HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000804-18.2024.4.03.0000
RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA
IMPETRANTE: LEONARDO MORIMOTO, DANIEL MORIMOTO
IMPETRANTE E PACIENTE: VICTOR PACHECO MERHI RIBEIRO
Advogado do(a) IMPETRANTE E PACIENTE: DANIEL MORIMOTO - SP146102-A
IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL
OUTROS PARTICIPANTES:
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000804-18.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA IMPETRANTE: LEONARDO MORIMOTO, DANIEL MORIMOTO Advogado do(a) IMPETRANTE E PACIENTE: DANIEL MORIMOTO - SP146102-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL R E L A T Ó R I O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): Trata-se de Habeas Corpus preventivo impetrado por Daniel Morimoto e Leonardo Morimoto em favor de VICTOR PACHECO MERHI RIBEIRO, apontando como autoridade coatora a “MMª. Juíza de Direito da 5ª V. Crim. Federal de São Paulo/SP”, que “denegou ordem de Habeas Corpus Preventivo ao Paciente que visava a garantir suas condutas voltadas a produção caseira de remédio à base de Cannabis, imprescindíveis para seu tratamento de saúde, mantendo-o em permanente risco de ter a sua liberdade injustamente cerceada”. Justificam os impetrantes o ajuizamento da “ordem de Habeas Corpus Substitutivo para superação imediata de ato coator (sentença denegatória de HC), pois presentes os pressupostos da cautelar (liminar)”. Afirmam que o objetivo é “obtenção de salvo-conduto (ao paciente) visando a garantir seu direito à saúde por meio das condutas voltadas à produção de extratos medicinais da canabis, consubstanciadas no cultivo, guarda, transporte, posse, extração e uso de seus princípios ativos, necessários ao seu tratamento médico”, relativo a “condromalácia patelar grau 2 no joelho direito, conhecida como síndrome da dor patelofemoral, com necessidade de infiltrações”, e que esta “condição evoluiu para um quadro de dores crônicas intensas e limitantes”. Narram que “após 6 meses de uso oral do óleo medicinal, o Paciente retornou em novembro de 2023 em nova consulta médica para avaliação, na qual se constatou uma melhora substancial da dor e da qualidade de vida, inclusive, com a volta de atividades físicas leves, motivo pelo qual o médico determinou o aumento da posologia para adequação da dosagem”. Relatam que “em razão das sérias dificuldades para a obtenção dessas medicações fitoterápicas (elevadíssimo custo para importação, excessivas burocracias administrativas, grandes filas e frequente indisponibilidade no mercado) o Paciente fica sujeito a interrupções do seu tratamento médico”. Noticiam que o paciente “obteve a autorização administrativa da ANVISA para importação e logrou em obter a expertise necessária para o cultivo e a produção dos óleos medicinais, mantendo uma pequena estufa com número de plantas aquém da quantidade necessária determinada pelo Laudo Técnico Agronômico, elaborado de acordo com a prescrição médica atual”. Alegam quanto à “possibilidade de aquisição legal e gratuita dos medicamentos à base de cannabis em razão do advento da Lei Estadual de SP nº. 17.618, de 31 de janeiro de 2023”, que “a referida Lei não tem aplicação prática”, pois “o Estado não tem e nem terá capacidade de suprir a demanda dessa caríssima medicação, com filas, longa demora e burocracia na entrega dos referidos medicamentos, como notadamente ocorre para obtenção de remédios comuns, agendamento de cirurgias, exames, consultas etc”. Postulam “liminarmente a imediata expedição de salvo-conduto (ao paciente) a fim de garantir as suas condutas de autoprodução e uso de derivados medicinais da Cannabis (importação de sementes; manipulação; posse; transporte; plantio; extração de derivados; uso; bem como a posse de instrumentos para cultivo e produção), evitando que seja submetido ao permanente risco de privação direta ou indireta de sua liberdade, bem como a destruição/confisco de seu cultivo e equipamentos/insumos por parte das autoridades apontadas como coatoras (Polícias Federal, Civil, Militar)”. Ao final, a confirmação da liminar. Requerem que “o salvo-conduto permita o cultivo de até 20 plantas em floração a cada ciclo de 3 meses, totalizando 80 plantas por ano, além da importação inicial de 120 sementes de cannabis das genéticas indicadas”. Em apreciação do pedido de liminar, indeferi-o, consignando “carecendo a comprovação da quantidade de sementes a serem importadas e plantadas, não vislumbro a demonstração dos requisitos para a concessão da liminar” (ID 284542052). A autoridade impetrada prestou as informações solicitadas (ID 284584726 - Pág. 1/2). Os impetrantes formularam reconsideração da decisão denegatória da liminar, anexando complementação do laudo técnico agronômico (ID 284654975 e 284654976). O Ministério Público Federal, em parecer, manifestou-se pela denegação da ordem (ID 284799332). Dispensada a revisão, nos termos regimentais. É o relatório.
