APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN
Advogados do(a) APELADO: ANTONIO GLAUCIUS DE MORAIS - SP336163-A, JOAO FRANCISCO AGUIAR DRUMOND - DF10460
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN Advogados do(a) APELADO: ANTONIO GLAUCIUS DE MORAIS - SP336163-A, JOAO FRANCISCO AGUIAR DRUMOND - DF10460 OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de embargos de declaração opostos por JOSÉ ANTONIO FURLAN em face de acórdão deste colegiado. Em síntese, a parte embargante afirma que o julgado incidiu em omissões. Por isso, a parte embargante pede que seja sanado o problema que indica. Apresentadas contrarrazões, os autos vieram conclusos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000462-03.2016.4.03.6102 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: JOSE ANTONIO FURLAN Advogados do(a) APELADO: ANTONIO GLAUCIUS DE MORAIS - SP336163-A, JOAO FRANCISCO AGUIAR DRUMOND - DF10460 OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade. Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante. Por força do art. 1.026, §§2º e 3º, do CPC/2015, se os embargos forem manifestamente protelatórios, o embargante deve ser condenado a pagar ao embargado multa não excedente a 2% sobre o valor atualizado da causa (elevada a até 10% no caso de reiteração), e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão ao final). E a celeridade e a lealdade impõem a inadmissibilidade de novos embargos de declaração se os 2 anteriores forem considerados protelatórios. No caso dos autos, a parte-embargante sustenta que o julgado incide em omissões quanto a: i) provas apresentas pelo autor quanto ao caráter não sigiloso do anteprojeto de lei mencionado nos autos; ii) as provas de influência indevida de particulares sobre a Administração; iii) as provas quanto à sua participação na gerência ou administração de sociedade privada e exercer atividades incompatíveis com o exercício do cargo ou função. Quanto a alegada omissão indicada em (i), não assiste razão ao autor. Afirma o autor que o acórdão baseou-se em “afirmação genérica da União, sem lastro em elementos concretos, tais como a eventual prova da classificação da matéria como sigilosa ou a eventual prova de haver o Autor tomado conhecimento desse suposto segredo em razão de participação em grupo de trabalho especialmente designado”. Tal alegação não pode ser acolhida, pois o acórdão consignou expressamente o entendimento adotado acerca do alcance do “sigilo” mencionado no art. 132, inciso IX (grifei): “Dos estritos termos da Lei nº 8.112/1990, poder-se-ia afirmar que, para a configuração da tipicidade do que dispõe o art. 132, IX, seria necessário que recaísse sigilo formal sobre determinada informação e a expressa vedação a sua divulgação pelo servidor público. Todavia, não deve ser essa a melhor interpretação, na medida em que se infere, dentre os deveres do servidor público, o descrito no art. 116, VIII, da mesma Lei nº 8.112/1990, a saber, guardar sigilo sobre assunto da repartição. O “segredo” a que se refere o art. 132, IX, do Estatuto do Servidor Público Federal, pode ser configurado como dados ou informações internos da administração federal que não estejam sujeitos a escrutínio público. De outro lado, não podem ser elementos desprovidos da mínima sigilosidade inerente aos assuntos internos da Administração, sob o risco de se punir o servidor pela mera referência ou comentário sobre qualquer fato ou dado relativo ao seu ambiente de trabalho. Dito isso, observa-se que o autor afirmou, em depoimento, que apenas falou sobre assunto que já era de conhecimento de pessoas de fora da Administração e que inclusive haveria orientação de que se buscassem opiniões e orientações de juristas fora dos quadros do serviço público (id 126940109 - Pág. 95). Contudo, não é o que se depreende dos autos, pois não se tratava de projeto de lei exposto a consulta pública ou sobre o qual haveria tal determinação quanto a se colher opiniões ou sugestões de conhecedores do assunto, como o autor dá a entender também em seu depoimento em audiência judicial nestes autos (id 26805394). Segundo a própria administração pública, tratava-se de projeto estatal estratégico, discutido em âmbito interna corporis e cuja revelação prematura a pessoas de fora do serviço público – e, sobretudo, com interesse na captação de clientes que poderiam vir a se beneficiar com tal modalidade de extinção de créditos junto à Fazenda Pública – poderia trazer vantagem indevida a terceiros estranhos ao Poder Público, bem como potencial dano ao erário”. Observe-se que o entendimento do colegiado é no sentido de que o art. 132, IX, da Lei nº 8.112/1990, não exige decretação formal de sigilo ou classificação como documento confidencial para que se configure a infração em comento. Portanto, a alegação de que haveria omissão quanto às provas de que não havia grupo de trabalho oficialmente formado ou decretação de sigilo sobre o assunto não procede, pois as provas referentes a esse tópico foram plenamente analisadas, conforme se confere do acórdão embargado: “Contando, portanto, com a sigilosidade mínima requerida para a configuração do tipo do art. 132, IX, da Lei nº 