Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000768-08.2021.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DANIEL DE ALMEIDA GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: CHARLES MACHADO PEDRO - MS16591-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000768-08.2021.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DANIEL DE ALMEIDA GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: CHARLES MACHADO PEDRO - MS16591-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Trata-se de recurso de apelação interposto por DANIEL DE ALMEIDA GONÇALVES contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos de condenação da UNIÃO FEDERAL para reintegrar o ora apelante como adido para tratamento médico até a efetiva cura, bem como efetuar o pagamento das quantias devidas desde o ilegal licenciamento.

Em suas razões recursais, o apelante sustenta que, em 06/12/2019, sofreu fratura e luxação no punho direito em decorrência de acidente automobilístico. Afirma ter sido licenciado de maneira ilegal quando ainda estava incapaz (parecer incapaz B2). Aduz que seu quadro clínico ainda não se estabilizou. Pugna pela reforma da sentença para que seja reintegrado com adido até o término de seu tratamento médico, com o pagamento dos valores retroativos do período em que ficou licenciado indevidamente. 

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte. 

É o relatório.  

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000768-08.2021.4.03.6005

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: DANIEL DE ALMEIDA GONCALVES

Advogado do(a) APELANTE: CHARLES MACHADO PEDRO - MS16591-A

APELADO: UNIÃO FEDERAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR): Inicialmente, afasto a preliminar de carência da ação arguida pela UNIÃO FEDERAL. O interesse processual do apelante é evidente, na medida em que alega ter sido licenciado das Forças Armadas de maneira ilegal, não havendo o que se falar em necessidade de requerimento administrativo, tendo em vista o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da Constituição Federal). Ademais, a própria UNIÃO FEDERAL contestou os pedidos formulados.

Prosseguindo, o art. 142, da Constituição de 1988, prevê que as Forças Armadas (constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica) são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, destinando-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Nos moldes desse art. 142 § 3º, X, da ordem de 1988 (na redação dada pela Emenda nº 18/1998), os membros das Forças Armadas são denominados militares, sendo que “a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.”.

O art. 142, §3º, X, da Constituição, delimitou o âmbito da reserva absoluta de lei (ou estrita legalidade) e recepcionou vários diplomas normativos, dentre eles a Lei nº 4.375/1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), e a Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército), com os correspondentes regulamentos. A solução jurídica do problema posto nos autos deve se dar pelos atos normativos vigentes à época da ocorrência do objeto litigioso, razão pela qual não são aplicáveis as disposições da posterior Lei nº 13.954/2019 (DOU de 17/12/2019).

Aqui, esclareço que quando do julgamento do agravo de instrumento nº 5011027-35.2021.4.03.0000, esta Segunda Turma entendeu que se aplicariam, ao caso em testilha, as mudanças legislativas trazidas pela Lei nº 13.954/2019. Contudo, melhor analisando os autos, verifico que o acidente sofrido pelo apelante ocorreu em 06/12/2019, momento anterior à entrada em vigor da referida lei, logo não é mesmo o caso de aplicação das inovações trazidas pelo novo diploma legal.

Em vista do art. 3º da Lei nº 6.830/1980, os membros das Forças Armadas compreendem servidores na ativa ou na inatividade. Os militares da ativa são: a) de carreira; b) temporários, incorporados ou matriculados para prestação de serviço militar (obrigatório ou voluntário) durante os prazos previstos na legislação e suas eventuais prorrogações; c) componentes da reserva, quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados; d) alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e) em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas. Por sua vez, os militares em inatividade abrangem: a) os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; b) os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores e estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União; c) os da reserva remunerada e, excepcionalmente, os reformados, que estejam executando tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada.  

O art. 3º da Lei nº 6.391/1976 (Lei do Pessoal do Exército) complementa as disposições do art. 3º da Lei 6.880/1980 no que tange ao pessoal da ativa, mencionando que o militar de carreira é aquele cujo vínculo com o serviço público (sempre voluntário) é permanente, ao passo em que o militar temporário tem vínculo (voluntário ou obrigatório) por prazo determinado para complementação de pessoal em várias áreas militares:

Art. 3º O Pessoal Militar da Ativa pode ser de Carreira ou Temporário.

I - O Militar de Carreira é aquele que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tem vitaliciedade assegurada ou presumida.