IMPETRANTE E PACIENTE: VICTOR PACHECO MERHI RIBEIRO
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000804-18.2024.4.03.0000 RELATOR: Gab. 44 - DES. FED. HELIO NOGUEIRA IMPETRANTE: LEONARDO MORIMOTO, DANIEL MORIMOTO Advogado do(a) IMPETRANTE E PACIENTE: DANIEL MORIMOTO - SP146102-A IMPETRADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 5ª VARA FEDERAL CRIMINAL V O T O O Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator): No caso, a parte impetrante sustenta a demonstração dos requisitos para permitir ao paciente o cultivo da planta de cannabis para fins de extração de medicamento para uso pessoal. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento acerca da pertinência da ação de habeas corpus para enfrentar a falta de regulamentação estatal para a produção pessoal de derivados de cannabis com fins medicinais para uso próprio. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. RISCO PERMANENTE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. SALVO-CONDUTO. POSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. ANVISA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas - importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer -, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo "drogas". 2. A definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A Cannabis sativa integra a "Lista E" da referida portaria, que, em última análise, a descreve como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. 3. Uma vez que é possível, ao menos em tese, que os pacientes (ora recorridos) tenham suas condutas enquadradas no art. 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, punível com pena privativa de liberdade, é indiscutível o cabimento de habeas corpus para os fins por eles almejados: concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis sativa, da qual se pode extrair a substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde. 4. Também há o risco, pelo menos hipotético, de que as autoridades policiais tentem qualificar a pretendida importação de sementes de Cannabis no tipo penal de contrabando (art. 334-A do CP), circunstância que reforça a possibilidade de que os recorridos se socorram do habeas corpus para o fim pretendido, notadamente porque receberam intimação da Polícia Federal para serem ouvidos em autos de inquérito policial. Ações pelo rito ordinário e outros instrumentos de natureza cível podem até tratar dos desdobramentos administrativos da questão trazida a debate, mas isso não exclui o cabimento do habeas corpus para impedir ou cessar eventual constrangimento à liberdade dos interessados. 5. Efetivamente, é adequada a via eleita pelos recorridos - habeas corpus preventivo - haja vista que há risco, ainda que mediato, à liberdade de locomoção deles, tanto que o Juiz de primeiro grau determinou a apuração dos fatos narrados na inicial do habeas corpus pela Polícia Federal, o que acabou sendo expressamente revogado pelo Tribunal a quo, ao conceder a ordem do habeas corpus lá impetrado. 6. A análise da questão trazida a debate pela defesa não demanda dilação probatória, consistente na realização de perícia médica a fim de averiguar se os pacientes realmente necessitam de tratamento médico com canabidiol. A necessidade de dilação probatória - circunstância, de fato, vedada na via mandamental - foi afastada no caso concreto, tendo em vista que os recorridos apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, provas essas consideradas suficientes para a concessão do writ pelo Tribunal de origem, dentre as quais a de que os pacientes estavam autorizados anteriormente pela Anvisa a importar, com objetivo terapêutico, medicamento com base em extrato de canabidiol, para tratamento de enfermidades também comprovadas por laudos médicos, devidamente acostados aos autos. 7. Se para pleitear aos entes públicos o fornecimento e o custeio de medicamento por meio de ação cível, o pedido pode ser amparado em laudo do médico particular que assiste a parte (STJ, EDcl no REsp n. 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª S., DJe 21/9/2018), não há razão para se fazer exigência mais rigorosa na situação dos autos, em que a pretensão da defesa não implica nenhum gasto financeiro ao erário. 8. Há, na hipótese, vasta documentação médica atestando a necessidade de o tratamento médico dos pacientes ser feito com medicamentos à base de canabidiol, inclusive com relato de expressivas melhoras na condição de saúde deles e esclarecimento de que diversas vias tradicionais de tratamento foram tentadas, mas sem sucesso, circunstância que reforça ser desnecessária a realização de dilação probatória com perícia médica oficial. 9. Não há falar que a defesa pretende, mediante o habeas corpus, tolher o poder de polícia das autoridades administrativas. Primeiro, porque a própria Anvisa, por meio de seu diretor, afirmou que a regulação e a autorização do cultivo doméstico de plantas, quaisquer que sejam elas, não fazem parte do seu escopo de atuação. Segundo, porque não se objetiva nesta demanda obstar a atuação das autoridades administrativas, tampouco substituí-las em seu mister, mas, apenas, evitar que os pacientes/recorridos sejam alvo de atos de investigação criminal pelos órgãos de persecução penal. 10. Embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006; art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.368/1976), fato é que até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo - quiçá por razões morais ou políticas - com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação. 11. Em 2019, a Diretoria Colegiada da Anvisa, ao julgar o Processo n. 25351.421833/2017-76 - que teve como objetivo dispor sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos -, decidiu pelo arquivamento da proposta de resolução. Ficou claro, portanto, que o posicionamento da Diretoria Colegiada da Anvisa, à época, era o de que a autorização para cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, entre elas a Cannabis sativa, é da competência do Ministério da Saúde, e que, para atuação da Anvisa, deveria haver uma delegação ou qualquer outra tratativa oficial, de modo a atribuir a essa agência reguladora a responsabilidade e a autonomia para definir, sozinha, o modelo regulatório, a autorização, a fiscalização e o controle dessa atividade de cultivo. 12. O Ministério da Saúde, por sua vez, a quem a Anvisa afirmou competir regular o cultivo doméstico de Cannabis, indicou que não pretende fazê-lo, conforme se extrai de Nota Técnica n. 1/2019-DATDOF/CGGM/GM/MS, datada de 19/8/2019, em resposta à Consulta Dirigida sobre as propostas de regulamentação do uso medicinal e científico da planta Cannabis, assinada pelo ministro responsável pela pasta. O quadro, portanto, é de intencional omissão do Poder Público em regulamentar a matéria. 13. Havendo prescrição médica para o uso do canabidiol, a ausência de segurança, de qualidade, de eficácia ou de equivalência técnica e terapêutica da substância preparada de forma artesanal - como se objeta em desfavor da pretendida concessão do writ - torna-se um risco assumido pelos próprios pacientes, dentro da autonomia de cada um deles para escolher o tratamento de saúde que lhes corresponda às expectativas de uma vida melhor e mais digna, o que afasta, portanto, a abordagem criminal da questão. São nesse sentido, aliás, as disposições contidas no art. 17 da RDC n. 335/2020 e no art. 18 da RDC n. 660/2022 da Anvisa, ambas responsáveis por definir "os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde". 14. Em 2017, com o advento da Resolução n. 156 da Diretoria Colegiada da Anvisa, a Cannabis Sativa foi incluída na Lista de Denominações Comuns Brasileiras - DCB como planta medicinal, marco importante em território nacional quanto ao reconhecimento da sua comprovada capacidade terapêutica. Em dezembro de 2020, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes - UNODC acolheu recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde sobre a reclassificação da Cannabis e decidiu pela retirada da planta e da sua resina do Anexo IV da Convenção Única de 1961 sobre Drogas Narcóticas, que lista as drogas consideradas como as mais perigosas, e a reinseriu na Lista 1, que inclui outros entorpecentes como a morfina - para a qual a OMS também recomenda controle -, mas admite que a substância tem menor potencial danoso. 15. Tanto o tipo penal do art. 28 quanto o do art. 33 se preocupam com a tutela da saúde, mas enquanto o § 1º do art. 28 trata do plantio para consumo pessoal ("Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica"), o § 1º, II, do art. 33 trata do plantio destinado à produção de drogas para entrega a terceiros. 