APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001144-08.2020.4.03.6141
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: LUZINALDO CARLOS DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: ANTONIO MARCOS CORREIA RAMOS - SP336414-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001144-08.2020.4.03.6141 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: LUZINALDO CARLOS DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ANTONIO MARCOS CORREIA RAMOS - SP336414-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal de São Vicente (SP) que absolveu LUZINALDO CARLOS DA SILVA da imputação da prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, c.c. art. 3º do Decreto-Lei 399/68. A denúncia (ID 221271506), recebida em 28.01.2021 (ID 221271508), narra: Consta do incluso inquérito policial que, no dia 13/02/2020, por volta das 07h00min, na Av. Senador Azevedo Júnior, nº. 1251, bairro Sítio do Campo, Praia Grande/SP, LUZINALDO CARLOS DA SILVA, em proveito próprio, adquiriu e manteve em depósito, no exercício de atividade comercial, mercadoria proibida pela lei brasileira, consistente em 8.090 (oito mil e noventa) maços de cigarros estrangeiros, introduzidos ilegalmente no País, sem qualquer selo nacional de IPI, sendo 70 (setenta) maços da marca “EIGHT king size”, de origem paraguaia, 3.680 (três mil, seiscentos e oitenta) maços da marca “GIFT”, também de origem paraguaia, e 4.340 (quatro mil, trezentos e quarenta) maços da marca “PROFESSIONAL GUDANG GARAM”, produzidos na Indonésia (conforme Auto de Apreensão de pp. 28/29 do Id 29950024 e Laudo nº. 189/2020-NUTEC/DPF/STS/SP – pp. 54/58 do Id 29950024). Conforme restou apurado, os maços de cigarros estrangeiros irregularmente introduzidos no país acima apontados foram apreendidos durante o cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão nº. 700007871851, expedido nos autos do Processo nº. 5003749- 52.2019.4.04.7007/PR (IPL nº 164/2017 – DPF/DCQ/SC) relativo à Operação “SMOKE”, que investiga descaminho de papel seda (pp. 4/26 do Id 29950024). Nos autos da Operação “SMOKE”, o denunciado LUZINALDO CARLOS DA SILVA é investigado por envolvimento nos crimes de descaminho de papel seda, sendo que o mandado de busca e apreensão em questão foi expedido pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu/PR para o endereço da Av. Senador Azevedo Júnior, nº. 1251, bairro Sítio do Campo, Praia Grande/SP, tendo LUZINALDO como alvo (pp. 4/26 do Id 29950024). Durante o cumprimento da diligência de busca e apreensão judicialmente autorizada em comento constatou-se que no endereço em questão reside a Sra. MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA SILVA, genitora de LUZINALDO, sendo que no local foram apreendidos caixas de papel seda e outros objetos de interesse da Operação “SMOKE” e foram localizados, ainda, os maços de cigarros de origem estrangeira em tela, irregularmente introduzidos no País, sendo instaurado o presente inquérito policial, de nº. 2020.0108706-DPF/STS/SP, especificamente para apurar o delito de contrabando dos citados maços de cigarros (pp. 28/29 e 39/49 do Id 29950024). Os maços de cigarros em questão foram encontrados na garagem da referida residência (Av. Senador Azevedo Júnior, nº. 1251, bairro Sítio do Campo, Praia Grande/SP), bem como na edícula, local em que a maior parte foi achada (pp. 28/29 do Id 29950024). Por ocasião da citada diligência, a genitora de LUZINALDO, Sra. MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA SILVA, relatou aos agentes de Polícia Federal que a edícula da residência era utilizada pelo denunciado (pág. 3 do Id 29950024). Ao prestar declarações em sede policial, o denunciado admitiu que os maços de cigarros em comento eram seus, sendo que relatou que os adquiriu na “feira da madrugada” localizada na Rua 25 de março, no centro da cidade de São Paulo, e que posteriormente seriam revendidos em seu comércio, situado na Praça Coronel Lopes em São Vicente/SP. O denunciado informou, ainda, que utilizava a edícula da casa de sua genitora como depósito, e que esta não tinha conhecimento de que o local servia para armazenar os produtos ilícitos apreendidos (pág. 15 do Id 43331644). O laudo pericial elaborado pelo Núcleo Técnico-Científico da Polícia Federal em Santos, de