvel; b) ter contraído financiamento imobiliário através de qualquer sistema de habitação; ou c)  ter sido beneficiado em programas habitacionais anteriores, ainda que já tenha realizado a venda do imóvel a que fora contemplado.”

6. A união estável como entidade familiar, é conceituada pelo art. 1.723 do Código Civil, nos seguintes termos: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

7. No presente caso o MPF trouxe documentos (certidão de nascimento de filhos, fotos e posts de redes sociais) que dariam indícios da existência da alegada união estável da apelada com o Sr. Hulysses. Entretanto, considerando todo o arcabouço probatório carreado, não é possível concluir que a relação entre a apelada e seu ex-companheiro se mantinha vigente quando da inscrição dela no programa social federal de habitação, em 2015.

8. No caso, importante salientar que não foram arroladas testemunhas que corroborassem a tese da apelante acerca da existência de união estável e, portanto, da omissão de informação sobre o estado civil da beneficiária.

9. Considerando que não restou comprovada a existência da união estável, e muito menos o período de sua duração, a questão da propriedade de imóvel pelo Sr. Hulysses não interessa para o julgamento do feito.

10. Nos termos do disposto no art. 1.245 do Código Civil, a aquisição da propriedade imobiliária se dá com o registro do título translativo. Assim, ainda que fosse comprovada a união estável da apelada com o Sr. Hulysses, pelo que se depreende dos autos, quem consta como proprietária do imóvel é a Sra. Vanda Aparecida Antunes Cerdeira, conforme se verifica no registro R.02 – 29.315 da matrícula (ID 13942068 pg. 09/10 dos autos de origem), de modo que tal fato não obstaria a habilitação da Sra. Eliza, ora apelada, como beneficiária do PMCMV.

11. No Direito Civil, a má-fé não se presume e necessita ser devidamente provada, ao contrário da boa-fé, conforme se depreende do disposto no art. 113 do Código Civil de 2002. No caso concreto não restou evidenciada hipótese de atuação da apelada com vistas a fraudar o PMCMV e, por consequência, não foi comprovada a má-fé.

12. Apelação desprovida

(TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000067-04.2019.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 08/11/2023, Intimação via sistema DATA: 16/11/2023)                                       

 

Destarte, nada há a objetar à sentença de improcedência do pedido ao aduzir que:

 

Inicialmente, vale destacar que a existência de um filho em comum entre a ré Giseli e Vinícius não constitui, de per si, prova de união estável, que, nos termos do art. 1723 do Código Civil, consiste na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o fim de constituir família.

Por outro lado, não há controvérsia de que a ré Giseli manteve união estável com Vinícius Rafael Coelho Maciel dos Santos. Todavia, a demandada defende que a união havia se dissolvido à época do cadastro no PMCMV.

Também é fato incontroverso que a ré residia com Vinícius à época da inscrição, e que isto perdurou até a entrega das chaves do imóvel do Residencial Morada do Bosque. Nada obstante, a demandada defende que permaneceu residindo com Vinícius após a dissolução da união, porque não podia custear o aluguel de um imóvel para morar com os filhos.

A prova documental produzida pelo Ministério Público constitui forte indício de que a união estável existiu, mas não é suficiente para demonstrar que perdurou até a inscrição da autora. Confira-se.

A ré Giseli Aparecida Coelho Souza firmou a Declaração de Beneficiário, na qual afirma ser solteira, em 03/06/2015 (vide fls. 20/21 do Id 7643162).

Por outro lado, os documentos acostados pelo autor não são coincidentes com da data da Declaração de Beneficiário.

O extrato do CNIS da ré, do qual consta o estado civil “união estável” informa dados de 19/02/2014 (fl. 11 do Id 7643166).

A “Declaração de Encargos de Família para Fins de Imposto de Renda” apresentada pela empregadora de Vinícius Maciel dos Santos não possui data, nem assinatura do empregado (fl. 11 do Id 7643180).

E, ainda, o Contrato de Locação celebrado por Vinícius Maciel dos Santos, no qual se declara “convivente”, foi firmado em 06/10/2014 (fls. 01/04 do Id 764398).