16. A conduta para a qual os recorridos pleitearam e obtiveram salvo-conduto no Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública). 17. O que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento - potencialmente causador de dependência - próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros. 18. Outrossim, a hipótese dos autos também não se reveste de tipicidade penal - aqui em sua concepção material -, porque a conduta dos recorridos, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo - e tem aptidão concreta para isso - a partir da extração de produtos medicamentosos; isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006. 19. Se o Direito Penal é um mal necessário - não apenas instrumento de prevenção dos delitos, mas também técnica de minimização da violência e do arbítrio na resposta ao delito -, sua intervenção somente se legitima "nos casos em que seja imprescindível para cumprir os fins de proteção social mediante a prevenção de fatos lesivos" (SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 247, tradução livre). 20. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas (Art. 196. "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"). 21. No caso, uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso -, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos. 22. Se o Direito Penal, por meio da "guerra às drogas", não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes - e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta -, pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis sativa para fins exclusivamente medicinais. 23. Recurso especial do Ministério Público não provido, confirmando-se o salvo-conduto já expedido em favor dos ora recorridos. (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022) Esse entendimento foi reafirmado mais recentemente pela Quinta Turma do C. STJ no HC 779.289, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 28/11/2022. Portanto, há pertinência da impetração do habeas corpus na presente hipótese. Superado este ponto, cumpre aferir o cabimento da presente impetração como substitutivo de recurso adequado. No caso, denegada a ordem de habeas corpus de origem, a decisão é impugnável por recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581, inc. X, do CPP. Nessas situações a jurisprudência tem se posicionado no sentido de não ser admissível o habeas corpus como substitutivo do recurso pertinente. Contudo, excepciona-se a situação quando a decisão impugnada no habeas corpus substitutivo configurar constrangimento ilegal ao paciente. Nesse sentido: (...) 1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.(...) (destaquei) (AgRg no HC n. 791.815/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/5/2023, DJe de 12/5/2023.) Na hipótese, o juízo impetrado ao denegar liminarmente a ação de habeas corpus ao fundamento de “que não houve a comprovação da eficácia da fabricação caseira do produto terapêutico que corresponda aos medicamentos prescritos por profissionais, e nem é possível tal presunção sem qualquer análise técnica do óleo efetivamente extraído de forma doméstica pela parte paciente em sua residência”, afrontou o entendimento que se firmou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, conforme anteriormente registrado na presente decisão. Nesse contexto, a denegação liminar do habeas corpus em primeiro grau de jurisdição, nos termos em que proferido, implica em constrangimento ilegal ao paciente. Consequentemente, caracterizado o constrangimento ilegal na hipótese, deve ser o presente habeas corpus conhecido, por estar demonstrada a situação excepcional para sua admissibilidade. Procedo ao exame de mérito. O panorama relacionado à importação de plantas e derivados da planta de cannabis sofreu sensível modificação com a edição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA da Nota Técnica nº 35/2023/SEI/COCIC/GPCON/DIRES/ANVISA que, dentre outras questões, estabeleceu: Considerando que, até o momento, inexistem evidências científicas robustas que comprovem a segurança, somado ao alto potencial de desvio para fins ilícitos, não é permitida a importação de produtos compostos pela planta de Cannabis in natura ou partes de planta, incluindo as flores, em consonância ao que preconizam os Tratados Internacionais sobre Controle de Drogas dos quais o Brasil é signatário e a Lei nº 11.343/2006, com respaldo nas competências definidas pela Lei nº 9.782/1999. Em acordo com esse fundamento técnico, a RDC nº 327, de 09 de dezembro de 2019, ao definir produtos de Cannabis, não incluiu a permissão do uso da planta ou partes da planta, mesmo após processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou pulverizada, ainda que disponibilizada em qualquer forma farmacêutica. A combustão e inalação de uma planta não são formas farmacêuticas/vias de administração de produto destinado ao tratamento de saúde. Portanto, a partir da vigência de referido regulamento, restou expressamente proibida a importação de “produtos compostos pela planta de Cannabis in natura ou partes de planta, incluindo as flores”. Nesse contexto, a vedação alcança toda matéria in natura, na qual se inclui a semente. Até então, a questão ora trazida resumia sua análise em face da legislação penal que tipifica como delito as condutas de importação e cultivo da cannabis. Com a novel regulamentação, a questão foi ampliada, não se resumindo ao âmbito penal, havendo questões administrativas, notadamente, por envolver matéria sanitária. Nesse contexto, o habeas corpus como ação constitucional, cujo objeto é o afastamento de violência ou coação àquele que se encontrar sob restrição ou ameaçado de restrição em sua liberdade de locomoção (art. 5º, inc. LXVIII, da CF/88), não possui amplitude para discutir matéria de cunho administrativo. E assim, a presente impetração será apreciada sob o enfoque, exclusivamente, penal. E dessa forma, havendo vedação no âmbito administrativo, por razões que escapam à matéria penal, o habeas corpus não pode ser utilizado para autorizar o paciente a importar sementes de cannabis. Delimitada a matéria a ser analisada nessa esfera, prossigo na análise do objeto do mandamus. Como dito acima, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento acerca da pertinência da ação de habeas corpus para enfrentar a falta de regulamentação estatal para a produção pessoal de derivados de cannabis com fins medicinais para uso próprio. Nesse sentido: PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. 1. UTILIZAÇÃO DO MANDAMUS COMO SUBSTITUTO RECURSAL. NÃO CABIMENTO. AFERIÇÃO DE EVENTUAL FLAGRANTE ILEGALIDADE. 2. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA PARA FINS MEDICINAIS. NECESSIDADE DE EXAME NA SEARA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DO MEDICAMENTO NA SEARA CÍVEL. AUTO-CONTENÇÃO JUDICIAL NA SEARA PENAL. 3. SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ADMINISTRATIVA. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DO ÓRGÃO COMPETENTE. ESFERA CÍVEL. SOLUÇÃO MAIS ONEROSA E BUROCRÁTICA. NECESSIDADE DE SE PRIVILEGIAR O ACESSO À SAÚDE. 4. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE (ART. 196 DA CF). REPRESSÃO AO TRÁFICO (ART. 5º, XLIII, DA CF). NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO. LEI 11.343/2006 QUE PROÍBE APENAS O USO IDEVIDO E NÃO AUTORIZADO. ART. 2º, P. ÚNICO, DA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE A UNIÃO AUTORIZAR O PLANTIO. TIPOS PENAIS QUE TRAZEM ELEMENTOS NORMATIVOS. 5. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À SAÚDE. BENEFÍCIOS DA TERAPIA CANÁBICA. USO MEDICINAL AUTORIZADO PELA ANVISA. 6. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. SAÚDE PÚBLICA NÃO PREJUDICADA PELO USO MEDICINAL DA MACONHA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL E CONGLOBANTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CRIMINALIZAR QUEM BUSCA ACESSO AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. 7. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES. AUSÊNCIA DO PRINCÍPIO ATIVO. ATIPICIDADE NA LEI DE DROGAS. POSSIBILIDADE DE TIPIFICAR O CRIME DE CONTRABANDO. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SALVO-CONDUTO QUE DEVE ABARCAR TAMBÉM REFERIDA CONDUTA. 8. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. PARECER MINISTERIAL PELA CONCESSÃO DO WRIT. PRECEDENTES. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. No julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 123.402/RS, concluí que a autorização para plantio de maconha com fins medicinais depende de critérios técnicos cujo estudo refoge à competência do juízo criminal, que não pode se imiscuir em temas cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. - De igual sorte, considerando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária autoriza a importação de fármacos à base de cannabis sativa, considerei que o direito à saúde estaria preservado, principalmente em razão da existência de precedentes desta Corte Superior, favoráveis ao custeio de medicamentos à base de canabidiol pelo plano de saúde (REsp n. 1.923.107/SP), bem como do Supremo Tribunal Federal (RE 1.165.959/SP), que, em repercussão geral, fixou a tese de que "cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada". - Dessa forma, vinha determinando que o pedido fosse analisado administrativamente, com possibilidade de, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, porém à jurisdição cível competente, privilegiando a auto-contenção judicial na seara penal. 3. Contudo, ao me deparar novamente com a matéria na presente oportunidade, passados quase dois anos do julgamento do recurso acima indicado, verifico que o cenário não se alterou administrativamente. De fato, a ausência de regulamentação administrativa persiste e não tem previsão para solução breve, uma vez que a Anvisa considera que a competência para regular o cultivo de plantas sujeitas a controle especial seria do Ministério da Saúde e este considera que a competência seria da Anvisa. - Ademais, apesar de a matéria também poder ser resolvida na seara cível, conforme anteriormente mencionado, observo que a solução se revela mais onerosa e burocrática, com riscos, inclusive, à continuidade do tratamento. Dessa forma, é inevitável evoluir na análise do tema na seara penal, com o objetivo de superar eventuais óbices indicados por mim, anteriormente, privilegiando-se, dessa forma, o acesso à saúde, por todos os meios possíveis, ainda que pela concessão de salvo-conduto. 4. A matéria trazida no presente mandamus diz respeito ao direito fundamental à saúde, constante do art. 196 da Carta Magna, que, na hipótese, toca o direito penal, uma vez que o art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, determina a repressão ao tráfico e ao consumo de substâncias entorpecentes e psicotrópicas, determinando que essas condutas sejam tipificadas como crime inafiançável e insuscetível de graça e de anistia. - Diante da determinação constitucional, foi editada mais recentemente a Lei 11.343/2006. Pela simples leitura da epígrafe da referida lei, constata-se que, a contrario sensu, ela não proíbe o uso devido e a produção autorizada. Dessa forma, consta do art. 2º, parágrafo único, que "pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas". - Nesse contexto, os dispositivos de Lei de Drogas que tipificam os crimes, trazem um elemento normativo do tipo redigido nos seguintes termos: "sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar". Portanto, havendo autorização ou determinação legal ou regulamentar, não há se falar em crime, porquanto não estaria preenchido o elemento normativo do tipo. No entanto, conforme destacado, até o presente momento, não há qualquer regulamentação da matéria, o que tem ensejado inúmeros pedidos perante Poder Judiciário. 5. Como é de conhecimento, um dos pilares da dignidade da pessoa humana é a prevalência dos direitos fundamentais, dentre os quais se inclui o direito à saúde, garantido, de acordo com a Constituição Federal, mediante ações que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. - Contudo, diante da omissão estatal em regulamentar o plantio para uso medicinal da maconha, não é coerente que o mesmo Estado, que preza pela saúde da população e já reconhece os benefícios medicinais da cannabis sativa, condicione o uso da terapia canábica àqueles que possuem dinheiro para aquisição do medicamento, em regra importado, ou à burocracia de se buscar judicialmente seu custeio pela União. - Desde 2015 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária vem autorizando o uso medicinal de produtos à base de Cannabis sativa, havendo, atualmente, autorização sanitária para o uso de 18 fármacos. De fato, a ANVISA classificou a maconha como planta medicinal (RDC 130/2016) e incluiu medicamentos à base de canabidiol e THC que contenham até 30mg/ml de cada uma dessas substâncias na lista A3 da Portaria n. 344/1998, de modo que a prescrição passou a ser autorizada por meio de Notificação de Receita A e de Termo de Consentimento Informado do Paciente. 