II - O Militar Temporário é aquele que presta o serviço militar por prazo determinado e destina-se a completar as Armas e os Quadros de Oficiais e as diversas Qualificações Militares de praças, conforme for regulamentado pelo Poder Executivo.

O militar de carreira ingressa no serviço público mediante concurso (nos termos do art. 37, II, e seguintes da Constituição) e tem vitaliciedade (assegurada ou presumida) ou estabilidade (adquirida nos termos do art. 50 da Lei nº 6.880/1980), das quais decorrem certas prorrogativas. Já o ingresso no serviço militar temporário não é feito por concurso público, mas observa regramentos próprios em vista do caráter obrigatório ou voluntário (como oficial, sargento ou praça), respeitadas a escusa de consciência e seu serviço alternativo (Lei nº 8.239/1991 e demais aplicáveis), bem como mulheres e eclesiásticos em tempo de paz (conforme previsão específica do art. 143 da ordem de 1988).

Regido basicamente pela Lei nº 4.375/1964, o serviço temporário e obrigatório pode ser exigido de todos os brasileiros com 18 anos de idade (denominado “serviço militar inicial”), e também de pessoas qualificadas como médicos, farmacêuticos, dentistas e veterinários que não tenham prestado o serviço inicial obrigatório no momento da convocação de sua classe (por adiamento ou dispensa de incorporação), as quais deverão prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós-graduação. Já o serviço militar temporário e voluntário é prestado por qualquer pessoa (reservista ou não) que tenha documento comprobatório de situação militar, homens e mulheres, que não se enquadram como “caráter obrigatório”, observados demais requisitos regulamentares do Comando de cada uma das Forças Armadas; nessa situação estão oficiais ou praças, incluindo médicos, farmacêuticos, dentistas, veterinários e demais profissionais com reconhecida competência técnico-profissional ou notório saber científico.

Em geral, o ingresso no serviço militar temporário tem várias fases. No recrutamento para o serviço militar obrigatório inicial, conforme a Lei nº 4.375/1964 e disposições regulamentares, há: convocação (ato pelo qual os brasileiros são chamados para a prestação do serviço); alistamento (ato prévio e obrigatório, à seleção, no ano em que o brasileiro completa 18 anos de idade); seleção (dentre os conscritos, são escolhidos os que melhor atendam às necessidades das Forças Armadas); distribuição (baseada nas necessidades das Organizações Militares); designação (ato pelo qual o conscrito toma conhecimento oficial da sua distribuição, se designado para determinada Organização Militar ou incluído no excesso de contingente); e incorporação (inclusão do convocado ou voluntário em uma Organização Militar da Ativa) ou matrícula (inclusão a certos Órgãos de Formação da Reserva, após uma seleção complementar). Os refratários (aquele que não se apresentar durante a época de seleção do contingente de sua classe ou que se ausentar sem a ter completado) e os insubmissos (aquele que, convocado selecionado e designado para incorporação ou matrícula, que não se apresentar à Organização Militar dentro do prazo marcado ou que se ausentar antes do ato oficial de incorporação ou matrícula) estão sujeitos às penalidades previstas na Lei nº 4.375/1964 e no Código Penal Militar. Já para serviço militar temporário voluntário (como oficial ou praça), reservistas ou não, o ingresso no serviço ativo está submetido a processo seletivo simplificado para comprovação de habilitação e especialização exigidas para os cargos a desempenhar.

O militar temporário (obrigatório ou voluntário) atende a vários propósitos de racionalização do serviço público, dentre eles a interação entre a sociedade civil e o ambiente militar, a qualificação de cidadãos para eventual mobilização e também a economicidade (por ser notório o maior custo se mantido o efetivo sempre com militar de carreira). 

Quanto à duração, o serviço do militar de carreira é permanente, de modo que cessará nas hipóteses descritas na Lei nº 6.880/1980 (dentre elas a reforma). No que concerne ao serviço militar temporário obrigatório inicial, a Lei nº 4.375/1964 estabeleceu o prazo de 12 meses como regra geral em tempo de paz (contados do momento da incorporação), podendo ser reduzido ou ampliado por atos normativos regulamentares da administração militar competente (vale dizer, não se de matéria subordinada à reserva absoluta mas sim à reserva relativa de lei):

Art. 5º A obrigação para com o Serviço Militar, em tempo de paz, começa no 1º dia de janeiro do ano em que o cidadão completar 18 (dezoito) anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e cinco) anos.