Por fim, o “Termo de Recebimento de Chaves”, referente ao fim do contrato de Locação firmado por Vinícius Maciel, e no qual ele figura como “casado”, foi assinado em 15/03/2018. No ponto, é de se considerar que o documento é frágil até para funcionar como indício, visto que não é de casamento, mas de união estável, que se trata a discussão destes autos.

O depoimento pessoal da ré indica que a união estável que mantinha com Vinícius estava rompida, quando da realização do cadastro do PMCMV.

(...)

Por outro lado, o autor não produziu prova oral em sentido contrário. Não requereu nem mesmo a oitiva do suposto companheiro da demandada.

Adite-se que as declarações da testemunha da Defesa, Valdemar de Oliveira, corroboram a tese da ré de que a união estável estava dissolvida, apesar da coabitação, pois indicam que a ré mudou-se sozinha com os filhos para o Residencial Morada do Bosque.

(...)

Frise-se que a coabitação, por si só, não constitui prova irrefutável da união estável. Não é incomum, na realidade brasileira, que pessoas carentes, quando extinguem relacionamentos, continuem temporariamente sob o mesmo teto do ex-companheiro(a), por dificuldades de ordem financeira.

(...)

Por todo o exposto, não restou comprovado, extreme de dúvida, que a ré, à época em que se cadastrou no Programa “Minha Casa, Minha Vida”, vivia em união estável com Vinícius Maciel dos Santos.

 

Diante do exposto, conheço em parte do recurso de apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, nego-lhe provimento, e nego provimento à remessa oficial, tida por interposta, nos termos supra.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

 

 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. ALEGAÇÃO DE FRAUDE POR OMISSÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. INSUFICIÊNCIA DA PROVA.

- Hipótese dos autos que é de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra mutuária do Programa Minha Casa Minha Vida, alegando o autor que a ré, ao realizar sua inscrição, omitiu que mantinha união estável, assim incorrendo em fraude no que diz respeito à renda familiar.

- Proferida sentença de improcedência do pedido, dela recorre o Ministério Público Federal.

- Conforme orientação consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/65), a Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) formam um microssistema legal de proteção aos direitos coletivos, de modo que se aplica à ação civil pública o disposto no art. 19 da Lei 4.717/65, que prevê que a sentença de improcedência do pedido está sujeita ao duplo grau de jurisdição.

- Caso em que o Juízo de primeiro grau proferiu decisão indeferindo a inicial e julgando extinto o feito sem resolução do mérito com relação a parte dos pedidos formulados na inicial, tendo sido impugnada por agravo de instrumento, que não foi conhecido por decisão desta Corte já transitada em julgado. Assim, o apelo ministerial não ultrapassa o juízo de admissibilidade no ponto em que reitera pedidos em relação aos quais a inicial foi indeferida.

- Inscrição no Programa Minha Casa Minha Vida que depende do preenchimento de diversos requisitos, determinando a Lei 11.977/09 a observância da regulamentação do Poder Executivo federal e também dos entes federativos locais.

- Da análise dos autos depreende-se que as alegações do Ministério Público Federal se ancoram, principalmente, no fato de que a ré e suposto companheiro moravam no mesmo endereço e em informações de cadastros acerca do estado civil de ambos.

- Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a caracterização de união estável depende de diversos elementos, tais como ânimo de constituir família, comunhão de interesses e estabilidade na relação, não bastando a coabitação.

- Considerando os rendimentos mensais da ré, que declarou trabalhar como diarista, revela-se verossímil sua versão, corroborada por depoimento de testemunha ouvida em juízo, de que já estava separada de fato quando fez a inscrição no programa habitacional e que continuava morando na mesma casa do antigo companheiro por não ter condições financeiras para ir para outro local com seus filhos. Inexistência de elementos de prova aptos a infirmar a versão da ré, não se desincumbindo o MPF do ônus da prova.

- Conforme exegese do art. 113 do Código Civil, nos negócios jurídicos a má-fé não se presume, devendo ser devidamente comprovada, o que não ocorreu no caso dos autos. 

- Recurso de apelação do Ministério Público Federal conhecido em parte e, na parte conhecida, desprovido. Remessa oficial, tida por interposta, desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do recurso de apelação do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, e negar provimento à remessa oficial, tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.