APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000157-48.2014.4.03.6115
RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000157-48.2014.4.03.6115 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF em face de sentença que, nos autos da ação civil pública proposta na instância de origem, julgou improcedente o pedido formulado, resolvendo o mérito com base no então vigente art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil de 1973. Não houve condenação em honorários advocatícios (ID 100166737, páginas 211-212). Inconformado, o MPF alega que propôs a ação civil pública na origem de compelir a União Federal a prestar o serviço de assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, na forma da lei, por meio da criação e da instalação de uma unidade da Defensoria Pública da União – DPU no Município de São Carlos/SP, no prazo de 180 dias; a designar defensores públicos federais para atuar naquela Subseção Judiciária até a efetiva implantação da unidade da DPU, ao menos nos processos criminais; a realizar convênios com a seccional da OAB local e a promover qualquer outra ação que garanta a assistência judiciária gratuita até a instalação da unidade da DPU. Tece considerações gerais sobre a necessidade da DPU no Município de São Carlos/SP, bem como sobre o direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados. Afirma que a União não pode se valer da denominada cláusula da reserva do possível como forma de se esquivar dos seus deveres constitucionais (ID 100166737, páginas 218-252, e ID 100166738, páginas 1-8). Contrarrazões da União no ID 100164662, páginas 7-32. Os autos subiram a esta Egrégia Corte Regional. Nesta sede recursal, a Procuradoria Regional da República da 3ª Região se manifestou pelo provimento do recurso de apelação interposto (ID 100164662, páginas 38-44). Neste ponto, vieram-me conclusos os autos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000157-48.2014.4.03.6115 RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. WILSON ZAUHY APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação envolve alguns princípios e valores constitucionais em conflito. De um lado, temos a pretensão do MPF de concretizar o mandamento disposto pelo inciso LXXIV do art. 5º da CF/1988, segundo o qual cabe ao Estado garantir a prestação de assistência jurídica gratuita e integral a todos que comprovarem insuficiência de recursos. De outro lado, temos a União alegando que a DPU seria uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, sendo-lhe assegurada autonomia funcional e administrativa, conforme prevê o art. 134, caput e §2º, da CF/1988, dentre outros aspectos. Diante desse quadro, indaga-se: poderia o MPF, por intermédio de uma ação civil pública, compelir a União a implantar uma unidade da DPU em determinado município brasileiro? A questão já foi enfrentada pelo E. STF, inclusive pela sistemática da repercussão geral, quando do julgamento do RE 887.671/CE. Naquela ocasião, o E. STF compreendeu que a imposição, por via judicial, de lotação de defensor público em divergência com os critérios estabelecidos pela Defensoria Pública violaria a autonomia da referida instituição. Cumpre salientar, a propósito, que a Defensoria Pública tem o poder de tomar as suas próprias decisões, o que inclui, por evidente, a definição do local em que seus membros serão lotados e passarão a atuar. Dessa forma, se a Defensoria Pública já estabeleceu os critérios para essa decisão, levando em consideração a cobertura populacional e o nível de hipossuficiência dos seus assistidos, conforme prevê o art. 98, §2º, do ADCT, descabe ao Poder Judiciário invadir esse espaço de autonomia conferido constitucionalmente à instituição e impor outra forma de decisão. Vejamos a tese da Corte Suprema: “Tema 847/STF: Ofende a autonomia administrativa das Defensorias Públicas decisão judicial que determine a lotação de defensor público em localidade desamparada, em desacordo com os critérios previamente definidos pela própria instituição, desde que observados os critérios do art. 98, caput e §2º, do ADCT”. O art. 98, caput e §2º, do ADCT, mencionado expressamente pela tese firmada em repercussão geral, dispõe que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional deve guardar proporção com a efetiva demanda dos serviços e com o tamanho da população local, ou seja, deve garantir cobertura para “as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”. No ID 100166737, página 95, a DPU informa que o seu plano de interiorização observa um índice matemático obtido a partir de três fatores, quais sejam, o IDH local, a população com renda inferior a três salários-mínimos e o número de varas federais na localidade. Vale dizer: os critérios do art. 98 do ADCT foram efetivamente observados, não podendo, assim, o Poder Judiciário invadir o espaço de autonomia administrativa da instituição. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação interposto, mantendo integralmente a sentença atacada, nos termos da fundamentação supra. É como voto.
E M E N T A
DIREITO CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MPF COM O OBJETIVO DE SE CONDENAR A UNIÃO A INSTALAR UMA UNIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SÃO CARLOS/SP. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE SE RESPEITAR A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA. EFETIVA OBSERVÂNCIA, PELA INSTITUIÇÃO, DOS CRITÉRIOS PREVISTOS PELO ART. 98 DO ADCT. TEMA 847 DA REPERCUSSÃO GERAL. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. A questão que se coloca nos autos do presente recurso de apelação envolve alguns princípios e valores constitucionais em conflito. De um lado, temos a pretensão do MPF de concretizar o mandamento disposto pelo inciso LXXIV do art. 5º da CF/1988, segundo o qual cabe ao Estado garantir a prestação de assistência jurídica gratuita e integral a todos que comprovarem insuficiência de recursos. De outro lado, temos a União alegando que a DPU seria uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, sendo-lhe assegurada autonomia funcional e administrativa, conforme prevê o art. 134, caput e §2º, da CF/1988, dentre outros aspectos.
2. Diante desse quadro, indaga-se: poderia o MPF, por intermédio de uma ação civil pública, compelir a União a implantar uma unidade da DPU em determinado município brasileiro? A questão já foi enfrentada pelo E. STF, inclusive pela sistemática da repercussão geral, quando do julgamento do RE 887.671/CE.
3. Naquela ocasião, o E. STF compreendeu que a imposição, por via judicial, de lotação de defensor público em divergência com os critérios estabelecidos pela Defensoria Pública violaria a autonomia da referida instituição. Cumpre salientar, a propósito, que a Defensoria Pública tem o poder de tomar as suas próprias decisões, o que inclui, por evidente, a definição do local em que seus membros serão lotados e passarão a atuar.
4. Dessa forma, se a Defensoria Pública já estabeleceu os critérios para essa decisão, levando em consideração a cobertura populacional e o nível de hipossuficiência dos seus assistidos, conforme prevê o art. 98, §2º, do ADCT, descabe ao Poder Judiciário invadir esse espaço de autonomia conferido constitucionalmente à instituição e impor outra forma de decisão (Tema 847 da repercussão geral).
5. O art. 98, caput e §2º, do ADCT, mencionado expressamente pela tese firmada em repercussão geral, dispõe que o número de defensores públicos na unidade jurisdicional deve guardar proporção com a efetiva demanda dos serviços e com o tamanho da população local, ou seja, deve garantir cobertura para “as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional”. Em manifestação apresentada nos autos, a DPU informa que o seu plano de interiorização observa um índice matemático obtido a partir de três fatores, quais sejam, o IDH local, a população com renda inferior a três salários-mínimos e o número de varas federais na localidade. Vale dizer: os critérios do art. 98 do ADCT foram efetivamente observados, não podendo, assim, o Poder Judiciário invadir o espaço de autonomia administrativa da instituição.
6. Recurso de apelação a que se nega provimento.