§ 1º Em tempo de guerra, êsse período poderá ser ampliado, de acôrdo com os interêsses da defesa nacional.

§ 2º Será permitida a prestação do Serviço Militar como voluntário, a partir dos 17 (dezessete) anos de idade.

Art. 6º O Serviço Militar inicial dos incorporados terá a duração normal de 12 (doze) meses.

§ 1º Os Ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica poderão reduzir até 2 (dois) meses ou dilatar até 6 (seis) meses a duração do tempo do Serviço Militar inicial dos cidadãos incorporados às respectivas Fôrças Armadas.

§ 2º Mediante autorização do Presidente da República, a duração do tempo do Serviço Militar inicial poderá:

a) ser dilatada por prazo superior a 18 (dezoito) meses, em caso de interêsse nacional;

b) ser reduzida de período superior a 2 (dois) meses desde que solicitada, justificadamente, pelo Ministério Militar interessado.

§ 3º Durante o período de dilação do tempo de Serviço Militar, prevista nos parágrafos anteriores, as praças por ela abrangidas serão consideradas engajadas.

Art. 7º O Serviço Militar dos matriculados em Órgãos de Formação de Reserva terá a duração prevista nos respectivos regulamentos.

Art. 8º A contagem de tempo de Serviço Militar terá início no dia da incorporarão (sic – incorporação).

Parágrafo único. Não será computado como tempo de serviço o período que o incorporado levar no cumprimento de sentença passada em julgado.

(...)

Já a duração do serviço militar temporário voluntário depende dos fundamentos normativos e administrativos da correspondente autorização de ingresso (note-se que o art. 27, §3º, da Lei 4.375/1964, incluído pela Lei nº 13.964/2019, explicitou prazo mínimo e máximo). O período de duração do serviço militar temporário obrigatório e do voluntário pode ser prorrogado, conforme previsto no art. 33 dessa Lei nº 4.375/1964: 

Art. 33 Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação dêsse tempo, uma ou mais vêzes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Fôrça Armada interessada.

Parágrafo único. Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.

Assim, o militar temporário integra o efetivo das Forças Armadas em caráter transitório e se submete aos ditames da Lei 4.375/1964, da Lei nº 6.880/1980 e demais aplicáveis, sem estabilidade na carreira; após concluir o tempo a que estiver obrigado, poderá pedir prorrogação (uma ou mais vezes), daí permanecendo como engajados ou reengajados. A concessão da prorrogação do tempo de serviço além do previsto está submetida à discricionariedade da autoridade militar competente, cujos limites estão na Constituição, na legislação ordinária e também em atos normativos hierárquicos da administração militar (especialmente do Comando de cada uma das Forças Armadas), respeitados os âmbitos próprios da reserva absoluta (estrita legalidade) ou da reserva relativa de lei (legalidade).

Já a exclusão do serviço ativo das Forças Armadas (com consequente desligamento e inatividade) pode se dar por vários motivos, elencados no art. 94 da Lei 6.880/1980: transferência para a reserva remunerada (art. 96 e seguintes, podendo ser suspensa na vigência do estado de guerra, estado de sítio, estado de emergência ou em caso de mobilização); reforma (art. 104 e seguintes, marcando o desligamento definitivo); demissão de oficiais (art. 115 e seguintes, com ou sem indenização das despesas efetuadas pela União com a sua preparação, formação ou adaptação); perda de posto e patente (art. 118 e seguintes, em casos de o oficial ser declarado indigno ou incompatível ao oficialato); licenciamento (art. 121 e seguintes, para militares de carreira, da reserva ou temporários, após concluído o tempo de serviço, por conveniência do serviço, ou também a bem da disciplina e outras hipóteses legais); anulação de incorporação ou desincorporação da praça (art. 124, em casos de interrupção do serviço militar ativo previstas na legislação); exclusão da praça a bem da disciplina (art. 125 e seguintes, mesmo que o militar tenha estabilidade assegurada, em caso de infrações descritas na legislação); deserção (art. 128, atrelada à tipificação criminal correspondente); falecimento (art. 129); e extravio (art. 130, em casos de desaparecimento do militar). O marco temporal do desligamento é a publicação do ato oficial correspondente em Diário Oficial, em Boletim ou em Ordem de Serviço de sua organização militar, e não poderá exceder 45 dias da data da primeira publicação oficial; ultrapassado o prazo, o militar será considerado desligado da organização a que estiver vinculado, deixando de contar tempo de serviço, para fins de transferência para a inatividade.

