APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002109-65.2023.4.03.6113
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: MARIA CRISTINA OSORIO
Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002109-65.2023.4.03.6113 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: MARIA CRISTINA OSORIO Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Cuida-se de recurso de apelação interposto por Maria Cristina Osório em face de sentença que declarou prescrita pretensão indenizatória por danos materiais e morais decorrente da nulidade de procedimento de execução extrajudicial fundado nos artigos 26 e seguintes da Lei nº. 9.514/1997 (alienação fiduciária de coisa imóvel). Sustenta, a parte apelante, em síntese, que em julho de 2007 alienou fiduciariamente à Caixa Econômica Federal o imóvel localizado à Rua Durval Barbosa, nº 457, São Joaquim da Barra/SP, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de São João da Barra/SP sob nº 18.788. Aduz que em razão do inadimplemento, a credora fiduciária deu início ao procedimento de execução extrajudicial previsto nos artigos 26 e seguintes da Lei nº. 9.514/1997, deixando, contudo, de promover as intimações referentes aos leilões, inviabilizando assim o exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel. Alega que na ausência de interessados, o imóvel acabou sendo oferecido em venda direta por preço muito inferior ao da avaliação. Afirma não ter interesse em prejudicar o terceiro adquirente de boa-fé, pretendendo, por outro lado, o recebimento de indenização pelos prejuízos de ordem material e moral que a instituição financeira credora lhe impôs ao se valer de procedimento nulo para a retomada do imóvel. Insurge-se contra a sentença que reconheceu prescrita sua pretensão em razão do transcurso do prazo de dois anos previsto no art. 179, do Código Civil, entendendo, a parte apelante, que o prazo aplicável à espécie é o decenal, previsto no art. 205, do Código Civil. Com as contrarrazões, subiram os autos a este e. Tribunal. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002109-65.2023.4.03.6113 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: MARIA CRISTINA OSORIO Advogado do(a) APELANTE: SAMUEL MARUCCI - SP361322-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Inicialmente lembro que consoante o disposto no art. 104, do Código Civil, exige-se, para a validade do negócio jurídico, agente capaz, objeto lícito, e forma prescrita ou não defesa em lei. De outro lado, o art. 166, do CC, elenca os casos em que o negócio será tido como nulo: Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. A sujeição ou não das nulidades à prescrição e à decadência é matéria que ainda guarda alguma controvérsia. Há quem sustente que o transcurso dos prazos prescricionais e decadenciais máximos estabelecidos em nosso ordenamento faça com que a necessidade de proteção da ordem legal afrontada na formação do negócio jurídico ceda lugar à pacificação social, com a estabilização dos efeitos jurídicos dele decorrentes. Prevalece, contudo, o entendimento explicitado pelo art. 169, do Código Civil/2002, segundo o qual o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, não se sujeitando, portanto, a prazos prescricionais ou decadenciais, mesmo porque, as ações declaratórias, via adequada para a veiculação de pretensão anulatória por se prestarem à obtenção de uma certeza jurídica, são inconciliáveis com os institutos da prescrição e da decadência. De qualquer forma, ainda que não se reconheça a prescritibilidade da declaração de nulidade de determinado negócio jurídico, há que se ter clara a distinção entre esse provimento e a pretensão relacionada aos seus efeitos patrimoniais, esta sim condicionada ao exercício nos prazos prescricionais legalmente definidos. Sobre o tema, a VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, aprovou o Enunciado 536, in verbis: “Enunciado 536 – Resultando do negócio jurídico nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível, quanto a estas, a incidência da prescrição.” Oportuna a transcrição da justificativa para o enunciado: “A tradição jurídica brasileira afirma que a nulidade, por ser vício insanável, com fundamento na ordem pública, conduz à absoluta ineficácia do negócio jurídico, sendo o art. 169 a referência para esse raciocínio. No entanto, o próprio CC relativiza essa conclusão ao reconhecer, em diversos dispositivos, a possibilidade de negócios nulos produzirem efeitos merecedores de tutela pelo ordenamento (ex.: art. 182, que, ao dispor sobre a indenização com o equivalente, considera que o negócio nulo pode ter produzido efeitos perante terceiros de boa-fé; e art. 1.561, que assegura ao casamento putativo a produção de efeitos até o reconhecimento da invalidade). A jurisprudência do STJ também relativiza a regra do art. 169 em casos em que a ordem social justifica a preservação dos efeitos produzidos pelo ato nulo, como ocorre na “adoção à brasileira”. Além disso, o CC consagrou o princípio da preservação do negócio jurídico nulo e anulável nos arts. 170, 172 e 184, impondo-se que se busque, sempre que possível, a conservação dos negócios e seus efeitos de modo a proteger os que, de boa-fé, confiaram na estabilidade das relações jurídicas e também a prestigiar a função social do contrato. É necessário, assim, reler a tese da ineficácia absoluta da nulidade à luz dos valores e interesses envolvidos no caso concreto, sendo certo que somente se justifica a incidência do art. 169 quando o interesse subjacente à causa da nulidade se mostrar mais relevante para o ordenamento do que o interesse social na preservação do negócio jurídico, competindo ao juízo de merecimento de tutela, por meio do controle funcional da invalidade, o reconhecimento dos efeitos decorrentes do negócio nulo.” No caso dos autos, a ora apelante ajuizou “ação declaratória de nulidade do procedimento expropriatório” a fim de ver reconhecido vício no procedimento de execução extrajudicial fundado nos artigos 26 e seguintes da Lei nº. 9.514/1997 (alienação fiduciária de coisa imóvel) levado a efeito pela instituição financeira ré, vício esse consistente na ausência de intimação dos leilões extrajudiciais, inviabilizando, com isso, o exercício do direito de preferência na aquisição do imóvel. Com a declaração do vício insanável alegado, pretende a parte autora o reconhecimento do direito à indenização pelos prejuízos de ordem material e moral que alega ter suportado, não cogitando a retomada do imóvel a fim de não prejudicar o terceiro adquirente de boa-fé. Ficou consignado na sentença, a meu juízo de forma equivocada, que a ação anulatória da arrematação decairia no prazo de dois anos previsto no art. 179, do CC/2023. Note-se que o dispositivo legal invocado tem incidência para as hipóteses de anulabilidade, e não de nulidade: Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato. O que se pretende nesta ação, vale insistir, é o reconhecimento da nulidade de negócio jurídico por ter sido preterida solenidade que a lei considera essencial para a sua validade (art. 166, V, do CC). Ademais, conforme acima fundamentado, a alegação de nulidade do procedimento não se sujeita a prazo decadencial. Disso decorre que, inicialmente, a parte autora tem direito a um pronunciamento sobre a alegada nulidade do negócio jurídico em tela. Uma vez reconhecido o vício apontado, parte-se então para a análise de eventual prescrição da pretensão relativa aos efeitos patrimoniais dessa nulidade. Caso não reste caracterizada a prescrição da pretensão patrimonial, aí então é que se dará a apreciação dos prejuízos de ordem material e moral passíveis de reparação. No que concerne à alegada nulidade, importa observar que a figura da alienação fiduciária é tradicional no direito brasileiro, sendo aceita amplamente como modalidade contratual, muito embora algumas de suas características tenham sido abrandadas pela interpretação constitucional (dentre elas, a impossibilidade de prisão civil, tal como assentado pelo E. STF na Súmula Vinculante 31, em razão da interação entre o Pacto de San José da Costa Rica e o sistema jurídico brasileiro). Conforme artigos 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997, o contrato de mútuo firmado com cláusula de alienação fiduciária em garantia é negócio jurídico pelo qual o devedor (fiduciante) recebe recursos financeiros do credor (fiduciário), ao mesmo tempo em que faz a transferência da propriedade resolúvel de coisa imóvel; mediante a constituição da propriedade fiduciária (que se dá por registro do contrato no Cartório de Registro de Imóveis), ocorre o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se a propriedade fiduciária e o fiduciante obterá a propriedade plena do imóvel, devendo o fiduciário fornecer (no prazo legal, a contar da data de liquidação da dívida) o respectivo termo de quitação ao fiduciante. Ocorre que o contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo devedor fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito. Ou seja, vencida e não paga a dívida (no todo ou em parte) e constituído em mora o devedor fiduciante, mantida a inadimplência, a propriedade do imóvel será consolidada em nome do fiduciário, conforme procedimento descrito na Lei nº 9.514/1997, viabilizando o leilão do bem. Se o valor pelo qual o bem é arrematado em leilão foi superior ao valor da dívida, o credor deverá dar ao devedor o excedente, mas em sendo inferior, ainda assim haverá extinção da dívida (art. 27, §§ 4º e 5º da Lei nº 9.514/1997). Em relação ao procedimento no caso de inadimplência por parte do devedor-fiduciante, o art. 26 e seguintes da Lei nº 9.514/1997 dispõe sobre formalidades que asseguram ampla informação do estágio contratual. Note-se que, para que ocorra a consolidação da propriedade fiduciária em nome do credor-fiduciário, o devedor-fiduciante deve receber notificação pessoal (pelos meios previstos na legislação), abrindo prazo para a purgação da mora; não havendo a purgação, o oficial do Cartório de Registro deve certificar o evento ao credor-fiduciário para que requeira a consolidação da propriedade em seu favor, viabilizando a reintegração de posse; e para a realização de posterior leilão do imóvel, o devedor-fiduciante é também comunicado (por ao menos 1 de diversos meios legítimos) visando ao exercício de direito de preferência. E enquanto não for extinta a propriedade fiduciária resolúvel, persistirá a posse direta do devedor-fiduciante. Sobre o lapso temporal para purgação da mora, a interpretação inicialmente firmada considerou a redação original do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que previa a aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. Assim, o devedor-fiduciante podia purgar a mora em 15 dias após a intimação pessoal (art. 26, § 1º, dessa Lei nº 9.514/1997, ou até a assinatura do auto de arrematação do bem imóvel em leilão (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966), conforme orientação jurisprudencial do E.STJ: RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PURGAÇÃO DA MORA APÓS A CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DO CREDOR FIDUCIÁRIO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO DECRETO-LEI Nº 70/1966. 1.Cinge-se a controvérsia a examinar se é possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. 2.No âmbito da alienação fiduciária de imóveis em garantia, o contrato não se extingue por força da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, mas, sim, pela alienação em leilão público do bem objeto da alienação fiduciária, após a lavratura do auto de arrematação. 3. Considerando-se que o credor fiduciário, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.514/1997, não incorpora o bem alienado em seu patrimônio, que o contrato de mútuo não se extingue com a consolidação da propriedade em nome do fiduciário, que a principal finalidade da alienação fiduciária é o adimplemento da dívida e a ausência de prejuízo para o credor, a purgação da mora até a arrematação não encontra nenhum entrave procedimental, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. 4. O devedor pode purgar a mora em 15 (quinze) dias após a intimação prevista no art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/1997, ou a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação (art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966). Aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário a que se refere a Lei nº 9.514/1997. 5. Recurso especial provido. (REsp 1462210/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 25/11/2014). Todavia, a Lei nº 13.465/2017 alterou a redação do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997, que passou a vigorar nos seguintes termos: Art. 39. Às operações de crédito compreendidas no sistema de financiamento imobiliário, a que se refere esta Lei: (...) II - aplicam-se as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca. Da nova redação do art. 39, II, da Lei nº 9.514/1997 (dada pela Lei nº 13.465/2017), ficou claro que contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de coisa imóvel em garantia não são alcançados pelo significado de “procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”, encerrando a aplicação subsidiária do Decreto-Lei nº 70/1966. Ao mesmo tempo, essa Lei nº 13.465/2017 introduziu o §2º-B no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, de tal modo que a purgação da mora deve se dar em 15 dias após a intimação pessoal, ou até a averbação da consolidação da propriedade, após o que restará ao devedor-fiduciante o exercício do direito de preferência (até da data do segundo leilão): Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. (...) § 2o-B. Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos. Daí, surgem controvérsias de direito intertemporal acerca das alterações da Lei nº 13.465/2017 no art. 27 da Lei nº 9.514/1997. Em meu entendimento, porque contratos firmados nos termos da Lei nº 9.514/1997 são de trato sucessivo (por consideráveis períodos de tempo, geralmente entre 10 a 30 anos), aos mesmos se aplica a garantia da irretroatividade mínima de lei (art. 5º, XXXV, da Constituição), de tal modo que as alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017 têm efeitos futuros à data de sua publicação mesmo em relação a contratos celebrados anteriormente à sua edição. Em meu entendimento, sob o prisma da segurança jurídica garantida pela irretroatividade das leis, intimações pessoais feitas para purgação da mora, antes da publicação da Lei nº 13.465/2017, davam garantias para o devedor-fiduciário regularizar a pendência até a lavratura do auto de arrematação do bem em leilão (conforme a então vigente aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966); já intimações pessoais feitas após essa data passaram a ser regidas pela Lei nº 9.514/1997 com as alterações da Lei nº 13.465/2017, dando ao devedor-fiduciante até a data da averbação da consolidação da propriedade para purgar a mora. Em suma, em meu entendimento, a purgação da mora até a assinatura do termo de arrematação foi possível apenas para intimações pessoais do fiduciante (visando à purgação da mora) efetivadas antes do início da eficácia jurídica da Lei nº 13.465/2017 (DOU de 12/07/2017, em nada prejudicando retificação de 06/09/2017 e a republicação de 08/09/2017), após o que tal purgação somente é viável antes da consolidação da propriedade. Todavia, reconheço que a orientação deste E. TRF da 3ª Região firmou-se em sentido diverso (ao qual me curvo em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios), definindo o momento em que o devedor manifesta sua vontade de purgar a mora (diretamente ao devedor-fiduciário, ou mediante propositura de medida judicial) como marco temporal para aplicação da Lei nº 13.465/2017. Vale dizer, se a manifestação de vontade do devedor-fiduciário foi feita durante a vigência da aplicação subsidiária do art. 34 do Decreto-Lei nº 70/1966, o prazo para purgar a mora (pelo valor das parcelas em atraso, com acréscimos) é até o dia da lavratura do auto de arrematação; se essa manifestação de vontade foi feita já no período de eficácia jurídica da Lei nº 13.465/2017, o prazo para purgar a mora é até o dia da averbação da consolidação da propriedade. Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados deste E. TRF da 3ª Região: AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 9.514/97. PEDIDO PARA OBSTAR O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PURGAÇÃO DA MORA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSO DESPROVIDO. I. Com a edição da Lei n.° 13.465/2017, o artigo 39, II, da Lei n.° 9.514/97 restou alterado, de modo que as disposições dos arts. 29 a 41 do Decreto-Lei n.°70/66 passaram a ser aplicáveis “exclusivamente aos procedimentos de execução de créditos garantidos por hipoteca”. Diante da alteração legal, passível o entendimento de que a purgação da mora, nos termos consignados alhures, aos contratos garantidos por alienação fiduciária, é garantida apenas àqueles devedores que, antes da arrematação do bem, tenham se manifestado até a vigência da nova lei. II. Deste modo, tendo requerido a purgação mora na vigência da nova redação legal (12/07/2017), é garantido apenas o “direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2o deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel” (art. 27, §2°-B). III. É de se salientar, ademais, que o pedido de suspensão ou anulação de atos relativos ao procedimento de execução extrajudicial com base em irregularidades procedimentais deve ser acompanhado da demonstração pelo devedor de que foi frustrada a sua intenção de purgar a mora, a qual permitiria o prosseguimento regular da relação obrigacional. IV. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5019613-66.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS, julgado em 14/02/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/02/2019). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. LEI Nº 9.514/97. SUSPENSÃO DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. PURGAÇÃO DA MORA REQUERIDA POSTERIORMENTE À ALTERAÇAO LEGISLATIVA. LEI 13.465/2017. APLICAÇÃO DO ART. 27, §2º-B. DIREITO DE PREFERÊNCIA APÓS 2º LEILÃO EXTRAJUDICIAL. INTENÇÃO DE PAGAR PARCELAS EM ATRASO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na forma prevista nos art. 26 e 27, da Lei 9.514 /97, vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á a propriedade do imóvel em nome do fiduciário, bem como efetuar a execução da garantia, alienando-a com a realização de leilão público. 2. Não há inconstitucionalidade na execução extrajudicial, prevista pela Lei n. 9.514/97, a qual não ofende a ordem a constitucional, a semelhança do que ocorre com a execução extrajudicial de que trata o Decreto-lei 70/66, nada impedindo que o fiduciante submeta a apreciação do Poder Judiciário o descumprimento de cláusulas contratuais. 3. Sendo assim, somente obsta o prosseguimento do procedimento o depósito tanto da parte controvertida das prestações vencidas, como da parte incontroversa, com encargos legais e contratuais, arcando o devedor com as despesas decorrentes, até a data limite para purgação da mora, a qual pode se dar mesmo depois da consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, ou seja, até a data de realização do último leilão. 4. Contudo, é pertinente ressalvar que apenas o depósito, acaso realizado no seu montante integral e atualizado da dívida vencida, teria o condão de suspender os procedimentos de execução extrajudicial do imóvel, não havendo que se rechaçar essa possibilidade, em atenção não só ao princípio da função social dos contratos, mas também para assegurar o direito social à moradia. 5. Observo, no entanto, que com a alteração legislativa trazida pela Lei nº 13.465/2017 de 11/07/2017 (em vigor na data de sua publicação), que modificou a redação do art. 39, II da Lei nº 9.514/97, a aplicação das disposições dos arts. 29 a 41 do DL nº 70/66 se dará apenas aos procedimentos de execução garantidos por hipoteca. 6. Destarte, em se tratando de alienação fiduciária, como é o caso dos autos, em homenagem ao princípio tempus regit actum, considero plausível assegurar ao devedor a possibilidade de purgação da mora nos moldes da fundamentação acima, apenas aqueles que manifestaram sua vontade em purgar a mora até a data de vigência da nova lei, ou seja, aos executados que pleitearam a possibilidade de purgação da mora perante a instituição financeira ou perante o Judiciário até a data de 11/07/2017. 7. No vertente recurso, a parte agravante pretende o direito a purgação da mora e subsistência do contrato objeto da ação bem como o cancelamento da averbação da consolidação da propriedade, não havendo na inicial que deu origem ao presente recurso pleito para a purgação da mora na forma acima explicitada, mas apenas com a manifestação de depósito judicial do valor das prestações vencidas do contrato. 8. Agravo desprovido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5016167-55.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 18/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/03/2020). No caso concreto, consta dos autos que em 15/07/2010 a parte autora firmou “Instrumento Particular de Compra e Venda de Unidade Isolada e Mútuo com Obrigações e Alienação Fiduciária – Carta de Crédito Individual – FGTS” visando à aquisição do imóvel localizado na Rua Durval Barbosa, nº 457, São Joaquim da Barra/SP. Conquanto o referido instrumento não tenha sido acostado aos autos, consta da certidão de registro imobiliário (id 282317963) que o imóvel objeto do financiamento foi alienado à Caixa em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Houve inadimplemento contratual admitido pela própria autora, razão pela qual a propriedade restou consolidada em favor da credora fiduciária, em 13/05/2015 (id 282317963). Embora a parte autora não alegue ausência de intimação para purgar a mora, verifico que houve o envio de notificação para essa finalidade, conforme constou da AV-6-18.788, da matrícula imobiliária (id 282317963). Frise-se que a certidão de notificação feita pelo Oficial de Registro de Imóveis possui fé pública e, portanto, goza de presunção de veracidade, somente podendo ser ilidida mediante prova inequívoca em sentido contrário, o que não ocorreu no presente caso. Com relação à notificação acerca dos leilões, desde sua edição, cuidando de consolidação de propriedade, o art. 26, §3º da Lei nº 9.514/1997 já previa a correspondência (com AR) como meio alternativo a oficiais cartorários para informação do devedor-fiduciante. Por certo, esses mesmos meios também servem para informar o devedor-fiduciante sobre a realização de leilões do imóvel consolidado em favor do credor-fiduciário, de tal modo que a Lei nº 13.465/2017 apenas explicitou o mesmo regramento ao introduzir o § 2º-A no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, mencionando a comunicação por correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato (inclusive ao endereço eletrônico). Sobre a necessidade de intimação do devedor acerca das datas em que serão realizados os leilões, o e.STJ já se pronunciou de forma reiterada, conforme se observa dos julgados a seguir colacionados (mesmo antes das alterações promovidas pela Lei nº 13.465/2017): AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEI Nº 9.514/1997. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. NOTIFICAÇÃO PESSOAL. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. AUSÊNCIA. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. EQUIDADE. FIXAÇÃO. NÃO CABIMENTO. VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA. ART. 85, § 2º, DO CPC. REGRA GERAL. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no tocante à necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/1997. 2. No caso concreto, rever a conclusão do tribunal de origem, que atestou a falta de intimação da parte devedora na data do leilão do imóvel demandaria o reexame de matéria fática, atraindo o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório ou (b) o valor da causa for muito baixo. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 2.029.859/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/10/2023, DJe de 6/10/2023.) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE E DE LEILÕES EXTRAJUDICIAIS. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO, COM PACTO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. PURGAÇÃO DA MORA. REALIZAÇÃO DO LEILÃO JUDICIAL. EDITAL. ESGOTAMENTO DE TODOS OS MEIOS. AUSÊNCIA. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Ação anulatória de consolidação de propriedade e de leilões extrajudiciais fundada em contrato de financiamento imobiliário, com pacto de alienação fiduciária. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 3. A intimação por edital para fins de purgação da mora no procedimento de alienação fiduciária de coisa imóvel pressupõe o esgotamento de todas as possibilidades de localização do devedor. Precedentes. 4. No contrato de alienação fiduciária de bem imóvel, regido pela Lei 9.514/97, é necessária a intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, ainda que tenha sido previamente intimado para purgação da mora. Precedentes. 5. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. (AgInt no AREsp n. 2.276.046/RJ, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 22/6/2023.) AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. NECESSIDADE. INTIMAÇÃO POR EDITAL. POSSIBILIDADE. ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA ENCONTRAR O MUTUÁRIO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO . 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que, no contrato de alienação fiduciária de bem imóvel, regido pela Lei n. 9.514/1997, é necessária a intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, sendo válida a notificação por edital quando esgotados os meios para a notificação pessoal. 2. Na presente hipótese, segundo informado pela instância ordinária, soberana na análise do conjunto fático-probatório dos autos, a notificação extrajudicial foi enviada ao endereço informado pelo ora agravante no contrato, contudo não foi exitosa em razão de mudança de endereço. Assinalou que, em virtude de infrutíferas tentativas de localização do devedor, procedeu-se com a intimação por edital, conforme a exigência da lei, tendo sido demonstrada nos autos a ciência inequívoca que o bem seria leiloado em outubro de 2019. 3. De acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, reverter a conclusão do colegiado estadual que atestou a ciência inequívoca da parte devedora da data do leilão extrajudicial, para acolher a pretensão recursal, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que é vedado ante a natureza excepcional da via eleita, consoante enunciado da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. 4. Agravo interno improvido. (AgInt nos EDcl no AREsp n. 2.271.962/MT, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/6/2023, DJe de 21/6/2023.) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. LEILÃO. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR POR EDITAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1."É necessária a intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, porém é válida a notificação por edital quando esgotados os meios para a notificação pessoal" (AgInt no AREsp 1422337/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/06/2019, DJe 27/06/2019, g.n.) 2. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido acerca do esgotamento dos meios necessários e da publicação da notificação no jornal local demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 3. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. (AgInt no AREsp n. 1.782.140/GO, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 21/10/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. "No âmbito do Decreto-Lei nº 70/66, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97" (REsp 1447687/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 08/09/2014). 2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp n. 1.367.704/RS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 4/8/2015, DJe de 13/8/2015.) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. A teor do que dispõe o artigo 39 da Lei nº 9.514/97, aplicam-se as disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/66 às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere a Lei nº 9.514/97. 3. No âmbito do Decreto-Lei nº 70/66, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.447.687/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/8/2014, DJe de 8/9/2014.) Ademais, reconheço que a juntada de documentos comprovando a prévia ciência de leilão é exigência formal e material para que o devedor exerça suas prerrogativas (dentre elas a eventual purgação da mora ou o direito de preferência). Contudo, a necessidade dessa comprovação não pode ser um fim em si mesmo, de tal modo que a juntada aos autos de documentos nesse sentido pode ser dispensada se houver inequívoca demonstração de o devedor ter sido devidamente informado pela CEF em relação aos leilões designados, notadamente quando essa conclusão for extraída da própria narrativa do devedor. Pelas dinâmicas naturais de tempo, o ajuizamento de ação dias antes da realização de leilão induz à clara conclusão de a parte ter tido plena ciência desse ato em tempo hábil ao exercício de seu eventual direito (de purgação da mora ou de preferência). Nesses casos, o propósito material da comunicação prévia resta devidamente comprovado, razão pela qual a juntada aos autos do documento correspondente pode ser dispensada em favor da coerente avaliação do conjunto argumentativo e probatório. Essa é a orientação do E.STJ para casos nos quais os devedores demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, ingressando com ação para suspensão da praça, de modo a indicar a inexistência de prejuízo (brocardo pas de nullité sans grief): AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL.CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. PURGA DA MORA. VALOR INSUFICIENTE. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula 7/STJ). 2. A Jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não se decreta a nulidade do leilão, por ausência de intimação pessoal, se ficar demonstrada a ciência inequívoca do agravante. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AgInt no AREsp 1463916/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 09/12/2019). AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. 1. NOTIFICAÇÕES DO ART. 31, IV, DO DECRETO-LEI N. 70/1966. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 2. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL ACERCA DA REALIZAÇÃO DO LEILÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SITUAÇÃO FÁTICA QUE NÃO AUTORIZA O PROVIMENTO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. 3. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O acolhimento da assertiva de não recebimento dos avisos de que trata o art. 31, IV, do Decreto-Lei 70/1966 enseja reexame de prova. Incidência da Súmula 7 do STJ. 2. A situação fática dos autos não autoriza o provimento do recurso, uma vez que os próprios agravantes demonstram que tiveram ciência inequívoca da data, hora e local do leilão, em razão de haverem ingressado com medida cautelar, da qual resultou a suspensão liminar da praça. 3. Não se decreta a nulidade, embora constatado o vício no ato processual, se não houver prejuízo, conforme brocardo pas de nullité sans grief, previsto em nosso ordenamento jurídico, especialmente nos arts. 249, § 1º, e 250, parágrafo único, do CPC/1973. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 606.517/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2019, DJe 28/03/2019). No caso dos autos, não foram acostadas cópias do procedimento administrativo que culminou com o oferecimento em leilão do imóvel em questão. Contudo, tratando-se de ação de indenização por prejuízos decorrentes de vícios apontados no aludido procedimento (ausência de intimação dos leilões), entendo que o ônus da apresentação da prova das intimações deve recair sobre a instituição financeira, mesmo porque não seria razoável exigir da parte autora a produção de prova de fato negativo. Ademais, trata-se de ação ajuizada muitos anos depois da realização dos leilões, não se verificando, no caso concreto, circunstâncias que autorizem a conclusão pela ciência inequívoca, por parte da devedora, das datas designadas para os leilões. Constatada a nulidade do procedimento de execução extrajudicial por ausência de comunicação ao devedor fiduciante das datas, horários e locais dos leilões, providência essencial à validade do negócio jurídico, resta saber se a pretensão patrimonial foi deduzida dentro do prazo prescricional legalmente previsto. Nesse sentido, dispõe o art. 206, §3º, V, do Código Civil, que a pretensão de reparação civil prescreve no prazo de 3 anos, contados da ciência inequívoca da lesão (actio nata). Sobre esse marco deflagrador da contagem do prazo prescricional, a parte autora certamente poderia ter juntado aos autos cópia da notificação a ela enviada, comunicando a necessidade de deixar o imóvel em razão da arrematação do bem em leilão por terceiros, optando, contudo por não fazê-lo. Ocorre que de acordo com a certidão de registro imobiliário (id 282317963) o imóvel foi arrematado por Clovis Dias dos Santos em 18/01/2016, sendo posteriormente revendido em 27/04/2016. Logo, a ciência da arrematação só pode ter ocorrido nesse intervalo. Portanto, ainda que se considere que a ciência ocorreu na data em que o imóvel foi novamente vendido (27/04/2016), o ajuizamento da presente ação em 25/08/2023 se deu muito tempo depois do transcurso do prazo estabelecido pelo referido art. 206, §3º, V, do Código Civil, razão pela qual deve ser reconhecida a prescrição da pretensão indenizatória. Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO à apelação. Por fim, em vista do trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, §11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). Observe-se, por fim, o disposto no art. 98, § 3º, do CPC, ante à concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. LEI Nº 9.514/1997. PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE NULIDADE. NÃO SUJEIÇÃO A PRAZO DECADENCIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEVEDOR SOBRE OS LEILÕES EXTRAJUDICIAIS DO IMÓVEL. PROCEDIMENTO NULO. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA PRESCRITA. RECURSO NÃO PROVIDO.
- Conforme estabelece o art. 169, do Código Civil/2002, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, não se sujeitando, portanto, a prazos prescricionais ou decadenciais, mesmo porque, as ações declaratórias, via adequada para a veiculação de pretensão anulatória por se prestarem à obtenção de uma certeza jurídica, são inconciliáveis com os institutos da prescrição e da decadência.
- O pedido de declaração de nulidade de negócio jurídico, pleito que não se sujeita a prazo prescricional, não se confunde com a pretensão relacionada aos seus efeitos patrimoniais, esta sim condicionada ao exercício nos prazos prescricionais legalmente definidos. Sobre o tema, a VI Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, aprovou o Enunciado 536, segundo o qual “resultando do negócio jurídico nulo consequências patrimoniais capazes de ensejar pretensões, é possível, quanto a estas, a incidência da prescrição”.
- O contrato celebrado nos termos da Lei nº 9.514/1997 possui cláusula relativa a regime de satisfação da obrigação diversa de mútuos firmados com garantia hipotecária. Na hipótese de descumprimento contratual pelo devedor fiduciante, haverá o vencimento antecipado da dívida e, decorrido o prazo para purgação da mora, a propriedade do imóvel será consolidada em nome da credora fiduciária, que deverá alienar o bem para satisfação de seu direito de crédito.
- Com relação à notificação acerca dos leilões, o art. 26, §3º da Lei nº 9.514/1997, desde a sua edição já previa a correspondência (com AR) como meio alternativo a oficiais cartorários para informação do devedor-fiduciante. Por certo, esses mesmos meios também servem para informar o devedor-fiduciante sobre a realização de leilões do imóvel consolidado em favor do credor-fiduciário, de tal modo que a Lei nº 13.465/2017 apenas explicitou o mesmo regramento ao introduzir o § 2º-A no art. 27 da Lei nº 9.514/1997, mencionando a comunicação por correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato (inclusive ao endereço eletrônico).
- No caso dos autos, a ora apelante firmou contrato com garantia de alienação fiduciária de imóvel em julho de 2007. Com o inadimplemento das obrigações assumidas pelo devedor fiduciante, deu-se a intimação para que fosse purgada a mora, o que acabou não acontecendo. Com isso, a propriedade do imóvel foi consolidada em favor da instituição financeira em 13/05/2015, sobrevindo leilão em 18/01/2016, sem a necessária intimação do devedor, ocasião em que o imóvel acabou sendo arrematado por terceiros. Ocorre que mesmo que reconhecida a nulidade do procedimento, o ajuizamento de ação veiculando pretensão indenizatória pelos danos morais e materiais que a parte autora alega ter suportado ocorreu somente em 25/08/2023, ou seja, muito tempo depois de transcorrido o prazo trienal estabelecido pelo art. 206, §3º, V, do Código Civil, cuja fluência teve início em 27/04/2016, data em que se presume tenha a parte autora tido ciência da arrematação do imóvel em leilão.
- Apelação não provida.