8.112/1990, caracterizada estão tais informações como matéria que deveria ser mantida apenas no âmbito interno da Administração, mas foram reveladas pelo autor a Wagner Balera e Walter Chede, fato este admitido no depoimento prestado no Processo Administrativo, nestes termos (id 126940105 - Pág. 42) (grifei): “PERGUNTANDO ao depoente acerca do áudio de fls. 122/123, do apenso ‘interceptações’, em que tem fone alvo o nº 16-9993-8216, em que conversam o depoente e Chede, por que teria encaminhado um projeto de dação em pagamento de terras públicas para o escritório de um particular RESPONDEU que isso era um projeto que o depoente começou antes de 2004, provavelmente em fevereiro de 2004, que foi chamado a Brasília para participar de um grupo que estudava a dação de terras em pagamento, no momento em que o INCRA soubesse que houvesse terra de seu interesse, buscaria débitos entre as Autarquias, e a ideia era ao invés de pagar a empresa, emitiriam um título e esses ficariam penhorados, para quitar dívidas do proprietário da terra. Que era um projeto de lei como outro qualquer, que consultou o maior número de juristas possíveis. Que esse grupo reuniu-se somente uma vez, traçando linhas gerais, que esse projeto era da Consultoria Jurídica do Ministério da Reforma Agrária. Que uma Auditora Fiscal do Ministério da Previdência que conhecia o depoente sugeriu o seu nome para participar desse grupo. Que saíram a campo para trocar ideias, que tinham orientações para procurar juristas, e que a maior parte de consultores não era de carreira, que se lembra de um procurador, que as outras pessoas não sabe se eram do serviço público, e que não se lembra de encaminhar esse projeto. Que não tinha um projeto, mas uma ideia, e que conversou com Balera e Chede sobre a ideia, ou seja, legislação em tese. Que dentro do Ministério da Previdência, o Wagner Balera e o Sr. Wladimir Novaes Martines Peres sempre foram chamados para participar da elaboração de novos projetos de lei. Que a conversa foi para consultar um jurista renomado”. Ainda que o autor tente conferir à tal “conversa” um caráter de consulta que seria até requerida pela administração federal, e que se tratava de um projeto de lei como outro qualquer, não há qualquer demonstração nesse sentido, além do que os desdobramentos dos fatos mostram o grau de reprovação de sua conduta por parte do próprio poder público. E pela estatura do cargo exercido pelo Procurador Federal, não se trata de engano ou má compreensão do conteúdo e do valor das informações repassadas. De outro lado, resta inequívoca a admissão do autor de que a revelação desses dados, de fato, existiu”. Igualmente, a omissão alegada em (iii) não se mostra presente no acórdão, haja vista que o acórdão se fundamentou em todo o conjunto de elementos probatórios – inclusive apresentados pelo autor – que, conjugados, configuram a efetiva participação do autor na gerência de empresa, conforme se confere (grifei): “Por fim, quanto à conduta de participar de gerência ou administração de sociedade privada e exercer atividades incompatíveis com o exercício do cargo ou função (vedada ao servidor no art. 117, X, e penalizada com demissão, nos termos do art. 132, XIII, todos da Lei nº 8112/1990), a comissão processante considerou que os atos admitidos pelo autor com relação às empresas Millafer Transportes e Furlan & Farias, das quais sua esposa é sócia-administradora, configuram sua indevida atuação como gerente. A conduta em tela deve ser caracterizada pela prática habitual e reiterada de atos de gestão, típicas de administrador de entidade privada e voltada ao lucro, não podendo servir à configuração da irregularidade feitos esporádicos ou isolados junto à empresa ou aos sócios. A comissão processante concluiu que, da oitiva do autor, ficou configurada a habitualidade da atuação do servidor na condição de gerente de fato das referidas empresas. Em seu depoimento o autor afirma que todos os fatos apontados ela comissão seriam atos isolados, não comprovando habitualidade; entretanto, o que se observa é que há uma cadeia de “atos isolados” que não pode ser ignorada, constituindo verdadeira atividade permanente de gestão das empresas. A comissão observou, ainda, confusão patrimonial e de gestão entre as empresas Millafer Consultoria (empresa do irmão do autor, Luiz Furlan, que prestava consultoria contábil, atuando inclusive juntamente com os advogados Wagner Balera e Walter Chede) e Millafer Transportes, em que a esposa do autor consta como sócia-administradora, mas na qual se constatou a ocorrência de diversos atos de gestão por parte do autor. O autor busca justificar parte dessa confusão alegando que haveria apenas um endereço de e-mail para toda a família, que era usado também para a empresa (id 126940105 - Pág. 48), bem como compartilhariam de apenas uma conta-corrente conjunta (id 126940105 - Pág. 50), o que contraria a afirmação, feita na sequência, de que a doação de R$ 54.000,00 feita por ele à esposa se referia a dinheiro que já era anteriormente dela e também uma “forma contábil para individualização novamente da declaração do imposto de renda e da independência financeira de cada um”. A comissão