O problema posto nos autos cuida de militar temporário licenciado, matéria regida pelo art. 121 da Lei nº 6.880/1980:

Art. 121. O licenciamento do serviço ativo se efetua:

I - a pedido; e

II - ex officio.

(...)

§ 3º O licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada:

a) por conclusão de tempo de serviço ou de estágio;

b) por conveniência do serviço; e

c) a bem da disciplina.

§ 4º O militar licenciado não tem direito a qualquer remuneração e, exceto o licenciado ex officio a bem da disciplina, deve ser incluído ou reincluído na reserva.

§ 5° O licenciado ex officio a bem da disciplina receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar.

O art. 34 da Lei nº 4.375/1964 também cuida do licenciamento no caso de serviço temporário obrigatório, bem como de casos de engajamentos e reengajamentos decorrentes de prorrogações no tempo da atividade militar.

A estabilidade no serviço militar somente é alcançada após 10 anos de efetivo serviço para praças, conforme previsto no art. 50, IV, “a” da Lei nº 6.880/1980 (note-se que a referência à praça de carreira somente foi prevista com as alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019):

Art. 50. São direitos dos militares:

(...)

IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:

a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço.

(...)

Inexistindo direito subjetivo ao engajamento ou reengajamento, o militar temporário passa para a reserva não remunerada desde o licenciamento, para o que a motivação do ato administrativo corresponderá à sua causa determinante (p. ex., decurso do prazo do serviço temporário ou conveniência da administração). Processos administrativos disciplinares são necessários apenas se o licenciamento se der a bem da disciplina, por revelar sanção disciplinar para o que é imprescindível contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição).

O Poder Judiciário não pode impor prorrogações além das previstas para o serviço militar temporário, e o controle judicial do mérito de atos discricionários da administração pública (incluindo decisões em processos disciplinares) somente é possível em casos de manifesta, objetiva ou inequívoca violação de seus limites ou das garantias do devido processo legal (quando exigíveis).

A esse respeito, a jurisprudência está consolidada, como se pode notar pelos seguintes julgados do E.STF, do E.STJ  e deste E.TRF:

Direito Administrativo. Agravo Interno em Ação Rescisória. Licenciamento de Militar Temporário. Inexistência de direito à estabilidade. Decisão Alinhada à jurisprudência desta Corte.

1. Agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento à ação rescisória devido à ausência dos pressupostos de rescindibilidade.

2. Não há violação a literal disposição de lei (art. 485, V, CPC/1973), tendo em vista que não há amparo legal para a permanência de militares temporários em exercício após o cumprimento do prazo de incorporação previsto na legislação específica.

3. O acórdão rescindendo está em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tratando-se de militares do quadro de temporários, admitidos por prazo limitado, não há que se falar em direito de permanência ou em estabilidade após cumprido o prazo de incorporação. Precedentes.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(STF, AR 1562 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 16-12-2019 PUBLIC 17-12-2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÕES. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO. PRAZO DE REENGAJAMENTO. VENCIDO. PRORROGAÇÃO. NEGATIVA DO PEDIDO. DESNECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/1973. AFASTAMENTO.

(...)

2. Os militares temporários, se não adquirida a estabilidade no serviço, em regra, podem ser licenciados independentemente de motivação quando superado o prazo de engajamento. Precedentes.

3. No caso, foi vencido o prazo de reengajamento. Assim, impossível impor-se à administração militar a pretendida prorrogação, bem como a abertura do processo administrativo para exame do pedido, porque o ato é discricionário e descabe a incursão no mérito administrativo para aferir-se o grau de conveniência e oportunidade.

4. Conclusão pela ocorrência de desvio de finalidade do ato administrativo exigiria o reexame dos fatos e provas constantes dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.

(...)

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para afastar a penalidade aplicada com base no art. 538, parágrafo único, do CPC/1973.

(STJ, REsp 1424184/MT, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 22/05/2019)

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MILITAR TEMPORÁRIO. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO.