nº. 189/2020-NUTEC/DPF/STS/SP (pp. 54/58 do Id 29950024), constatou que os maços de cigarros apreendidos não apresentam qualquer selo de controle para cigarros (IPI) válido e não possuem registro na ANVISA (e autorização na embalagem). Desse modo, os cigarros de origem/fabricação estrangeira apreendidos na posse do denunciado não podiam ser comercializados no País, de acordo com o disposto no art. 20 e na “Relação de Marcas de Cigarros”, da Resolução RDC nº 90/2007, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, editada com fundamento no art. 8º, caput e § 1º, X, da Lei nº 9.782/1999 (conforme atestado na pág. 57 do Id 29950024 – Laudo nº. 189/2020-NUTEC/DPF/STS/SP), bem como por estarem em desacordo com a Resolução RDC nº. 226/2018 da ANVISA, que preconiza em seu art. 29: "É proibida a importação, a exportação e a comercialização no território nacional de qualquer produto fumígeno que não esteja devidamente regularizado na forma desta Resolução”. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia a Vossa Excelência LUZINALDO CARLOS DA SILVA, como incurso no art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, c/c o art. 3º do Decreto-Lei nº 399/1968. A sentença (ID 221271651) foi publicada em 10.11.2021. Em seu recurso (ID 221271655), o MPF pede a reforma da sentença para que seja afastada a aplicação do princípio da insignificância e condenado o réu nos termos da denúncia. Foram apresentadas contrarrazões (ID 221271659). A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso (ID 251511324). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5001144-08.2020.4.03.6141 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: LUZINALDO CARLOS DA SILVA Advogado do(a) APELADO: ANTONIO MARCOS CORREIA RAMOS - SP336414-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença que absolveu LUZINALDO CARLOS DA SILVA da imputação da prática do crime de contrabando. Princípio da insignificância O MPF pede a reforma da sentença e a condenação do réu, ao argumento de que, no caso, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância. Com razão. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.971.993/SP, representativo de controvérsia, firmou entendimento que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços. Veja-se a ementa do acórdão: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONTRABANDO DE CIGARROS. SAÚDE PÚBLICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE RESTRITA (APREENSÃO DE ATÉ 1.000 MAÇOS), SALVO REITERAÇÃO. DIMINUTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA E NECESSIDADE DE SE CONFERIR PRIMAZIA À REPRESSÃO AO CONTRABANDO DE VULTO. MODULAÇÃO DE EFEITOS. NOVEL ORIENTAÇÃO APLICÁVEL AOS FEITOS AINDA EM CURSO QUANDO DO ENCERRAMENTO DO JULGAMENTO. 1. O crime de contrabando de cigarros tutela, entre outros bens jurídicos, a saúde pública, circunstância apta a não recomendar a aplicação do princípio da insignificância. 2. Obstar a aplicação do princípio da insignificância para todos os casos, notadamente para aqueles em que verificada a apreensão de quantidade de até 1.000 (mil) maços, é uma medida ineficaz à luz dos dados estatísticos apresentados, além do que não é razoável do ponto de vista de política criminal e de gestão de recursos dos entes estatais encarregados da persecução penal, razão pela qual se revela adequado admitir a incidência do princípio em comento para essa hipótese - apreensão de até 1.000 (mil) maços -, salvo reiteração da conduta, circunstância que, caso verificada, é apta a afastar a atipicidade material, ante a maior reprovabilidade da conduta e periculosidade social da ação. 3. Modulado os efeitos do julgado, de modo que a tese deve ser aplicada apenas aos feitos ainda em curso na data em que encerrado o julgamento, sendo inaplicáveis aos processos com trânsito em julgado, notadamente considerando os fundamentos que justificaram a alteração jurisprudencial no caso e a impossibilidade de rescisão de coisa julgada calcada em mera modificação de orientação jurisprudencial. 