processante analisou todos esses fatos relatados, questionando o autor sobre diversos atos por ele praticados junto às empresas Millafer e também na empresa Furlan e Farias (posto de gasolina em que sua esposa era sócia majoritária) e concluiu que a atuação do servidor era a de gerente de fato das empresas. Mais uma vez, acrescente-se que, em depoimento, o argumento de o autor negar o caráter ilícito dos atos não ilide o fato de que ele admitiu tê-los realizado, o que caracteriza verdadeira confissão das imputações a ele feitas”. A omissão alegada em (ii), contudo, deve ser sanada, pelo que acrescento à fundamentação do acórdão os seguintes trechos: “O autor aponta em sua inicial diversos elementos que fariam prova da inexistência de qualquer ingerência do autor para prestigiar ou favorecer terceiros dentro da Procuradoria, elementos esses constantes basicamente de depoimentos prestados pelas testemunhas do PAD (id 126940101 - Pág. 23. Contudo, observe-se que a acusação que pesa contra o autor é de relacionamento político com particulares que tinham tal influência e que administravam interesses diversos, potencialmente contrários ao da autarquia e à impessoalidade que impera na gestão pública; e, além de as supostas provas apontadas pelo autor não negarem tal relacionamento, tampouco afirmam que o autor não tenha realizado nenhuma interferência ou ingerência O autor cita como elemento probatório a afirmação “categórica” de que em nenhum momento houve qualquer interferência sua para prestigiar ou favorecer terceiros dentro da procuradoria (126940101 - Pág. 24), contudo, o que em verdade consta do depoimento é que não “ouviu falar de qualquer interferência do Dr. Furlan para prestigiar ou favorecer terceiros dentro da procuradoria” (id 26940104 - Pág. 35). Ou seja, o que a testemunha afirmou é que não sabia se teria ocorrido interferência, o que é bastante diferente de afirmar que não teria havido. O mesmo se passa com o trecho que cita do depoimento de Aluizo Silva Lucena (id 126940101 - Pág. 25), no qual resta claro que a testemunha afirma não saber do assunto que lhe é perguntado: ‘Perguntado se em todo o tempo de trabalho com que conhece o Dr. Furlan tem conhecimento de que em algum momento este tenha agido em favor de alguma empresa ou terceiros, mesmo que por ouvir dizer, RESPONDEU QUE nunca. Nem de terceiros, e que só tem conhecimento do que consta no presente PAD até o momento da portaria da instauração, pois manuseou os autos na condição de adjunto de Consultoria’ (id 126940104 - Pág. 42). Na mesma esteira, tomem-se os trechos citados dos depoimentos de Simone Renófio, Neide Coimbra, Arlete Muniz e Hilda Turnês Pinheiro (id 126940101 - Pág. 25/27). A testemunha Rivaldir D’Aparecida Simil afirma que somente viu o autor uma vez, que não conhece pessoalmente Wagner Balera e que não conhece o irmão do autor, afirmações que estão longe de atestar a inexistência das imputações feitas Por fim, ressalte-se que a análise das provas foi feita tomando-se o conjunto de elementos trazidos aos autos, não apenas das afirmações das testemunhas, mas dos documentos disponíveis e das afirmações do próprio autor, que admite as condutas imputadas, mas tenta dar a elas natureza lícita e até banal”. De resto, mantenho, na íntegra, a r. decisão proferida. Diante do exposto, ACOLHO PARCIALMENTE os embargos de declaração, para que a presente decisão passa a integrar o acórdão de id 278367332, sem efeitos infringentes. É o voto.
E M E N T A
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCURADOR FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. REVISÃO. DEMISSÃO. CONFISSÃO. PROVAS AUTÔNOMAS. FAVORECIMENTO DE ADVOGADOS PRIVADOS. INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS. CONTRAPARTIDA. MOVIMENTAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO. GESTÃO EM EMPREENDIMENTO PRIVADO. ELEMENTOS SUFICIENTES. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE E VERACIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.
- Nos termos do art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração podem ser opostos contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão, e corrigir erro material. E, conforme dispõe o art. 1.025 do mesmo CPC/2015, consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
- Embora essa via recursal seja importante para a correção da prestação jurisdicional, os embargos de declaração não servem para rediscutir o que já foi objeto de pronunciamento judicial coerente e suficiente na decisão recorrida. Os efeitos infringentes somente são cabíveis se o julgado tiver falha (em tema de direito ou de fato) que implique em alteração do julgado, e não quando desagradar o litigante.
- Sana-se a omissão relativa aos elementos probatórios indicados pelo autor, analisando-se os depoimentos apontados em sua inicial. Por fim, ressalte-se que a análise das provas foi feita tomando-se o conjunto de elementos trazidos aos autos, não apenas das afirmações das testemunhas, mas dos documentos disponíveis e das afirmações do próprio autor, que admite as condutas imputadas, mas tenta dar a elas natureza lícita e até banal.
- Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes.