Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001760-57.2022.4.03.6126

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: ALPHAJOR BARRIE

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001760-57.2022.4.03.6126

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE IMIGRAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEMIG/SNJ, UNIÃO FEDERAL

APELADO: ALPHAJOR BARRIE

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Trata-se de apelação e remessa necessária interpostas pela UNIÃO FEDERAL contra sentença que concedeu a segurança requerida por ALPHAJOR BARRIE para afastar a obrigatoriedade da atualização e legalização, junto à embaixada brasileira, do atestado de antecedentes criminais emitido por Serra Leoa, bem como a dispensa da apresentação da certidão de inscrição consular em nome do impetrante para a análise do seu pedido de naturalização, substituindo-a pelos antecedentes criminais do país de seu domicílio nos últimos anos (ID 275422838).

Alega, em suma, a ausência de interesse processual, por inadequação da via eleita, diante da necessidade de dilação probatória para a concessão da naturalização ordinária; a razoabilidade e a proporcionalidade das exigências previstas no Decreto n. 9.199/2017 quanto à apresentação de certidão de antecedentes criminais atualizada e legalizada perante a autoridade consular competente, proibindo-se a concessão da benesse se o interessado já tiver sido condenado criminalmente, no Brasil ou no exterior, bem como à apresentação de certidão consular ou outro documento que comprove a filiação; e que a sentença recorrida ignorou as formalidades legais e os princípios da segurança jurídica, da soberania e da separação dos poderes, com esteio na alegação de dificuldade de obtenção da certidão de antecedentes criminais, que o impetrante não se desincumbiu de demonstrar. Portanto, postula a reforma da sentença para denegar a segurança (ID 275422841).

Sem contrarrazões.

Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso e da remessa oficial (ID 275530587).

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001760-57.2022.4.03.6126

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY

APELANTE: DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE IMIGRAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL NO ESTADO DE SÃO PAULO, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MIGRAÇÃO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA - DEMIG/SNJ, UNIÃO FEDERAL

APELADO: ALPHAJOR BARRIE

Advogado do(a) APELADO: TIAGO DE SOUZA MUHARRAM - SP389379-A

 

 

 

V O T O

 

 

 

De início, afasto a preliminar de ausência de interesse processual suscitada pela União.

Como se depreende da inicial, o impetrante pretende que seja afastada “a obrigatoriedade de apresentação de atestado de antecedentes criminais ATUALIZADO E LEGALIZADO, bem como de CERTIDÃO DE INSCRIÇÃO CONSULAR para análise do pedido de naturalização” (ID 275422680). Assim, não é a concessão da naturalização o objeto do presente writ, mas apenas a existência, ou não, do direito à dispensa de apresentação de documentos indicados no curso daquele procedimento, que prosseguirá até a decisão a ser proferida pela autoridade administrativa competente.

Portanto, tratando-se de matéria eminentemente de direito, que dispensa a produção de outras provas, descabe falar em inadequação da via eleita.

Isso ultrapassado, tenho que a sentença merece ser mantida.

Acerca dos requisitos para a concessão da naturalização ordinária, a Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração), dispõe em seu art. 65, in verbis:

Art. 65. Será concedida a naturalização ordinária àquele que preencher as seguintes condições:

I - ter capacidade civil, segundo a lei brasileira;

II - ter residência em território nacional, pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos;

III - comunicar-se em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizando; e

IV - não possuir condenação penal ou estiver reabilitado, nos termos da lei.

Ao regulamentar o inciso IV do citado dispositivo legal, o Decreto n. 9.199/2017 assim prevê:

Art. 234. O pedido de naturalização ordinária se efetivará por meio da: (...)

IV - apresentação de certidões de antecedentes criminais expedidas pelos Estados onde tenha residido nos últimos quatro anos e, se for o caso, de certidão de reabilitação; e

V - apresentação de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem.

Ainda, a Portaria n. 623/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, expedida nos termos do art. 219 do decreto retro mencionado, dispõe que o atestado expedido pelo país de origem deve ser “legalizado e traduzido, no Brasil, por tradutor público juramentado, observada a Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, promulgada pelo Decreto nº 8.660, de 29 de janeiro de 2016” (Item 6, Anexo I).

E, à vista da prova documental vinda com a inicial, tenho que o impetrante cumpriu a contento o requisito em questão, tendo apresentado certificado – negativo – de antecedentes criminais expedido em Freetown, Serra Leoa, na data de 09/01/2016, e legalizado em 03/02/2016, pela Embaixada Brasileira em Conacri, Guiné (ID 275422744).

Embora a naturalização tenha sido requerida apenas em 25/10/2021 (ID 275422749), mais de cinco anos depois da expedição daquele documento, fato que motivou o pedido de atualização pelo órgão competente, trata-se de exigência efetivamente desproporcional e desarrazoada à luz das peculiaridades do caso concreto.

Em primeiro lugar porque, como se verifica do documento expedido e legalizado em 2016, não lhe foi atribuído prazo de validade formal pelas autoridades estrangeiras ou pela autoridade consular brasileira. Ainda que sua atualização fosse plausível, ante o lapso temporal decorrido, fato é que o impetrante não reside em Serra Leoa desde então, tendo ingressado no Brasil em 26/02/2015, se tornado residente permanente em 06/02/2017 (ID 275422739), trabalhado (ID 275422741) e constituído família em território nacional nesse período (certidão de casamento no ID 275422741 e documento de identidade do filho no ID 275422748).

Não há nada nos autos que indique que ele tenha voltado a residir em Serra Leoa nesse período que justifique a necessidade de apresentação de novo atestado de antecedentes criminais para verificar o cumprimento do requisito de ausência de condenação criminal previsto no art. 65 da Lei de Migração. Para tanto, os atestados emitidos pelo país de residência nos últimos quatro anos (Brasil), documentos previstos no art. 234, IV, do Decreto n. 9.199/2017 e no item 5 do Anexo I da Portaria n. 623/2020, somados ao atestado do país de origem que abarca o período em que ele lá residia, se revelam suficientes.

Em segundo lugar, como bem apontado na inicial, a legalização dos documentos emitidos por Serra Leoa (Estado não signatário da Convenção promulgada pelo Decreto n. 8.660/2016, que dispensa tal formalidade), onde o Brasil não possui representação diplomática, é atualmente realizado em Acra, capital de Gana, conforme informação constante do site do Ministério das Relações Exteriores[1]. Trata-se de cidade distante mais de dois mil quilômetros de Freetown, capital de Serra Leoa, não possuindo referidos países fronteiras terrestres, fluviais ou marítimas entre si.

Nesse caso, exigir do requerente a atualização do documento implicaria em impô-lo uma viagem intercontinental, a um país com o qual não possui quaisquer relações, distante de seus locais de origem e residência, arcando com todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação, em prejuízo de sua situação financeira – no caso, de hipossuficiência econômica, conforme IDs 275422743 e 275422741 – a fim de obter certificado referente a uma localidade onde não reside há mais de oito anos.

Em casos como este, em que o cumprimento da exigência realizada pela autoridade migratória implica em ônus excessivo e desarrazoado ao requerente, a jurisprudência desta Corte Regional tem admitido, excepcionalmente, a flexibilização da prova dos requisitos para a concessão da naturalização, a fim de evitar a total inviabilização da obtenção da nacionalidade brasileira pelo interessado e prestigiando o direito à reunião familiar e outros garantidos aos migrantes em território nacional nos termos dos arts. 3º e 4º da Lei n. 13.445/2017. Nesse sentido, veja-se:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. ATESTADO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. RECURSO PROVIDO. - Trata-se de mandado de segurança objetivando provimento jurisdicional para determinar que a autoridade coatora processe o pedido de naturalização ordinária sem a apresentação da certidão de antecedentes criminais emitida no país de origem, bem como da certidão consular - É pertinente esclarecer que, de fato, a certidão de antecedentes criminais é uma das exigências constantes na Lei nº 13.445/2017 (lei de migração) para o procedimento de naturalização (art. 65, inc. IV) - No caso concreto, o apelante, angolano, ingressou no Brasil em abril de 2016. Estruturou sua vida e obteve autorização de residência por reunião familiar em 2018. Solicitou a naturalização brasileira, a qual lhe foi negada em razão da falta de declaração de antecedentes criminais do país de origem e da certidão consular. Buscou auxílio do Consulado angolano em São Paulo, para tentar cumprir as exigência documentais listada na Portaria Interministerial n.º 11/2018, sem êxito - Ocorre que, consoante alegado e não contestado pela autoridade coatora, e não contestado pela autoridade coatora, a Portaria Interministerial n.º 11/2018, em seu anexo I, relaciona os documentos que devem instruir o pedido de naturalização ordinária, entre os quais a certidão de antecedentes criminais do país de origem, entre eles a certidão de antecedentes criminais dos países em que o interessado residiu nos últimos quatro anos. Entretanto, cumpre destacar que o impetrante reside no Brasil desde 2016 - Assim, em que pese a ausência de condição de refugiado do impetrante, circunstância que flexibilizaria a exigência, entendo que o caso é de concessão da ordem, tendo em vista os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Precedente - A ordem deve ser concedida para permitir que seja afastada a necessidade de apresentação de certidão de antecedentes criminais atualizada no país de origem, bem como da certidão consular devendo o impetrante cumprir os demais requisitos legais para a análise de seu pedido de naturalização - Apelação provida. (TRF3, ApCiv n. 5015359-49.2019.4.03.6100, Rel. Desa. Federal MONICA AUTRAN MACHADO NOBRE, 4ª Turma, j. 22/05/2023)

MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE NATURALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE DOCUMENTOS. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO DA NORMA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ. 1. In casu, a apelante, angolana, após adentrar em território nacional em 2016, obteve autorização de residência por reunião familiar em 2017. Narra que estruturou completamente sua vida e constituído núcleo familiar no país, deseja pleitear a naturalização brasileira. No entanto, não consegue obter certidão de antecedentes criminais, pois, teria que se deslocar para Angola, uma vez que o consulado deste país no Brasil (São Paulo), não recebe autorização para emitir certidão de antecedentes criminais. 2. Em regra, a apresentação dos documentos exigidos pela autoridade impetrada: passaporte, certidão consular e certidão de antecedentes criminais do país de origem, são necessários para o processamento do pedido de naturalização, todavia, a exigência contida na norma não pode ser interpretada de modo absoluto. 3. A proteção aos direitos fundamentais do núcleo familiar incide como fator de ponderação a essa exigência e demanda que a Administração Pública flexibilize tal requisito, em favor da dignidade humana. 4. Na espécie, a recorrente se encontra impossibilitada de obter a certidão de antecedentes criminais, uma vez que para isso seria necessário solicitar auxílio das repartições consulares angolanas, todavia, estas não fornecem o documento no Brasil, o que obrigaria o retorno da apelante a Angola. 5. Exigir que a apelante retorne ao seu país de origem para fins de obtenção de certidão de antecedentes criminais não se mostra minimamente razoável, considerando que esta não possui recursos financeiros para a viagem ou para contratar prestação de serviço, tanto que é beneficiária da assistência judiciária gratuita e representada nos autos pela Defensoria Pública da União. 6. Nessas condições, não se mostra razoável negar à impetrante o pleno exercício de seus direitos fundamentais, sob justificativa de óbice de índole meramente burocrática, que, apesar de endereçada à proteção de relevantes interesses nacionais, referentes à própria segurança pública, não pode se sobrepor a mais efetiva proteção possível dos direitos humanos. 7. O caso revela situação peculiar, uma vez que a apelante sempre esteve regular no país e tem demonstrado a sua vontade de filiação em definitiva, mesmo que obstada por entraves meramente burocráticos e, assim, merece atenção especial para com a proteção dos direitos humanos dos imigrantes. Ademais, impende salientar que a certidão de antecedentes criminais já fora apresentada quando da aquisição da autorização de residência anterior e, desde então, a parte impetrante reside em território nacional. 8. Reformada a r. sentença a fim de conceder a segurança para que seja garantido o recebimento e processamento do pedido de naturalização da impetrante com a dispensa da apresentação da certidão de antecedentes criminais do país de origem. 9. Apelo provido. (TRF3, ApCiv n. 5024272-20.2019.4.03.6100, Rel. Des. Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, 4ª Turma, j. 22/02/2022)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESTRANGEIRO. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA NO BRAISL. REUNIÃO FAMILIAR. APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EXPEDIDO PELO PAÍS DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. FLEXIBILIZAÇÃO DA EXIGÊNCIA DOCUMENTAL. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de garantir o recebimento e o processamento do pedido de regularização migratória do impetrante, com fundamento na reunião familiar, independentemente da apresentação de antecedentes criminais. 2. A garantia do direito à reunião familiar é um dos pilares que rege a política migratória brasileira, consoante se verifica nos artigos 3º, 4º, 14 e 30 da Lei nº 13.445/2017 - Lei de Migração. 3. No caso dos autos, o impetrante, nacional do Iêmen, busca a autorização de residência no Brasil, com fundamento na reunião familiar, em razão de matrimônio contraído com cidadã brasileira (Certidão de Casamento de ID n.º 160804700, página 56). 4. A Lei nº 13.445/2017 estabelece o direito à reunião familiar tanto na concessão do visto temporário quanto na autorização para residência. Conquanto o Decreto nº 9.199/2017, em seu art. 129, incisos V e VI, estabeleça como uns dos requisitos para autorização de residência a apresentação de certidões de antecedentes criminais, a jurisprudência dessa E. Terceira Turma, orienta-se no sentido de flexibilizar a exigência de apresentação de documentos emitidos no país de origem do requerente (precedentes da Terceira Turma deste Tribunal). 5. Assim, considerando-se que o pedido de residência formulado pelo impetrante é fundamentado em reunião familiar, devidamente comprovada, a sentença deve ser mantida. 6. Recurso de apelação e reexame necessário desprovidos. (TRF3, ApelRemNec n. 5005864-44.2020.4.03.6100, Rel. Des. Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, 3ª Turma, j. 20/08/2021)