4. Recurso especial desprovido. Acolhida a seguinte tese: O princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação. (REsp nº 1.971.993/SP, Terceira Seção, Relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, j. 13.9.2023, DJe 19.9.2023) No caso, o apelante não cumpre os requisitos para a aplicação da insignificância, pois foram apreendidos 8.090 (oito mil e noventa) maços de cigarros. A materialidade, a autoria e o dolo estão devidamente comprovados pelo auto de apreensão (ID 221271477, pp. 28/29), pelo laudo pericial (idem, 54/59), pelo termo de declarações (ID 221271504, p. 15), pela confissão do acusado e pela prova oral produzida em contraditório judicial. Por isso, provejo o recurso e reformo a sentença para condenar LUZINALDO CARLOS DA SILVA pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, c.c. o art. 3º do Decreto-Lei nº 399/68, nos termos da denúncia. Dosimetria da pena Na primeira fase, fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 3 (três) meses de reclusão, acima do mínimo legal, em razão da quantidade de cigarros contrabandeados (8.090 unidades). A quantidade de cigarros contrabandeados constitui fator apto a aumentar a pena-base, conforme entendimento sedimentado pelo STJ, como se verifica, a título exemplificativo, na seguinte ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. QUANTIDADE DE CIGARROS APREENDIDOS. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PROPORCIONAL. EXECUÇÃO IMEDIATA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. 1. Não viola o princípio da colegialidade a decisão monocrática que, amparada em permissivo legal, deriva de exaustivo e qualificado debate sobre a questão jurídica objeto da impugnação especial, em sentido coincidente com a pretensão recursal. 2. As instâncias ordinárias destacaram que se trata de alto valor de mercadoria apreendida (R$ 158.760,00, em 2008) e excessiva quantidade de cigarros confiscados - 189.000 maços -, elementos que, a toda evidência, justificam maior reprimenda penal na primeira fase da dosimetria. 3. No julgamento dos EREsp n. 1.619.087/SC, a Terceira Seção do STJ assentou não ser possível a execução provisória de pena privativa de liberdade convertida em restritiva de direitos. 4. Agravo regimental conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para reconsiderar a decisão de fls. 602-606 e determinar a suspensão da execução das penas restritivas de direitos até o trânsito em julgado final da condenação. (AgRg no AREsp 1.076.159/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 12.09.2017, DJe 20.09.2017) Na segunda fase, não reconheço circunstâncias agravantes e reconheço da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), na fração de 1/6 (um sexto), ficando a pena intermediária reduzida para 2 (dois) anos de reclusão, mínimo legal, tendo em vista a orientação contida na Súmula nº 231 do STJ, que é consentânea com o posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral (REQORG 597270, Pleno, Rel. Ministro Cezar Peluso, j. 26.3.2009, Publicação DJe 04.6.2009). Na terceira fase, não há causas de aumento ou de diminuição de pena a aplicar, de modo que fixo a pena definitiva em 2 (dois) anos de reclusão. Fixo regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, “c”). Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo período da pena substituída, em instituição a ser indicada pelo juízo da execução penal; ii) prestação pecuniária, no valor de 1 (um) salário mínimo, a ser paga a entidade pública ou privada com destinação social, a ser indicada pelo juízo da execução penal. Posto isso, DOU PROVIMENTO à apelação para reformar a sentença e condenar LUZINALDO CARLOS DA SILVA à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, pela prática do crime de contrabando (CP, art. 334-A, § 1º, I, c.c. o art. 3º do Decreto-Lei nº 399/68), nos termos da denúncia, sendo a pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, tudo nos termos da fundamentação supra. É o voto.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA.
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
2. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.971.993/SP, representativo de controvérsia, firmou entendimento que "o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação". No caso, a quantidade apreendida impede a aplicação do princípio da insignificância.
3. A quantidade de cigarros contrabandeados constitui fator apto a elevar a pena-base, o que justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
4. Apelação provida.