6. Trazendo o exame da matéria mais especificamente para o direito penal, tem-se que o bem jurídico tutelado pela Lei de Drogas é a saúde pública, a qual não é prejudicada pelo uso medicinal da cannabis sativa. Dessa forma, ainda que eventualmente presente a tipicidade formal, não se revelaria presente a tipicidade material ou mesmo a tipicidade conglobante, haja vista ser do interesse do Estado, conforme anteriormente destacado, o cuidado com a saúde da população. - Dessa forma, apesar da ausência de regulamentação pela via administrativa, o que tornaria a conduta atípica formalmente - por ausência de elemento normativo do tipo -, tem-se que a conduta de plantar para fins medicinais não preenche a tipicidade material, motivo pelo qual se faz mister a expedição de salvo-conduto, desde que comprovada a necessidade médica do tratamento, evitando-se, assim, criminalizar pessoas que estão em busca do seu direito fundamental à saúde. 7. Quanto à importação das sementes para o plantio, tem-se que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça sedimentaram o entendimento de que a conduta não tipifica os crimes da Lei de Drogas, porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à cannabis sativa. Ficou assentado, outrossim, que a conduta não se ajustaria igualmente ao tipo penal de contrabando, em razão do princípio da insignificância. - Entretanto, considerado o potencial para tipificar o crime de contrabando, importante deixar consignado que, cuidando-se de importação de sementes para plantio com objetivo de uso medicinal, o salvo-conduto deve abarcar referida conduta, para que não haja restrição, por via transversa do direito à saúde. - Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). - Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal). Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da Fraternidade - um instrumento para proteção de direitos fundamentais transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para expedir salvo-conduto em benefício do paciente, para que as autoridades responsáveis pelo combate ao tráfico de drogas, inclusive da forma transnacional, abstenham-se de promover qualquer medida de restrição de liberdade, bem como de apreensão e/ou destruição dos materiais destinados ao tratamento da saúde do paciente, dentro dos limites da prescrição médica, incluindo a possibilidade de transporte das plantas, partes ou preparados dela, em embalagens lacradas, ao Laboratório de Toxicologia da Universidade de Brasília, ou a qualquer outra instituição dedicada à pesquisa, para análise do material. Parecer ministerial pela concessão da ordem. Precedentes. (HC n. 779.289/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 28/11/2022.) Portanto, com a ressalva inicialmente lançada na presente fundamentação, há pertinência da impetração do habeas corpus na presente hipótese. Passa-se à verificação das provas trazidas a título de pré-constituídas. Visando demonstrar o direito pleiteado, foram apresentados relatório médico demonstrando que o paciente apresenta diagnóstico de condromalácia patelar grau 2 no joelho direito (ID 284520524 - Pág. 1/2), que impacta seu dia-a-dia. Demonstra a documentação, também, a prescrição médica com indicação das dosagens adequadas ao tratamento (IDs 284520527 - Pág. 1; 284520528 - Pág. 1 e 284520530 - Pág. 1/2), autorização para importação de derivado da cannabis (ID 284520531 - Pág. 1/2), certificado de curso de cultivo e extração de cannabis medicinal (ID 284523632 - Pág. 1) e Laudo Técnico Agronômico (ID 284523633 - Pág. 1/3), complementado no ID 284654976 - Pág. 1/2. Aqui, destaco que, ao contrário de outros casos em que tenho decidido pela denegação da ordem por ausência de prova do quantitativo necessário ao enfrentamento da patologia a que sofre o paciente, os impetrantes apresentaram o já mencionado Laudo Técnico Agronômico (IDs 284523633 - Pág. 1/3 e 284654976 - Pág. 1/2), no qual o engenheiro agrônomo que o subscreve associa a quantidade de plantas a serem cultivadas, por períodos de 03 meses, de acordo com a prescrição médica. Nesse contexto, está bem comprovada a necessidade do tratamento mediante uso de derivado de cannabis e, principalmente, a quantidade a ser cultivada para extração do medicamento de