Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002424-44.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: TALISON VICTORIO DIAS

Advogado do(a) APELANTE: JEFFERSON NASCIMENTO BEZERRA - MS22169

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

    
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5002424-44.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: TALISON VICTORIO DIAS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de TALISON VICTORIO DIAS, em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar o réu como incurso nas disposições do artigo 334-A, § 1°, I, do Código Penal, com complemento no Decreto-Lei n° 399/1968 e nos arts. 46 e art. 47 da Lei 9.532/97.

Narra a denúncia (ID 282322574):

"No dia 16/12/2021, agindo dolosamente, TALISON VICTORIO DIASintroduziu em território nacional e transportou em rodovia no Mato Grosso do Sul cigarros paraguaios de importação proibida (cigarros da marca paraguaia "Fox").

Consta do procedimento administrativo nº 19715.722938/2021-99 (auto de infração correlato nº 19715.722937/2021-44) que, na data supracitada, TALISON foi surpreendido pela polícia militar, na MS 162, km 115, em Sidrolândia/MS, transportando no veículo GM/Onix, placaRGB9C20, 2.500 maços de cigarros (marca “Fox) que ele importou clandestinamente.

Entrevistado, o denunciado disse aos policiais que comprou os cigarros no Paraguai, pelo valor de R$ 3.675,00 e que pretendia revendê-los nesta Capital.

Os cigarros contrabandeados foram avaliados em R$ 19.838,06 e o valor estimado dos tributos que deixaram de ser recolhidos foi de R$ 9.250,00.

[...]

No mês de outubro de 2022, TALISON foi preso por contrabando de cigarros paraguaios (autos 5008793-88.2022.4.03.6000, 5ª Vara Federal de Campo Grande). Além disso, existem outros elementos que demonstram conduta habitual de TALISON.

Em consulta ao “Comprot”, sistema da Receita Federal, tendo como base os últimos 5 anos, constam outros procedimentos administrativos envolvendo o contrabando de cigarros em desfavor do denunciado, todos posteriores aos fatos retratados na presente denúncia.

Os procedimentos administrativos nº19715.720413/2022-08 (auto de infração correlato nº 19715.720411/2022-19) e nº 10109.723737/2022-63 (auto de infração correlato nº10109.723736/2022-19) ainda não aportaram no MPF, por isso não foi possível ter acesso aos valores das mercadorias apreendidas.

[...]."

Ao final, o Ministério Público Federal denunciou TALISON VICTORIO DIAS como incurso no artigo 334-A, § 1°, I, do Código Penal, com complemento no Decreto-Lei n° 399/1968 e nos arts. 46 e art. 47 da Lei 9.532/97.

A denúncia foi recebida em 10/04/2023 (ID 282322577).

Após regular instrução, sobreveio a sentença (ID 282322638), pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar o réu pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1°, I, do Código Penal, com complemento no Decreto-Lei n° 399/1968 e nos arts. 46 e art. 47 da Lei 9.532/97, à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída pelas penas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e de prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos. Por fim, o magistrado a quo isentou o réu ao recolhimento das custas judiciais, e decretou a inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo da condenação, nos termos do art. 92, III, CP.

A sentença foi publicada em 17 de outubro de 2023.

Em suas razões de apelação (ID 282322643), a defesa pleiteia a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, alegando que o recorrente não possui meios de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo do próprio sustento e de sua família. A defensora pugna pela intimação pessoal, mediante remessa dos autos, e pela contagem em dobro de todos os prazos, com fundamento no art. 44, inciso I, da Lei Complementar nº 80/94 e, do art. 186, caput e §1º, do Código de Processo Civil. No mérito, pugna pela absolvição do réu, sustentando a insuficiência probatória. Aduz que a acusação não produziu prova judicial da materialidade do crime. Argumenta que o réu não teve defesa no inquérito policial, o que prejudicou a ampla defesa. Subsidiariamente, requer o afastamento da inabilitação para dirigir, apontando que a mera prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor não é suficiente para a aplicação do referido efeito, e que a inabilitação não impede a reiteração criminosa, além de privar o indivíduo de instrumento de trabalho.

A acusação apresentou contrarrazões (ID 282322649).

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo não provimento do recurso (ID 282307715).

É o relatório.

Sujeito à revisão, na forma regimental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


  
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RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI

APELANTE: TALISON VICTORIO DIAS

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

 

V O T O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Cuida-se de apelação penal interposta pela defesa de TALISON VICTORIO DIAS contra decisão que julgou procedente a denúncia, para condená-lo pela prática do crime definido no artigo 334-A, § 1°, I, do Código Penal, com complemento no Decreto-Lei n° 399/1968 e nos arts. 46 e art. 47 da Lei 9.532/97, que dispõe:

"Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida:  

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos.  

§ 1º Incorre na mesma pena quem:  

I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando."

"Art. 2º O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira.

Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.

"Art. 46. É vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem.

Art. 47. O importador de cigarros deve constituir-se sob a forma de sociedade, sujeitando-se, também, à inscrição no Registro Especial instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.593, de 1977."

Da intimação pessoal da Defensoria Pública da União

A defensora pugna pela intimação pessoal, mediante remessa dos autos, e pela contagem em dobro de todos os prazos, com fundamento no art. 44, inciso I, da Lei Complementar nº 80/94 e, do art. 186, caput e §1º, do Código de Processo Civil.

No que tange o pedido pela intimação pessoal, não se olvida que o artigo 44, I, da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1984, prevê que os membros da Defensoria Pública da União têm a prerrogativa de receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição.

No entanto, desde 26 de janeiro de 2010, consoante o Comunicado 02/2010-SEJU, a intimação da Defensoria Pública da União (unidade São Paulo), quanto às pautas de julgamentos nos feitos em que exclusivamente atue a DPU, caso dos autos, vem sendo realizada somente por meio eletrônico, conforme anuência expressa do Excelentíssimo Senhor Defensor Público Chefe da unidade da Defensoria Pública da União em São Paulo.

Sendo assim, a Defensoria Pública da União pode ser intimada da inclusão do feito em pauta de julgamento via correio eletrônico, o que também é admitido por lei, de acordo com o § 1º do art. 186 do Código de Processo Civil, c.c. art. 183, § 1º, do mesmo diploma, e art. 3º do Código de Processo Penal. Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2º, I, II E V, E ART. 288, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO POR CORREIO ELETRÔNICO (E-MAIL). POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DOS PRECEITOS INSERTOS NOS ARTS. 183 E 186 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO ÂMBITO DO PROCESSO CRIMINAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSTERIOR INTIMAÇÃO PESSOAL DA SESSÃO DE JULGAMENTO. PRECLUSÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.

1. A jurisprudência firmada no Superior Tribunal de Justiça é a de que a intimação do Ministério Público e do defensor nomeado - público ou dativo - de todos os atos do processo será pessoal, a teor do § 4º do art. 370 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 9.271/1996, do art. 5º, § 5º, da Lei n. 1.060/1950 e do art. 128, I, da Lei Complementar n. 80/1994, sob pena de nulidade absoluta por ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. 2. Consoante o disposto no art. 3º do Código de Processo Penal, a norma constante dos arts. 183 e 186 do Código de Processo Civil tem aplicabilidade aos processos criminais. Nesse sentido é o recente enunciado n. 3 da I Jornada de Direito Processual Civil realizado pelo Conselho da Justiça Federal, cujo verbete dispõe que "as disposições do CPC aplicam-se supletiva e subsidiariamente ao Código de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei". 3. "[D]iversamente do que ocorre com o Ministério Público, a prerrogativa de remessa dos autos com vista à Defensoria Pública somente se dará, pela literalidade do dispositivo, nas hipóteses em que ficar caracterizada a necessidade desse tipo específico de intimação pessoal. A contrario sensu, seria possível concluir que a intimação pessoal dos defensores pode ser efetivada por outras formas que não a remessa dos autos, a depender da situação concreta examinada. (HC n. 296.759/RS, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/8/2017, DJe 21/9/2017). 4. Nos moldes do disposto no § 1º do art. 186 do Código de Processo Civil - aplicável ao processo penal ex vi do art. 3º da legislação de regência - "A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais. § 1º O prazo tem início com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, § 1º" a intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. (...) 6. Consoante dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal, não se declara a nulidade de ato processual sem que haja efetiva demonstração de prejuízo, em observância ao princípio pas de nullité sans grief. 7. Habeas corpus denegado. (STJ, HC 492458/MT, Reg. nº 2019.00.37026-0, Sexta Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, j. 04.06.2019, DJe 11.06.2019)

PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DPU PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS A SEREM SANADOS. - As hipóteses de cabimento do recurso de Embargos de Declaração estão elencadas no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, a existência de ambiguidade, de obscuridade, de contradição ou de omissão. De regra, não se admite a oposição de Embargos Declaratórios com o objetivo de modificar o julgado, exceto em decorrência da sanação de algum dos vícios anteriormente mencionados, não servindo, portanto, o expediente para alterar o que foi decidido pelo órgão judicial em razão de simples inconformismo acerca de como o tema foi apreciado (o que doutrina e jurisprudência nominam como efeito infringente dos Aclaratórios). Entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - O Código de Processo Penal não faz exigências quanto ao estilo de expressão nem impõe que o julgador se prolongue eternamente na discussão de cada uma das linhas de argumentação tecidas pelas partes, mas apenas que sejam fundamentadamente apreciadas todas as questões controversas passíveis de conhecimento pelo julgador naquela sede processual. A concisão e a precisão são qualidades, e não defeitos, do provimento jurisdicional exarado. Entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça. - Mesmo tendo os Aclaratórios finalidade de prequestionar a matéria decidida objetivando a apresentação de recursos excepcionais, imperioso que haja no julgado recorrido qualquer um dos vícios constantes do art. 619, anteriormente mencionado. - Não se olvida que o artigo 44, I, da Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1984, prevê que os membros da Defensoria Pública da União têm a prerrogativa de receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição. Contudo, inexiste previsão de intimação, seja pessoal ou pela imprensa oficial, acerca do julgamento de Embargos de Declaração, que são apresentados em mesa e independem de pauta, nos termos do artigo 80 do Regimento Interno desta E. Corte, e, ainda, de acordo com o artigo 143 do mesmo instituto, não admitem sustentação oral. - Embargos de Declaração opostos pela defesa de DÉBORA CORREA LISBÔA rejeitados.
(APELAÇÃO CRIMINAL - 78911 ..SIGLA_CLASSE: ApCrim 0003201-56.2015.4.03.6110 .. TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, DJEN DATA:24/02/2022)

Assim, resta indeferido o pedido de intimação pessoal.

Da materialidade

A defesa pugna pela absolvição do réu, sustentando que a acusação não produziu prova judicial da materialidade do crime.

A materialidade delitiva foi efetivamente demonstrada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 0100100-65944/2022 (ID 282322576, p. 9-10); pela Relação de Mercadorias e Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos nº 65944/2022 (ID 282322576, p. 12); pelo Termo de Guarda da Polícia Militar Rodoviária nº 468/2021 (ID 282322576, p. 16-17); pelo Boletim de Ocorrência da Polícia Militar Rodoviária nº 137/2021 (ID 282322576, p. 18-19); pela Relação de Mercadorias nº 0140100-188092/2021 (ID 282322576, p. 21), e pelo Auto de Infração com Apreensão de Cigarros nº 0100100-65941/2021 (ID 282322576, 29-30).

Com efeito, tais documentos registram a apreensão de cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Fox, de importação e comercialização proibidas no Brasil, tornando inconteste a materialidade delitiva.

Anote-se que os processos administrativos, incluídos os de cunho fiscal, são provas não repetíveis, nos termos do artigo 155, do Código de Processo Penal, sujeitos, pois, ao contraditório diferido, sendo hábeis a alicerçar condenações criminais.

A jurisprudência do C. STJ há muito assentou a premissa de que processos administrativos "como documentos que são (CPP, art. 232), são provas não repetíveis para fins processuais penais, sendo aptos a embasar condenações criminais (CPP, art. 155), desde que submetidos a amplo contraditório diferido em juízo." (REsp n. 1.613.260/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24/8/2016).

Assim, tais processos têm validade e eficácia na formação da convicção do juiz, eis que submetidos ao contraditório diferido, pelo que não há que se cogitar em condenação lastreada com base em provas inquisitoriais.

A Representação Fiscal para Fins Penais nº 0100100-65944/2022 (ID 282322576, p. 9-10) e o Auto de Infração com Apreensão de Cigarros nº 0100100-65941/2021 (ID 282322576, 29-30) são documentos públicos, dotados de fé publica e presunção de legitimidade e veracidade, a qual não foi desconstituída pela defesa.

Assim, não há ofensa ao artigo 155 do Código de Processo Penal quando a condenação está lastreada em provas não repetíveis produzidas na esfera investigativa e, depois, reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa.

Da autoria e do dolo

Em que pese estar demonstrada a materialidade delitiva, a autoria não se mostra cabalmente certa.

Consta do Boletim de Ocorrência que policiais militares abordaram o veículo GM/Onix, placas RGB9C20, de Belo Horizonte/MG, conduzido pelo acusado, encontrando 250 (duzentos e cinquenta) pacotes de cigarros da marca Fox no interior do porta-malas. Indagado, TALISON relatou que adquiriu os cigarros no Paraguai, por R$ 3.675 (três mil, seiscentos e setenta e cinco reais), com o objetivo de revendê-los em Campo Grande/MS. 

Diante dos fatos, foi feito contato com a Polícia Federal de Campo Grande, que orientou a entrega na Receita Federal de Campo Grande. Foi então confeccionado o Termo de Guarda nº 468/2021, que posteriormente foi encaminhado à Receita Federal (ID 282322576, pp. 18/19).

Não foi realizado o interrogatório policial do acusado, tampouco foram coletadas declarações dos policiais que realizaram a abordagem.

Em juízo, o réu exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio (ID 282322635), e a testemunha policial Fábio dos Santos apresentou atestado médico, sendo que o Ministério Público Federal e a defesa solicitaram a dispensa da oitiva da testemunha (ID 282322633).

Os elementos probatórios colacionados na fase inquisitiva apontam a perpetração do delito de contrabando pelo réu, tanto que foi instaurada a respectiva ação penal. No entanto, sem elementos judiciais que confirmem os indícios apurados na fase inquisitorial, descabe manter condenação, sob pena de violação ao art. 155 do Código de Processo Penal, pelo qual se veda ao juiz que fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.

Cumpre transcrever o artigo 155 do Código de Processo Penal:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Embora o aludido dispositivo legal não vede o emprego da prova angariada no inquérito policial, preceitua que ela seja corroborada por outros dados inferidos no decorrer da instrução criminal, o que não se verifica no caso em questão.

Também insta destacar precedentes desta Corte:    

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CONTRA OS CORREIOS. ARTIGO 157, §2º, I, II DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AUTORIA NÃO COMPROVADA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 155, DO CPP.
1. Materialidade do crime de roubo contra agência dos Correios de Pardinho/SP no dia 06/07/2005 comprovada.
2. Autoria não comprovada face à deficiência na instrução processual, sendo vedada a prolação de um decreto condenatório fundamentado exclusivamente nos elementos carreados em sede policial, o que violaria o disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal.
3. Absolvição mantida, nos termos do artigo 386, V, do Código de Processo Penal.
4. Recurso desprovido.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75372 - 0008813-30.2005.4.03.6108, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 04/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/02/2019 )
                                                                               
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. ART. 157, §2º, INCISOS I E II, DO CP (REDAÇÃO AO TEMPO DOS FATOS). EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA. IN DUBIO PRO REO. NECESSIDADE DE PROVA JUDICIALIZADA PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO.
1. Réu condenado pela prática do crime de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo e concurso de pessoas, praticado em detrimento da agência dos Correios da cidade de Mineiros do Tietê/SP.
2. Não há provas colhidas na fase judicial que demonstrem, de forma insofismável, que o réu praticou o delito em apreço.
3. Elementos colhidos na fase de investigação, não corroborados por provas produzidas em juízo sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não são aptos a embasar condenação penal, consoante dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal.
4. Inexistindo prova judicial que demonstre a autoria delitiva de forma indene de dúvida, não há que se falar em condenação. A dúvida deve ser revertida em favor do réu, em observância ao princípio do in dubio pro reo.
5. Verifica-se que o conjunto probatório é insuficiente para comprovar, com a certeza necessária, que o acusado praticou o crime de roubo majorado em tela, impondo-se a absolvição com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
6. Apelo defensivo a que se dá provimento.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 77596 - 0001255-57.2017.4.03.6117, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 26/03/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/04/2019 )
                                          
PENAL. ESTELIONATO. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE COMPROVADA EM RELAÇÃO A DOIS DELITOS DE ESTELIONATO. AUTORIA DELITIVA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO IMPROVIDA.
- Materialidade inconteste em relação aos fatos ocorridos em 02.06.2006 e 31.08.2006. Não comprovada a materialidade delitiva relativamente ao fato irrogado na denúncia que teria sido praticado em 12.04.2006.
- O conjunto probatório não permite realizar um juízo seguro quanto à autoria dos fatos, devendo prevalecer o princípio in dubio pro reo, com a absolvição do acusado pela pratica delitiva tipificada no art. 171, caput e § 3º, c.c. art. 14, II, todos c.c. art. 69 , todos do Código Penal, com base no artigo 386, V, do Código de Processo Penal (V - não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal). Art. 156 do Código de Processo Penal.
- Inobservância do art. 155 do Código de Processo Penal. Impossibilidade de utilização de elementos coligidos tão somente na fase inquisitorial como fundamento para a condenação. Prevalência do princípio do in dubio pro reo. Precedentes.
- Apelação do Ministério Público Federal improvida.
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 59279 - 0009831-90.2007.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 12/03/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/03/2019)                                       

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334, “CAPUT”, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDA.

- A materialidade delitiva não foi contestada e restou comprovada por meio do Boletim de Ocorrência no qual se verifica a apreensão de 300 (trezentos) pacotes de cigarros de origem estrangeira, totalizando 3.000 (três mil) maços, das marcas “EIGHT e MILL”, transportados em veículo particular, introduzidos clandestinamente no território nacional, em patente violação à legislação pátria, bem como pela Representação Fiscal para Fins Penais, pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias, pelo Boletim de Ocorrências, pelo Termo de Conferência de Mercadorias e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Merceologia).

- O policial arrolado como testemunha da acusação e ouvido por videoconferência, apenas confirmou que, à época dos fatos, estava lotado no posto da Polícia Rodoviária Federal em Naviraí/MS, não se recordando da apreensão envolvendo o réu. Não foram feitas reperguntas a ele na aludida audiência, de maneira que também não houve confirmação em juízo do que foi consignado no Boletim de Ocorrência.

- A prova testemunhal e a confissão do réu à autoridade policial não foram reproduzidas em juízo, em afronta ao art. 155 do Código de Processo Penal, segundo o qual o decreto condenatório não pode se fundar exclusivamente em elementos de prova colhidos apenas no inquérito policial e não repetidos em juízo, podendo tais elementos ser utilizados para corroborar o convencimento baseado em outras provas disponibilizadas durante a instrução processual.

- Ausentes provas produzidas em Juízo acerca dos fatos criminosos atribuídos ao réu deve ser mantida a sentença absolutória, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

- Apelação da acusação não provida.

(TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0001334-20.2013.4.03.6006, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)                    

O frágil conjunto probatório amealhado não estabeleceu o juízo de certeza indispensável para sustentar um veredicto condenatório.

Some-se a isso que o ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em tela - especialmente em respeito à presunção de inocência.

A existência de meros indícios, portanto, não autoriza o embasamento do édito condenatório, incidindo-se o princípio in dubio pro reo.

Trago à colação o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. DELITO DO ART. 334, § 1º, ''B", DO CÓDIGO PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 4.729/65. INTERNALIZAÇÃO DE MERCADORIA PROIBIDA SEM O REGISTRO ESPECIAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. GARANTIA PRESTADA EM DINHEIRO. RESTITUIÇÃO. DESCONTADOS OS ENCARGOS LEGAIS. ORIGEM LÍCITA. COMPROVAÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE COM O CRIME EM QUESTÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. INCIDÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. RECURSO PROVIDO.

1. In casu, o recorrente foi condenado pelo crime do art. 334, § 1º, 'b', do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 4.729/65 (internalização de mercadoria proibida de importação sem o devido registro especial) - 340.000 (trezentos e quarenta mil) maços de cigarros de origem paraguaia, avaliados em R$ 132.423,20 (cento e trinta e dois mil, quatrocentos e vinte e três reais e vinte centavos) -, à pena de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos.

[...]

7. O órgão acusador não trouxe aos autos qualquer prova da origem da fiança, não havendo se falar em inversão do ônus probatório, pois se está a cogitar a existência de crime - utilização de recursos ilícitos para resguardo da liberdade - em que se pressupõe a presunção de inocência, devendo o acusador provar a existência do fato e de sua autoria.

8. A falta de elementos de convicção que demonstrem ligação do acusado com o fato delituoso podem gerar, no julgador, dúvida acerca do nexo causal. Assim, deve ser invocado o princípio do in dubio pro reo, devendo o fato ser resolvido em favor do imputado, uma vez que a culpa penal deve restar plenamente comprovada, em razão da presunção de inocência. Isso porque, a garantia da liberdade deve prevalecer sobre a pretensão punitiva do Estado, princípio este que está implícito no inciso VII do art. 386 do Código de Processo Penal.

9. Assim, inexistindo provas da vinculação ou do nexo causal entre o crime praticado e a fiança prestada, a consequência lógica é a liberação da garantia, já que esta perdeu seu objeto com a finalização do processo condenatório, nos termos do art. 347 do Código de Processo Penal.

10. Recurso especial provido.

(REsp 1657576/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017) (grifo nosso)

Induvidoso que as provas produzidas nos presentes autos não são razoavelmente seguras para decretar a condenação do réu, devendo ser provida a apelação do réu, para absolvê-lo, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de TALISON VICTORIO DIAS, para absolvê-lo, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

É o voto.

 

 

                                            

 

 

 

 

 

 



 E M E N T A

 

PENAL. PROCESSO PENAL. CONTRABANDO. ARTIGO 334-A, §1º, I, DO CP. MATERIALIDADE DEMONSTRADA. DOLO NÃO COMPROVADO. PROVAS PRODUZIDAS NA SEARA POLICIAL NÃO CORROBORADAS EM JUÍZO. ARTIGO 155 DO CPP. ARTIGO 386, VII, CPP. REFORMA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO DA DEFESA A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. A materialidade delitiva ficou demonstrada pela Representação Fiscal para Fins Penais nº 0100100-65944/2022, pela Relação de Mercadorias e Demonstrativo de Créditos Tributários Evadidos nº 65944/2022, pelo Termo de Guarda da Polícia Militar Rodoviária nº 468/2021, pelo Boletim de Ocorrência da Polícia Militar Rodoviária nº 137/2021, pela Relação de Mercadorias nº 0140100-188092/2021, e pelo Auto de Infração com Apreensão de Cigarros nº 0100100-65941/2021. Com efeito, tais documentos registram a apreensão de cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) maços de cigarros da marca Fox, de importação e comercialização proibidas no Brasil, tornando inconteste a materialidade delitiva.

2. Não foi realizado o interrogatório policial do acusado, tampouco coletadas declarações dos policiais que realizaram a abordagem. Em juízo, o réu exerceu seu direito constitucional de permanecer em silêncio, e a testemunha policial apresentou atestado médico, sendo que o Ministério Público Federal e a defesa solicitaram a dispensa de sua oitiva.

3. Os elementos probatórios colacionados na fase inquisitiva apontam a perpetração do delito de contrabando pelo réu, tanto que foi instaurada a respectiva ação penal. No entanto, sem elementos judiciais que confirmem os indícios apurados na fase inquisitorial, descabe manter condenação, sob pena de violação ao art. 155 do Código de Processo Penal, pelo qual se veda ao juiz que fundamente sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.

4. O ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em tela - especialmente em respeito à presunção de inocência.

5. Impõe-se, in casu, o decreto absolutório, ante a vedação constante do artigo 155 do Código de Processo Penal Brasileiro.

6. Apelo da defesa a que se dá provimento. Absolvição do réu, com fundamento no artigo 386, VII do Código de Processo Penal.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de TALISON VICTORIO DIAS, para absolvê-lo, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.