Vale registrar que tal entendimento está em acordo com o previsto no próprio regulamento da Lei de Migração, que veda, em seu artigo 2º, que seja exigido do imigrante “prova documental impossível ou descabida que dificulte ou impeça o exercício de seus direitos”, determinando aos órgãos da administração pública federal a adoção de procedimentos e normativos internos com vistas à observância de tal dispositivo (parágrafo único).

Quanto à apresentação de certidão consular do país de origem para a prova da filiação, observo que nem o Decreto n. 9.199/2017, nem a Portaria n. 623/2020 do MJSP preveem tal documento como obrigatório para o processamento da naturalização ordinária, razão pela qual eventual exigência nesse sentido seria flagrantemente ilegal. Não obstante, o impetrante juntou pelo menos três documentos oficiais que demonstram a sua filiação (certidão de nascimento – ID 275422746, casamento – ID 275422747 e cédula de identidade do estrangeiro – ID 275422739), de modo que inexiste controvérsia que justifique a exigência de outros documentos para tanto.

Por fim, registro que as alegações no sentido de violação à discricionariedade administrativa e aos princípios da segurança jurídica e da separação dos poderes deduzidas nas razões recursais não prosperam, considerando que, como fundamentado acima, o requisito de apresentação da certidão de antecedentes criminais no país de origem foi devidamente cumprido nos termos das normas regulamentares vigentes, sendo dispensada tão somente a sua atualização.

Ante o exposto, CONHEÇO E NEGO PROVIMENTO à apelação e à remessa necessária, nos termos da fundamentação supra.

Sem honorários (art. 25 da Lei n. 12.016/2009).

É como voto.

 

[1]https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/reparticoes-consulares-do-brasil/regiao/serra-leoa/serra-leoa. Acesso em 30/11/2023.

 

[1]https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/reparticoes-consulares-do-brasil/regiao/serra-leoa/serra-leoa. Acesso em 30/11/2023.



E M E N T A

 

APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL REJEITADA. VIA ADEQUADA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE NATURALIZAÇÃO ORDINÁRIA. APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS DO PAÍS DE ORIGEM ATUALIZADA E LEGALIZADA. EXIGÊNCIA DESPROPORCIONAL. DOCUMENTO JÁ APRESENTADO, SEM PRAZO DE VALIDADE. IMPETRANTE QUE NÃO RESIDE EM SERRA LEOA DESDE ENTÃO. PAÍS SEM REPRESENTAÇÃO DIPLOMÁTICA BRASILEIRA. EMBAIXADA COMPETENTE LOCALIZADA HÁ MAIS DE DOIS MIL QUILÔMETROS DA CAPITAL DAQUELE PAÍS. IMPOSIÇÃO DE ÔNUS EXCESSIVO AO REQUERENTE. DISPENSA DE ATUALIZAÇÃO DO DOCUMENTO. CERTIDÃO CONSULAR. EXIGÊNCIA INEXISTENTE NO DECRETO N. 9.199/2017 E NA PORTARIA N. 623/2020 DO MJSP. DOCUMENTOS OFICIAIS APRESENTADOS QUE COMPROVAM A FILIAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTROVÉRSIA. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDAS.