1. O STJ, ao julgar caso análogo ao dos autos, já se manifestou no sentido de que, não alcançada a estabilidade, advinda da permanência nas Forças Armadas por mais de 10 anos, o licenciamento do militar pode ser determinado pela Administração a qualquer tempo, por conveniência e oportunidade. Dentre os precedentes: AgRg no Ag 1428055/RN, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 07/03/2012.

2. Agravo regimental não provido.

(STJ, AgRg no REsp 1262913/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 13/09/2013)

 

AGRAVO LEGAL. LICENCIAMENTO DO EXERCITO EX OFFICIO. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. LEI 6.880/80. LEI 4.375/64. INDEFERIMENTO. ATO DISCRICIONARIO. AUSÊNCIA DE CONTROLE DO JUDICIÁRIO.

1. A Lei nº 6.880/80 (Estatuto Militar) estabelece que o militar poderá ser licenciado ex officio após a conclusão do tempo de serviço ou do estágio; por conveniência do serviço ou, ainda, a bem da disciplina (art. 121 e § 3º).

2. A Lei nº 4.375/64 (Lei do Serviço militar), em seu artigo 33, estabelece que "Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada."

3. Militar temporário licenciado do serviço quando ainda não tinha completado o prazo de dez anos por razões de conveniência do serviço (artigo 50, IV, "a", da Lei nº 6.880/80.

4. Por se tratar de ato discricionário, o ato de licenciamento não se submete ao controle do Poder Judiciário, salvo para aferição da legalidade, ou em casos quando a Administração indica os motivos do ato, que o torna vinculado, de acordo com a teoria dos motivos determinantes (in Direito Administrativo, 17ª Edição - atualizada com a reforma previdenciária - EC nº 41/03 - Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Editora Atlas).

5. Motivação do ato de indeferimento do reengajamento do servidor. Inexistência de motivação do ato de licenciamento, o que impossibilita a interferência do Poder Judiciário.

6. Agravo Legal não provido.

(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA,  Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1367636 - 0005033-49.2005.4.03.6119, Rel. Juiz Federal Convocado HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 06/05/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/05/2014)

Do conjunto normativo da Lei nº 6.880/1980 (e considerando que, no presente caso, não se aplicam as disposições da Lei nº 13.954/2019) tratando-se de militar (de carreira ou temporário), havendo incapacidade não definitiva para os serviços da vida castrense decorrente de acidente ou doença ocorrida durante o período de vínculo com as Forças Armadas, independentemente do nexo causal, não cabe reforma e nem licenciamento, motivo pelo qual o militar deve ser reincorporado aos quadros da organização como adido, para tratamento médico-hospitalar, sendo assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias da data do indevido licenciamento até sua recuperação. Destaco precedentes quanto ao tema: STJ, AgInt no REsp 1763436/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019; STJ, AgRg no AREsp nº 625.828/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 11/03/2015; STJ, AgRg no AREsp nº 563.375/PE, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 04/12/2014.

No caso dos autos, o apelante narra ter sido incorporado ao Exército Brasileiro na data de 01/03/2015. Aduz que em 06/12/2019 foi vítima de acidente de trânsito que resultou em fratura da mão direita. Afirma ter sido licenciado de maneira ilegal, em 24/02/2021, ao se considerar que ainda apresentava parecer de incapaz B2 (id. 271595874). Alega que em razão de sua incapacidade não pôde se realocar no mercado de trabalho. Pede a reforma da sentença para que seja reintegrado como adido para tratamento médico com o consequente pagamento dos soldos não recebidos em razão do indevido licenciamento.

Com efeito, extrai-se do laudo pericial (id. 271595982), bem como dos esclarecimentos posteriormente prestados pelo perito (id. 271596007), que o apelante foi licenciado ainda no curso de tratamento médico, ocasião em que se encontrava temporariamente incapaz. Veja-se:

b) Considerando os documentos já colacionados nos autos e o documento ora colacionado, o autor foi licenciado no curso do tratamento?

Sim.

c) Considerando a necessidade de cirurgia, o autor apresenta incapacidade temporária?

Sim.

d) Qual a razão para divergência entre a avaliação dos médicos do próprio Exército, que indicam necessidade de cirurgia, e a avaliação do Ilmo. Perito, que indica a consolidação das lesões?

A fratura está consolidada, mas houve defeito nesta consolidação e pode ser submetido à intervenção cirúrgica na busca de uma melhora dos movimentos. Contudo, não é possível afirmar que toda a sequela será extinta.