forma artesanal. Diante do exposto, concedo a ordem de habeas corpus preventivo, deferindo a expedição de salvo-conduto para que as autoridade apontadas como coatoras, responsáveis pela repressão dos crimes envolvendo drogas, se abstenham de promover qualquer ato de repressão em relação ao paciente, referente atos atinentes à importação de sementes de cannabis sativa, cultivo, produção, extração e transporte dos derivados necessários aos fins medicinais prescritos pelos profissionais de medicina que acompanham seu tratamento e que instruem a presente impetração, limitado a 20 plantas adultas em floração/ciclo, por trimestre, conforme indicado no laudo agronômico. As autoridades coatoras ficam autorizadas, contudo, a fiscalizar o adequado cumprimento dos limites. A presente ordem perdurará até que sobrevenha decisão em sentido contrário, incluindo, decisões de Tribunal Superior com efeitos erga omnes, ou ainda, caso haja regulamentação administrativa pela ANVISA ou outro órgão competente, devendo nesta hipótese o paciente adequar-se às prescrições de ordem administrativa, bem como sobrevindo incorporação do medicamente pelo SUS, com o fornecimento gratuito pelo poder público, atendendo ao tratamento médico prescrito. Por fim, registro que o salvo-conduto não possui efeitos administrativos autorizativos de importação de qualquer matéria de cannabis in natura. É o voto.
IMPETRANTE E PACIENTE: VICTOR PACHECO MERHI RIBEIRO
Diverge do e. Relator, a fim de DENEGAR a ordem de Habeas Corpus.
Em que pese a existência de prescrição médica, autorização da Anvisa para importação de medicamento à base de canabidiol, não há prova de incapacidade financeira do paciente para aquisição do remédio.
Além disso, não há prova nos autos que demonstrem a capacitação técnica para extração da substância medicamentosa das plantas cultivadas.
De fato, o certificado da realização do Curso de Cultivo e Extração da Cannabis Medicinal junto à Associação Brasileira de Estudos da Cannabis Sativa, acostado no ID 284523632, com carga horária de 4 horas, não se presta para tal fim, pois sequer informa a modalidade de realização do curso, se presencial ou online, seu respectivo conteúdo programático, além de não informar se o curso ministrado possui reconhecimento da autoridade sanitária.
Desse modo, como o Habeas Corpus demanda prova pré-constituída não se mostra a concessão da ordem no presente caso.
Ante o exposto, vota no sentido de DENEGAR a ordem de Habeas Corpus.
E M E N T A
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SALVO-CONDUTO. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA E CULTIVO. USO TERAPÊUTICO.
1. Habeas corpus preventivo, com o objetivo de obtenção de salvo conduto para que o paciente não sofra repressão penal pela importação de sementes de cannabis sativa e o cultivo de plantas para fins terapêuticos.
2. O Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento acerca da pertinência da ação de habeas corpus para enfrentar a falta de regulamentação estatal para a produção pessoal de derivados de cannabis com fins medicinais para uso próprio. Há pertinência da impetração na hipótese.
3. O juízo impetrado ao denegar liminarmente a ação de habeas corpus ao fundamento de “que não houve a comprovação da eficácia da fabricação caseira do produto terapêutico que corresponda aos medicamentos prescritos por profissionais, e nem é possível tal presunção sem qualquer análise técnica do óleo efetivamente extraído de forma doméstica pela parte paciente em sua residência”, afrontou o entendimento que se firmou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
4. O panorama relacionado à importação de plantas e derivados da planta de cannabis sofreu sensível modificação, com edição pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA da Nota Técnica nº 35/2023/SEI/COCIC/GPCON/DIRES/ANVISA.
5. O habeas corpus como ação constitucional, cujo objeto é o afastamento de violência ou coação àquele que se encontrar sob restrição ou ameaçado de restrição em sua liberdade de locomoção (art. 5º, inc. LXVIII, da CF/88), não possui amplitude para discutir matéria de cunho administrativo.
6. Comprovada a necessidade do tratamento mediante uso de derivado de cannabis e, principalmente, a quantidade a ser cultivada para extração do medicamento de forma artesanal.
7. Ordem concedida.