1. Mandado de segurança em que se pretende não a concessão judicial da naturalização, mas o reconhecimento do direito à dispensa de apresentação de documentos exigidos no curso do procedimento administrativo para tal fim. Tratando-se de matéria eminentemente de direito, que dispensa a instrução probatória, descabe falar em inadequação da via eleita.

2. A Lei n. 13.445/2017 (Lei de Migração), ao dispor sobre os requisitos para a concessão da naturalização ordinária, prevê que o pretendente à obtenção da nacionalidade brasileira deve não possuir condenação penal ou estar reabilitado, condição que se demonstrará, conforme o art. 234 do Decreto 9.199/2017, mediante apresentação de certidões de antecedentes criminais expedidas pelos Estados onde tenha residido nos últimos quatro anos ou, se for o caso, de certidão de reabilitação; e de atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem, este legalizado e traduzido, no Brasil, por tradutor público juramentado (Portaria n. 623/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Item 6, Anexo I).

3. No caso, o impetrante cumpriu a contento o requisito em questão, apresentando certificado negativo de antecedentes criminais expedido em Freetown, Serra Leoa, na data de 09/01/2016, e legalizado em 03/02/2016, pela Embaixada Brasileira em Conacri, Guiné.

4. Embora a naturalização tenha sido requerida mais de cinco anos depois da expedição daquele documento, a exigência de sua atualização revela-se desproporcional e desarrazoada no caso concreto, visto que a certidão não possui prazo de validade e o impetrante não reside em Serra Leoa desde então, tendo ingressado no Brasil em 26/02/2015, se tornado residente permanente em 06/02/2017, trabalhado e constituído família em território nacional.

5. Não há nada nos autos que indique que ele tenha voltado a residir em Serra Leoa a justificar a necessidade de novo atestado de antecedentes criminais expedido naquele país. Para tanto, os atestados emitidos pelas autoridades do país de residência nos últimos quatro anos (Brasil), previstos no art. 234, IV, do Decreto n. 9.199/2017 e no item 5, Anexo I da Portaria n. 623/2020, se revelam suficientes.

6. Outrossim, a legalização dos documentos emitidos por Serra Leoa, onde o Brasil não possui representação diplomática, é atualmente realizado em Acra, capital de Gana, distante mais de dois mil quilômetros de Freetown, capital de Serra Leoa. Nesse caso, exigir do requerente a atualização do documento implicaria em impô-lo uma viagem intercontinental, a um país com o qual não possui quaisquer relações, distante de seus locais de origem e residência, arcando com todas as despesas de transporte, hospedagem e alimentação, em prejuízo de sua situação financeira – no caso, de hipossuficiência econômica – a fim de obter certificado referente a uma localidade onde não reside há mais de oito anos.

7. Nos casos em que o cumprimento da exigência realizada pela autoridade migratória implica em ônus excessivo e desarrazoado ao requerente, a jurisprudência desta Corte Regional tem admitido, excepcionalmente, a flexibilização da prova dos requisitos para a naturalização, a fim de evitar a total inviabilização da obtenção da nacionalidade brasileira pelo interessado e prestigiando o direito à reunião familiar e outros garantidos aos migrantes em território nacional nos termos dos arts. 3º e 4º da Lei n. 13.445/2017. Precedentes.

8. Tal entendimento está em acordo com o previsto no próprio regulamento da Lei de Migração, que veda, em seu artigo 2º, que seja exigido do imigrante “prova documental impossível ou descabida que dificulte ou impeça o exercício de seus direitos”, determinando aos órgãos da administração pública federal a adoção de procedimentos e normativos internos com vistas à observância de tal dispositivo (parágrafo único).

9. Quanto à apresentação de certidão consular do país de origem, observo que nem o Decreto 9.199/2017, nem a Portaria 623/2020 do MJSP preveem tal documento como obrigatório para o processamento da naturalização ordinária, razão pela qual eventual exigência nesse sentido seria flagrantemente ilegal. Não obstante, o impetrante juntou pelo menos três documentos oficiais que demonstram sua filiação, de modo que inexiste controvérsia que justifique a exigência de outros documentos para tanto.

10. Apelação e remessa necessária não providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu CONHECER E NEGAR PROVIMENTO à apelação e à remessa necessária, nos termos do voto do Des. Fed. WILSON ZAUHY (Relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTNS e a Des. Fed. MARLI FERREIRA. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE (em férias), substituído pelo Juiz Fed. Conv. SIDMAR MARTINS , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.