Ademais, verifica-se do ato administrativo que licenciou o apelante que o militar ainda apresentava a condição de “Incapaz B2”, conforme atestado pelo próprio Exército (id. 271595874).

Por conseguinte, infere-se dos elementos expostos que o apelante estava temporariamente incapaz quando foi licenciado, ainda necessitando de tratamento médico. Assim, não poderia a administração militar ter licenciado o autor.

Desse modo, configurada a ilegalidade do licenciamento do militar antes que se concretizasse o tratamento médico adequado e considerando que ao presente caso não se aplicam as disposições da Lei nº 13.954/2019, tem direito o servidor militar não estável à reintegração ao serviço militar, na condição de adido, para tratamento médico-hospitalar, sem prejuízo da remuneração desde a data do indevido licenciamento, até que seja considerado apto ou definitivamente incapaz.

Diante de todo o exposto, dou provimento à apelação para, julgando procedentes os pedidos formulados,  anular o ato administrativo que licenciou o apelante e determinar sua reintegração na condição de adido, com pagamento dos soldos de maneira retroativa desde o indevido licenciamento, para que receba adequado tratamento médico até que seja considerado apto ou definitivamente incapaz.

Nos termos do art. 85 do CPC, condeno a apelada ao pagamento de verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual mínimo das faixas previstas sobre o valor da condenação. Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



E M E N T A

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. SERVIDOR MILITAR. ATO ADMINISTRATIVO. LICENCIAMENTO. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. ILEGALIDADE. REINTEGRAÇÃO COMO ADIDO.

- Do conjunto normativo da Lei nº 6.880/1980 (e considerando que, no presente caso, não se aplicam as disposições da Lei nº 13.954/2019) tratando-se de militar (de carreira ou temporário), havendo incapacidade não definitiva para os serviços da vida castrense decorrente de acidente ou doença ocorrida durante o período de vínculo com as Forças Armadas, independentemente do nexo causal, não cabe reforma e nem licenciamento, motivo pelo qual o militar deve ser reincorporado aos quadros da organização como adido, para tratamento médico-hospitalar, sendo assegurada a percepção de soldo e demais vantagens remuneratórias da data do indevido licenciamento até sua recuperação. Destaco precedentes quanto ao tema: STJ, AgInt no REsp 1763436/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, julgado em 19/08/2019, DJe 22/08/2019; STJ, AgRg no AREsp nº 625.828/RS, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 11/03/2015; STJ, AgRg no AREsp nº 563.375/PE, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 04/12/2014.

 - No caso dos autos, o apelante narra ter sido incorporado ao Exército Brasileiro na data de 01/03/2015. Aduz que em 06/12/2019 foi vítima de acidente de trânsito que resultou em fratura da mão direita. Afirma ter sido licenciado de maneira ilegal, em 24/02/2021, ao se considerar que ainda apresentava parecer de incapaz B2. Alega que em razão de sua incapacidade não pôde se realocar no mercado de trabalho. Pede a reforma da sentença para que seja reintegrado como adido para tratamento médico com o consequente pagamento dos soldos não recebidos em razão do indevido licenciamento.

- Extrai-se do laudo pericial, bem como dos esclarecimentos posteriormente prestados pelo perito, que o apelante foi licenciado ainda no curso de tratamento médico, ocasião em que se encontrava temporariamente incapaz.

- Configurada a ilegalidade do licenciamento do militar antes que se concretizasse o tratamento médico adequado e considerando que ao presente caso não se aplicam as disposições da Lei nº 13.954/2019, tem direito o servidor militar não estável à reintegração ao serviço militar, na condição de adido, para tratamento médico-hospitalar, sem prejuízo da remuneração desde a data do indevido licenciamento, até que seja considerado apto ou definitivamente incapaz.

- Apelação provida para,  julgando procedentes os pedidos formulados,  anular o ato administrativo que licenciou o apelante e determinar sua reintegração na condição de adido, com pagamento dos soldos de maneira retroativa desde o indevido licenciamento, para que receba adequado tratamento médico até que seja considerado apto ou definitivamente incapaz.

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação para anular o ato administrativo que licenciou o apelante, determinando sua reintegração na condição de adido, com pagamento dos soldos de maneira retroativa desde o indevido licenciamento, para receber adequado tratamento médico até que seja considerado apto ou definitivamente incapaz, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.